Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
4 de novembro de 2021
1 Morfologia e léxico
ὅς, ἥ, ὅ: Base
• Derivado de pie *i̯o- (como em indo-iraniano e balto-eslávico)
• Base para todos os outros pronomes utilizados como relativos
• Em jônico e eólico, concorre com formas derivadas de pie *so-/*to-1
• Atestado desde o micênico
• Declinado como adjetivos triformes, i.e. na segunda declinação (masculino e neutro) e primeira (feminino)
• Uso em qualquer classe de relativa.
* Esse trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio do processo de nú-
mero 2021/06027-4.
1
Talvez também em cipriota, vide ICS 217 A 12.
1
ὅς, ἥ, ὅ: Exemplo micênico
Note-se que o- e jo- variam, provavelmente o primeiro sendo um acusativo neutro singular (Probert 2015,
199ff.). A oração relativa é livre e tem valor maximalizante, i.e. denota todas as coisas relevantes dadas pelos le-
nhadores à oficina de carruagens.
2
ὅστις, ἥτις, ὅτι — Indefinido/Genérico “algum”
• Forma baseada no pronome relativo base (ὅς, ἥ, ὅ) univerbado com o pronome indefinido (τις, τι < pie *kʷi-/
*kʷo-) 2
• A depender da edição, a univerbação não é marcada (i.e. ὅς τις, ἥ τις, ὅ τι)
• Em geral, ambos os membros flexionam em gênero, número e caso, mas:
– Em Homero ocorrem nominativos e acusativos com apenas o segundo elemento flexionado: 3
* nom.sg.masc. ὅτις (≃ ὅστις);
* acu.sg.masc. ὅτινα (≃ ὅντινα), pl. ὅτινας (≃ οὕστινας);
* nom/acu.pl.neut. ὅτινα (≃ ἅτινα/ἅσσα).
– Em cretense há as três possibilidades:
* Ambos membros flexionados: nom.pl.masc. οἴτινες (≃ ático οἵτινες);
* Apenas o primeiro flexionado: nom/acu.pl.neut. ἄτι (≃ ἅτινα/ἅσσα);
* Apenas o segundo flexionado: dat.sg.neut. ὄτιμι (≃ ático ᾧτινι).
• Uso sobretudo em relativas livres.
3
(i) ἐγὼν δ’ ἀείδω | Ἀγιδῶς τὸ φῶς· ὁρῶ | ϝ’ ὥτ’ ἄλιον, ὅνπερ ἇμιν | Ἀγιδὼ μαρτύρεται | φαίνην·
Mas eu canto a luz de Agido. Eu a vejo como o sol [, aquele mesmo] que Agido chama para
brilhar sobre nós (Álcman fr.1. 39–43 PMGF)
(ii) συνεγιγνώσκετε δήπου ἄν μοι εἰ ἐν ἐκείνῃ τῇ φωνῇ τε καὶ τῷ τρόπῳ ἔλεγον ἐν οἷσπερ ἐτεθράμμην
Por certo me perdoareis se eu falei naquela língua e maneira [precisamente] em que fui criado
(Plat. Ap. 17d4)
2 Sintaxe e Semântica
Tipos de relativas em Grego Antigo
• Perna (2013): Restritiva, Apositiva e Livre
– Apenas se não há um “antecedente” presente na sentença ela é categorizada como livre.
• Fauconnier (2014): Internas e Externas
– Externa: o “antecedente” está na oração matriz.
– Interna: o “antecedente” está na oração relativa.
• Probert (2015): Pós-nominal (normal) e Livre ou Semi-livre (inerentemente maximalizadora):
– Os termos em parênteses são os principais.
– Se o “antecedente” ocorre dentro da relativa, ela ainda assim é considerada livre por sua semântica.
Uso aqui por conveniência as definições de Probert (2015), considerando:
• Pós-nominais são a construção default e possuem valor:
– Restritivo;
– Explicativo/Apositivo;
– Maximalizador (em certos contextos e similar ao restritivo).
• Livres e semi-livres possuem valor inerentemente maximalizador, i.e. sempre denotam uma única entidade,
um conjunto ou um monte de coisas.
Quanto explicativas:
4
Pós-nominais: “antecedentes” indefinidos
O contexto nem sempre serve para diferenciar a leitura restritiva ou apositiva:
(3) τὸν δ’ ἐνόησεν | ἑσταότ’· ἀμφὶ δέ μιν κρατεραὶ στίχες ἀσπιστάων | λαῶν οἵ οἱ ἕποντο Τρίκης ἐξ ἱπποβότοιο.
