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A ditadura militar e a censura no jornal impresso (O Estado de São

Paulo) 1

NASCIMENTO, Amanda Caroliny Alves2


Universidade Federal do Piauí – Teresina/PI
OLIVEIRA, Karolyne Thracy de Sousa3
Universidade Federal do Piauí – Teresina/PI
DIAS, Nadja Clícia Viana4
Universidade Federal do Piauí – Teresina/PI
REIS, Marcela Miranda Félix dos5
Professora, jornalista e historiadora – Teresina/PI

RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar o papel da censura nos meios de comunicação impressos no
contexto da Ditadura Militar, especificamente, no jornal O Estado de São Paulo, nos anos de 1972 a 1975.
A metodologia consiste na análise de conteúdo das páginas censuradas do jornal, que foi selecionado
como objeto de estudo devido aos posicionamentos adotados pelo veículo quanto a ditadura, a princípio
favorável e posteriormente contrário ao regime, sofrendo as consequências da censura. Utilizando como
aportes teóricos autores que discutem a censura aos meios de comunicação ao longo da história do
jornalismo, como Maria Aparecida de Aquino e Marialva Barbosa. Dentre os resultados obtidos, percebe-
se a forte influência da censura nas páginas do veículo em questão, caracterizando assim naquela época
um modelo de jornalismo específico praticado pelas grandes empresas de comunicação, que omitiam
informações, eram parciais e se autocensuravam adequando-se ao regime.

PALAVRAS-CHAVE: mídia impressa; jornalismo; história; ditadura militar; censura.

1
Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Impressa, integrante do 9º Encontro Nacional de
História da Mídia, 2013.
2
Graduando do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do
Piauí. Email: amandacarolinne@hotmail.com.
3
Graduando do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do
Piauí. Email: thracynha_ktso3@hotmail.com.
4
Graduando do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do
Piauí. Email: nah.dias_mvp@hotmail.com.
5
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí.
Especialista em Comunicação e Linguagens, graduada em Jornalismo e pesquisadora do Núcleo de
Pesquisa em Comunicação e Jornalismo pela mesma instituição. Graduada em História pela Universidade
Estadual do Piauí. Email: marcela.jor@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO

O presente artigo faz uma abordagem do período da ditadura militar, dando


enfoque na censura que se estabeleceu nessa época nos meios de comunicação,
especificamente a imprensa escrita. A problemática se configura no reflexo da repressão
no jornal O Estado de São Paulo entre os anos de 1972 a 1975, que se consolidaram
como o momento mais radical do regime militar.
Os métodos utilizados nesta pesquisa foram a análise de conteúdo que se deu com
o processo de observação e interpretação de exemplares censurados do jornal O Estado
de São Paulo dentre os anos de 1972 a 1975. A escolha pelo jornal foi dada pelos
posicionamentos adotados por este veiculo quanto a ditadura, a princípio favorável e
posteriormente padeceu com as consequências do regime. Os anos foram selecionados
de acordo com o contexto histórico da ditadura, sendo o período de 1972 a 1975 os mais
opressivos e os dias foram escolhidos por sorteio. Os exemplares analisados foram
obtidos por meio de acervo online do jornal. A análise em si foi realizada mediante uma
leitura e interpretação das páginas tendo como base uma ficha, contendo a data e a
página, em que se busca entender o tipo de censura praticada e qual a postura do jornal a
ela. A interpretação dos autores deste artigo usou como alicerce os estudos das
pesquisadoras Marialva Barbosa e Maria Aparecida de Aquino.
Diante do que as pesquisadoras expõem, é notório que a ditadura militar se
caracterizou como um movimento político opressor, pois deu margem a situações
extremas, como prisões, torturas, exílios, em nome do regime. Outra forma de
contenção administrada pelas autoridades foi a censura nos meios de comunicação. Ao
interpretar a linguagem contida nos jornais da época, percebem-se indícios da presença
de censura, esta identificada de duas formas: a política e a empresarial, onde a política
se restringia ao fato do jornal se adequar as vontades do Estado e na empresarial, os
anunciantes detinham o poder de divulgar anúncios, estes que muitas vezes tomavam o
lugar de notícias.
O objetivo geral do presente artigo é corroborar as ações e repercussões da
censura nas páginas do jornal O Estado de São Paulo. Os objetivos específicos são:
discorrer sobre os períodos da ditadura militar, entender os tipos de censura, saber
identificá-la, como é que é feita, como o jornal se portava diante dos mecanismos

