Você está na página 1de 11

Orações Relativas em Grego Antigo

Caio Borges Aguida Geraldes


caio.geraldes@usp.br*

4 de novembro de 2021

1 Morfologia e léxico

1.1 Pronomes relativos


Formas:
• Básicas: ὅς, ἥ, ὅ
• “Indefinidas”: ὅστις, ἥτις, ὅτι
• Quantitativas: ὅσος, ὅσα, ὅσον
• Qualitativas: οἷος, οἵα, οἷον
• Enfáticas: ὅσπερ, ἥπερ, ὅπερ
• Outras (adverbiais e comparativo): ἔνθα, ᾗ, ἔνθεν, ὅθεν, οἷ, ὅτε, ὡς, ὁπότερος

ὅς, ἥ, ὅ: Base
• Derivado de pie *i̯o- (como em indo-iraniano e balto-eslávico)
• Base para todos os outros pronomes utilizados como relativos
• Em jônico e eólico, concorre com formas derivadas de pie *so-/*to-1
• Atestado desde o micênico
• Declinado como adjetivos triformes, i.e. na segunda declinação (masculino e neutro) e primeira (feminino)
• Uso em qualquer classe de relativa.

* Esse trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio do processo de nú-
mero 2021/06027-4.
1
Talvez também em cipriota, vide ICS 217 A 12.

1
ὅς, ἥ, ὅ: Exemplo micênico

(1) .1 o-di-do-si , du-ru-to-mo 𐀃𐀇𐀈𐀯 𐄀 𐀉𐀬𐀵𐀗


.2 a-mo-te-jo-na-de , e-pi-[•]-ta 50 𐀀𐀗𐀳𐀍𐀙𐀆 𐄀 𐀁𐀠[•]𐀲 𐄔
.3 a-ko-so-ne-q̣ ẹ 50 𐀀𐀒𐀰𐀚𐀤 𐄔
.4 to-sa-de , ro-u-si-jo , a-ko-ro , a-ko-so-ne 𐀵𐀭𐀆 𐄀 𐀫𐀄𐀯𐀍 𐄀 𐀀𐀒𐀫 𐄀 𐀀𐀒𐀰𐀚
.5 100 , to-sa-de , e-pi-[•]-ta 100 𐄙 𐄀 𐀵𐀭𐀆 𐄀 𐀁𐀠[•]𐀲 𐄙
“O que dão os lenhadores à oficina de carruagens (são) 50 árvores e 50 eixos. Tanto (contribui) o campo
Lúsio em eixos: 100; e tanto em árvores: 100.” (PY Vn 10)

Note-se que o- e jo- variam, provavelmente o primeiro sendo um acusativo neutro singular (Probert 2015,
199ff.). A oração relativa é livre e tem valor maximalizante, i.e. denota todas as coisas relevantes dadas pelos le-
nhadores à oficina de carruagens.

ὅς, ἥ, ὅ: Exemplos do grego alfabético


(2) a. Restritiva:
ἦ γὰρ ὀΐομαι ἄνδρα χολωσέμεν ὃς μέγα πάντων | Ἀργείων κρατέει …
Pois penso que eu vá enfurecer um homem que comanda com grandeza todos os argivos. (Hom. Il. 1.
78–9)
b. Explicativa:
οὐδ’ ἢν Ἀγαμέμνονα εἴπῃς | ὃς νῦν πολλὸν ἄριστος ἐνὶ στρατῷ εὔχεται εἶναι.
Nem se mencionares Agamêmnon, que agora professa ser de longe o melhor do exército. (Hom. Il. 1.
88–91)
c. Relativa livre:
ὃν οἱ θεοὶ φιλοῦσιν ἀποθνῄσκει νέος.
(Aquele) que os deuses amam morre jovem. (Menandro, fr. 4)

2
ὅστις, ἥτις, ὅτι — Indefinido/Genérico “algum”
• Forma baseada no pronome relativo base (ὅς, ἥ, ὅ) univerbado com o pronome indefinido (τις, τι < pie *kʷi-/
*kʷo-) 2
• A depender da edição, a univerbação não é marcada (i.e. ὅς τις, ἥ τις, ὅ τι)
• Em geral, ambos os membros flexionam em gênero, número e caso, mas:
– Em Homero ocorrem nominativos e acusativos com apenas o segundo elemento flexionado: 3
* nom.sg.masc. ὅτις (≃ ὅστις);
* acu.sg.masc. ὅτινα (≃ ὅντινα), pl. ὅτινας (≃ οὕστινας);
* nom/acu.pl.neut. ὅτινα (≃ ἅτινα/ἅσσα).
– Em cretense há as três possibilidades:
* Ambos membros flexionados: nom.pl.masc. οἴτινες (≃ ático οἵτινες);
* Apenas o primeiro flexionado: nom/acu.pl.neut. ἄτι (≃ ἅτινα/ἅσσα);
* Apenas o segundo flexionado: dat.sg.neut. ὄτιμι (≃ ático ᾧτινι).
• Uso sobretudo em relativas livres.

