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CATARINA RODRIGUES PEZZO

WEBER ANTÔNIO NEVES DO AMARAL

O papel do
Brasil no
estabelecimento
do mercado
internacional de
biocombustíveis

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CATARINA RODRIGUES
PEZZO é professora da
Esalq/USP.

WEBER ANTÔNIO
NEVES DO AMARAL
é professor e diretor do
Pólo Nacional
de Biocombustíveis
da Esalq/USP.

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é empregada e a região onde são produzidos.
INTRODUÇÃO Na quarta parte são descritos o contexto
brasileiro de produção e uso de biocom-
bustíveis e as políticas públicas dedicadas
presidente da Federação das ao setor. Na quinta seção são apresentados
Indústrias do Estado de São os aspectos que influenciam a constituição
Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, do mercado internacional para biocombus-
escreveu em artigo na Folha tíveis e como o Brasil pode se beneficiar do
de S. Paulo, de 31/7/2007, estabelecimento desse mercado.
intitulado “Argumentos Volá-
teis”, sobre as barreiras ainda
existentes ao mercado inter-
nacional de biocombustíveis: O MERCADO INTERNACIONAL DE
“À luz do bom senso, não se
pode admitir que o mundo de- BIOCOMBUSTÍVEIS
senvolvido, que já devastou a
grande maioria de suas flores- A discussão sobre biocombustíveis
tas, é o maior emissor de gases de efeito tomou proporções nunca antes vistas na
estufa e agente das mudanças climáticas, sociedade nos últimos anos. No Brasil esta-
coloque obstáculos à transformação dos mos acostumados com a periódica entrada
biocombustíveis em commodities interna- e saída do álcool das pautas do jornalismo
cionais”. nas últimas décadas, porém, nos últimos
As cadeias produtivas dos biocombustí- três anos fomos inundados com informações
veis no Brasil se preparam para a diminuição sobre o estabelecimento do mercado global
das barreiras de mercado às quais Skaf se de álcool e biodiesel. Isso se deve princi-
refere e o amadurecimento do mercado palmente ao fato de a Europa e os Estados
internacional. A demanda foi estabelecida Unidos terem adotado políticas de incentivo
principalmente pelas políticas públicas re- à produção e consumo de biocombustíveis
lacionadas à substituição de combustíveis como uma forma de substituir parte do con-
fósseis por renováveis, adotadas por países sumo de combustíveis fósseis, um esforço
em todo o mundo, sendo as mais relevantes para reduzir a emissão dos gases do efeito
até o momento, considerando o volume estufa e a dependência de combustíveis com
demandado em curto prazo, as políticas da preços crescentes, fornecidos por países
União Européia e dos Estados Unidos. politicamente instáveis.
O objetivo deste artigo é esclarecer as A Diretiva 2003/30/CE do Parlamento
potencialidades dos biocombustíveis como Europeu, de 8 de maio de 2003, relativa à
substituto de parte dos combustíveis fósseis promoção do uso de biocombustíveis ou de
e a oportunidade para a economia brasilei- outros combustíveis renováveis nos trans-
ra, por meio de um panorama do mercado portes, determina a substituição de 5,75%
global. O artigo está dividido em seis dos combustíveis fósseis por renováveis
partes, sendo a primeira e a última breves pelos países membros da União Européia
introdução e conclusão. A segunda seção (UE) até 2010. Na UE, a substituição não
apresenta os principais mercados atuais é compulsória, mas há pressões políticas
para biocombustíveis, que foram criados previstas aos países que não adotarem
principalmente a partir de legislações es- medidas específicas para atingir as metas
pecíficas instauradas nos Estados Unidos estipuladas.
e na União Européia. Na terceira parte são Nos Estados Unidos, as diversas legisla-
descritas as vantagens e desvantagens dos ções de incentivo ao etanol surgiram devido
biocombustíveis produzidos hoje no mundo a questões ambientais e de saúde pública
e procura-se deixar claro que esses aspectos relacionadas ao uso do MTBE (metil- terc-
variam muito conforme a matéria-prima que butil éter) como aditivo à gasolina. O MTBE

