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CHAVE SECRETA X
Autor
W. W. SHOLS
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Para impedir Thora de penetrar na fortaleza de Vênus e
estabelecer contato com Árcon, Perry Rhodan seguiu a arcônida, mas
não se lembrou de que os novos destróieres espaciais ainda não estavam
em condições de irradiar mensagens em código que pudessem atingir o
cérebro positrônico da fortaleza.
Acontece que um robô nunca age irrefletidamente, guia-se apenas
pela lógica; e é assim que, face à aproximação não anunciada de Thora
e Rhodan, o comandante dos robôs da fortaleza de Vênus manipula a
Chave Secreta X, que fecha hermeticamente o planeta...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
***
Son Okura, o visor de freqüências que tinha dificuldades de andar, e Perry Rhodan,
chefe da Terceira Potência, não formavam a equipe mais adequada para uma marcha a pé
em Vênus. Ainda mais quando o objetivo ficava a nada menos de quinhentos quilômetros
em linha reta, e havia como obstáculo um braço de mar de trezentos e cinqüenta
quilômetros de largura, que um belo dia também teria de ser vencido.
Desde o início a dificuldade de andar de que padecia Son Okura teve que ser incluída
nos cálculos. A ferida no ombro de Rhodan só surgira posteriormente, quando os dois
homens e John Marshall se viram envolvidos num combate entre os rebeldes e os
pacifistas do tenente Wallerinski. Nem por isso Rhodan perdeu o bom humor. Tratava-se
de uma perfuração direta na altura da axila. Nenhum osso e nenhum músculo importante
havia sido atingido. Os medicamentos arcônidas apressaram a cura, mas apesar de tudo as
pontadas e as coceiras que sentia a toda hora convenceram Rhodan de que ainda não se
encontrava em plena forma.
— Deve se tratar!
As advertências de Okura eram obstinadas. Voltara a construir uma cabana numa
árvore, fechando o chão e as paredes com trepadeiras e folhas largas. Para baixo a
camuflagem era completa.
— Estas cabanas montadas em árvores servem para gente que saiba viver, mas não
para pessoas que querem ir para a frente — resmungou Rhodan, contrariado.
— Acho que estamos de acordo: resolvemos andar seguros. Aliás, na situação
desvantajosa em que nos encontramos, não temos outra alternativa.
— Tenho minhas dúvidas; é bem possível que estejamos participando de uma
corrida. Se Tomisenkow e Thora chegarem antes de nós à fortaleza escavada na rocha,
ninguém nos garante que não entrarão. Como arcônida, Thora é portadora de um cérebro
reconhecido.
— Acredita que ela nos trairia?
— Tanto faz que haja traição ou não. Os homens do Bloco Oriental a têm nas mãos.
Podem forçá-la.
— OK — disse Okura com um sorriso. — Estou convencido de que ganharemos a
corrida. Com toda lentidão, ainda somos mais rápidos que o general Tomisenkow. Não
conseguirá arrastar seu exército pela selva com a mesma rapidez dos corpos inválidos.
Depois do patrulhamento que realizei ontem, tenho certeza de que os remanescentes do
exército de Tomisenkow estão bem próximos. Isso significa que já recuperamos algum
terreno e tenho certeza de que chegaremos à costa antes dele. Quanto a Marshall, não há
dúvida de que não precisamos nos preocupar com ele.
— Gostaria de ter seu otimismo — disse Perry Rhodan. — Acontece que não
devemos pensar apenas em termos táticos, mas também em termos estratégicos. Você se
esquece das relações mais importantes entre os fatos.
— Não compreendo.
— Até aqui pensamos apenas nos homens com que nos encontramos diretamente.
Mas vamos começar do início para descobrir as causas e o sentido de tudo aquilo.
— A causa de nossa presença neste planeta é a fuga de Thora.
— Muito bem. Agora pense nos russos.
— O Bloco Oriental invadiu o planeta Vênus sob o comando do general
Tomisenkow. E nós lhes atrapalhamos os planos. A divisão de Tomisenkow está
praticamente aniquilada. Ao que tudo indica só um pequeno grupo de homens continua a
obedecer suas ordens.
— Continue. Mas não pense apenas nos desertores. Deve haver mais gente na
superfície de Vênus.
Son Okura refletiu.
— Gente do Bloco Oriental?
Perry Rhodan fez que sim.
— É claro que sim, meu caro.
— Está aludindo à frota de abastecimento? Bem, já me lembrei disso. Deve estar
lembrado de nosso encontro com o sargento Rabov, que foi morto durante um combate.
Contou muita coisa, mas nunca aludiu ao pouso da frota de abastecimento.
— Pois é justamente isso! Provavelmente o próprio Tomisenkow não sabe nada a
respeito disso. Mas tenho para mim que essa frota deve ter pousado. O Bloco Oriental
mandou duzentas unidades. Destruímos trinta e quatro quando o campo energético de
nossa nave atravessou, por coincidência, o centro da frota. É possível que outras naves
tenham sido destruídas durante o pouso. Mas aposto que mais de cem veículos espaciais
conseguiram descer em Vênus.
Son Okura empalideceu.
— Santo Deus! Isso significaria...
Não foi necessário terminar a frase. Ambos sabiam o que isso significava. Em algum
ponto de Vênus devia haver outra tropa, que dispunha de um equipamento muito melhor.
— Não há dúvida de que a frota de abastecimento se destinava ao general. O fato de
que até hoje não se apresentou a ele — prosseguiu Rhodan em tom indiferente — apenas
prova que também este clube declarou sua independência. A independência parece grassar
em Vênus como uma epidemia.
Não falaram mais no assunto, embora fosse muito interessante. Seus planos previam
um repouso de seis horas. E no momento a restauração das forças era mais importante que
todas as especulações estratégicas. Durante a marcha teriam tempo para as mesmas.
***
***
Desta vez o tiroteio os despertou. Okura logo sentiu a mão de Rhodan, que se
colocara em seu braço num gesto de advertência.
— Fique quietinho, rapaz! Estão bem à frente da nossa porta.
Realmente parecia que os tiros estavam sendo disparados bem embaixo da árvore.
Mas era uma ilusão. A abóbada de folhas, formada pelas árvores de cerca de cinqüenta
metros de altura, produzia efeitos acústicos perturbadores.
Espiaram pelas folhas da cabana.
— Não vejo nada — disse Okura.
— Com a visibilidade de que dispomos isso seria muito difícil — resmungou Rhodan
em tom nervoso. — Gostaria de saber... ora, é lá!
Apontou com o dedo. Seu companheiro já havia visto o movimento. Eram homens
que se deslocavam entre a vegetação rasteira, a uns cem metros de distância.
Mais alguns tiros foram disparados. De início eram isolados. Mas logo se seguiu uma
salva.
— A batalha está sendo travada mais à esquerda, pelo menos a quinhentos metros
daqui. Mas aquilo que se mexeu lá embaixo foi um homem.
— É claro que foi. Vi uma cabeça.
— Muito bem. Vou dar uma espiada.
— Fique aqui, chefe; será...
Rhodan interrompeu-o com um gesto.
— Não farão coisa alguma comigo. Sei me cuidar. Fique aqui e mantenha nossa
posição. Aconteça o que acontecer, não se traia com um tiro. Aquilo que fica por ali
quando muito é o alojamento de um grupo de rebeldes. Mas quem sabe se essa gente não
tem alguma comida para nós. Temos necessidade premente de um reabastecimento de
munições e mantimentos.
Son Okura estava acostumado a obedecer. Limitou-se a confirmar com um aceno de
cabeça.
Perry Rhodan desceu pela borda da plataforma. Se não descesse muito depressa, o
risco de ser descoberto não seria grande. A folhagem densa das trepadeiras que
parasitavam as árvores fornecia-lhe uma excelente cobertura, que descia até o solo.
Teve que descer uns vinte metros. Para aliviar o ombro direito, colocou quase todo o
peso do corpo sobre a mão esquerda.