ὅστις, ἥτις, ὅτι: Exemplos do uso interrogativo indireto


(3) τίς γὰρ δὴ ἄλλος εἴσεται ὅτῳ ἄμεινον ζῆν ἢ τεθνάναι;
Pois afinal que outra pessoa saberá a quem é melhor viver ou morrer? (Plat. Laques 195e2)
(4) ὅς e ὅστις interrogativo com valor semelhante:
a. ὅστις δ᾽ ἦν οὐ σαφῶς μέμνημαι
Quem era eu não me recordo com certeza. (Plat. Fedro 103a4)
b. πρῶτόν με ὑπομνήσατε ἃ ἐλέγετε
Primeiro me lembrai das coisas que dizíeis. (Plat. Fedro 91c6)

• Mais usos em Probert (2015, 154ff.).

ὅστις, ἥτις, ὅτι: Exemplos de relativas livres


(5) a. αἰεὶ γάρ μοι ἔωθεν ἐνικλᾶν, ὅττι νοήσω.
Pois ela sempre costuma frustrar o que eu planejo. (Hom. Il. 8. 408)
b. οὐ πάνυ εὐθέως ἐθέλει πείθεσθαι ὅτι ἄν τις εἴπῃ
Não se deixava convencer facilmente pelo quer que alguém dissesse. (Plat. Fédon 63a3)
(6) Com o pronome fora da primeira posição:
φίλοι, κακῶν μὲν ὅστις ἔμπειρος κυρεῖ, | ἐπίσταται …
Amigos, [aquele] que conheceu dificuldades sabe que … (Ésq., Pers. 598–9)

Exemplos de uso dos demais pronomes “relativos”


(7) a. ὅσος, ὅσα, ὅσον — quantidade
εἰ μὴ ἄρα ὅσον ἂν ἐγὼ δυναίμην ἐκτεῖσαι, τοσούτου βούλεσθέ μοι τιμῆσαι
A não ser que a partir do quando posso pagar desejeis me valorizar. (Plat. Ap. 38b3)
b. οἷος, οἵα, οἷον
οὐ γὰρ ἔπ’ ἀνήρ, | οἷος Ὀδυσσεὺς ἔσκεν, ἀρὴν ἀπὸ οἴκου ἀμῦναι.
Pois não há um homem, como foi Odisseu, capaz de evitar a ruína desta casa. (Hom. Od. 2.58–9)
c. ὅσπερ, ἥπερ, ὅπερ
2
Forma a partir da qual o latim e hitita construíram seus pronomes relativos base: lat. quis, hit. kuiš.
3
Além das formas com um membro τις tratado como tema em -o: ex. ὅττεο.

3
(i) ἐγὼν δ’ ἀείδω | Ἀγιδῶς τὸ φῶς· ὁρῶ | ϝ’ ὥτ’ ἄλιον, ὅνπερ ἇμιν | Ἀγιδὼ μαρτύρεται | φαίνην·
Mas eu canto a luz de Agido. Eu a vejo como o sol [, aquele mesmo] que Agido chama para
brilhar sobre nós (Álcman fr.1. 39–43 PMGF)
(ii) συνεγιγνώσκετε δήπου ἄν μοι εἰ ἐν ἐκείνῃ τῇ φωνῇ τε καὶ τῷ τρόπῳ ἔλεγον ἐν οἷσπερ ἐτεθράμμην
Por certo me perdoareis se eu falei naquela língua e maneira [precisamente] em que fui criado
(Plat. Ap. 17d4)