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atua como um oxigenante, importante para foi direcionada para os Estados Unidos. Isso
a queima eficiente do combustível, porém ocorreu a fim de se aproveitar as vantagens
é tóxico ao homem e, quando derramado, é de acesso de alguns países da América
extremamente poluente. Está sendo substi- Central a esse mercado, através do Tratado
tuído pelo ETBE, derivado do etanol, que é de Livre Comércio com a América Central
renovável e não é tóxico. A substituição de (Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Hon-
parte dos combustíveis fósseis é também duras, Nicarágua e República Dominicana).
motivada pela redução da dependência de O álcool hidratado brasileiro é utilizado
países produtores de combustível. Por último, como matéria-prima para a produção de
os países que adotam os biocombustíveis têm álcool anidro nesses países, posteriormente
a oportunidade de aprimorar suas políticas vendido para os Estados Unidos. Essa opção
agrícola e industrial, sendo que nos Estados deve ser mais explorada no futuro através
Unidos isso ocorre através do estímulo à de acordos entre esses países e o Brasil.
produção de milho e à indústria do etanol. O consumo na América Latina, por sua
Após a publicação do Terceiro Rela- vez, tem potencial de crescimento, princi-
tório do Painel Intergovernamental sobre palmente neste momento de insegurança
Mudanças Climáticas (IPCC), em julho no fornecimento de combustíveis fósseis.
de 2001, no qual a comunidade científica O Chile já anunciou que irá misturar 5% de
reconheceu a ocorrência do aquecimento etanol à gasolina em curto prazo, e pretende
global e a possibilidade de detê-lo através da até mesmo importar carros flex fuel.
redução imediata das emissões dos gases do Como conseqüência da aplicação em
efeito estufa (GEE), os governos passaram larga escala dos biocombustíveis no mundo,
a tomar medidas nesse sentido. A entrada a discussão sobre suas vantagens e desvan-
em vigor do Protocolo de Kyoto, em 2005, tagens se ampliou, envolvendo especialistas
com o comprometimento de 125 países que questionam suas reais potencialidades
industrializados em reduzir suas emissões em reduzir os impactos ambientais e benefi-
de CO2, acelerou o processo de substituição ciar o desenvolvimento econômico e social
gradual do uso de combustíveis fósseis por dos países. A seção a seguir não pretende
renováveis. esgotar a discussão, mas sim levantar al-
Os biocombustíveis já são uma realidade guns fatores importantes que devem ser
no setor de transportes, um dos maiores analisados com clareza.
emissores de GEE. São as melhores alterna-
tivas imediatas à gasolina e ao diesel já que
outras opções, como células de hidrogênio,
só devem estar disponíveis em larga escala VANTAGENS E DESVANTAGENS
no mercado em médio prazo.
Espera-se, então, que o mercado para DA SUBSTITUIÇÃO DOS
biocombustíveis se consolide em longo
prazo. No momento esse mercado ainda é COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS POR
pequeno já que se baseia no consumo da
produção interna de cada país, exceto por BIOCOMBUSTÍVEIS
um reduzido mercado internacional para o
álcool. No ano passado o Brasil exportou Como foi dito anteriormente, o mercado
3,4 bilhões de litros de álcool, sendo 1,76 internacional para biocombustíveis é ainda
bilhão para os Estados Unidos, 591 milhões irrisório, estando restrito praticamente à
para a União Européia (principalmente exportação de álcool brasileiro. Mesmo essa
Países Baixos e Suécia) e 225 milhões pequena quantidade está ameaçada de não
para o Japão. conseguir atingir seus mercados de destino
A demanda dos países da América Latina pois as tarifas impostas pelos importadores
pelo álcool brasileiro foi de 657 milhões de são tão altas que só se torna viável a venda
litros; porém, quase metade desse volume quando os preços do álcool atingem pa-

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tamares muito elevados, como aconteceu Uma das explicações para esse compor-
no mercado norte-americano em 2006. O tamento contraditório está na inserção dos
álcool produzido a partir de cana-de-açúcar biocombustíveis em políticas que não estão
conseguiu ser competitivo no mercado dos relacionadas ao ambiente e, nesse caso, a
Estados Unidos mesmo com os vultosos certificação teria o papel de criar uma bar-
subsídios e as taxas de importação. reira ao invés de garantir a sustentabilidade
Nesse país o álcool é produzido a partir do produto, como será visto mais adiante.
de milho, que tem balanço energético baixo, A opção pela não importação em grande
quando comparado ao de cana-de-açúcar, escala está relacionada em parte às políticas
porque a conversão da planta em energia é agrícolas e industriais desses países, que
baixa, além de a produção ser dependente visam a proteger o mercado interno dos
de grandes quantidades de insumos agrí- produtos importados, mais competitivos.
colas, tais como fertilizantes e defensivos. A conseqüência disso é o uso de produtos
Segundo estudo feito pela Organização menos sustentáveis que comprometem o
para a Cooperação e o Desenvolvimento impacto das políticas ambientais (que visam
Econômico (OECD, em inglês) em 2004, à redução da emissão dos gases do efeito
para cada unidade de energia fóssil inves- estufa) e de desenvolvimento econômico,
tida, é produzida entre 1,25 e 1,66 unidade principalmente de países em desenvolvi-
de energia renovável, enquanto no caso do mento com vantagens competitivas.
álcool de cana-de-açúcar resultam entre As principais críticas dirigidas hoje à
8,3 e 10,2 unidades. Esse é apenas um dos produção de biocombustíveis estão relacio-
indicadores que apontam para o potencial nadas ao seu baixo rendimento energético
incomparável da cana-de-açúcar para a em relação a fontes fósseis, à competição
produção de energia. A cana-de-açúcar é por fatores de produção de alimentos, tais
uma cultura tropical e, de maneira geral, como terra e água, e destruição de ecossis-
regiões tropicais têm maior potencial para temas. Em artigo da revista Energy Policy,
a produção de biomassa e apresentam ren- publicado em 27 de março de 2007, John
dimentos agrícolas superiores aos obtidos A. Mathews, da Universidade de Mac-
nos países de clima temperado. quarie, Austrália, responde a essas críticas
O comportamento dos Estados Unidos argumentando que elas só fazem sentido
de produzir seu próprio combustível reno- dentro dos contextos agrícolas europeu e
vável se repete na Europa, em detrimento norte-americano de produção. A competição
de importá-lo de países localizados em por terras para a produção de alimentos e o
latitudes mais baixas. A produtividade desempenho irrisório do balanço energético
nessas regiões é muito baixa, como foi são conseqüências do baixo potencial des-
dito no parágrafo anterior, e as vantagens sas regiões de produzir biomassa e da falta
ambientais discutíveis. Os questionamentos de disponibilidade de terras agricultáveis
que se ouvem hoje na esfera internacional para expansão da produção, fatores esses
são plenamente cabíveis nesses casos, po- que não refletem a condição nos países em
rém devem considerar que os rendimentos desenvolvimento. Segundo a Organização
obtidos em países tropicais tornam esses das Nações Unidas para a Agricultura e
casos algo à parte. No entanto, é paradoxal Alimentação (FAO, em inglês – ftp://ftp.
o comportamento da sociedade européia, fao.org/agl/agll/docs/wsr.pdf), 70% do
que dificilmente aceitará consumir um potencial para expansão agrícola no mundo
combustível importado sem certificação está na África subsaariana e nas Américas
de sustentabilidade ambiental e social, en- Central e do Sul.
quanto o biocombustível que é consumido A solução que Mathews apóia para o
internamente demandou intenso uso de uso sustentável dos biocombustíveis foi
fertilizantes químicos e defensivos agrícolas proposta pelo diretor executivo da Agência
que resultam em um rendimento pífio de Internacional de Energia (IEA), Claude
energia ao final do processo. Mandil. Essa estratégia consiste em que os