Ele o encontrou em pé e em seu entorno estavam fortes destacamentos de homens carregando escudos(,)
que o acompanhavam desde Triqué nutriz de cavalos (Hom. Il. 4.200–2)
(6) a. ἀφρήτωρ ἀθέμιστος ἀνέστιός ἐστιν ἐκεῖνος | ὃς πολέμου ἔραται ἐπιδημίοο κρυόεντος.
Isolado, sem lei, pária é aquele que ama a terrível guerra civil (Hom. Il. 9. 63–4)
b. … ἐγὼ ἔθελον τούτῳ ταύτην ἥτις εἴη μεγίστη πίστις δοῦναι …
… eu desejava lhe dar aquela promessa que seria a maior [de todas] … ([Demóstenes] 52. 12)
Similarmente, exemplos com πᾶς “tudo” também incitam leitura maximalizadora da relativa:
(7) a. οὐδὲ μάκαρ οὐδεὶς πέλεται βροτός, ἀλλὰ πονηροὶ | πάντες ὅσους θνητοὺς ἠέλιος καθορᾷ.
E nenhum mortal é abençoado, mas miseráveis são todos [aqueles] mortais que o sol vê de cima. (Sólon
fr. 14 West)
Relativa-correlativas
(8) αἳ γὰρ ὑπ’ ἠελίῳ τε καὶ οὐρανῷ ἀστερόεντι | ναιετάουσι πόληες ἐπιχθονίων ἀνθρώπων | τάων μοι περὶ κῆρι τιέσκετο
Ἴλιος ἱρή …
5
Pois [entre] as cidades de homens terrestre que dão morada sob o sol e céu estrelado, entre elas a sagrada
Ílio me era especialmente honrada no coração … (Hom. Il. 4. 44–6)
3 Diacronia
(1) ἐπ’ Ἀφσεύδο̄ς ἄρχοντος καὶ τε͂ς βο̄λε͂ς hε͂ι Κριτιάδε̄ς ἐγραμμάτευε·
No arcontado de Apseudes e na assembleia em que Critíades era secretário. (Atenas, IG3 54 8–10)4
(2) † ἐπ’ Ἀψεύδους ἄρχοντος καὶ ᾑ βουλῃ Κριτιάδης ἐγραμμάτευε·
6
(3) καὶ κεράμε̄ πάντα hόσα κ̣ ὰ̣<τ> τὰ<ν> ϝοικίαν χρε̄́
… e todas peças de cerâmica, quantas eram necessárias para a casa … (Tarento, IGASMG V 18 13–15)
(4) ὃ δὲ Κύπριν ἐπῴχετο νηλέϊ χαλκῷ | γινώσκων ὅ τ’ ἄναλκις ἔην θεός οὐδὲ θεάων | τάων αἵ τ’ ἀνδρῶν πόλεμον κάτα
κοιρανέουσιν
E ele se lançou contra Afrodite com o bronze infiel, crendo que ela fosse uma deusa fraca e não uma das
deusas as quais tomam a frente nas batalhas dos homens … (Hom. Il. 5. 330–3)
(6) ἔφασαν […] ὑφήσεσθαι δὲ οὐδέποτε ἣν παρὰ τῶν πατέρων παρέλαβον Μεσσήνην ταύτης στερηθῆναι
Eles disseram que jamais submeteriam a Messena que eles receberam de seus pais a ficar desprovida da-
quilo. (Xen. Hell. 7.4.9)
7
• O uso destas parece restrito por fatores sociolinguísticos, posto que ocorrem sobretudo em gêneros formais
(contratos, petições), como uma espécie de floreio sintático.
• A proposta de Bentein e Bağrıaçık (2018) é de que todos os exemplos de relativas com “antecedente incor-
porado” e leitura não-restritiva são pré-nominais cujo domain nominal é externo.
a. καὶ ἐπιβεβληκέναι Τιβερίωι [Ἰ]ουλίωι Θέωνι … οὓς προεῖχεν ἔτι τοῦ πατρὸς περιόντος Κάρπον καὶ Ἀνδροσθένην
…
E foram subjugados por Tibério Júlio Teão … Carpo e Andróstenes …, que ele já possuía quando seu
pai era vivo. (P.Oxy.44.3197, 5–9 111 EC)
b. Mais difícil de justificar:
Σῦρος Σύρου ἐνεχείρισεν τῇ γυνακί μου Σαρεῦτι … ὃ ἀνείηται ἀπὸ κοπρίας ἀρσενικὸν σωμάτιον, ᾧ ὄνομα
Ἡρακλᾶς.