2 Sintaxe e Semântica
Tipos de relativas em Grego Antigo
• Perna (2013): Restritiva, Apositiva e Livre
– Apenas se não há um “antecedente” presente na sentença ela é categorizada como livre.
• Fauconnier (2014): Internas e Externas
– Externa: o “antecedente” está na oração matriz.
– Interna: o “antecedente” está na oração relativa.
• Probert (2015): Pós-nominal (normal) e Livre ou Semi-livre (inerentemente maximalizadora):
– Os termos em parênteses são os principais.
– Se o “antecedente” ocorre dentro da relativa, ela ainda assim é considerada livre por sua semântica.
Uso aqui por conveniência as definições de Probert (2015), considerando:
• Pós-nominais são a construção default e possuem valor:
– Restritivo;
– Explicativo/Apositivo;
– Maximalizador (em certos contextos e similar ao restritivo).
• Livres e semi-livres possuem valor inerentemente maximalizador, i.e. sempre denotam uma única entidade,
um conjunto ou um monte de coisas.

Pós-nominais ou externas, restritivas e explicativas


Relativas pós-nominais ou externas podem ser tanto restritivas:

(1) a. τῷ ἀνδρὶ ὃν ἂν ἕλησθε πείσομαι


Obedecerei o homem que escolheres. (Xen, Anab 1.3.15)
b. ἦ γὰρ ὀΐομαι ἄνδρα χολωσέμεν ὃς μέγα πάντων | Ἀργείων κρατέει …
Pois penso que eu vá enfurecer um homem que comanda com grandeza todos os argivos. (Hom. Il. 1.
78–9)

Quanto explicativas:

(2) a. ἦν τις Φιλλίδας ὃς ἐγραμμάτευε τοῖς περὶ Ἀρχίαν πολεμάρχοις.


Havia um certo Fílidas, que servia de secretário dos polemarcos em volta de Árquias. (Xen. Anab. 4.8.1)
b. οὐδ’ ἢν Ἀγαμέμνονα εἴπῃς | ὃς νῦν πολλὸν ἄριστος ἐνὶ στρατῷ εὔχεται εἶναι.
Nem se mencionares Agamêmnon, que agora professa ser de longe o melhor do exército. (Hom. Il. 1.
88–91)
c. οὕτω πᾶσα ἰδέα κατέστη κακοτροπίας διὰ τὰς στάσεις τῷ Ἑλληνικῷ καὶ τὸ εὔηθες οὗ τὸ γενναῖον πλεῖστον
μετέχει καταγελασθὲν ἠφανίσθη …
Assim todo tipo de vileza se manifestou entre os gregos por conta da guerra civil, e a bondade, na qual
a nobreza tem grande parte, foi ridicularizada e desapareceu. (Tucídides 3.83.1)

4
Pós-nominais: “antecedentes” indefinidos
O contexto nem sempre serve para diferenciar a leitura restritiva ou apositiva:

(3) τὸν δ’ ἐνόησεν | ἑσταότ’· ἀμφὶ δέ μιν κρατεραὶ στίχες ἀσπιστάων | λαῶν οἵ οἱ ἕποντο Τρίκης ἐξ ἱπποβότοιο.
Ele o encontrou em pé e em seu entorno estavam fortes destacamentos de homens carregando escudos(,)
que o acompanhavam desde Triqué nutriz de cavalos (Hom. Il. 4.200–2)

Essa é uma característica das pós-nominais/externas cujo “antecedente” é indefinido.

Livres: sentido maximalizador


O sentido maximalizador é inerente à construção livre.

(4) a. αἰεὶ γάρ μοι ἔωθεν ἐνικλᾶν, ὅττι νοήσω.


Pois ela sempre costuma frustrar [o] que eu planejo. (Hom. Il. 8. 408)
b. ὃν οἱ θεοὶ φιλοῦσιν ἀποθνῄσκει νέος.
[Quem/Aquele] que os deuses amam morre jovem. (Menandro, fr. 4)
c. πράττει δ᾽ ἐναντία ὅστις θεοῖς ἀπεχθάνεται
Faz oposição [quem/aquele] que é odioso aos deuses (Plat. Symp. 193b3)
d. οὐ δεῖ ποιεῖν ἃ οὗτος κελεύει
Não se deve fazer [aquilo] que ele ordena. (Plat. Symp. 216b4)