Chegou ao solo sem ser visto, e aqui a visibilidade ainda era menor. Mas lembrava-se
da direção que devia seguir e foi avançando. A batalha certamente desviaria a atenção
daquela gente. Nos alojamentos dos rebeldes ninguém consideraria a possibilidade de que
alguém pudesse se encontrar nas suas costas. Um perigo maior que o dos soldados
desertores poderia provir dos animais de Vênus, e Rhodan teve bastante juízo para dedicar
sua atenção também à vizinhança imediata.
Ao que parecia o destino resolvera ajudá-lo. Conseguiu se desviar das lagartas, dos
besouros e das borboletas que dançavam no ar. Poderiam ser venenosas, mas não se
interessavam por ele. Um ataque partido dali seria pura coincidência.
As trepadeiras representavam um obstáculo mais difícil. Às vezes formavam uma
verdadeira cerca viva. Teve que se espremer entre elas, e por vezes via-se obrigado a dar
ao seu corpo a configuração de uma cobra. Se quisesse cortar aquela vegetação resistente,
gastaria muito tempo. Além disso, as plantas poderiam estar submetidas a uma espécie de
tensão estática. Nos dias anteriores Rhodan via várias vezes uma trepadeira cortada
chicotear o ar com um silvo, como a corda retesada de um arco de atirar. O barulho
poderia traí-lo. E se um homem recebesse um impacto pouco feliz, isso poderia significar a
morte.
Quando se encontrava a uns trinta metros do acampamento, fez uma pausa
prolongada. As mãos e o rosto estavam arranhados. Pegou o lenço e enxugou o suor que
lhe penetrava nos olhos; viu que havia sangue misturado ao mesmo.
Apenas uns arranhões e alguns pedaços de pele esfolada, foi o comentário silencioso
que a descoberta provocou nele. Mas atrás desse comentário ocultava-se uma pergunta
menos animadora. A selva misteriosa de Vênus poderia ser tratada com tamanho desdém?
Era bem verdade que nos últimos anos, os botânicos haviam esclarecido muita coisa a
respeito da flora de Vênus. Mas só uma fração reduzida das espécies existentes pôde ser
classificada e determinada segundo seus componentes químicos. Qualquer espinho
aparentemente inofensivo podia trazer em si o germe da morte.
Rhodan fez um esforço para se libertar dessas idéias. Concentrou-se sobre os homens
que se encontravam à sua frente.
Há anos falava um russo excelente; por isso não teve a menor dificuldade em
acompanhar a conversa daqueles homens. Era verdade que se mostravam bastante
lacônicos. Apenas mencionaram que estavam cansados e achavam que o ataque de
Wallerinski contra a tropa de Tomisenkow era muito arriscado. O resto da conversa foi
conduzido em voz tão baixa que Rhodan não compreendeu nada.
Teria que chegar mais perto.
Seus movimentos tornaram-se mais cautelosos e já não avançava tão depressa. A
intensidade do combate que se travava à distância aumentara ainda mais e dificilmente os
rebeldes voltariam num breve espaço de tempo, a não ser que Wallerinski sofresse uma
derrota grave e fosse levado de roldão pelas tropas de Tomisenkow.
Finalmente Rhodan viu uma pequena clareira. Ou melhor, um lugar em que o capim
havia sido pisado. Não tinha mais de vinte metros de diâmetro. Mas acima desse lugar as
copas das árvores fechavam-se numa cobertura espessa, não deixando penetrar mais luz
que em qualquer outro lugar. As flores coloridas em forma de orquídeas que as trepadeiras
ostentavam pareciam abandonadas naquela semi-escuridão.
Rhodan viu cinco homens.
Quatro deles dormiam, ou ao menos estavam estendidos no capim. O quinto, sentado,
recostara-se a uma árvore e fumava um cachimbo.
O equipamento que aqueles homens vigiavam provocou a inveja de Rhodan.
Pareciam dispor de uma grande profusão de armas manuais; além de algumas caixas, cujas
inscrições eram bastante reveladoras, havia ao menos umas quarenta ou cinqüenta
carabinas automáticas jogadas embaixo de uma árvore, bem perto do lugar em que Rhodan
se encontrava.
— O presidente não devia ter tanta pressa com suas concepções — disse um dos
homens deitados no capim. — Afinal, a idéia de impor a paz pela força nada tem de
original.
— Você tem umas idéias esquisitas — disse outro. — Enquanto Tomisenkow não
quiser a paz, nós temos que lhe dar uma lição.
— Quer dizer que só poderemos ser verdadeiros pacifistas quando todo mundo for?
— Que bobagem! Já somos verdadeiros pacifistas. Até parece que você andou
dormindo durante as aulas.
O homem que fumava cachimbo fez um gesto aborrecido.
— Parem com essa conversa de adolescentes. No momento só importa o que o
presidente consegue fazer. Esse tiroteio já está demorando demais. Quando um ataque não
dá certo no primeiro instante, vejo as coisas pretas.
— Igor, você ainda vai se dar mal com esse tipo de conversa. O presidente sabe o que
quer. Deposito toda confiança nele.
— O presidente se sentirá muito orgulhoso com isso, Mitja. Mas sei perfeitamente
que para ele você não passa de um sabe-tudo. E o presidente não gosta desse tipo de gente.
— Pense o que quiser. Ele gosta de mim conforme desejo. Se está aludindo aos bons
conselhos que lhe dei, posso lhe assegurar que Wallerinski ficou muito grato. O projeto da
armadilha nas árvores será executado assim que chegarmos ao rio.
— Não diga! Você conseguiu convencê-lo? Por que resolveu atacar o general hoje?
— Pergunte a ele! De qualquer maneira meus conhecimentos táticos bastam para que
eu saiba que, por aqui, uma armadilha nas árvores seria um jogo de loteria. Mas no rio o
general não poderá deixar de usar a passagem situada acima das cataratas. Conforme deve
estar lembrado, do lado oposto existe um desfiladeiro bem profundo. Terá que passar por
lá. Basta que no momento exato nos encontremos em cima das árvores e...
— Calem a boca! — queixou-se outro dos homens. — Se cada um de vocês quiser
gritar mais que o outro, o barulho fará com que as patrulhas de Tomisenkow estejam aqui
antes dos nossos companheiros. Mitja, você está de sentinela. Abra os olhos e os ouvidos.
E os outros vão ficar deitados. Se não estiverem gostando, contem ao presidente. Mas não
me causem problemas.
O último dos interlocutores parecia ser um oficial subalterno. De qualquer maneira
possuía certa autoridade. Perry Rhodan não gostou nem um pouco. Enquanto os homens
conversavam, se distraíam. Mas agora o menor ruído poderia revelar sua presença.
De outro lado, porém, o barulho produzido pelas criaturas que habitavam a floresta
ainda poderia ser usado como cortina sonora. Bastava aguardar o bater das asas de um
pássaro ou o chamado de algum bicho que se encontrasse numa árvore para que Rhodan
pudesse se mover sem ser ouvido. Apenas, a operação progredia mais lentamente do que
fora planejada.
Com uma trepadeira da grossura de um dedo fez uma espécie de laço. Havia uma
alça na ponta. Fez o artefato avançar centímetro por centímetro, até enfiar a alça por cima
do cano de uma carabina. Com um puxão fechou a alça, que encontrou apoio no
dispositivo de mira. Demorou uma infinidade até que conseguisse se apossar da arma. E
ainda lhe faltava um suprimento suficiente de munições e mantimentos.
A presa seguinte que escolheu foi uma caixinha com a inscrição “extrato de carne”.
O laço teria que ser um pouco maior. Conseguiu aproximá-lo do objetivo. Mas quando deu
o puxão final, a caixa tombou ruidosamente.
A sentinela se levantou imediatamente.
— Stoj! — soou seu comando, embora não pudesse ver Rhodan. No mesmo instante
os outros soldados puseram-se de pé e num gesto automático pegaram as armas.
Rhodan percebeu imediatamente que diante dessa bateria de carabinas prontas para
disparar não teria a menor chance de fugir. Para compensar a inferioridade de forças teria
que recorrer à inteligência e ao blefe.
Levantou-se calmamente, apontando o cano da carabina recém-capturada para o
chão.
— Levante as mãos! — foi a ordem que recebeu.
