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SOBRE A PREDICAÇÃO
Preliminares
1. Professor Associado de Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo. Pesquisador bolsista do CNPq.
Coordenador Geral do Projeto de Gramática do Português Falado.
1. O componente discursivo
Como se sabe, não existe ainda uma teoria integrada do discurso. De todo modo,
tem-se mostrado produtiva a análise dos seguintes processos discursivos, por apre-
sentarem correlatos na sintaxe:
a) a teoria dos atos de fala, em sua relação com a sentença. Dik (1989, p. 50)
correlaciona a "entidade" ato de fala com a unidade estrutural cláusula, que distingue
da proposição, da predicação, do termo e do predicado,
b) o fluxo da informação e a organização tópica do texto. Jubran et al. (1992)
postularam que os "tópicos discursivos" são de natureza fundamentalmente intera-
cional, e não podem ser confundidos com os turnos conversacionais. Um tópico
discursivo tem por propriedade primeira a "centração", que
2. O componente semântico
Deslocar-se da semântica para a sintaxe não é um caminho fácil, seja pelos riscos
de se estabelecerem aí relações de determinação, seja por não dispormos de teorias
semânticas razoavelmente estáveis.
Leech (1974), Lyons (1977) e Kates (1980) parecem identificar três campos de
atuação dessa disciplina: a semântica léxica, a semântica sentenciai e a semântica-
pragmática. Em Castilho (1993) propus que os termos sentido, significado e significa-
ção fossem usados para representar as noções criadas no ambiente lexical, gramatical
e interacional, respectivamente.
Entre outros, os seguintes processos semânticos têm correlatos no enunciado:
(1) a referência e a pressuposição, (2) a predicação, (3) a quantificação, (4) a dêixis e
(5) a foricidade.
Na segunda parte deste artigo, tratarei da predicação, nos quadros das atividades
desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho de sintaxe I do PGPF.
A predicação
1. Predicação e semântica
os nomes são símbolos das coisas, mas a relação entre o conceito (nóema) e o sinal {semêion) ou
entre a coisa (prâgma) e o nome (ónoma) não é sempre de congruência. Não se recobrem sempre
inteiramente conceito e palavra. O que está no som é símbolo do que está na alma, mas não
necessariamente o conceito que está no som, o significado, é congruente com o conceito que está
na alma, embora só sob as formas de linguagem possam ser apreendidos os conteúdos mentais.
(Moura Neves, 1987: p. 64-5)
2. Predicação e sintaxe
3. Predicação e discurso
Casteleiro (1981) e Ilari et al. (1990) estabelecem uma distinção entre adjetivos
e advérbios predicativos e não predicativos, a partir de considerações de ordem
semântica e sintática.
1. Predicação modalizadora
(7) eu tenho vontade de ir lá (...) porque realmente é um espetáculo bonito (D2 SSA
98: 811).
(8) a causa real da crise política são as elites.
(9) evidentemente a ele caberá tomar a decisão (DID REC 131: 260).
(10) a causa evidente da crise política são as elites.
É bastante extensa a lista de advérbios e adjetivos que podem aparecer em usos
epistêmicos asseverativos: evidente(mente), natural(mente), efetiva(mente), ob-
via(mente), reconhecida(mente), logica(mente), segura(mente), certa(mente) etc.
(12) a manta protege o pêlo do cavalo de uma possível machucadura (DID, SP, 18: 756)
(13) provavelmente [a cadeia de supermercados] é superior a qualquer uma do país
(D , REC, 5: 302)
2
2. Predicação quantificadora
(27) ao rever os seus objetivos muitas vezes o professor se dá conta de que (...) (EF,
POA, 268: 60)
(28) aqui a saída normal / habitual / semanal é nas quintas-feiras
A omissão dos itens grifados acima comprometeria a "pluralização" do estado
de coisas descrito por ser muito breve, acontecer, dar-se conta de e do referente do
deverbal saída.
(32) você não pode ter essa avaliação pessoal neste caso (D , SP, 343: 1153)
2
Nos exemplos acima, a extensão de ser bom negócio, questão, não gostar de e
avaliação foi delimitada pelos advérbios e adjetivos grifados, restringindo-se sua
extensão.