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utilizados pelo Estado para controlar as noticias, o papel do censor e conhecer a história
do jornal Estado de São Paulo.
O artigo em questão foi realizado com o intuito - um tanto de cunho social, por
expor as ações e repercussões da censura na imprensa escrita - como também por
motivo de interesse pessoal dos seus autores, devido ao fascínio que o período da
ditadura militar desperta.

2. A DITADURA MILITAR

O período da ditadura militar no Brasil durou cerca de 20 anos. Iniciou-se com um


golpe de estado que tomou lugar no dia 31 de março de 1964, foi marcado por um forte
sistema centralista e autoritário, rompendo assim o regime democrático, além da
cassação dos direitos de quem se opunha ao regime e a violação de liberdades
individuais.
O regime se instaurou a partir da alegação de que o presidente João Goulart seria
uma “ameaça comunista” e estaria articulando com seus partidários um golpe
comunista. Tais acusações surgiram a partir da situação do país naquele momento, como
por exemplo: a crise econômica e as propostas de Goulart, tanto para resolver a crise,
quanto para por em prática às reformas de base (salarial, agrária, bancaria fiscal,
eleitoral e urbana). Os militares utilizaram-se então dessas alegações como justificativa
para instalar o regime militar.
Com a cassação de membros da oposição, os apoiadores do golpe tornaram-se
maioria no Parlamento, que afirmou como próximo presidente o marechal Humberto de
Alencar Castello Branco. Ele por sua vez, implementou uma política recessiva, com o
seu Plano de Ação Econômica, cuja principal meta era conter a inflação. Para isso,
cortou os gastos públicos e aumentou impostos.
Neste período, observa-se que a ditadura se estruturou de forma plena com a
edição dos AIs. No AI-2, o presidente prorrogou seu mandato até 1967, assim como
estabeleceu a eleição indireta para presidente, extinguiu os partidos políticos e permitiu
ao executivo cassar mandatos. Ao longo de seu mandato, em 1966, como resposta às
pressões pelo fim do regime, foi instituído o AI-3, tornando indiretas as eleições para
governador. Em dezembro do mesmo ano foi editado o AI-4, que fechou o Congresso e
determinou as regras para a aprovação da nova constituição, votada em janeiro de 1967.

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Desse modo, este momento foi crucial para a consolidação da ditadura militar. A
sociedade brasileira começou a protestar de forma mais precisa contra o regime militar,
fazendo com que os militares da “linha dura” tomassem a frente no comando do país. E
para quem não acreditava que se vivia um regime ditatorial, o AI-5 veio para provar que
os militares não teriam clemência.
Sobre o inicio desse período, é válido ressaltar que o governante da época (Costa
e Silva) tentou reinstaurar a democracia, porém com o aumento das forças opositoras
passou a defender a permanência dos militares no poder e a radicalização gradual do
regime.
Por conta dessas agitações populares houve movimentos fortes que surgiram para
contrapor o regime, um deles foi a Frente Ampla, onde pessoas que apoiaram o regime
no início como: Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Adhemar de Barros, passaram a se
voltar contra o mesmo. O que esse grupo reivindicava era a retomada do poder pelos
civis, reformas econômicas e sociais, anistia geral, restabelecimento das eleições diretas
em todos os níveis, reforma agrária ampla. Porém, o fechamento dos partidos e a
extinção dos direitos políticos enfraqueceram a continuidade da Frente.
Surgiram também nessa época os grupos de esquerda armada, formados por
guerrilheiros urbanos que usavam a força para responder à pressão policial-militar que a
ditadura impunha. Eram jovens que não acreditavam que o PCB (Partido Comunista
Brasileiro) conseguiria derrubar o regime por meios pacíficos, as chamadas reformas
estruturais. Então recorriam a atos terroristas, tais como: atentados, sequestros, assaltos
a bancos.
A UNE (União Nacional dos Estudantes) teve um papel importante nessa fase.
Organizou e mobilizou os estudantes para que fossem às ruas protestarem contra o
regime militar. Ela foi responsável pela Passeata dos Cem Mil e quase todos os
protestos e passeatas contra a ditadura. Vale lembrar que a UNE era um movimento
estudantil de esquerda e ilegal, pois seus líderes eram adeptos a doutrinas comunistas e
sua unidade foi posta na ilegalidade justamente por isso.
Foi no meio de tantos movimentos opositores que em 1968 surge o temido AI-5,
impondo o fim dos direitos civis, o fechamento do Congresso Nacional, das
Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais sob a ordem do presidente, permitia a