Evidentemente não tomou conhecimento dessa ordem. Aparentemente contrariado,
passou por cima de uma raiz e chegou mais perto das cinco sentinelas.
— Pare imediatamente!
Rhodan fez exatamente isso. Seu rosto exibiu um sorriso matreiro e a expressão de
um superior insatisfeito.
— Quem está no comando? — indagou em tom autoritário, num russo impecável.
Sua atitude autoconfiante deixou os cinco perplexos. Nenhum deles se lembrou de
repetir a ordem de levantar as mãos.
— Que diabo! Será que todo mundo perdeu a fala? — esbravejou Rhodan,
prosseguindo na aplicação da mesma receita. — Que tiroteio é esse? Será que estes
guerreiros de salão pertencem ao seu grupo?
Finalmente um dos homens do Bloco Oriental pôs-se a falar.
— Meu nome é Ilja Iljuchin, senhor.
— Não tem nenhuma graduação?
— As graduações foram abolidas desde que o presidente Wallerinski...
— Cale a boca!
Perry usou um tom cada vez mais arrogante, pois esperava que uma voz de comando
retumbante não deixaria de produzir algum efeito.
— Fiquem sabendo que sou o comissário Danov, R. O. Danov. O governo do Bloco
Oriental, formado há trinta dias, desembarcou unidades pesadas em Vênus, para
restabelecer a paz e a ordem. A breve palestra que mantive com os senhores me deu a
impressão de que na divisão de Tomisenkow surgiram costumes bastante estranhos, que
dificilmente contarão com a boa compreensão do governo. Recomendo-lhes que procurem
se lembrar imediatamente do seu juramento e dos seus deveres.
— Não pertencemos à divisão de Tomisenkow, comissário.
Rhodan viu Mitja dar um soco nas costelas do interlocutor. Mas nem por isso a
confissão de amotinamento poderia ser retirada.
— Mais tarde falaremos sobre os detalhes. Por enquanto façam parar esse tiroteio
estúpido. Qual foi o nome que disse há pouco? Wallerinski?
— Tenente Wallerinski, comissário.
— Muito bem! Esses dois aí seguirão imediatamente para informá-lo sobre a nova
situação. A partir de hoje os comissários detêm todo poder de comando em Vênus. Quero
que o tenente e seus companheiros estejam aqui o mais tardar dentro de trinta minutos. O
que estão esperando?!
Rhodan olhara instintivamente para os dois pacifistas que lhe pareciam ter um caráter
mais independente. Precisava se livrar deles por algum tempo. Obedeceram.
Sem esboçar o menor protesto, puseram-se a caminho em direção ao norte. Quando
desapareceram entre a vegetação, Rhodan ainda tinha três inimigos diante de si. Essa
alteração favorável da relação de forças deixou-o mais otimista.
— Soltem as carabinas. Enquanto não tiverem renovado seu juramento, não posso
concordar que usem armas.
Por alguns segundos parecia que Rhodan estava forçando a situação, que os três
pacifistas estavam percebendo o blefe. Os homens hesitaram. Mas logo teve início um jogo
de que mal chegou a ter consciência.
Rhodan ainda mantinha o cano da arma abaixado. O aspecto que oferecia aos
pacifistas não se tornaria mais convincente se, ao erguer a pesada carabina, esta lhe caísse
da mão. O ombro ferido ainda não suportaria tamanho esforço.
Mas seus olhos não haviam sido afetados. A potência daquele olhar, que não podia
ser confundida com a hipnose corriqueira, mas antes representava o resultado de um
treinamento hipnótico arcônida, continuava intacta.
A hesitação daqueles homens poderia se tornar perigosa.
— Larguem as armas! — voltou a ordenar.
Proferiu estas palavras sem deixar se arrastar ao tom de berreiro de um oficial
subalterno. Mal chegou a levantar a voz, mas esta não deixou de produzir o efeito
desejado.
Os pacifistas obedeceram.
— Meia-volta volver!
Estas palavras foram proferidas no tom incisivo de um comando de pátio de quartel.
Mais uma vez os pacifistas, perplexos, obedeceram.
Rhodan abaixou-se, apanhou as armas e atirou-as para trás de si. Todas, com exceção
de uma. Tratava-se de uma pistola leve, que conseguia manter erguida apesar das dores
que sentia no ombro.
— Meia-volta volver! — foi o comando que soou a seguir. Mais uma vez fitou os
três homens de frente. Desta vez a pistola conferia-lhe uma superioridade total. Até a
experiência seguinte foi coroada de êxito, muito embora uma pessoa menos treinada para
uma obediência cadavérica naquela oportunidade já lhe estaria causando problemas. Mas
para aqueles homens Rhodan era o comissário R. O. Danov. Fizeram-lhe o favor de se
amarrar uns aos outros com cipós finos, mas muito resistentes. Perry cuidou do resto.
Amarrou-os a três árvores diferentes, com o rosto voltado para o norte, e ainda lhes
colocou uma mordaça.
Depois de terem sido submetidos a esse tratamento, os três pacifistas poderiam
chegar à conclusão de terem caído num golpe atrevido. Mas essa conclusão chegou cinco
minutos depois da hora.
Por mais algum tempo ouviram ruídos atrás de si, e esses ruídos davam a entender
que o estranho inimigo se mantinha ocupado com seus pertences. Depois de algum tempo
o ruído dos passos e das trepadeiras tiradas do caminho às pressas se afastou.
Se não fossem as mordaças, a essa hora uma praga dramática sairia dos lábios dos
três homens logrados.
***
***
— Minha munição acabou — fungou Thora perto do general. Este passou-lhe dois
pentes de balas.
— São os únicos que ainda tenho comigo. Quando tiverem acabado terá de rastejar
duzentos metros para atingir nosso grupo de abastecimento, se é que este ainda se encontra
em nosso poder. Só atire quando o inimigo estiver perfeitamente visível.
— Como queira, general.
A batalha já se prolongava por quinze minutos. Mais de trinta homens estavam
reunidos em torno do general, assumindo uma formação defensiva.
Nenhum dos pacifistas de Wallerinski se arriscara a se aproximar dessa fortaleza em
miniatura a menos de cinqüenta metros.
A ordem de economizar a munição não se dirigia apenas a Thora. Tomisenkow
mandou que a mesma fosse transmitida de homem para homem.
— Só atirem quando tiverem certeza absoluta de que vão acertar. Não poderei
arrancar munição do ar.
Ninguém pensou em levantar ou abandonar a posição defensiva. O contato com o
restante da tropa havia sido interrompido. Mas o tiroteio ininterrupto que vinha de várias
direções provava que, em outros pontos, posições semelhantes haviam sido instaladas.
Tomisenkow estava convencido de que Wallerinski já não mantinha um controle exato da
situação. Por duas vezes ouvira a voz do tenente ambicioso, que afinava de raiva, dar suas
ordens ao longe.
— Ouça, madame. O presidente está ficando rouco de tanto gritar. É um presidente.
Ouviu bem? Um rapazola desses quer ser presidente! Vênus está transformado num
hospício. Olhe! É assim que se faz. Aposto como nem estava prestando atenção. Ali à
esquerda, perto das três orquídeas roxas, está um morto. É um pacifista que resolveu
brincar de guerra...
Tomisenkow encerrou suas palavras com uma risada áspera.
Dali a uma hora estava rouco como seu inimigo. Só cochichava quando transmitia
suas ordens nervosas.
De repente Wallerinski suspendeu o combate. Suas ordens foram ouvidas nas
posições de Tomisenkow.
— Pode ser uma armadilha — disse Thora.
Os outros partilharam a suspeita manifestada por ela e aguardaram mais algum
tempo. Depois disso, o general despachou mensageiros para a frente e para trás e ordenou
à tropa que se mantivesse bem unida. Os oficiais foram convocados para uma conferência.
Os soldados e sargentos tiveram que recolher os mortos.
Era uma atividade cansativa, que atrasou a marcha por algumas horas. Mas não era a
única desvantagem que sofriam.
— O senhor ainda passará por muitas decepções neste planeta — dissera Thora há
pouco tempo. E agora lembrou-se dessas palavras.