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países desenvolvidos do hemisfério norte direitos humanos, chegando até a natureza
façam um pacto com os países em desen- da produção que inevitavelmente gera con-
volvimento do sul para o fornecimento centração de renda nos países produtores.
de biocombustíveis em larga escala. Esse Além disso, os constantes aumentos nos
pacto estabeleceria um marco regulatório preços mundiais desse produto são resultado
internacional, com sistema de certificação de sua irreversível escassez, o que ameaça
de qualidade e desempenho ambiental. as balanças comerciais de todos os países
Em contrapartida, os países produtores de dependentes de importação.
biocombustíveis teriam acesso garantido Os biocombustíveis, ao contrário, têm o
de seu produto aos principais países con- potencial de promover o desenvolvimento
sumidores de combustíveis líquidos além de países a partir do aprimoramento das ca-
de contar com cooperação tecnológica deias produtivas agroindustriais, desde que
internacional. respaldados por políticas públicas sólidas e
Os principais argumentos a favor dos devidamente monitoradas. Para apoiar esses
biocombustíveis estão relacionados à com- argumentos, a experiência brasileira com
paração com o uso dos derivados do petró- biocombustíveis e a participação que esses
leo, considerando que uns são substitutos têm hoje em sua economia devem servir de
diretos dos outros. O leque de mazelas do uso modelo. A seguir é apresentado o contexto
de combustíveis fósseis vai desde a emissão brasileiro de produção e uso de biocombus-
de gases do efeito estufa, dependência de tíveis, as políticas públicas que amparam o
países politicamente instáveis, em cons- setor, além das oportunidades e fraquezas
tantes conflitos bélicos e que ameaçam os existentes nessas cadeias produtivas.

O CONTEXTO BRASILEIRO
DE PRODUÇÃO E USO DOS
BIOCOMBUSTÍVEIS
O Brasil hoje lidera o movimento de
países a favor do uso em grande escala
dos biocombustíveis. É o país que tem a
experiência mais antiga e relevante de pro-
dução e uso desses energéticos. Segundo o
Ministério de Minas e Energia (MME), no
setor de transportes, 20% do consumo é
representado por combustíveis renováveis,
maior participação do mundo, o que faz do
país o melhor estudo de caso para avaliar a
viabilidade de seu uso em larga escala.
As políticas públicas mais recentes de
estímulo aos biocombustíveis estão inseri-
das no Programa Nacional de Produção e
Uso do Biodiesel (PNPB), instituído pelo
Decreto 0-002 de 2 de julho de 2003, através
da criação do Grupo de Trabalho Interminis-
terial, responsável por pensar o programa e
determinar quais ações seriam tomadas. O
resultado foi a efetivação da Lei no 11.097,