Livres?!: “antecedente” incorporado


(5) a. ὡς γὰρ σφόδρα πιθανὸς ὤν ὃν ὁ Σωκράτης ἔλεγε λόγον νῦν εἰς ἀπιστίαν καταπέπτωκεν
Por mais crível que seja, aquele discurso que Sócrates disse foi posto agora em dúvida. (Plat. Phd. 88 d
2)
b. ἕως ἔλθοιεν οὓς πέμψειε πρὸς βασιλέα ἀγγέλους.
Até que cheguem os mensageiros que ele enviou ao rei. (Xen. Cyrop. 5.5.3)
c. ὃς δέ κ’ ἀνὴρ ἀπὸ ὧν ὀχέων ἕτερ’ ἅρμαθ’ ἵκηται, | ἔγχει ὀρεξάσθω
Que aquele homem que chegar com seu carro ao carro inimigo lance sua lança. (Hom. Il. 4. 306–7)

Livres?!: demonstrativos catafóricos


Demonstrativos catafóricos participam de construções relativas livres. Porque tem pouco valor semântico em
si, deixam à relativa a tarefa de selecionar uma entidade, um conjunto de entidades ou um monte de coisas.

(6) a. ἀφρήτωρ ἀθέμιστος ἀνέστιός ἐστιν ἐκεῖνος | ὃς πολέμου ἔραται ἐπιδημίοο κρυόεντος.
Isolado, sem lei, pária é aquele que ama a terrível guerra civil (Hom. Il. 9. 63–4)
b. … ἐγὼ ἔθελον τούτῳ ταύτην ἥτις εἴη μεγίστη πίστις δοῦναι …
… eu desejava lhe dar aquela promessa que seria a maior [de todas] … ([Demóstenes] 52. 12)

Similarmente, exemplos com πᾶς “tudo” também incitam leitura maximalizadora da relativa:

(7) a. οὐδὲ μάκαρ οὐδεὶς πέλεται βροτός, ἀλλὰ πονηροὶ | πάντες ὅσους θνητοὺς ἠέλιος καθορᾷ.
E nenhum mortal é abençoado, mas miseráveis são todos [aqueles] mortais que o sol vê de cima. (Sólon
fr. 14 West)

Relativa-correlativas
(8) αἳ γὰρ ὑπ’ ἠελίῳ τε καὶ οὐρανῷ ἀστερόεντι | ναιετάουσι πόληες ἐπιχθονίων ἀνθρώπων | τάων μοι περὶ κῆρι τιέσκετο
Ἴλιος ἱρή …

5
Pois [entre] as cidades de homens terrestre que dão morada sob o sol e céu estrelado, entre elas a sagrada
Ílio me era especialmente honrada no coração … (Hom. Il. 4. 44–6)

Novamente, o sentido é maximalizante.

3 Diacronia

3.1 O que sabemos


Três estágios já descritos:
1. Pré-clássico: atestações anteriores a Ésquilo, incluindo Homero, inscrições, lírica, pré-socráticos (Probert
2015)
2. Clássico: sobretudo Platão e Xenofonte (Perna 2013; Fauconnier 2014)
3. Pós-clássico e Bizantino: atestações de papiros em uso cotidiano ou jurídico (Bentein e Bağrıaçık 2018)
Note-se que os corpora não são representativos de um gênero ou outro de modo consistente, então as conclu-
sões devem ser tomadas com um grão de sal.

3.2 Pré-clássico (Probert 2015)


Corpus:
• Micênico (poucas inscrições)
• Inscrições alfabéticas até 550 aec
• Prosa de Anaximandro e Heráclito
• Jambos, lírica monódica e coral e elegia até 550 aec
• Inscrições Cretenses até 400 aec
• Homero
• Relativas livres, semi-livres (“antecedente incorporado”, demonstrativo catafórico) e relativa-correlativas são
preferidas quando se deseja indicar uma única entidade, um conjunto de entidades ou um monte de coisas,
isto é, sentido maximalizador.
• Pós-nominais são preferidas quando o sentido restritivo ou apositivo é preferido.
• Em contextos que a semântica é maximalizadora a despeito da relativa, a estrutura pós-nominal é utilizada.
• Assume-se que as relativas inerentemente maximalizadoras são preferidas para evitar ambiguidades que
possam surgir da semântica da estrutura pós-nominal (que pode ser ou não maximalizadora).
• A alta ocorrência de relativas pós-nominais não restritivas em Homero embora, fosse interpretada como
um período “mais primitivo” e como evidência de que o pronome pie *(H)i̯o- era apenas (ou sobretudo)
utilizado para pós-nominais, pode ser explicada por razões estilísticas posto que o sistema de relativas nele
é semelhante ao das inscrições, prosa e lírica pré-clássicas.