Siro, filho de Siro, confiou aos cuidados de minha espora Saraeus o garotinho, que ele tirou da sarjeta,
de nome Héraclas. (P.Oxy.1.38, 3–7 49–50 EC)
(8) Relativas pré-nominais com domain nominal externo:
παρέλαβον καὶ νῦν παρὰ σοῦ … ὧν λόγον δώσω οἴνου μονόχω(ρα) τεσσαράκοντα ὀκτώ
Eu agora recebi de você as 48 monochora de vinho, das quais farei o recibo (?) (P.Flor.2.219, 3–7 253 ec)
Os exemplos mais convincentes são estes em que o pronome relativo recebe caso do verbo da subordinada
e o domain nominal do verbo matriz. Os demais exemplos assumem que a leitura não-restritiva de relativas de
“antecedente incorporado” tem na realidade esta estrutura.
Na análise dos autores, o caso do domain nominal externo nessas construções poderia ser atribuído de maneira
não-canônica (por atração), de modo que os exemplos de (7) seriam analisados como:
(9) a. καὶ ἐπιβεβληκέναι Τιβερίωι [Ἰ]ουλίωι Θέωνι … οὓς προεῖχεν ἔτι τοῦ πατρὸς περιόντος Κάρπον καὶ Ἀνδροσθένην
…
E foram subjugados por Tibério Júlio Teão … Carpo e Andróstenes …, que ele já possuía quando seu
pai era vivo. (P.Oxy.44.3197, 11. 5–9 111 EC)
b. Σῦρος Σύρου ἐνεχείρισεν τῇ γυνακί μου Σαρεῦτι … ὃ ἀνείηται ἀπὸ κοπρίας ἀρσενικὸν σωμάτιον, ᾧ ὄνομα
Ἡρακλᾶς.
Siro, filho de Siro, confiou aos cuidados de minha espora Saraeus o garotinho, que ele tirou da sarjeta,
de nome Héraclas. (P.Oxy.1.38, 3–7 49–50 EC)
8
4 Atração de caso
Tipos de atração
1. Atração inversa, attractio inversa
2. Atração do pronome relativo, attractio relativi
Atração inversa
Alguns exemplos possuem dupla análise (condições mínimas em Probert (2015, p. 164)):
No entanto, algumas são de fato difíceis de analisar, posto que são acompanhadas de artigo definido e/ou
pronome anafórico:
(2) a. τὸν ἄνδρα τοῦτον ὃν πάλαι | ζητεῖς ἀπειλῶν κἀνακηρύσσων φόνον | τὸν Λαΐειον, οὗτός ἐστιν ἐνθάδε …
Esse homem, que há muito procuras, fazendo ameaças e proclamações sobre a morte de Laio, ele está
aqui … (Sófocles, OT 449–51)
b. Supondo que Ἠετίων seria idealmente uma repetição de Ἠετίωνος:
ἔνθ’ ἄλοχος πολύδωρος ἐναντίη ἦλθε θέουσα | Ἀνδρομάχη θυγάτηρ μεγαλήτορος Ἠετίωνος | Ἠετίων ὃς ἔναιεν
ὑπὸ Πλάκῳ ὑληέσσῃ | Θήβῃ Ὑποπλακίῃ Κιλίκεσσ’ ἄνδρεσσιν ἀνάσσων·
Lá sua esposa de grande dote correndo veio ter com ele, Andrômaca, filha do grande Etião, de Etião,
que vivia sob a arvorada Placo, na Tebas ao sul de Placo, governando homens da Cilícia. (Hom. Il. 6.
394–7)
Neste caso, existem outras explicações: 1. Ἠετίων é resultado de uma haplologia de †Ἠετίωνος ὃς; 2. Ἠετίων é um
nominativo de aposto livre.
A análise geralmente aceita é que, embora ocupe uma função nominal, as orações relativas livres não recebem
caso da oração matriz, de modo que é necessário recuperar a função sintática dela de alguma maneira.
9
Uma opção seria marcar no item flexionado mais alto da estrutura, ou seja, o relativo (e o “antecedente incor-
porado”), o que se faz seguindo uma hierarquia de acessibilidade de caso/função sintática:
• Se na oração relativa, o referente é Sujeito ou Objeto Direto e na matriz a relativa tem função de genitivo ou
dativo, a atração costuma ocorrer em grego clássico e pode ocorrer nas demais variedades.