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de 2005, que dispõe sobre a introdução do carentes e culturas que demandam uso
biodiesel na matriz energética brasileira, intensivo de mão-de-obra. No momento,
determinando sua mistura compulsória a falta uma política dos estados de desconto
todo diesel comercializado no país a um do ICMS, que faz com que o biodiesel seja
teor de 2% a partir de 2008 e de 5% a partir hoje o segundo combustível mais onerado,
de 2013. Para que a agricultura familiar perdendo somente para a gasolina.
fosse inserida nesse processo de expansão No caso do álcool, a cadeia produtiva
da lavoura energética, foram inseridos três é bem mais antiga. Foi impulsionada prin-
mecanismos: o selo “combustível social”; os cipalmente pelo Programa Nacional do
descontos nos impostos federais (PIS/Pasep Álcool (Proálcool) em 1975, mesma época
e Cofins) conforme região, sistema de pro- em que surgiu o Proóleo, embrião do atual
dução e matéria-prima de que foi originado programa para o biodiesel, que não foi para
o biodiesel; e os leilões coordenados pela a frente. No entanto, o país possui política
Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural específica para a produção e uso do álcool
e Biocombustíveis (ANP). como combustível desde a década de 1930.
O selo “combustível social” pode ser Até a década de 1990, quando ocorreu a des-
conquistado pelos produtores de biodiesel regulamentação do setor, a quantidade pro-
que adquirirem uma porcentagem mínima duzida de cana-de-açúcar, açúcar e álcool e
da matéria-prima utilizada da agricultura os preços praticados eram controlados pelo
familiar. A porcentagem mínima varia por Estado, que direcionou vultosos subsídios
região: 50% na Região Nordeste e Semi- ao setor. A pesquisa e o desenvolvimento
árido, 10% no Norte e Centro-Oeste, e 30% tecnológico dependeram tanto do financia-
no Sudeste e Sul. Os agricultores fornece-
dores devem ter acesso ao crédito previsto
pelo Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar (Pronaf) e ter uma
série de garantias firmadas em contrato de
compra, que garantam o preço e volume a
serem praticados, além de receber assessoria
técnica do comprador.
Os produtores de biodiesel que possuem
o selo têm descontos na tributação federal
incidente e podem participar dos leilões
organizados pela ANP. Nesses leilões, as
produtoras e importadoras de diesel no país
(a Petrobras representa 93% desse merca-
do) são responsáveis por comprar toda a
quantia que a ANP determina como meta
a ser leiloada. Até este ano, a meta era de
840 milhões de litros, volume necessário
para a produção do B2 (diesel com 2% de
biodiesel) em todo o país, que será obriga-
tória a partir do próximo ano. Novos leilões
devem ser organizados a partir do ano que
vem com o objetivo de preparar o mercado
para a produção do B5.
Por último, o desconto nos impostos
federais incidentes sobre o biodiesel pro-
duzido no Norte e Nordeste, a partir de
mamona ou dendê e proveniente da agri-
cultura familiar, visa a beneficiar regiões

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mento público quanto privado e resultaram trial. Como conseqüência, aprimora o setor
em um produto com preço competitivo com de prestação de serviços e a organização
a gasolina em algumas regiões. do mercado, processo que foi acelerado
Após a desregulamentação do setor, pela criação do Arranjo Produtivo Local
produtores de cana-de-açúcar e a indús- do Álcool (Apla).
tria tiveram de se organizar para criar um A Cooperativa dos Plantadores de Cana
sistema de formação de preço da cana- de Piracicaba (Coplacana) está construindo
de-açúcar sendo que até aquele momento uma planta industrial de biodiesel, para a
era papel do Estado defini-los. Existe uma qual os agricultores que plantarem uma
interdependência entre os produtores e a oleaginosa na rotação da cana-de-açúcar
usina mais próxima porque o transporte (prática comum em outras regiões e benéfica
da cana-de-açúcar por grandes distâncias para o solo) poderão entregar o produto.
encarece o processo produtivo a ponto de Em troca, a cooperativa fornecerá biodiesel
torná-lo economicamente inviável. para uso nos tratores e ração animal para
Como conseqüência, o Conselho dos os cooperados pecuaristas, proveniente do
Produtores de Cana do Estado de São Paulo farelo restante após a retirada do óleo do
(Consecana) foi criado por representantes grão, que entra como insumo na fábrica de
dos produtores agrícolas (Organização ração que já possuem.
de Plantadores de Cana do Estado de São Não pode ser ignorado o fato de que em
Paulo – Orplana) e industriais (União da diversas regiões do Brasil, principalmente
Agroindústria Canavieira do Estado de São naquelas onde há a expansão da fronteira da
Paulo – Unica), que entraram em um acordo cana-de-açúcar, existe também um processo
para criar o sistema Consecana. Hoje, quase de concentração de terras e, conseqüen-
toda a cana-de-açúcar do país é precificada temente, da renda. No entanto, esse é um
através desse sistema, em que uma fórmula fator relacionado à falta de planejamento e
matemática calcula o preço dos açúcares ordenamento territorial, e não à natureza do
totais redutores (ATR) presentes na cana- sistema de produção da cultura. As pequenas
de-açúcar com base nos preços vigentes de propriedades produtoras de cana-de-açúcar
açúcar e álcool no mercado recente. localizadas na Região Sudeste são resultado
A qualidade da cana-de-açúcar e o teor da fragmentação das propriedades rurais.
de ATR são analisados na porta da usina, Os agricultores permanecem na terra e
processo que pode ser acompanhado por conhecem bem a cultura, e estão tradicio-
representantes dos produtores. Todo esse nalmente organizados em cooperativas e
sistema somente foi passível de ser montado associações. Nas novas áreas é necessário
graças à organização do setor na forma de as- uma intensa assessoria técnica para a intro-
sociações classistas e cooperativas. Regiões dução da cultura, além de colaboração para
como a de Piracicaba, graças a esse complexo a organização dos agricultores. Isso é papel
sistema de organização, apresentam peque- do Estado que reconhece a função social
nos e médios produtores de cana-de-açúcar da agricultura e se esforça para evitar que
que fornecem 80% de toda a matéria-prima o agricultor simplesmente arrende a terra
que as usinas da região adquirem no merca- e se mude para as cidades próximas ou, na
do, proveniente de unidades produtivas de pior hipótese, venda a área.
até 50 hectares. A própria indústria produz A organização dos produtores rurais em
aproximadamente metade da matéria-prima associações de forma a produzirem matéria-
que processa nessa região. prima é de interesse da indústria, que pode
A experiência da região de Piracicaba, adquirir parte da cana-de-açúcar no merca-
uma das áreas tradicionais produtoras do do, não tendo de gerenciar uma área muito
estado de São Paulo, hoje evolui para a extensa requerida para abastecer a unidade
convergência das cadeias produtivas do de processamento. O associativismo se tor-
biodiesel e do álcool para benefício dos nará ainda mais importante quando entrar
agricultores cooperados e do parque indus- em vigor a proibição da queimada na cana