Pré-clássico: Pós-nominais e usos maximalizadores


Uso em sentido restritivo “forte” já que denota uma única assembleia e poderia competir com uma relativa
livre inerentemente maximalizadora (2):

(1) ἐπ’ Ἀφσεύδο̄ς ἄρχοντος καὶ τε͂ς βο̄λε͂ς hε͂ι Κριτιάδε̄ς ἐγραμμάτευε·
No arcontado de Apseudes e na assembleia em que Critíades era secretário. (Atenas, IG3 54 8–10)4
(2) † ἐπ’ Ἀψεύδους ἄρχοντος καὶ ᾑ βουλῃ Κριτιάδης ἐγραμμάτευε·

Uso com o subordinador de quantidade ὅσος, cujo sentido já é maximalizador:


4
Similar a outros exemplos áticos em IG3 369, 375, 391, 457 e outros e I.Eleusis 45.

6
(3) καὶ κεράμε̄ πάντα hόσα κ̣ ὰ̣<τ> τὰ<ν> ϝοικίαν χρε̄́
… e todas peças de cerâmica, quantas eram necessárias para a casa … (Tarento, IGASMG V 18 13–15)

Uso quando o “antecedente” é acompanhado de um demonstrativo adnominal ou “artigo definido”:5

(4) ὃ δὲ Κύπριν ἐπῴχετο νηλέϊ χαλκῷ | γινώσκων ὅ τ’ ἄναλκις ἔην θεός οὐδὲ θεάων | τάων αἵ τ’ ἀνδρῶν πόλεμον κάτα
κοιρανέουσιν
E ele se lançou contra Afrodite com o bronze infiel, crendo que ela fosse uma deusa fraca e não uma das
deusas as quais tomam a frente nas batalhas dos homens … (Hom. Il. 5. 330–3)

Uso em contextos de caracterização (gnômico):

(5) ἀντί νυ πολλῶν | λαῶν ἐστιν ἀνὴρ ὅν τε Ζεὺς κῆρι φιλήσῃ


De valor igual a muitos homens é o homem que Zeus amou de coração (Hom. Il. 9. 116–18)

3.3 Clássico (Perna 2013; Fauconnier 2014)


Corpus:
• Platão (Perna 2013)
• Xenofonte (Fauconnier 2014)
O sistema não parece ter mudado drasticamente, mas:
• Pós-nominais seguindo um nome acompanhado de artigo definido são utilizadas de modo mais frequente,
tomando parte do espaço onde antes se preferiam relativas livres, semi-livres ou relativo-correlativas.
• A análise de Perna (2013) não mostra diferenças significativas no uso de semi-livres de “antecedente incorpo-
rado” com outras relativas restritivas, de modo que não há necessariamente porque assumir que elas sempre
denotem uma única entidade, um conjunto de entidades ou um monte de coisas.
• Perna julga improvável que existem relativas restritivas pré-nominais e as assume sempre como exemplos
de “antecedente incorporado”.
• Fauconnier (2014) mostra, no entanto, que existem diferenças sintáticas e semânticas entre relativas com o
domain nominal interno e externo:
– As internas apenas possuem leitura restritiva, são apenas raramente (apenas o exemplo (6)) utilizadas
com nomes próprios. Quando o referente é definido, ele não recebe artigo.
– As externas podem receber qualquer leitura e quando o referente é definido, ele sempre vem marcado
por um artigo definido.

(6) ἔφασαν […] ὑφήσεσθαι δὲ οὐδέποτε ἣν παρὰ τῶν πατέρων παρέλαβον Μεσσήνην ταύτης στερηθῆναι
Eles disseram que jamais submeteriam a Messena que eles receberam de seus pais a ficar desprovida da-
quilo. (Xen. Hell. 7.4.9)

3.4 Pós-clássico (Bentein e Bağrıaçık 2018)


Corpus:
• Cartas, petições e contratos dos períodos:
– Pós-Clássico Médio: séc. I–III EC (1040 exemplos em 1250 textos)
– Pós-Clássico Tardio: séc. IV–VI EC (243 exemplos em 530 textos)
– Início do Bizantino: séc. VII–VIII EC (51 exemplos em 223 textos)
O sistema parece ter mudado bastante e recebe um novo membro:
• Relativas com “antecedente incorporado” (semi-livres) permitem leituras não-restritivas.
• São encontradas relativas pré-nominais cujo domain nominal é externo.
5
Aspas no caso de Homero

7
• O uso destas parece restrito por fatores sociolinguísticos, posto que ocorrem sobretudo em gêneros formais
(contratos, petições), como uma espécie de floreio sintático.
• A proposta de Bentein e Bağrıaçık (2018) é de que todos os exemplos de relativas com “antecedente incor-
porado” e leitura não-restritiva são pré-nominais cujo domain nominal é externo.