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cassação dos parlamentares, limitava o poder do Judiciário, suspendia a garantia de
habeas-corpus no caso de crimes políticos.
Em 30 de Outubro de 1969, o general Emílio Garrastazu Médici assumiu a
Presidência da República, tornando-se assim o terceiro general a ocupar o cargo e dando
início ao que ficou conhecido como “os anos de chumbo” da história brasileira. Logo de
início, interligou todos os escritórios relacionados ao Serviço Nacional de Informações
(SNI). Com essa ligação entre os aparelhos do Estado - com todos eles funcionando a
plena potência, além dos sistemas de vigilância estarem sendo administrados por
profissionais treinados nos Estados Unidos - a repressão aos movimentos de esquerda se
intensificou.
Iniciou-se nos “porões da ditadura” uma radicalização da opressão, onde pessoas
eram exiladas, presas, torturadas e até mortas sob o comando do Estado. Jornais,
revistas, livros, peças de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística
foram censuradas. Enquanto isso, os atentados e sequestros praticados pelos
movimentos guerrilheiros tornaram-se mais intensos, o maior deles foi a Guerrilha do
Araguaia derrotada pelo Governo. Porém, mesmo tendo o AI-5 à disposição, Médici,
em seus quatro anos e meio no poder, não cassou nenhum mandato político.
A grande opressão política que caracterizou os anos 1969 a 1974 deve-se ao fato
de que Médici, para apaziguar ânimos dos militares direitistas radicais, cedeu aos
interesses desses grupos, que consistiam em empregar sistematicamente a repressão
policial-militar contra todos aqueles que se opusessem à ditadura. Foi neste espaço de
tempo também o único momento em que o regime militar conquistou real estabilidade
política.
Foi no mandato de Médici, entre 1972 e 1974, que se desenvolveu o I Plano
Nacional de Desenvolvimento (PND), onde foram definidas como prioridades do
governo o crescimento e desenvolvimento, aproveitando a conjuntura internacional
favorável. Nesse período o Brasil cresceu rapidamente, mais do que os outros mercados
latino-americanos. O governo anunciava à população o “milagre econômico” e a nação
assimilou a ideia de que o país estaria vivendo um surto de progresso, devido aos altos
índices de desenvolvimento econômico atingidos. Este momento foi marcado também
pela realização de grandes obras da iniciativa pública, como a rodovia Transamazônica,
a ponte Rio-Niterói e Usina Hidrelétrica de Itaipu, além de promover uma explosão