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no estado de São Paulo, porque diversas aos centros fornecedores de insumos agrí-
propriedades terão que administrar o com- colas e possuir mão-de-obra capacitada em
partilhamento de uma colhedora. grande quantidade. O país enfrenta agora
Os aspectos descritos acima são insufi- o desafio de disseminar a tecnologia de
cientes para demonstrar quantas oportuni- produção de cana-de-açúcar pelo mundo
dades existem de gerar desenvolvimento a e, principalmente, pelo próprio Brasil, em
partir da exploração dessas cadeias produ- estados que não são produtores tradicionais
tivas. Atualmente, surgem periodicamente ou regiões que apresentam produtividades
casos bem-sucedidos, inclusive em pequena baixas e custos de produção altos.
e média escala, de uso de resíduos agríco- Quanto ao biodiesel, foram comerciali-
las, industriais e de dejetos urbanos para a zados 885 milhões de litros nos cinco leilões
produção de energia e geração de renda. que já ocorreram, a serem entregues até o
Descrevê-los aqui tornaria o assunto muito final deste ano. Porém, a ANP registrou,
extenso, mas exemplos de políticas gover- por enquanto, somente 190,8 milhões de
namentais e de iniciativas autônomas dos litros produzidos desde 2005. A capacidade
produtores podem servir de casos a serem produtiva a ser instalada até o final do ano
replicados visando ao desenvolvimento é de 1,3 bilhão de litros e os empreendi-
econômico e social das regiões onde essas mentos em fase de projeto podem levar a
cadeias produtivas estão sendo instaladas. capacidade produtiva a 4 bilhões de litros
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e nos próximos quatro anos.
Pequenas Empresas (Sebrae) estuda hoje a O volume necessário para substituir todo
possibilidade de mapear algumas iniciativas o diesel por B2 a partir de 2008 é de 840
que mereceriam ser replicadas, de forma a milhões de litros e, por B5, é de 2 bilhões
facilitar sua divulgação. de litros. A capacidade que está sendo
O primeiro levantamento da Companhia instalada é muito maior que o mercado
Nacional de Abastecimento (Conab) indica interno previsto em curto prazo, que está
que nessa safra está sendo cultivada uma restrito à produção da mistura compulsória
área 7,4% maior de cana-de-açúcar que na prevista em lei enquanto o biodiesel não
safra passada. São 6,6 milhões de hectares, for competitivo com o diesel. Isso acontece
sendo 82,5% localizados na Região Cen- porque os investidores visam à reserva de
tro-Sul do país, onde ocorre uma expansão mercado para atender as projeções futuras
principalmente para antigas áreas de pasta- de demanda internacional, principalmente
gens. Pouco mais da metade da cana colhida da Europa, que tem a frota mais expressiva
é utilizada para a produção de álcool, que de carros de ciclo diesel. A expansão do
crescerá 14,54% nessa safra, para 20,01 mercado interno se dará quando o melhora-
bilhões de litros, sendo que 91,20% são mento agronômico de matérias-primas mais
oriundos da Região Centro-Sul. produtivas em óleo, tais como o pinhão-
A demanda interna tem crescido devido manso, tornar o biodiesel competitivo, assim
ao aumento da frota, principalmente de car- como o álcool hidratado se tornou depois
ros flex fuel; porém, o crescimento é restrito de mais de 30 anos de pesquisas. Já exis-
à Região Sudeste, que concentra a frota mais tem empreendimentos em fase de projeto,
relevante e produz um álcool competitivo. em associação entre empresas nacionais e
Nesse ponto é importante esclarecer que a estrangeiras, para a produção voltada para
tecnologia e a infra-estrutura de produção o mercado externo.
foram desenvolvidas principalmente para A capacidade produtiva instalada está
atender à Região Sudeste, mais precisa- operando muito abaixo do seu máximo.
mente o estado de São Paulo, que hoje Os possíveis motivos são: o mercado ainda
apresenta as produtividades mais altas do não existe fora dos leilões porque a mistura
país devido ao uso de variedades especial- ainda não é obrigatória e o biodiesel é mais
mente desenvolvidas para as condições caro que o diesel; o fluxo de matéria-prima
climáticas da região, além de estar próximo ainda é incerto pois o biodiesel concorre por