(7) Relativas com “antecedente incorporado” e valor não-restritivo

a. καὶ ἐπιβεβληκέναι Τιβερίωι [Ἰ]ουλίωι Θέωνι … οὓς προεῖχεν ἔτι τοῦ πατρὸς περιόντος Κάρπον καὶ Ἀνδροσθένην

E foram subjugados por Tibério Júlio Teão … Carpo e Andróstenes …, que ele já possuía quando seu
pai era vivo. (P.Oxy.44.3197, 5–9 111 EC)
b. Mais difícil de justificar:
Σῦρος Σύρου ἐνεχείρισεν τῇ γυνακί μου Σαρεῦτι … ὃ ἀνείηται ἀπὸ κοπρίας ἀρσενικὸν σωμάτιον, ᾧ ὄνομα
Ἡρακλᾶς.
Siro, filho de Siro, confiou aos cuidados de minha espora Saraeus o garotinho, que ele tirou da sarjeta,
de nome Héraclas. (P.Oxy.1.38, 3–7 49–50 EC)
(8) Relativas pré-nominais com domain nominal externo:
παρέλαβον καὶ νῦν παρὰ σοῦ … ὧν λόγον δώσω οἴνου μονόχω(ρα) τεσσαράκοντα ὀκτώ
Eu agora recebi de você as 48 monochora de vinho, das quais farei o recibo (?) (P.Flor.2.219, 3–7 253 ec)

Os exemplos mais convincentes são estes em que o pronome relativo recebe caso do verbo da subordinada
e o domain nominal do verbo matriz. Os demais exemplos assumem que a leitura não-restritiva de relativas de
“antecedente incorporado” tem na realidade esta estrutura.
Na análise dos autores, o caso do domain nominal externo nessas construções poderia ser atribuído de maneira
não-canônica (por atração), de modo que os exemplos de (7) seriam analisados como:

(9) a. καὶ ἐπιβεβληκέναι Τιβερίωι [Ἰ]ουλίωι Θέωνι … οὓς προεῖχεν ἔτι τοῦ πατρὸς περιόντος Κάρπον καὶ Ἀνδροσθένην

E foram subjugados por Tibério Júlio Teão … Carpo e Andróstenes …, que ele já possuía quando seu
pai era vivo. (P.Oxy.44.3197, 11. 5–9 111 EC)
b. Σῦρος Σύρου ἐνεχείρισεν τῇ γυνακί μου Σαρεῦτι … ὃ ἀνείηται ἀπὸ κοπρίας ἀρσενικὸν σωμάτιον, ᾧ ὄνομα
Ἡρακλᾶς.
Siro, filho de Siro, confiou aos cuidados de minha espora Saraeus o garotinho, que ele tirou da sarjeta,
de nome Héraclas. (P.Oxy.1.38, 3–7 49–50 EC)

3.5 Panorama histórico


Seguindo Perna (2013), Fauconnier (2014), Probert (2015) e Bentein e Bağrıaçık (2018):

Pré-Clássico Clássico Pós-Clássico


Pós-nominais Restritivas e não-restritivas Todas funções Todas funções
Livres Maximalizadoras Maximalizadoras Maximalizadoras ou Restritivas
Semi-livres Maximalizadoras Maximalizadoras ou Restritivas Maximalizadoras ou Restritivas
Pré-nominais X X Não restritivas

8
4 Atração de caso
Tipos de atração
1. Atração inversa, attractio inversa
2. Atração do pronome relativo, attractio relativi

Atração inversa
Alguns exemplos possuem dupla análise (condições mínimas em Probert (2015, p. 164)):

(1) a. Análise como atração:


φυλακὰς δ’ ἃς εἴρεαι, ἥρως, | οὔ τις κεκριμένη ῥύεται στρατὸν οὐδὲ φυλάσσει.
b. Análise como relativa com “antecedente incorporado”:
φυλακὰς δ’ ἃς εἴρεαι, ἥρως, | οὔ τις κεκριμένη ῥύεται στρατὸν οὐδὲ φυλάσσει.
Quanto aos postos de guarda que perguntastes, herói, nenhuma designada proteje o exército ou o
aguarda. (Hom. Il. 10. 416–17)