• Se na oração relativa, o referente tem função oblíqua (objeto indireto ou possuidor etc) e na matriz a relativa
tem função de sujeito ou objeto, a atração não ocorre (não há atestações confiáveis).
• Raras vezes se a função do pronome é dativa e a da oração, genitiva, há atração.
• Raríssimas vezes se a função do pronome é nominativa e a da oração, acusativa, há atração.
Esquematicamente:
10
Recomendações bibliográficas
• Capítulos e parágrafos em gramáticas e manuais de sintaxe:
– Parágrafos §554–63 de Kühner e Gerth (1898)
– Capítulo IIIC de Rijksbaron (2002, 87ff)
– Capítulo 50 de Boas et al. (2019, 563ff)
• Monografias e artigos:
– Sobre orações relativas em grego antigo no geral, Monteil (1963)
– Sobre orações relativas no dialeto ático de Platão, Perna (2013), e de Xenofonte, Fauconnier (2014)
– Sobre orações relativas em grego pré-clássico, Probert (2015)
– Sobre orações relativas em grego pós-clássico e bizantino, Bentein e Bağrıaçık (2018)
– Sobre atração relativa e atração inversa, Förster (1868), Gonda (1965), Tuite (1984), Harbert (1990),
Grimm (2007), Perna (2013, pp. 177–84), Kakarikos (2014) e Probert (2015, pp. 162–98)
Referências
Bentein, Klass e Metı̇n Bağrıaçık (2018). “On the third type of headed Relative Clause in Post-Classical and Early
Byzantine Greek”. Em: Transactions of the Philological Society 3.116, pp. 529–554. doi: 10.1111/1467-968X.
121.
Boas, Evert van Emde et al. (2019). The Cambridge Grammar of Classical Greek. Cambridge: Cambridge University
Press.
Fauconnier, Stefanie (2014). “Internal and External Relative Clauses in Ancient Greek”. Em: Journal of Greek Linguis-
tics 14, pp. 141–162.
Förster, R. (1868). Quaestiones de attractione enuntiationum relativarum qualis quum in aliis tum in Graeca lingua
potissimumque apud Graecos poetas fuerit. Berlin.
Gonda, J (1965). “On Abuse of the Term ’Attraction’”. Em: Acta Classica 8, p. 1.
Grimm, Scott (2007). “Case Attraction in Ancient Greek”. Em: Proceedings of the 6th International Tblisi Symposion
on Language, Logic and Computation: Lecture Notes in Computer Science. Ed. por Balder Cate e Henk Zeevat.
Vol. 4663, Lecture Notes in Artificial Inteligence. Berlin: Springer, pp. 139–153.
Grosu, Alexander (1994). Three studies in Locality and Case. London: Routledge.
Harbert, Wayne (1990). “Case Attraction and the Hierarchization of Case”. Em: Proceedings of the Eastern States
Conference on Linguistics. Eastern States Conference on Linguistics. 6. Ohio: DMLL Publications, pp. 138–49.
Kakarikos, Konstantinos (2014). “Case Attraction in Free Relative Clauses of Ancient Greek: A Study of the Syntax–
Morphology Interface”. Em: Major Trends in Theoretical and Applied Linguistics 1, pp. 289–304.
Kühner, Raphael e Bernhard Gerth (1898). Ausführliche Grammatik der griechischen Sprache. Hannover: Hahn.
Monteil, Pierre (1963). La phrase relative en grec ancien: sa formation, son développement, sa structure; des origines
a la fin du Ve siècle A.C. Paris: Librairie C. Klincksieck.
Perna, Elena (2013). “La frase relativa in greco antico: Analisi sintatica basata sul dialetto attico di Platone”. Tese de
dout. Padova: Università degli Studi di Padova.
Probert, Philomen (2015). Early Greek Relative Clauses. Oxford: Oxford University Press.
Rijksbaron, Albert (2002). The Syntax and Semantics of the Verb in Classical Greek: an Introduction. Chicago: The
University of Chicago Press.
Tuite, Kevin J. (1984). “Case Attraction and Case Agreement”. Em: Proceedings of the Eastern States Conference on
Linguistics. Eastern States Conference on Linguistics. 1. Ohio: DMLL Publications, pp. 140–51.
11