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consumista entre os setores médios da população, sustentada pela expansão do crédito e
a manutenção dos índices salariais.
Com a abertura do país ao capital estrangeiro, inúmeras empresas multinacionais
se instalaram no Brasil e os grandes fazendeiros do país passaram a produzir visando à
exportação. O “milagre econômico”, porém, não significou que o Brasil fosse capaz de
se auto financiar, apesar do aumento considerável do PIB, o país continuava longe de
sua autonomia econômica. O grande beneficiado desse “milagre” foi o capital
estrangeiro e as empresas estatais que se expandiram muito durante o regime militar,
especialmente a Petrobrás, a Vale do Rio Doce e a Telebrás. Já as pequenas e médias
empresas eram sufocadas, perdendo espaço no cenário econômico nacional e
aumentando seu endividamento externo.
Por se manter prioritariamente do capital estrangeiro, o “milagre” não resistiu à
crise internacional do petróleo em 1973. Na época, o Brasil importava mais da metade
dos combustíveis que produzia e, por isso, não resistiu ao impacto causado pelos altos
preços do petróleo. Em pouco tempo, a dívida externa e a onda inflacionária acabou
com os sucessos do regime. A concentração da renda impediu que camadas mais
populares melhorassem sua condição de vida, aumentando as desigualdades sociais e a
pobreza neste momento.
Apesar da opressão política existente e dos problemas socioeconômicos no final
do mandato de Médici, este período de 1969 a 1974 foi marcado pela massiva
divulgação de propagandas institucionais com o objetivo de promover o regime e elevar
a moral da população. Slogans, músicas, frases de efeito, imagens, folhetos, todo tipo de
meio de comunicação era utilizado para transmitir e defender o ufanismo nacionalista e
dar um caráter positivo à ditadura militar.
No período de 1974 a 1979, logo após o linha-dura Médici, aconteceu a eleição
presidencial indireta, aprovando novamente o controle do poder pelos militares. Foi
indicado para ser candidato do governo, e posteriormente, votado para presidente, o
general Ernesto Geisel.
O país neste momento enfrentava dificuldades econômicas e políticas, pois era o
fim do milagre econômico e a oposição se fortalecia, o que provocava certo receio na
cúpula militar pela estabilidade do regime. Diante disso o governo de Geisel iniciava
um processo controlado de abertura política, “lenta, gradual e segura”.

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Esse processo se mostrou, de fato, lento, e teve grandes melhorias. Mas apesar da
diminuição das denúncias de tortura e da suspensão da censura prévia à imprensa, em
outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi encontrado morto nas dependências
do Exército, em São Paulo, o que acarretou em protestos e manifestações públicas que
denunciavam a morte por tortura.
Com a iminência de derrota eleitoral, em 1977, Geisel fechou temporariamente o
Congresso e instaurou o Pacote de Abril, um conjunto de regras eleitorais que
apresentou entre outras mudanças a ampliação das bancadas do Norte e Nordeste na
Câmara dos deputados, o que garantia maioria parlamentar à Arena, e a criação do
senador biônico.
Em 1978, Geisel institui uma emenda constitucional que acabou com o AI-5 e
restaurou o habeas corpus. Com isso, abriu caminho a volta gradual da democracia.
Mas antes disso, este governo impôs controles tanto a sociedade civil como à
liberalização política. Portanto, manteve a direita radical e o aparato de repressão, que
continuava a praticar a tortura e a censura nos meios de comunicação.

3. A CENSURA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Um dos marcos da ditadura foi a censura imposta pelo regime de exceção.

Em um primeiro momento, entre 1968 e 1975, a censura assume um caráter


amplo, agindo indistintamente sobre todos os periódicos. De 1968 e 1972
tem-se uma fase inicial em que há uma estruturação da censura, do ponto de
vista legal e profissional, e em que o procedimento praticamente se restringe
a telefonemas e bilhetes enviados às redações.
Na segunda fase (de 1972 a 1975) há uma radicalização da atuação censória,
com a institucionalização da censura prévia aos órgãos de divulgação que
oferecem resistência. Observa-se que em parte desse período o regime
político recrudesce em termos repressivos, momento em que o controle do
Executivo pertence aos militares identificados com a “linha-dura”. O ano de
1972 marca a radicalização e a instauração da censura prévia, e coincide com
a discussão da sucessão presidencial que levará à escolha do general Ernesto
Geisel, oriundo da ala militar da “Sobornne” e que terá uma grande
dificuldade de aceitação por parte dos militares da “linha-dura”. Estes
prosseguirão controlando altos cargos (por exemplo, o Comando do II
Exército em São Paulo), durante algum tempo. Entre 1975 e 1978, observa-se
que a censura passa a ser mais restritiva e seletiva: lentamente vai se
retirando dos órgãos de divulgação, bem como diminuem de intensidade as
ordens telefônicas e os bilhetes ás redações. (AQUINO, 1999, p. 212)