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Para atingir as produtividades agrícolas
e rendimentos industriais que o país apre-
senta hoje foram empregados métodos de
pesquisa e desenvolvimento considerados
convencionais, tais como o melhoramento
genético de variedades agrícolas através
da seleção de linhagens mais aptas. No
momento o mercado se prepara para um
crescimento abrupto na produtividade dos
biocombustíveis e aumento da disponibi-
lidade de matérias-primas para esse fim
provenientes do emprego de técnicas não-
convencionais, tais como a transgenia e o
uso de enzimas para a produção de açúcares
simples para a produção de álcool. Deta-
lhes sobre essas novas tecnologias e seus
impactos na produção de biocombustíveis
e no mercado brasileiro serão apresentados
na seção a seguir.

ASPECTOS TECNOLÓGICOS,
TÉCNICOS E POLÍTICOS QUE
INFLUENCIARÃO O MERCADO
INTERNACIONAL
DE BIOCOMBUSTÍVEIS
matéria-prima com o mercado de alimentos Todas as políticas públicas implantadas
(e químico, no caso da mamona), que em hoje pelo mundo relacionadas à inserção
condições normais oferece margens mais de biocombustíveis na matriz energética
atraentes; as plantas industriais estão ainda incentivam a produção e uso de um pro-
em fase de aprimorar seus processos pro- duto não-competitivo. Os combustíveis
dutivos para alcançar as especificações de renováveis são mais caros que os fósseis
qualidade exigidas pela ANP; o comércio em sua maior parte. Existem duas justifi-
de biodiesel está acontecendo de forma irre- cativas para essa atitude: são reconhecidas
gular sem ser registrado pela ANP. Quanto suas vantagens relativas e, principalmente,
aos principais avanços tecnológicos, no esses produtos são viáveis de se tornarem
Brasil está sendo desenvolvido o sistema de competitivos conforme caminhamos na
produção pela rota etílica, que requer ainda curva de aprendizado.
alguns ajustes para passar a ser vantajoso O melhoramento de culturas específicas
quando comparado ao uso do metanol como para o aproveitamento energético é algo
reagente. As principais vantagens do uso que será de grande importância para essa
do etanol são a abundância no mercado e cadeia produtiva, até mesmo para garantir
preços atraentes, além de ser uma fonte de o suprimento para as plantas de produção
energia renovável que aprimora o balanço de biocombustíveis, de forma a não ter que
energético do combustível final. competir por matéria-prima com a indústria

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de alimentos. O melhor exemplo de esforço
nesse sentido é a pesquisa sobre pinhão-
manso que ocorre em todo mundo para
possibilitar o aproveitamento dessa cultura
perene de alto rendimento em óleo.
Porém, a grande quebra de produtividade
será resultado do uso comercial do que são
hoje chamados biocombustíveis de segunda
geração. São constituídos principalmente do
álcool a partir da lignocelulose (presente em
toda biomassa vegetal) e transformação da
biomassa em líquido, processo batizado de
BtL (biomass to liquid), que utiliza rejeitos
tais como caules e raízes de milho, enquanto
a espiga segue para a indústria de alimentos.
Outras opções são o uso em maior escala
de biogás (gás metano, principalmente,
resultante da decomposição biológica da
biomassa em aterros sanitários, granjas
de suínos ou em qualquer outro depósito
de resíduos orgânicos), bioquerosene de
aviação, que já é desenvolvido no Brasil e
testado no exterior, entre outros.
Para o Brasil é uma grande oportunidade
poder disseminar a tecnologia de produção
de álcool de cana-de-açúcar e, futuramente,
de biodiesel. No caso do álcool, um mercado
internacional para esse combustível requer,
entre outros fatores, alguma diversidade
de fornecedores que garantam suprimento
regular de grandes volumes, sem causar
dependência de um só fornecedor. Nesse
contexto, seja através do memorando de
entendimento entre países, como ocorreu
entre os Estados Unidos e o Brasil, ou
através de contratos diretos com empresas
privadas, há inúmeras oportunidades de
negócios envolvendo construção de usinas,
constituição da lavoura canavieira, geren-
ciamento dos empreendimentos, venda de
carros flex fuel, entre outros.
A cana-de-açúcar não perderá seu
status de cultura de maior potencial para
produção de biocombustíveis nem mesmo
quando os de segunda geração passarem a
ser explorados comercialmente, já que é a
cultura de maior potencial de produção de
biomassa por hectare do planeta. Sendo
assim, o Brasil não perderá a vantagem de
ser detentor da experiência com essa cultura.
Para a lignocelulose ser aproveitada como