Encontraram mais de cinqüenta mortos. Mais da metade pertencia ao grupo de
Wallerinski. Mas nem por isso a tropa de Tomisenkow ficou completa.
— Estão faltando vinte e sete homens — declarou Tomisenkow durante a
conferência de oficiais. — Pode dar alguma explicação, coronel?
Popolzak deu de ombros.
— Provavelmente alguns mortos não foram encontrados.
— Mas não podem ter sido vinte e sete.
— Talvez o resto se tenha unido a Wallerinski. O senhor estaria em condições de
dizer com quem cada um dos seus homens simpatiza?
— Ora essa, coronel! Que falas heréticas são estas? Parece que até o senhor já foi
infectado por este planeta.
— Todos estamos infectados, senhor general. Cada um segundo sua predisposição
individual. O senhor também não escapou.
— Queira se explicar melhor!
— O senhor vive na ilusão de que ainda comanda uma tropa disciplinada. Carrega
pela selva uma burocracia que mesmo em condições normais seria considerada uma
superorganização. O que há atrás disso? Tudo está apenas no papel. E é com esses papéis
cobertos de relatórios, prestações de contas e relações de objetos que o senhor se diverte na
sua barraca de comando. Mas do lado de fora as coisas são bem diferentes. Os homens
estão esfarrapados, não ligam para qualquer disciplina assim que se encontram fora das
suas vistas e maldizem seu modo irrealístico de ver as coisas. Se este resto miserável de
uma divisão aero-transportada ainda se encontra com o senhor, isso é devido somente ao
instinto gregário dos homens. Se pudessem, já teriam fugido há tempo. Mas para onde quer
que corram, o inferno se abrirá diante deles. Só ficam por medo e pelo instinto de auto-
conservação. Mas não acredite que ainda pensam que o senhor é capaz de nos levar a um
paraíso. Mesmo seus planos com a fortaleza de Vênus soam como uma fala impregnada de
sonho e de lenda.
Depois da longa fala de Popolzak reinou um silêncio total.
O general empalidecera até a raiz dos cabelos. Sua resposta aniquiladora não veio.
— É verdade? — perguntou depois de algum tempo.
Falava muito baixo e, todos sabiam, ele não o fazia apenas para poupar suas cordas
vocais cansadas.
Suas palavras não despertaram qualquer eco. Ninguém se atreveu a comentar o
problema.
— Está bem — disse Tomisenkow depois de algum tempo. — Refletirei sobre suas
palavras, coronel. Acho que a esta hora todos estamos tão nervosos que não podemos dar
um tratamento objetivo ao tema.
A tropa prosseguiu em sua marcha.
Às cento e quarenta e três horas atingiram o rio e usaram a passagem que ficava
acima das cataratas. O amplo desfiladeiro representava um convite para prosseguir na
marcha.
De repente um cabo trouxe um bilhete que um soldado encontrara pregado a uma
árvore.
— Não passe pelo desfiladeiro. general — leu Tomisenkow. — Os pacifistas
instalaram-se nas árvores e planejaram um ataque maciço.
— Que diabo! Quem iria me escrever uma careta dessas?
Thora foi a única que poderia responder à pergunta, pois conhecia a letra. Mas
preferiu não fazê-lo.
5
John Marshall sentia que havia chegado ao fim das suas forças.
Metade de uma manhã em Vênus representa muito mais que um dia inteiro na Terra.
E durante todo esse tempo Marshall sempre voltara a se esforçar para despertar a atenção
das focas.
Sabia que residiam na margem oposta do braço de mar. Essa distância, que era
superior a trezentos e cinqüenta quilômetros, poderia induzir dúvidas até mesmo no
otimista mais inveterado. Mas, de outro lado, o mar era o habitat natural dessas semi-
inteligências animais. Não era de supor que nadassem muito longe e se aproximassem da
margem em que Marshall se encontrava?
Por que não o ouviam?
Teriam seguido um instinto nômade e procurado outra região? Mas quando um bando
de focas desse tipo abandona certa área, esta passa a ser ocupada por outro bando da
mesma espécie. Em meio à vitalidade de Vênus não poderia existir um vácuo biológico.
John Marshall se afastara bastante. A dois quilômetros a oeste do ponto em que havia
atingido o mar, uma península rasa penetrava profundamente na água. Não passava de um
banco de areia. A vegetação cessava depois de cem metros. As pegadas das botas de
Marshall formavam um rastro de um quilômetro, que parecia conduzir a uma solidão sem
esperança, a um beco sem saída.
Encontrava-se na ponta da península. Estava cercado de água de três lados. O mar
estendia-se até o horizonte. A cadeia montanhosa do norte escondia-se atrás da curvatura
da terra.
Por que as focas não o ouviam?
A intensidade de seus chamados telepáticos foi se tornando cada vez menor.
Intercalou pausas cada vez mais longas, para recuperar as forças. Mas não era apenas a
debilidade física que reduzia seu poder de concentração: a depressão psíquica o afetava
muito mais profundamente.
Por que não o ouviam?
A pergunta incessantemente repetida levou a novo choque, quando subitamente
acreditou ter encontrado uma resposta. As freqüências não combinam! O emissor e o
receptor devem estar sintonizados segundo os princípios mais elementares da física.
Marshall se lembrou do primeiro encontro com as focas. Naquela oportunidade precisaram
de uma bateria completa de instrumentos para possibilitar o contato entre os animais e os
homens. A linguagem das focas era transmitida pela faixa do ultra-som e por isso mesmo
não era perceptível ao ouvido humano. Tornava-se necessário transformar o ultra-som
através de um conversor de freqüências: após isso a linguagem das focas tornava-se
inteligível através de um analisador cerebral e de um codificador positrônico.
Por alguns segundos, Marshall parecia perplexo. Logo se deu conta de que não
concluíra seu raciocínio sobre o problema. Afinal, não era possível que Perry Rhodan fosse
um idiota para mandá-lo sozinho para a selva a fim de executar uma tarefa que não tinha as
menores perspectivas de êxito.
“Sou um ótimo telepata”, foi esta a idéia que Rhodan impôs à sua mente. “Por isso
posso dispensar esses recursos tecnológicos. As ondas de pensamento sempre são ondas
de pensamento, a freqüência não muda. Isso aplica-se às focas e a mim. Têm de me ouvir.
A não ser que sejam tão fleumáticas que resolveram ignorar meu pedido de socorro.”
Estendera-se na areia para ter um descanso total de pelo menos trinta minutos. Não
mexeria um dedo. Não pensaria em nada.
Quando os trinta minutos haviam passado, cavou um buraco com a mão e enterrou os
objetos que trazia consigo. O buraco se encheu de água. Mas as conservas e a carabina
pesada eram imunes à umidade.
Aliviado da bagagem foi entrando mar adentro, até que conseguiu mergulhar
completamente. Sabia do perigo que corria. A água gosmenta e viscosa, totalmente
diferente da que conhecemos na Terra, corria quase como o óleo. Estava muito mais
impregnada de algas e microorganismos que o nosso mar e poderia lhe reservar surpresas
de que a ciência humana não desconfiava. Mas Marshall não tinha outra alternativa.
A água transmite as ondas sonoras com maior rapidez e intensidade que o ar. Por que
a mesma coisa não poderia acontecer com as ondas emitidas por um cérebro telepático?
Mergulhou completamente e se concentrou. Procurou usar um vocabulário bem
simples, para que as focas não tivessem dificuldade em compreendê-lo.
Durante as pausas que fazia punha a cabeça fora da água para respirar.
Repetiu o jogo cinco vezes. Da última vez, os projéteis disparados por uma carabina
automática atingiram a água perto dele, obrigando-o a voltar a mergulhar imediatamente.
No mesmo instante esqueceu as focas. Atrás dele havia homens que eram muito mais
perigosos que o mundo selvagem de Vênus com seus mistérios.
Uma vez embaixo da água, avançou para a direita até que os pulmões vazios o
forçaram a vir à tona. Deitou de costas, para poder respirar sem pôr a cabeça toda fora da
água. Seus olhos revirados captaram um grupo de seis homens, que se aproximavam pela
península sem demonstrar a menor preocupação de se abrigar. Tinham consciência de sua
superioridade. Ao que tudo indicava, já vinham observando Marshall há bastante tempo:
provavelmente teriam percebido que deixou suas armas na ponta da península. Talvez
acreditassem mesmo que já o haviam liquidado. Não atiravam mais e não corriam, apenas
andavam apressadamente.