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Em se tratando da imprensa escrita, a censura demonstra-se de duas formas: a
empresarial, que é quando o jornal se adequa as pretensões dos anunciantes de modo a
valorizar os interesses destes, em detrimento de se omitir quanto a sua própria linha
editorial; a censura política se faz de acordo com um contexto histórico preciso da
ditadura, é exercida pelo Estado que determina o que pode ou não ser divulgado.
A censura política caracteriza-se como censura prévia e autocensura. A prévia é
definida pelo direito que o estado tem de vigiar e interceder na publicação de
periódicos; já a autocensura é aceitação das ordens emitidas pelo Estado na construção
da noticia. Tais ordens eram informadas aos jornais através de telefonemas, cartas que
eram encaminhadas as redações.
Os jornais que se autocensuravam, e até mesmo os que sofriam a censura prévia,
muitas vezes utilizavam-se de métodos para driblar a situação. Uma das consequências
no jornal censurado era o surgimento de lacunas em suas páginas, que eram muitas
vezes deixadas em branco ou preenchidas com letras de músicas, receitas poemas,
anúncios irrelevantes, imagem descontextualizadas.
Outro método eram as mensagens subliminares nos textos jornalísticos que
emitiam ao leitor as ações e repercussões do regime. Com isso, os censores mudavam a
abordagem para com os jornais, movendo assim a censura para outro local, tais como a
delegacia.
Os censores eram membros da Policia Federal, sob o comando do Estado, e se
responsabilizavam por monitorar o jornal de acordo com seus interesses, tendo o poder
de veto das noticias que feriam os interesses da ditadura. Com o passar do tempo, os
censores foram submetidos a um processo de uniformização, que exigia nível
universitário, e foram “obrigados” a frequentar a Academia Nacional de Polícia fazendo
testes que teoricamente unificavam a sua capacitação. Mas os censores, por serem de
diversas áreas acadêmicas, muitas vezes não compreendiam a realidade jornalística.
Maria Aparecida de Aquino (1999, p.233) conclui de forma sucinta e clara a ideia
central da censura neste período: “As variáveis de ordem temporal e a diversidade dos
periódicos em face dos objetivos do Estado autoritário brasileiro, permitiram a
elaboração de um perfil, multifacetado e não-aleatório, da atuação da censura”.
Constata-se tal fato, diante da análise de conteúdo do jornal O Estado de São
Paulo.

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4. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO (O ESTADO DE SÃO
PAULO)

Dos jornais da cidade de São Paulo que ainda estão em circulação atualmente, "O
Estado de S. Paulo” é o mais antigo. Foi criado em 4 de janeiro de 1875, ainda durante o
Império, e tinha o nome de “A Província de S. Paulo”. Após o estabelecimento de uma
nova nomenclatura para as unidades da federação pela República, o jornal recebeu sua
atual designação em janeiro de 1890.
Com o propósito de combater a monarquia e a escravidão, durante a Convenção
Republicano de Itu surgiu a ideia de se fazer um jornal engajado no ideário republicano
e abolicionista. Essa proposta se concretizou quando Manoel Ferraz de Campos Salles e
Américo Brasiliense reuniram 16 pessoas e fundaram O Estado de São Paulo, tendo
como seus primeiros redatores Francisco Rangel Pestana e Américo de Campos.
Diante da enorme responsabilidade de ser o principal veículo da cidade mais
republicana do Brasil, pode-se dizer que o jornal foi crescendo com a cidade e
influenciando cada vez mais a evolução política do país.

Em 1964, “O Estado” apoiou o movimento militar que depôs o presidente


João Goulart ao constatar que o mesmo já não tinha autoridade para
governar. No entanto, entendia que a intervenção militar deveria ser
transitória. Quando se evidenciava que os radicais de extrema direita
aumentavam sua influência, objetivando a perpetuação dos militares no
poder, O Estado retirou seu apoio e passou a fazer oposição. Em 1966 o
Grupo Estado aumentou consideravelmente seu envolvimento com a cidade
ao lançar o Jornal da Tarde, um diário com um acompanhamento especial dos
problemas urbanos. Dois anos depois tanto O Estado de S. Paulo como o
Jornal da Tarde passaram a ser censurados pela sua posição contrária ao
regime militar, resistindo bravamente com a denúncia da censura através da
publicação de poemas de Camões e receitas culinárias, respectivamente, em
lugar das notícias proibidas. A censura só seria retirada em janeiro de 1975
com o projeto de distensão política iniciado pelo governo do general Ernesto
Geisel. (PONTES, José Alfredo Vidigal. Histórico Grupo Estado. Em: <
www.estadao.com.br/historico/resumo/conti5.htm>. Acesso em: 28 de Março
de 2013.)