3. Predicação qualificadora
(34) tem peças que são autênticas porcarias (DID, SP, 161: 255)
(35) rígorosamente seria provavelmente um negócio desse jeitão aqui...certo? (EF, SP,
338: 191)
(36) se [a firma] não puder fazer isso ela vai à falência...pura e simplesmente (DID, SP,
250: 341)
(37) no Oriente há um símbolo clássico...a serpente que morde a própria cauda (EF,
SP, 124: 418)
(38) eu acho que não me lembro do lugar especial pra plantar (DID, SP, 18: 400)
O processo semântico desencadeado pelos itens grifados é habitualmente
descrito na literatura sob a denominação um tanto vaga de "ênfase", propondo-se por
vezes rótulos tais como "enfatizadores". Acredito que o rótulo "confirmadores"
descreve com maior adequação o choque entre as propriedades intensionais do
predicador e de sua classe-alvo.
(41) [a professora] quase sempre ela é procurada pelos alunos (D , SP, 360: 1242)
2
(42) depois de um teórico período de experiência junto à firma de seu pai, o Toninho
foi nomeado vice-diretor da empresa
(43) esse presidente exibe uma relativa disposição para com os descamisados
5: 534)
(49) [isso é] um negócio altamente boêmio...ouviu? (D , SSA, 98: 1346)
2
(50) tem uma diferença vamos dizer grande (DID, SP, 18: 456)
(51) os musicais fazem um sucesso tremendo (DID, SP, 161: 503)
(52) e todos os carros da cidade pequena podem fazer uma fumaceira desgraçada que
vão poluir a cidade (D , SP, 343: 314)
2
68)
(55) ah cabelo a gente tinha cabelo comprido...enrolava ( ) que a cabeça ficava
parecendo...nem sei...um BALde (D , SP, 396: 1932)
2
Conclusões
Este trabalho mostra que há uma harmonia categorial entre advérbios e adjetivos,
quando examinamos seu papel predicador. A língua representa em sua estrutura os
mesmos processos semânticos através de formas estruturalmente diversas.
Os três tipos de predicação adverbial e adjetivai servem na interação a propósitos
diferentes. Os modalizadores são "orientados para o falante", visto que verbalizam a
atitude deste em relação ao conteúdo da classe modificada. Os quantificadores e os
qualificadores são "orientados para o referente", visto que especificam a extensão e
a intensão da classe modificada.
O sujeito desses predicadores pode estar no enunciado ou na enunciação; neste
caso, dei-lhes a designação algo genérica de predicadores pragmáticos.
Para retratar o tipo de contribuição semântica trazida pela predicação, acolhi os
dois processos propostos por Weinreich (1972), aos quais agreguei um terceiro. Com
isso, o quadro ficou assim organizado:
(i) predicação por encadeamento ou adição: o predicador cede um traço à
classe-sujeito. A maior parte dos advérbios e adjetivos predicativos operam nesta
forma: os modalizadores epistêmicos / deônticos / pragmáticos, os quantificadores
aspectualizadores, os qualificadores confirmadores / adicionadores, neste caso, com
exceção dos aspectualizadores;
(ii) predicação por transferência: da relação entre o predicador e a classe-sujeito
surge um significado inteiramente novo, o que ocorre maiormente nas expressões
idiomáticas. O termo "transferência", que deveria traduzir o inglês nesting, tem o
defeito de encobrir - em minha leitura - o alcance real desta categoria. O corpus
examinado mostrou-se pobre a respeito desse processo, porém pesquisas adicionais
poderiam revelar advérbios e adjetivos que desencadeiam esse processo;
(iii) predicação por cancelamento ou subtração: o predicador apaga parte dos
atributos da classe-sujeito. Os dados revelaram a existência de duas predicações por
cancelamento: ou se diminuem os indivíduos do conjunto, como nos quantificadores
• ABSTRACT: This paper (1) gives an account of the development of the Spoken Portuguese Grammar
Project, (2) discusses predication within the frame of a functional grammar, and (3) offers some results
of the analysis of predicative adverbs and adjectives, used in spoken standard Brazilian Portuguese, as
witnessed in materials of the NURC Project. (Abstract prepared by the Editor.)
Referências bibliográficas