A altura do banco de areia ainda oferecia alguma proteção: desde que Marshall se
comprimisse bem ao solo, não seria visto. Era evidente que não poderia permanecer na
água nem mais um segundo. Se os homens do Bloco Oriental chegassem antes dele ao
lugar em que se encontrava sua bagagem, não teria a menor chance.
Enquanto se encontrava na água, deslocou-se por meio de movimentos rítmicos dos
pés até sentir chão firme embaixo das costas. Depois disso, girou o corpo para ficar de
barriga para baixo e rastejou para a frente.
Ao abrir o buraco em que enterrara sua bagagem, formara involuntariamente um
monte de areia, que agora poderia salvar sua vida.
Rastejou um pouco para a esquerda, até que o monte de areia ficasse exatamente na
linha de visão dos seis homens. Depois voltou a rastejar para a frente e atingiu suas armas
e sua bagagem sem ser visto.
Os seis homens se encontravam a pouco mais de duzentos metros.
Enterrou-se mais um pouco no chão molhado e segurou as duas armas que trazia
consigo: a pesada carabina automática que havia apresado e o radiador de impulsos
facilmente manejável. Quando sentiu a coronha encostada ao seu ombro teve uma
sensação de alívio.
Respirar três vezes... apontar.
O cano descansava sobre o monte de areia. A pontaria era fácil.
Puxou o gatilho. No último instante atirou o cano para cima: não queria atingir
ninguém. Seria um tiro de advertência. A decência exigia que ele o desse.
Será que a decência compensaria nessa luta implacável?
Marshall não sabia. Nem por isso estava arrependido do que havia feito.
Seus inimigos se assustaram. Se eles tivessem se virado e corrido, Marshall nunca
teria concebido a idéia de fazer pontaria sobre suas costas. Mas a opinião daqueles seis
homens era diferente. Jogaram-se ao chão e iniciaram o ataque.
A série de impactos produzidos pelas armas de infantaria atirou a sujeira para o alto.
Marshall logo percebeu que o pequeno monte de areia que tinha diante de si não poderia
substituir um abrigo subterrâneo. Não devia ter mais nenhuma consideração, se estivesse
interessado em sair vivo daquela armadilha.
Os homens queriam matá-lo. Seus pensamentos eram idênticos aos do homem que
teve que matar poucas horas antes.
Marshall largou a carabina e pegou o radiador de impulsos. Não via os inimigos.
Abriu um fogo ininterrupto de dez segundos, formado exclusivamente por energia
térmica. A energia desprendida pela arma bastaria para incendiar uma parede de aço. E as
chances do homem seriam muito menores num inferno desses.
Os seis homens deviam estar mortos. Apesar disso Marshall esperou mais uma hora
antes de fazer qualquer movimento.
Já eram sete os homens que tivera que eliminar. Era evidente que com isso não
liquidara o grupo inimigo. Ao que parecia haviam colocado toda uma tropa de choque no
seu encalço. A floresta poderia ocultar uma companhia inteira.
Suas suspeitas logo se confirmaram. Um tiro isolado soou ao longe. Na costa
surgiram dois homens que corriam apressadamente por um desfiladeiro.
A demonstração feita com a arma de impulsos térmicos tornara o inimigo mais
cauteloso. Mas este não tinha necessidade de assumir qualquer risco. Marshall estava preso
na armadilha. A península de cerca de oitocentos metros de comprimento só se ligava à
terra firme por uma estreita faixa de terra. Se tentasse escapar por ali, se transformaria no
alvo de atiradores de elite escondidos na floresta. E se atirasse às cegas para a floresta
estaria fazendo a maior tolice que se poderia imaginar. Diante da selva de Vênus, até um
radiador arcônida de impulsos térmicos não passava de um brinquedo ridículo.
John Marshall não teve outra alternativa senão melhorar sua posição atual. Deitado
de lado, abriu com a carabina sulcos profundos na areia. Aos poucos foi se formando uma
cavidade achatada, na qual se abrigaria deitado. A água que foi se infiltrando não deveria
incomodá-lo.
Também o monte de areia foi reforçado, não tanto em altura, mas principalmente em
largura. Sua massa devia ser suficiente para resistir ao projétil disparado por uma arma
pesada de infantaria. Nem poderia pensar na possibilidade do inimigo se equipar com
lança-granadas ou canhões leves.
Quem dera que as focas chegassem! Bem que estava precisando de um aliado. Mas
será que ajudariam um homem a lutar contra outros homens? Sem dúvida, se este homem
fosse um telepata.
O que lhe inspirava maiores esperanças era a lembrança de Perry Rhodan, que
pretendia segui-lo lentamente em companhia de Son Okura. Onde estariam a esta hora?
Marshall apalpou a pulseira, que além de outros equipamentos continha um mini-
transmissor. As comunicações pelo rádio haviam sido proibidas. Mas Rhodan permitira o
uso do emissor em caso de emergência. Portanto, a decisão caberia ao próprio Marshall.
Será que o considerariam um covarde se expedisse um pedido de socorro? Hesitou
alguns minutos. Por fim, num gesto decidido, puxou a rodinha que ativava o mini-
transmissor. Com a unha puxou a antena. O aparelho já estava regulado para a freqüência
combinada.
— Alô, Perry Rhodan! Aqui fala John Marshall. Estou chamando Perry Rhodan.
Encontro-me numa situação de emergência.
Esperou.
Passaram-se dez segundos. O impulso transmitido pelo emissor causaria a ativação
automática do receptor. Finalmente veio a resposta.
— Rhodan falando! O que houve, Marshall? Conseguiu alguma coisa?
— Não. As focas não dão sinal de vida. Tentei durante várias horas. Há gente do
Bloco Oriental que está no meu encalço. Conseguiram me cercar. Encontro-me numa
península em que não existe qualquer vegetação. Minha única proteção consiste num
monte de areia. O inimigo está protegido na floresta. Tenho uma segurança relativa diante
de armas leves de infantaria. Mas tenho de contar com a possibilidade de que a patrulha
inimiga consiga trazer ou já disponha de morteiros. Não há dúvida de que estão atrás de
mim. Pode fazer alguma coisa para me ajudar?
— Que diabo, John! Você está mesmo em maus lençóis. Ainda bem que me avisou.
Neste momento reina a maior confusão nas fileiras de Tomisenkow e dos rebeldes. Por
enquanto não nos preocuparemos com os goniômetros dos mesmos. Okura e eu
conseguimos passar na frente das tropas do general. Já temos uma boa vantagem. Calculo
que dentro de quatro horas poderemos chegar ao lugar em que se encontra. Agüente até lá.
A partir das cento e cinqüenta horas transmita um vetor de rádio de dez em dez minutos,
para que possamos tomar logo a direção correta. Não desanime, Marshall! Nós o tiraremos
daí.
Pouco depois do fim da palestra radiofônica, os soldados que se encontravam na
praia voltaram a atirar. Em três pontos, Marshall reconheceu o fogo dos canos das armas e
respondeu prontamente com o radiador de impulsos térmicos.
A mil metros de distância a arma de radiações ainda atingia o alvo com mais de dois
terços de sua energia. Na beira da floresta surgiu uma incandescência azulada que
produziu uma forte condensação da suculenta vegetação. Num instante um pequeno trecho
da linha costeira se cobriu de uma densa camada de neblina.
— Hum — fez Marshall, satisfeito. — Nem contava com este efeito da minha arma.
Abrirei um pequeno fogo de barragem e envolverei essa gente na neblina. Isso os irritará e
os manterá ocupados por algum tempo.
***
— Vamos, Okura! Somos dois inválidos, mas temos de aumentar nossa velocidade
mais um pouco. Será que você consegue?
O mutante tentou esboçar um sorriso confiante, mas não conseguiu. Rhodan viu que
o rapaz estava realizando um esforço que ultrapassava sua capacidade.