No entanto, algumas são de fato difíceis de analisar, posto que são acompanhadas de artigo definido e/ou
pronome anafórico:

(2) a. τὸν ἄνδρα τοῦτον ὃν πάλαι | ζητεῖς ἀπειλῶν κἀνακηρύσσων φόνον | τὸν Λαΐειον, οὗτός ἐστιν ἐνθάδε …
Esse homem, que há muito procuras, fazendo ameaças e proclamações sobre a morte de Laio, ele está
aqui … (Sófocles, OT 449–51)
b. Supondo que Ἠετίων seria idealmente uma repetição de Ἠετίωνος:
ἔνθ’ ἄλοχος πολύδωρος ἐναντίη ἦλθε θέουσα | Ἀνδρομάχη θυγάτηρ μεγαλήτορος Ἠετίωνος | Ἠετίων ὃς ἔναιεν
ὑπὸ Πλάκῳ ὑληέσσῃ | Θήβῃ Ὑποπλακίῃ Κιλίκεσσ’ ἄνδρεσσιν ἀνάσσων·
Lá sua esposa de grande dote correndo veio ter com ele, Andrômaca, filha do grande Etião, de Etião,
que vivia sob a arvorada Placo, na Tebas ao sul de Placo, governando homens da Cilícia. (Hom. Il. 6.
394–7)

Neste caso, existem outras explicações: 1. Ἠετίων é resultado de uma haplologia de †Ἠετίωνος ὃς; 2. Ἠετίων é um
nominativo de aposto livre.

Atração de pronome relativo


Probert (2015) recolhe todas as possíveis atestações dessa construção antes de Ésquilo, testando uma hipótese
apresentada originalmente por Förster (1868), e concluí que não há evidência positiva de exemplos de atração de
pronome relativo em grego arcaico, salvo o fragmento 1 DK de Heráclito, mas apenas se aceitarmos a lição de Sexto
Empírico.
Em grego clássico:

(3) a. οὐδὲν ἄν πράξαιμ’ ἄν ὧν οὐ σοὶ φίλον


Eu jamais poderia fazer algo que não gostas. (Sófocles, OT.862)
b. φράσον δέ μοι τίς ἡ ὠφελία τοῖς θεοῖς τυγχάνει οὖσα ἀπὸ τῶν δώρων ὧν παρ’ ἡμῶν λαμβάνουσιν;
Mas diz-me, qual proveito os deuses tiram dos presentes que recebem de nós? (Plat. Eutifr. 14e)
c. μισθōτε͂ι προσhαπέδομεν πρὸς hο͂ι πρότερον εἶχε, Διονυσοδṓρōι ἐμ Μελίτε̄ι hοικο͂ντι, hεγγυε̄τε̄ς̀ Hε̄ρα-κλείδε̄ς
Ὀε͂θεν – ΔΔΔΔ𐅂𐅂𐅂𐅂Ι
Em adição ao que ele tinha previamente, pagamos ao empreiteiro Dionisodoro, morador de Melite –
era fiador Heraclides de Oa: [a soma de] 44 drácmas e 1 óbolo. (IG I3 476, fr. XVII, col. ii, l. 274–9)

A análise geralmente aceita é que, embora ocupe uma função nominal, as orações relativas livres não recebem
caso da oração matriz, de modo que é necessário recuperar a função sintática dela de alguma maneira.

9
Uma opção seria marcar no item flexionado mais alto da estrutura, ou seja, o relativo (e o “antecedente incor-
porado”), o que se faz seguindo uma hierarquia de acessibilidade de caso/função sintática:

(4) Hierarquia de “Case Markedness” (Grosu 1994, p. 122)


NOM < ACC < DAT < GEN < … < P-Kase
Tal que os itens mais a esquerda são menos marcados e mais acessíveis sem necessidade de marcação mor-
fológica.