Em 13 de dezembro de 1968 por ordem da ditadura militar o jornal é impedido de


circular, o motivo alegado seria o conteúdo do editorial “Instituições em frangalhos”
escrito por Júlio de Mesquita Filho. Este momento deu inicio a censura dentro da
redação de “O Estado de S. Paulo”. No ano de 1971 o jornal passa a publicar assuntos

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não habituais na 1ª página ao invés dos textos censurados, como por exemplo, os
poemas de Camões.
O jornal “O Estado de S. Paulo” completou 100 anos de existência no dia 4 de
janeiro de 1975, mas comemorava apenas 95 de vida, ignorando os cinco anos em que
foi dirigido pela ditadura militar de Vargas (1940-45). Neste mesmo dia é suspensa a
censura nas redações de "O Estado".
A análise feita nas páginas do “Estado” demonstra as formas e os tipos de censura
imposta na época.

5. ANÁLISE DOS EXEMPLARES

Para ratificar o impacto da censura no jornal O Estado de São Paulo, foi escolhido
o período de 1972 a 1975 por ser a fase mais radical da ditadura, sendo que os dias
foram estabelecidos por meio de sorteio devido à extensão das potenciais amostras.
Dessa forma no dia 19 de Setembro de 1972, na página 03, o jornal O Estado de
São Paulo trouxe uma censura do tipo política feita na forma de censura prévia, onde o
censor se instalava na redação e avaliava as matérias, retirando aquelas que se
mostravam de oposição à postura do regime, deixando lacunas na página do jornal.
Para maquiar a censura o jornal preencheu essas lacunas das matérias censuradas
com notas e imagens. Nesta edição, no lugar de uma das notícias censuradas foram
colocadas as chamadas do jornal, sendo que deveriam vir na primeira pagina e não na
terceira, expondo explicitamente a presença da censura. Também se observou a
utilização de imagem, que aparentemente é irrelevante, ao invés da noticia.

Figura 1 - Jornal O Estado De São Paulo, São Paulo, Ano 93, Nº 29.899, 1972.

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No dia 19 de Junho de 1973 na página 07 o jornal trouxe a censura do tipo
empresarial, onde os anunciantes interferiam na vinculação da informação, que foi
exercida na forma de autocensura, pois o jornalista se baseia em um molde do que se
pode ou não escrever no processo de construção da noticia. Diante disso o jornal
divulgou anúncios ao invés de notícias.
No dia 19 de Junho de 1973, página 06, a censura imposta foi do tipo: política,
porque se observou certa abordagem sobre o presidente. Foi feita na forma de
autocensura, pois houve uma adequação da linguagem do texto com o objetivo de se
fazer uma critica velada. Assim o jornal fez essa critica implícita ao utilizar-se de um
texto com linguagem poética, exaltando a figura do presidente, quando na verdade era
de cunho irônico e delatava assim implicitamente as intenções do presidente.

Figura 2 - Jornal O Estado De São Paulo, São Paulo, Ano 94, Nº 30.129, 1973.

No dia 15 de Agosto de 1974, na página 04, a censura se mostrou novamente do


tipo empresarial, pois se observa o contexto de publicidades. Mediante a autocensura,
onde a página do jornal foi publicada retirando-se certos anúncios, sendo que, ao que
parece, foi pressão de anunciantes e censores. O jornal trocou estes anúncios por outros
anúncios irrelevantes. Percebe-se também uma censura política, com a troca de uma
noticia por um poema de Luis de Camões.