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matéria-prima para a produção de álcool, produzidos no mundo. O segundo motivo
ela tem de ser tratada para ser degradada em é referente à oportunidade de vender má-
açúcares mais simples, passíveis de serem quinas, equipamentos, variedades agrícolas
consumidos por leveduras e transformados e serviços para os países que adotarem a
em álcool. A cana-de-açúcar, por sua vez, produção de biocombustíveis como parte
fornece os açúcares nas suas formas mais de sua economia.
simples em seu caldo, dispensando trata- As principais discussões no ambiente
mentos prévios, que consomem energia e internacional estão voltadas para a garan-
prejudicam o balanço energético, além de tia da qualidade dos biocombustíveis e da
tornar o processo mais caro. sustentabilidade dos processos produtivos.
Além disso, por ser uma gramínea, de O estabelecimento de padrões de qualidade
alto potencial de produção de biomassa por diferentes por região pode se traduzir em
hectare, a cana poderá ter sua produtividade uma formidável barreira técnica em países
dobrada através do uso do bagaço hidroli- que queiram proteger o mercado interno do
sado para a produção de álcool. Atualmente produto estrangeiro.
o bagaço é utilizado como combustível em Somente após países que não produ-
caldeiras para a geração de energia elétrica. zem uma gota de álcool (ou têm produção
Considerando o potencial da produção de irrelevante), tais como Japão e os da UE,
energia pela cana-de-açúcar, esta certamen- passarem a discutir seus próprios padrões
te será propagada para países localizados de qualidade, o Brasil, através do Inmetro
próximo aos trópicos, com o objetivo de em parceria com alguns institutos de pes-
gerar combustível a baixo custo. Esses quisa, começou a desenvolver o padrão de
países já estão recebendo investimentos qualidade brasileiro do álcool para exporta-
nesse sentido, adquirindo equipamentos ção. Essa é uma iniciativa importantíssima
e conhecimento do Brasil para começar a para que o Brasil participe do processo de
operar nos próximos anos. formatação de um padrão internacional, de
Quanto ao biodiesel, a venda de tecno- maneira que possa argumentar a favor de
logia também é uma oportunidade. Se o co- seus próprios critérios.
nhecimento empregado foi primeiramente O processo de definição de padrões de
importado da Europa, hoje está em processo qualidade de biocombustíveis é muito com-
de aprimoramento para as condições nacio- plexo, pois exigirá a definição de padrões
nais de uso de etanol como reagente, em vez mínimos universais. A inexistência desses
do metanol (derivado do petróleo), e empre- padrões inviabiliza a transformação desse
go de matérias-primas diversas. Na Europa produto em commodity. No entanto, como
somente o óleo de canola é utilizado em larga podem ser utilizados diversas matérias-pri-
escala para produzir biodiesel, enquanto mas e processos industriais para a produção
no Brasil já são empregados óleos de soja, do mesmo biocombustível, a inexistência
girassol, mamona, ácidos graxos residuais de padrões internacionais pode permitir que
do refino do óleo de dendê e sebo bovino. barreiras não tarifárias à entrada do produto
A realidade brasileira se repetirá em outros estrangeiro sejam estabelecidas a partir
países tropicais em desenvolvimento. da definição de padrões de qualidade que
A expansão da produção de biocombustí- favorecem o produto doméstico. No caso
veis para outros países além do Brasil vai ao do álcool, por exemplo, o Brasil produz
encontro de seus interesses por dois motivos 100% à base de cana-de-açúcar, enquanto
principais. Primeiramente, para o Brasil é os EUA produzem principalmente à base
interessante que o álcool se transforme em de milho e a UE pretende produzir à base
uma commodity para que ganhe espaço no de açúcar de beterraba.
mercado internacional. Para tanto, é neces- No caso do biodiesel são claras as dis-
sário que um volume maior seja produzido, crepâncias entre os padrões de qualidade,
e a diversidade de fornecedores aprimora- como é o caso do nacional, que não garante
da, além de se padronizar os combustíveis que esse combustível seja aceito na Europa,