• Se na oração relativa, o referente é Sujeito ou Objeto Direto e na matriz a relativa tem função de genitivo ou
dativo, a atração costuma ocorrer em grego clássico e pode ocorrer nas demais variedades.
• Se na oração relativa, o referente tem função oblíqua (objeto indireto ou possuidor etc) e na matriz a relativa
tem função de sujeito ou objeto, a atração não ocorre (não há atestações confiáveis).
• Raras vezes se a função do pronome é dativa e a da oração, genitiva, há atração.
• Raríssimas vezes se a função do pronome é nominativa e a da oração, acusativa, há atração.
Esquematicamente:

Pron / Oração Nominativo Acusativo Dativo Genitivo


Nominativo X Atração (raro) Atração Atração
Acusativo Mantém X Atração Atração
Dativo Mantém Mantém X Atração (raro)
Genitivo Mantém Mantém Mantém X

10
Recomendações bibliográficas
• Capítulos e parágrafos em gramáticas e manuais de sintaxe:
– Parágrafos §554–63 de Kühner e Gerth (1898)
– Capítulo IIIC de Rijksbaron (2002, 87ff)
– Capítulo 50 de Boas et al. (2019, 563ff)
• Monografias e artigos:
– Sobre orações relativas em grego antigo no geral, Monteil (1963)
– Sobre orações relativas no dialeto ático de Platão, Perna (2013), e de Xenofonte, Fauconnier (2014)
– Sobre orações relativas em grego pré-clássico, Probert (2015)
– Sobre orações relativas em grego pós-clássico e bizantino, Bentein e Bağrıaçık (2018)
– Sobre atração relativa e atração inversa, Förster (1868), Gonda (1965), Tuite (1984), Harbert (1990),
Grimm (2007), Perna (2013, pp. 177–84), Kakarikos (2014) e Probert (2015, pp. 162–98)

Referências
Bentein, Klass e Metı̇n Bağrıaçık (2018). “On the third type of headed Relative Clause in Post-Classical and Early
Byzantine Greek”. Em: Transactions of the Philological Society 3.116, pp. 529–554. doi: 10.1111/1467-968X.
121.
Boas, Evert van Emde et al. (2019). The Cambridge Grammar of Classical Greek. Cambridge: Cambridge University
Press.
Fauconnier, Stefanie (2014). “Internal and External Relative Clauses in Ancient Greek”. Em: Journal of Greek Linguis-
tics 14, pp. 141–162.
Förster, R. (1868). Quaestiones de attractione enuntiationum relativarum qualis quum in aliis tum in Graeca lingua
potissimumque apud Graecos poetas fuerit. Berlin.
Gonda, J (1965). “On Abuse of the Term ’Attraction’”. Em: Acta Classica 8, p. 1.
Grimm, Scott (2007). “Case Attraction in Ancient Greek”. Em: Proceedings of the 6th International Tblisi Symposion
on Language, Logic and Computation: Lecture Notes in Computer Science. Ed. por Balder Cate e Henk Zeevat.
Vol. 4663, Lecture Notes in Artificial Inteligence. Berlin: Springer, pp. 139–153.
Grosu, Alexander (1994). Three studies in Locality and Case. London: Routledge.
Harbert, Wayne (1990). “Case Attraction and the Hierarchization of Case”. Em: Proceedings of the Eastern States
Conference on Linguistics. Eastern States Conference on Linguistics. 6. Ohio: DMLL Publications, pp. 138–49.
Kakarikos, Konstantinos (2014). “Case Attraction in Free Relative Clauses of Ancient Greek: A Study of the Syntax–
Morphology Interface”. Em: Major Trends in Theoretical and Applied Linguistics 1, pp. 289–304.
Kühner, Raphael e Bernhard Gerth (1898). Ausführliche Grammatik der griechischen Sprache. Hannover: Hahn.
Monteil, Pierre (1963). La phrase relative en grec ancien: sa formation, son développement, sa structure; des origines
a la fin du Ve siècle A.C. Paris: Librairie C. Klincksieck.
Perna, Elena (2013). “La frase relativa in greco antico: Analisi sintatica basata sul dialetto attico di Platone”. Tese de
dout. Padova: Università degli Studi di Padova.
Probert, Philomen (2015). Early Greek Relative Clauses. Oxford: Oxford University Press.
Rijksbaron, Albert (2002). The Syntax and Semantics of the Verb in Classical Greek: an Introduction. Chicago: The
University of Chicago Press.
Tuite, Kevin J. (1984). “Case Attraction and Case Agreement”. Em: Proceedings of the Eastern States Conference on
Linguistics. Eastern States Conference on Linguistics. 1. Ohio: DMLL Publications, pp. 140–51.

11

Você também pode gostar