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Figura 3 - Jornal O Estado De São Paulo, São Paulo, Ano 95, Nº 30.486, 1974.

No dia 03 de Janeiro de 1975, na página 04, a censura se colocou mais uma vez
do tipo política, por que a temática da matéria era de cunho político. A noticia foi
publicada mediante censura prévia, pois se sabe que o jornal é diagramado de maneira
que a matéria ocupe todas as colunas que lhe foram reservadas. Observa-se que nesta
página uma das matérias não ocupou todas as colunas. O jornal foi divulgado com parte
da matéria substituída por um trecho do livro Os Lusíadas de Luís de Camões, que
aparentemente não faz relação direta com ela.
Portanto, pode-se sintetizar que a censura se portou de diversas formas, em se
tratando do jornal citado acima, é possível observar que em determinados momentos a
censura é política, com a retirada de textos deixando lacunas e pensamentos críticos
inconclusos. Se apresentando também de forma empresarial, pois os anunciantes
pressionavam o jornal para divulgar apenas o que era do seu interesse, muitas vezes
excluindo noticias em detrimento de anúncios irrelevantes, de maneira que, mostrava ao
leitor as ações e repercussões do regime.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto político e econômico em que vivia o país no período da ditadura


militar influenciou de forma considerável a pratica jornalística. Os meios de
comunicação diante da função de mediador das discussões políticas e econômicas,

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exercem um papel social neste momento ao dar visibilidade a esses assuntos
imprescindíveis para a população.
O jornal impresso assumiu essa função de meio articulador de discussões
importantes, e se constituiu naquele momento um fazer jornalístico crucial para a
história do nosso jornalismo. A posteriore as práticas jornalísticas assumiram uma
postura diferente com relação à abordagem do tema política, sendo uma das heranças da
censura.
A censura regulou por um longo período os jornais, restringindo as suas ações de
compromisso social. Ao que vem se tratar de O Estado de São Paulo, que se adequou a
conjuntura política da época, usando de estratégias como maquiar as denúncias e
discussões políticas em suas matérias para driblar a censura no intuito de cumprir o seu
papel social.
Após a análise fica claro a importância deste momento tanto no cenário histórico
brasileiro como no fazer jornalístico. O artigo é relevante por reunir todos os contextos,
seja o da ditadura em si, seja a censura nos meios de comunicação, proporcionando uma
reflexão fundamental sobra o comportamento jornalístico de outrora e o atual.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado autoritário (1968-


1978): o exercício cotidiano da dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e
Movimento. Bauru: EDUSC,1999.

BARBOSA, Marialva. Histórica cultural da imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de


Janeiro: Mauad Editora Ltda, 2007.

CANCIAN, Renato. Governo Médici (1969 – 1974): “Milagre econômico” e a tortura


oficial – Educação – UOL Educação. Consultado em: 29-03-2013, 07h15. No site UOL
Educação: Pesquisa escolar, vestibular e dicas para alunos, pais e professores – UOL
Educação: www.educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/governo-medici-1969-
1974-milagre-economico-e-a-tortura-oficial.htm

PÁDUA, Emanuel de. Ditadura Militar no Brasil: Governo Medici (1969 – 1964).
Consultado em: 29-03-2013, 08h02. No site Ditadura Militar no Brasil:
www.ctaditaduramilitar20091.blogspot.com.br/2009/03/governo-medici-1969-
1974.html

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PONTES, José Alfredo Vidigal. Histórico Grupo Estado. Consultado em: 28-03-
2013, 17h22. No site Estadão.com.br – Portal de noticias de O Estado de S. Paulo:
www.estadao.com.br/histórico/resumo/conti1.htm

SOUSA, Rainer. Governo Medici (1969 – 1964) – Brasil Escola. Consultado em: 29-
03-2013, 08h30. No site Brasil Escola – Educação, Vestibular, ENEM, Educador,
Exercícios: www.brasilescola.com/historiab/general-medici.htm

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo, ano 93, nº 29.899, 1972.

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo, ano 94, nº 30.129, 1973.

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo, ano 95, nº 30.486, 1974.

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo, ano 95, nº 30.605, 1975.

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