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onde o padrão predominante é o alemão, Renováveis (Ibama), que hoje é de 2,5%.
muito mais restritivo que o brasileiro. O Muitas das multas não são recebidas por-
padrão de qualidade criado pela ANP para que o departamento jurídico não consegue
o biodiesel visou a incluir o uso de todas acompanhar adequadamente os trâmites na
as matérias-primas possíveis, inclusive a justiça, que são muitos. O aprimoramento
mamona, que possui características físico- do departamento jurídico para aumentar a
químicas muito particulares, tais como a eficiência de cobrança para 70%, segundo
alta viscosidade. Além disso, no Brasil se o Imazon, inviabilizaria o desmatamento
produz biodiesel reagindo diversos tipos nessa região.
de óleo com metanol ou etanol, enquanto As respostas às críticas aos biocombus-
na Europa, maior produtor de biodiesel do tíveis como forma de promovê-los devem
mundo, só é utilizado óleo de canola reagido levar em conta que algumas dessas críticas
com metanol, o que torna possível adotar não condizem com a realidade ou não são
padrões de qualidade muito mais restritivos. devidamente tratadas internamente. Como
A importância do padrão de qualidade é diz Paulo Skaf no artigo mencionado no
assegurar o melhor rendimento do motor e início deste texto, “considerar empecilho
garantir sua durabilidade, e qualquer outro uma possível ocorrência de trabalho escravo
critério aplicado além desses somente virá a é um despropositado exagero, considerando
prejudicar os consumidores de biodiesel. que o Brasil tem democracia consolidada e
Sistemas de certificação de sustentabili- leis severas contra a exploração indevida de
dade ambiental específicos para biocombus- recursos humanos. É óbvio que, se o pro-
tíveis estão sendo desenvolvidos, estando blema ocorrer de modo pontual, como pode
em evidência os sistemas em pesquisa no acontecer em qualquer lugar do mundo, os
Reino Unido e na Holanda. Esses sistemas culpados deverão ser detidos, julgados e
terão a difícil tarefa de avaliar simultanea- apenados”.
mente o balanço energético do processo No ambiente internacional neste mo-
produtivo, o balanço da emissão de gases mento, mais importante que ficar se justifi-
do efeito estufa, o desempenho ambiental, cando, é ser ativo para contornar as barreiras
além de terem inserido critérios de avaliação ao mercado que estão sendo colocadas. Se
de aspectos sociais da produção. o país não apresentar argumentos contun-
A maior preocupação da comunidade dentes contra algumas medidas que estão
internacional quanto ao aumento da oferta sendo tomadas no ambiente internacional,
de biocombustíveis pelo Brasil está relacio- pode perder espaço para as plantas indus-
nada ao risco de causar o aumento das taxas triais instaladas em outros países. Para essas
de desmatamento da Floresta Amazônica. indústrias, o interessante é manter o atual
Diversas iniciativas do governo brasileiro e fluxo de commodities tais como a soja, que
de instituições de apoio estão sendo tomadas pode ser utilizada como matéria-prima para
para brecar o desmatamento, tais como: a) a produção de combustíveis, com valor agre-
aprimoramento das políticas de ordenamen- gado maior. Essas indústrias têm influência
to territorial; b) implantação de políticas sobre a formação de políticas públicas em
de zoneamento ecológico-econômico; c) seus países, e junto com os agricultores são
aumento da eficiência da fiscalização. Re- responsáveis pelo lobby que visa a dificultar
lacionada a essa última medida, a Folha de a entrada do produto estrangeiro. Para o
S. Paulo de 22 de agosto de 2007 divulgou Brasil e demais países é uma perda manter
um estudo do Instituto do Homem e Meio sua posição de fornecedor de commodities
Ambiente da Amazônia (Imazon) que suge- agrícolas de baixo valor agregado em de-
re uma atitude trivial para brecar o desma- trimento de produtos acabados, como é o
tamento da Floresta Amazônica: aumentar caso dos biocombustíveis. Além dos bio-
em 28 vezes a eficiência de cobrança das combustíveis em si, a proteína presente no
multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro farelo de grãos pode ser comercializada na
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais forma de ração animal, produto que tem sido

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sistematicamente valorizado no mercado in- dução com base no uso de matérias-primas
ternacional, principalmente após os Estados provenientes de descartes da agroindús-
Unidos, maior produtor mundial de milho, tria, além da reciclagem de resíduos em
terem passado a utilizar esse cereal como geral. Nem por isso o potencial dos países
matéria-prima para a produção de mais de em desenvolvimento para a produção
20 bilhões de litros de álcool por ano. de biomassa ficará inutilizado, pois o
mercado para combustíveis é inviável de
ser completamente abastecido a partir de
biocombustíveis. A produção atual aten-
CONCLUSÃO de menos de 1% da demanda global por
combustíveis e o mercado nunca estará
O mundo tem muito a lucrar com a subs- saturado desse produto.
tituição de parte dos combustíveis fósseis O objetivo desse processo é diversificar
por biocombustíveis, tal como na redução a matriz energética e desenvolver novas
da emissão dos gases do efeito estufa, maior tecnologias que contornem o problema dos
segurança no suprimento do combustível impactos ambientais do uso do petróleo e
e oportunidade de desenvolvimento em o seu aumento sistêmico de preço devido à
países que podem expandir suas atividades escassez. Sobretudo, uma cooperação inter-
agroindustriais. Porém, é necessário uma nacional pode resultar em desenvolvimento
política global para que ocorra o aprovei- para diversos países, através da adoção de
tamento dos reais potenciais desses bio- políticas públicas bem-estruturadas para
combustíveis. Enquanto não houver o uso promoção da geração de renda e inclusão
comercial dos biocombustíveis de segunda social.
geração, o potencial dos países europeus O Brasil desponta como um grande líder
e dos Estados Unidos de produzirem seus nesse setor por ter experiência em políticas
próprios biocombustíveis sem trazer efeitos públicas de incentivo aos biocombustíveis,
maléficos, tais como degradação ambiental além de tecnologia de produção e uso. A
e impacto sobre preços dos alimentos, é comunidade internacional deve discutir e
muito baixo. implementar um sistema regulatório que
Nessa fase, é importante consolidar o permita moldar o produto para atender à
mercado internacional para os biocom- demanda da sociedade, que está cada vez
bustíveis de forma que outros países, mais exigente quanto à sustentabilidade do
principalmente da América Latina e da que se consome. Uma discussão internacio-
África, de alto potencial de produção de nal franca pode trazer muitos dividendos
biomassa, possam começar a atuar. Com para a sociedade, mas para isso precisamos
a adoção de novas tecnologias os países conseguir ultrapassar as barreiras hoje
desenvolvidos poderão aumentar sua pro- existentes.

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