— Venha cá, Son. Passe as três carabinas, espingardas e o saco de mantimentos. É
minha vez de fazer o papel de burro de carga.
— Não fale como se eu até aqui tivesse levado a carga sozinho. E não se esqueça do
seu ombro.
— Bobagem! Meu ombro está em vias de se curar. Passe para cá essas bugigangas e
pegue o facão. Nos quilômetros que se seguem você irá à frente. Terá bastante para fazer.
O gracioso japonês obedeceu. Continuaram a avançar pela selva.
Há muito haviam deixado para trás a passagem pelo rio.
Rhodan, que havia recebido o pedido de socorro de Marshall, não pôde permanecer
por mais tempo nas proximidades de Thora. Tinha de chegar ao mar quanto antes. Só lhe
restava fazer votos de que alguém da tropa de Tomisenkow tivesse encontrado o bilhete
que continha a advertência sobre a armadilha montada por Wallerinski.
A hora já passara e não se ouvira nenhum tiro.
— É claro que encontraram o bilhete — asseverou Okura. — Se Tomisenkow tivesse
passeado embaixo daquelas árvores em que Wallerinski se mantinha à espreita, já teríamos
ouvido o barulho de outra batalha.
— Se for assim, por enquanto Thora está em segurança. Não demorará muito e nós a
tiraremos de lá. Assim que a noite descer sobre o planeta, você será nossa arma mais
potente, Okura...
Perry Rhodan estava aludindo à capacidade de ver as freqüências, de que Okura era
dotado. Embora para enxergar normalmente Okura precisasse de óculos, ele possuía olhos
que dificilmente outro homem conhecia. Sua visão penetrava profundamente nas faixas do
ultravioleta e do infravermelho. Isso significava que enxergava muito bem de noite.
— Quando a noite descer sobre o planeta... — repetiu Okura. Pelo tom em que
pronunciava as palavras, até parecia que ansiava pela noite. — Não sei por que, mas acho a
divisão do tempo na Terra muito mais simpática que a que temos aqui. Até o anoitecer
faltam mais de três dias. E até lá temos de libertar Marshall da situação crítica em que se
encontra.
— Não é até lá — asseverou Rhodan em tom áspero. — Acho que o tempo de que
dispomos é muito menor.
Os últimos quilômetros foram percorridos com uma relativa facilidade. Isso não
dependia tanto da natureza do terreno, mas antes da rotina que adquiriram ao lidar com a
selva.
Captaram regularmente o vetor transmitido por Marshall e isso lhes permitiu seguir
pelo caminho mais curto.
Pelas cento e cinqüenta e duas horas, Rhodan afirmou que estava cheirando o mar.
— Muito cuidado, Son! — advertiu. — Esta floresta está cheia de combatentes sem
escrúpulos.
Subitamente viram o mar junto de si. A visão os surpreendeu um pouco. Poucos
minutos antes ainda se viram diante de uma vegetação densa e rebelde.
— Hum — resmungou Rhodan. — Não se vê muita coisa. Que neblina!
Okura sorriu.
— É uma neblina muito estranha, mas não me incomoda nem um pouco. Se não me
engano ela vai se tornando cada vez mais densa para o lado esquerdo.
— Você não está enganado, Son. Consegue enxergar alguma coisa?
— Enxergo muito bem. A menos de trezentos metros daqui pelo menos vinte homens
estão deitados na orla da floresta.
Estão simplesmente deitados no capim, porque acreditam que a neblina os protege
contra a visão.
— E Marshall?
— A península fica pouco adiante.
— Ah, sim. Vejo a ponta lá fora. E vejo um ponto negro. Deve ser John. Não
compreendo como a neblina pode se concentrar num espaço tão reduzido. No resto da área
a visão é perfeita.
Okura não soube responder.
— Quer que avance sozinho? — perguntou. — Será fácil achar o meu caminho.
— Um momento: isso tem tempo. Rhodan enfiou as mãos numa sacola que tirara dos
pacifistas. Retirou duas cargas explosivas.
— Acho que isso os despertará. Voltaram à floresta e aproximaram-se do grupo
inimigo por trás. Colocaram as duas cargas explosivas num flanco do grupo e regularam os
detonadores para uma diferença de trinta segundos. Depois retiraram-se apressadamente.
Muito bem abrigados, acompanharam o desenrolar dos acontecimentos.
— Falta um minuto — murmurou Rhodan.
Okura confirmou com um aceno de cabeça.
A primeira carga explodiu.
— Levantaram-se e estão correndo confusamente de um lado para o outro. Gritam
alguma coisa...
— Estou ouvindo.
— A maioria deles procurou uma cobertura no próprio local.
— E os outros?
— Três estão fugindo, para o oeste. Vão correndo pela praia. Um deles parece ser
corajoso: caminha em direção à floresta. Está com a carabina em posição de atirar.
— Diz que isso é coragem? Esse sujeito ficou maluco.
Os trinta segundos passaram.
A segunda carga explosiva detonou. A confusão nas fileiras inimigas foi total. Todos
esperavam novas detonações, cuja origem por enquanto era desconhecida. Face a isso teve
início uma retirada geral para o oeste, que degenerou até que cada um corria o mais que
podia. Corriam pela costa, pois na praia o deslocamento era mais fácil.
— O acesso à península está livre — disse Okura em tom exaltado.
— Vamos, meu filho — decidiu Rhodan. Assumiram suas posições no início da
península.
— Verifique o terreno a oeste — ordenou Perry, mantendo-se ocupado com o rádio.
— Venha, John. Libertamos a passagem. Você nos encontrará no ponto exato em que a
península se liga à terra firme.
— Pelo sagrado Universo, chefe! Isso foi um trabalho bem feito. Já dispõe de peças
de artilharia?
— As explicações ficam para depois. Antes de mais nada quero ver se ainda está
inteiro.
Quando o vulto de John Marshall surgiu na neblina, novas detonações rugiram ao
longe. Pela sua intensidade concluía-se que eram cargas de grosso calibre.
— O que foi isso? — gemeu Son Okura.
— Acho que foi um bombardeio — disse Rhodan em voz baixa, falando entre os
dentes. — Vivo dizendo que alguns cavalheiros que se encontram em Vênus erraram nos
seus cálculos.
6
***
Fazia várias horas que a divisão espacial dizimada, comandada pelo general
Tomisenkow, se pusera a caminho. Com o discurso que, além do apelo a uma obediência
determinada pelo juramento e da promessa de um futuro tranqüilo e poderoso, continha
tudo que pode ser exigido de um bom propagandista, o general conseguira mais uma vez
reunir a tropa desmoralizada em torno de si.
Depois que o coronel Popolzak e Thora não admitiram a menor dúvida quanto aos
planos de Raskujan, Tomisenkow parecia ter se conformado com a idéia de que o coronel
desertor não se apresentaria a ele. Deixara de fazê-lo durante um ano e também deixaria de
fazê-lo no futuro. Thora permitiu-se mais uma de suas observações cínicas.
— Bem, acredito que dentro em breve Raskujan se apresentará ao senhor. No
entanto, não o fará para capitular, mas para apontar a pistola contra seu peito.
Pouco depois se encontraram com a patrulha do tenente Tanjev, que se retirara do
mar primitivo. Tanjev apresentou um relato minucioso dos acontecimentos. A detonação
das duas cargas explosivas foi interpretada como um indício de que as tropas de Raskujan
já deviam ter se fixado nos trechos da floresta que ladeiam a costa. Essa circunstância
exigia um cuidado redobrado.
Também os homens do Bloco Oriental olhavam para o relógio com uma freqüência
cada vez maior.
As pausas intercaladas na marcha se tornaram cada vez raras e mais breves.
Para a frente!, foi a única divisa. Deviam atingir a costa antes do anoitecer.
Thora, que ultimamente dera para desenvolver uma estranha predileção pelos
provérbios humanos, veio a dizer posteriormente, face a um acontecimento inesperado,
que nunca se deve fazer a conta sem o dono do restaurante.
Na ponta da coluna, que marchava a uns cem metros de distância, subitamente surgiu
barulho. Logo depois ouviram-se vários tiros disparados por pistolas e carabinas
automáticas.
— É Raskujan! — disse Tomisenkow em tom aflito, revelando o quanto esse
problema o preocupava.
Acontece que não era o coronel.
Era a própria hostilidade de Vênus.
Popolzak ia à frente com um grupo de dez homens bem equipados. Marchavam bem
juntos. Os três homens que iam à frente traziam facões largos e abriam o caminho. Seus
golpes eram decididos e rotineiros. Os galhos e as trepadeiras saltavam para o lado no
ritmo de suas batidas. As plantas costumam agir assim em silêncio, numa atitude fatalista.
Acontece que uma das plantas deu um grito e assumiu uma atitude defensiva. À
primeira vista parecia ser uma árvore como qualquer outra. Só quando esboçou uma reação
ruidosa e saltou para o lado, os homens perceberam que se encontravam diante de um
vampiro-carata.
Tudo se passou num espaço de poucos segundos. O vampiro-carata costuma
permanecer imóvel por dias, camuflando-se sob a forma de uma árvore. Esse disfarce
constitui sua proteção mais segura contra os inimigos naturais. Mas quando é atacado
reage com uma rapidez surpreendente. Possui outra arma, muito mais perigosa que seu
disfarce. Suas folhas, que lembram as da palmeira carata, natural da América do Sul, estão
semeadas no lado inferior com milhares de pequeninas glândulas venenosas. E o animal
sabe agarrar sua vítima.
Cerca de uma dezena dessas folhas se estendeu enquanto o grito de dor ainda estava
soando. A maior parte do grupo encontrava-se ao alcance daqueles braços venenosos. Os
gritos de pavor dos homens misturaram-se aos sons aflitos emitidos pela árvore. Os corpos
eram segurados com a força de tenazes de aço. Foram atirados para o alto e as glândulas
venenosas procuravam instintivamente qualquer trecho de pele desprotegida. Assim que a
encontravam, começavam a agir. Pequenos ganchos preparavam o processo destrutivo,
riscando a carne até que sangrasse. Uma vez aberta uma veia da vítima, por minúscula que
fosse, o veneno mortal penetrava no organismo.
Alicarim, o quirguiz, foi o último homem do grupo de vanguarda.
Era um talento natural, mesmo antes de ter freqüentado a escola dura de Vênus. Num
gesto instintivo segurou o homem que ia à sua frente pela gola do uniforme e puxou-o para
trás. No mesmo instante levantou a carabina e pôs o dedo no gatilho.
— Afaste-se, Boris, afaste-se.
Alicarim reforçou o apelo com um desesperado pontapé. Depois esvaziou o pente de
balas para dentro da massa disforme. Pouco depois Boris participou do tiroteio. Só
pararam quando o vampiro-carata e suas vítimas jaziam imóveis.
Tomisenkow correu para a frente.
— Alicarim! Será que ficou louco? Dê-me sua carabina.
O quirguiz obedeceu.
— Cuide bem dela, general. Ainda precisaremos.
— Seu assassino! — esbravejou Tomisenkow. — Acaba de matar oito dos meus
melhores homens. Inclusive o coronel Popolzak...
— Se acredita que fiz isso porque gosto, está enganado. Ainda não viu que isto é um
vampiro-carata?
O general estacou e olhou com mais atenção.
— É isso mesmo — confirmou Boris. — Não tivemos outra alternativa, general.
Ninguém poderia fazer mais nada por esses homens.
O Dr. Militch realizou um breve exame, conforme mandava o regulamento, e
confirmou as palavras de Boris.
Tomisenkow devolveu a carabina de Alicarim.
— Desculpe, Ali. Devemos muito ao senhor. Está disposto a assumir o comando na
ponta? Eu lhe darei alguns elementos de primeira categoria.
— Obrigado, general. Pode confiar em mim.
A marcha prosseguiu. Não havia tempo para enterrar os mortos. Dentro de quatro
horas teriam que chegar ao mar.
***
— ALARMA!
A mensagem percorreu a coluna de Tomisenkow de ponta a ponta.
Depois que Raskujan apareceu, trazendo clareza sobre a situação reinante em Vênus,
nenhum dos grupos em luta achou mais necessário brincar de esconder por meio de uma
suspensão das comunicações pelo rádio. Há muitas horas reinava vida nas faixas de ondas
curtas e ultracurtas. Podiam correr livremente nas imediações do planeta, pois a barreira
levantada pelo cérebro positrônico só impedia qualquer contato para fora. No interior da
barreira toda e qualquer forma de comunicação se tornava possível.
O sargento Kossygin mantivera o aparelho portátil ligado o tempo todo para a
recepção. Por isso pôde transmitir logo a advertência ao general.
A mensagem de alarma foi seguida imediatamente de instruções mais precisas.
Tomisenkow explicou que era do interesse de cada um segui-las. Os homens se dividiram
em grupos e procuraram se abrigar atrás de árvores espessas. As armas leves e
semipesadas de infantaria foram colocadas em posição. As metralhadoras foram montadas
em tripés e posicionadas para atirar em aviões.
Tomisenkow vigiou Thora com olhos de lince.
— Não me cause problemas a esta hora, madame — disse em tom áspero. — Nos
próximos minutos não terei muito tempo. Não poderei lhe indicar cada passo que deve dar.
Mantenha-se sempre perto de mim.
A linguagem lacônica e enérgica parecia produzir o efeito desejado. Aborrecida,
confirmou com um aceno de cabeça e não esperou que Tomisenkow a segurasse
brutalmente pela mão e a arrastasse por entre a vegetação. Seguiu-o espontaneamente.
O general se dirigiu ao posto de rádio.
— Dê-me um fone, cabo.
— As ordens!
Tomisenkow ouviu um chiado que subia e descia pela escala acústica, enquanto
Kossygin procurava sintonizar o aparelho. Subitamente ouviu os sons familiares de sua
língua materna.
— César para Lúculo. Espalhem-se de acordo com o plano A. Repito. Nada de
bombardeios enquanto a posição do inimigo não tiver sido perfeitamente determinada. O
estado-maior de Tomisenkow e principalmente essa arcônida devem cair em nossas mãos
intactos. César aguarda resultados da exploração do terreno. Fim!
— César e Lúculo! — gemeu Tomisenkow. — Ouçam só o vocabulário usado por
esse bando de desertores. Mantenha o receptor ligado, cabo.
Kossygin confirmou com um aceno de cabeça.
Conforme se depreendia das indicações de posição não codificadas, os primeiros
helicópteros haviam atingido a costa ao sul. Pouco depois o ruído dos motores se tornou
perceptível.
O ninho de metralhadora que ficava mais perto do posto de rádio era comandado pelo
pequeno e atarracado Alicarim.
— Olá, Ali! Aguarde minhas ordens. Não atire antes.
— Às ordens, general.
Uma voz voltou a soar nos fones de ouvido.
— Lúculo para César. Tomisenkow abandonou o acampamento anterior. Sentido
provável de seu deslocamento aproximadamente para o norte. A distância é de cinco a dez
quilômetros da costa.
— César para Lúculo. Utilizar visores infravermelhos para a observação no solo.
Concentrar-se numa faixa de dez quilômetros ao sul da costa sul.
Nesse momento o primeiro helicóptero trovejou exatamente sobre o lugar em que a
tropa de Tomisenkow se encontrava. Os homens iam respirar aliviados quando o ruído se
perdeu por cima da selva. Mas logo se ouviu a mensagem seguinte.
— Lúculo para César. Localizamos o inimigo. Tomisenkow suspendeu a marcha. É
provável que tenha assumido uma posição defensiva. Transmitirei as coordenadas.
— César para todos. Orientem-se por Lúculo II. Realizem um vôo visual. O grupo de
desembarque Otávio desembarcará na faixa costeira e se espalhará em direção ao sul. O
grupo de desembarque Cícero saltará conforme o plano AB. Ainda não abram fogo.
Furioso, Tomisenkow arrancou o fone do ouvido.
— Quem foi o idiota que andou livremente por aí? Quero que ele se apresente
imediatamente.
É claro que ninguém se apresentou.
— Quando os helicópteros se aproximarem de novo, abram fogo — ordenou
Tomisenkow. Fechou os olhos por alguns segundos. Thora percebeu que se esforçava
desesperadamente para recuperar o autocontrole. Numa situação dessas não convém que o
comando esteja nas mãos de um louco furioso.
As tropas de Raskujan se concentraram cada vez mais em torno do ponto que
correspondia às coordenadas fornecidas pelo observador Lúculo II. Alguns minutos
depois, seis helicópteros passaram em vôo rasante sobre as posições de Tomisenkow.
— Fogo! — berrou o general em meio ao barulho infernal produzido pelos rotores.
Alicarim leu o comando nos seus lábios mais do que o ouviu. No mesmo instante a
primeira rajada saiu do cano refrigerado a ar. Poucos segundos depois as metralhadoras
que se encontravam em pontos mais afastados também começaram a atirar. O som
entrecortado das mesmas se misturou ao barulho dos helicópteros.
Era evidente que o coronel Raskujan subestimara em muito o poder de fogo do
inimigo. De outra forma nunca teria dado ordem para um vôo rasante tão despreocupado.
Alguns homens de Wallerinski que vagabundeavam pela selva deviam ter fornecido um
relato distorcido sobre os remanescentes da divisão espacial. E, ao que tudo indicava,
esqueceram-se de mencionar que, apesar de todo embrutecimento, os homens de
Tomisenkow ainda não haviam desaprendido a arte de atirar.
Para os helicópteros, sujeitos à já conhecida proibição de atirar, o fogo de
metralhadora representou uma surpresa total. Era o oposto exato do primeiro ataque.
— Atingi um! — berrou Alicarim depois das primeiras três rajadas.
O rotor do primeiro helicóptero se desintegrou. Devia ter atingido a junta. O
helicóptero caiu imediatamente e com um grande estrondo atingiu uma árvore de uns
sessenta metros de altura. Os destroços caíram ao chão.
Alicarim visou outro alvo, quando a derrubada de um segundo aparelho foi
anunciado pelos ocupantes de um ninho de metralhadora situado mais adiante.
— Tudo está correndo segundo o programa. Continue a atirar, Ali! Atire! Aquele
gorducho que está bem em cima de nós...
Os êxitos alcançados entusiasmaram Tomisenkow. Apesar disso manteve-se
abrigado, pois a todo instante contava com uma reação do inimigo.
Pouco depois uma forte detonação superou todo o ruído da batalha. Alicarim
derrubara mais um inimigo. Atingira-o no tanque de combustível. A máquina explodiu no
ar e os homens que se encontravam no solo encolheram a cabeça. Uma chuva de destroços
aquecidos e incendiados despencava em todos os cantos.
Nuvens de fumaça subiram em meio à selva.
O general levantou a cabeça.
— Tudo bem por aí?
— Aqui não aconteceu nada, general. Ali vem o número quatro. Os Raskujan estão
chovendo de todos os quadrantes do céu. Esse sujeito não vai esquecer a lição que recebeu.
O quirguiz só teria razão em parte. Raskujan extraiu as conclusões cabíveis dos
resultados daquele combate; mas essas conclusões não determinavam a cessação completa
dos ataques.
Os helicópteros que vinham depois deram meia-volta assim que viram o que estava
acontecendo com os que iam à frente. O céu estava limpo. Desta vez a divisão espacial
escapara sem perdas.
— Procure entrar em contato com Raskujan — disse Tomisenkow ao sargento-
telegrafista. — E dê-me o microfone e o fone de ouvido.
— O coronel já está na onda, general — anunciou Kossygin. — Quer falar
pessoalmente com o senhor.
— Passe para cá! Esta o senhor não esperava, não é, Raskujan? Recomendo-lhe que
se submeta às minhas ordens. Se comparecer pessoalmente dentro de duas horas,
esquecerei tudo que aconteceu até aqui. Dou-lhe minha palavra de oficial.
— Muito obrigado, general! Não posso prometer que o encontro seja possível dentro
de duas horas. Mas irei até aí. Não tenha a menor dúvida. Mas recomendo-lhe que antes de
nosso encontro largue toda e qualquer arma que tenha em seu poder. Eu lhe garanto que
não sofrerá nenhum dano pessoal.
— Raskujan! Será que o senhor não compreende que está precipitando sua própria
desgraça? Não haverá nenhuma visita como o senhor imagina. Temos armas e munições
para rechaçá-lo mais cem vezes...
— Ora, Tomisenkow! Quando eu o ouço falar chego a ter vergonha de saber que já
foi meu professor de estratégia. Não me importarei nem um pouco de lançar meu próximo
ataque com bombas de todos os calibres. Estou em condições de destruir o senhor e seus
homens dentro de poucos minutos. E o trecho de selva em que se encontra está cercado por
todos os lados pelas minhas tropas. Reflita à vontade. O senhor pode morrer de fome e se
desgastar aos poucos numa série de combates, ou então será razoável e permitirá que eu
lhe indique uma habitação condigna numa das nossas naves espaciais.
— Muito obrigado pela oferta. Sua comodidade é um sinal de decadência que não me
atrai nem um pouco. Meus homens e eu estamos praticamente casados com Vênus. Mas
seus heróis de salão quebrarão os ossos na selva. Não deixe de aparecer, coronel! Será
tratado segundo seu comportamento, como um oficial ou como um criminoso. Pense no
assunto. Fim.
Tomisenkow largou o microfone e o fone de ouvido.
— Continue com o receptor ligado, Kossygin. Mas não responda mais. Quando
surgir uma palestra interessante grave-a até o fim, para que eu possa ouvi-la depois.
Continuaremos a marchar em direção ao litoral.
***
Dali a pouco começou a cair uma chuva ligeira, que logo se transformou num
furacão. Isso perturbava a atividade de ambos os lados. Quando as nuvens começaram a se
dissipar, o crepúsculo já começara a cair sobre o planeta. Os homens praguejaram.
Faltavam quatro quilômetros para atingir o mar. E, de um instante para o outro, tinha-se de
contar com a presença de uma patrulha de Raskujan. Daqui em diante teriam uma
vantagem ainda maior, pois dispunham de todos os equipamentos que a tecnologia humana
conseguira criar até aquela data.
A marcha pela selva prosseguiu. Alicarim manteve-se mais próximo do estado-maior.
O grupo de vanguarda passara a ser comandado pelo tenente Tanjev, que conhecia a região
por causa das atividades de patrulhamento que já exercera.
Ainda faltavam três quilômetros para atingir o mar.
Os uniformes estavam molhados e pesavam no corpo. O calor já diminuíra e o frio da
noite começou a se fazer sentir. Os homens tremiam. A escuridão já reinava sob a
folhagem espessa das árvores.
De repente ouviu-se um tiro. Seguiram-se mais dois, mais três. Exclamações e gritos.
A seguir veio uma rajada de metralhadora, que cessou de repente após a detonação de
algumas granadas de mão.
Novo fogo de infantaria à esquerda. Metralhadoras, carabinas e pistolas.
O eco ressoou nas copas das gigantescas árvores. A gritaria dos habitantes de Vênus
em fuga se misturou ao ruído e desapareceu ao longe. O ruído da batalha aumentou. Os
homens de Raskujan pareciam estar em toda parte. Também no flanco direito ouviram-se
tiros. A retaguarda lançou mão dos morteiros para se defender; atirou as granadas a esmo
em meio à vegetação imperscrutável.
O estado-maior de Tomisenkow, deitado no capim, comprimiu-se junto a um enorme
cedro de Vênus. Naquela escuridão os homens se sentiam totalmente desorientados.
— O cerco é perfeito — constatou Alicarim, sem que pretendesse se salientar. —
Para escaparmos sãos e salvos teremos de manter um silêncio profundo. Assim que
atirarmos seremos descobertos.
— Já foram descobertos — disse subitamente uma voz vinda da escuridão. —
Levantem as mãos e deixem as armas no chão. Estão sendo observados pelo visor
infravermelho. Quem fizer um movimento equívoco ou proibido será morto
imediatamente. Também estou me referindo à senhora, madame. Venha até aqui. Quase
chego a acreditar que é a criatura sobre cuja cabeça nosso comandante colocou um prêmio
bem apreciável.
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