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08/09/2020 O que dizemos ser Deus - Contra os Acadêmicos

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 1.199

O que dizemos ser Deus


Por Eric Voegelin

A questão suscitada pelo título da presente leitura retira sua forma especí ca de Tomás de Aquino em
sua S. Th. I q.2 a.3

Esta questão não permite uma resposta simples como se o tema do divino fosse uma entidade com
propriedades sobre as quais alguém pode levantar proposições do tipo que se aplicam as coisas do
mundo externo. [1] Não estamos nos voltando para Deus como uma coisa, mas como o parceiro numa
busca que indaga e que se move dentro de uma realidade formada por linguagem participatória. Além
disso, nós mesmos somos parte da realidade questionada que intentamos linguisticamente como se
fôssemos sujeitos cognitivos separados dos objetos da cognição. [2]

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A busca noética pela estrutura da realidade que inclui a divindade em si é em si mesma um evento na
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realidade que questionamos. Por isso em cada ponto do processo nos deparamos com o problema de
inquirir algo experienciado como real antes que nossa inquirição da estrutura da realidade tenha tido
seu início. O processo de nosso intellectus em busca de nossa des, que pode ser
 formulado como nossa
des em busca de nosso intellectus, é um evento primário.

O evento da busca é um processo histórico. O mundo da simbólica compacta da realidade dado em


qualquer ponto histórico deve submeter-se à pressão da análise noética resultando em que o
fundamento da realidade como “os deuses” deve morrer em sua forma simbólica para ser substituído
pelo novo símbolo do “Deus” cuja presença para além dos deuses, pois este clama ser o Ser necessário.

Os dois grandes contextos civilizacionais da História Ocidental representativos para essa estrutura da
busca são:

1. a emergência do “Deus” do simbolismo politeístico na cultura helênica e


2. a emergência do “Deus” da tensão entre a teologia doutrinal e mística nas sociedades cristãs
desde a Antiguidade.

As complicações lingüísticas decorrentes da estrutura paradoxal do processo nunca foram


su cientemente analisadas noeticamente. A linguagem supostamente analítica do discurso sobre a
questão do divino estabilizou, por consenso cultural, em um nível de compacidade que não é capaz de
distinguir de forma su ciente a estrutura paradoxal do encontro-divino humano e os símbolos
emergentes da re exão concreta da busca expressa culturalmente. Esse estado insatisfatório de
análise fez com que o debate fosse conduzido em termos das conhecidas dicotomias re exivas do
discurso teológico. Os símbolos que dominam a linguagem re exiva à margem da compacidade e
diferenciação podem ser resumidos na lista de:

1. Filoso a e religião
2. Filoso a e teologia
3. Teologia natural e teologia revelatória
4. Fé e razão
5. Razão e revelação
6. Ciência e religião
7. Teologia natural e teologia sobrenatural

Cada uma dessas dicotomias fornece a ocasião para um debate in nito no nível compacto, sem nunca
penetrar na estrutura fundamentalmente paradoxal do pensamento que é peculiar na relação
participatória entre o processo do pensamento e a realidade de que ele procede.

No artigo da Summa sobre a questão da existência de Deus ao qual essa leitura faz referência, Tomás
alcançou um certo grau de clareza sobre sua estrutura paradoxal. A questão quod Deus dicitur não é
levantada arbitrariamente, mas pressupõe um artigo escritural de fé. Este artigo é a fórmula ego sum qui
sum de Êxodo 3.14. Se não houvesse nenhum símbolo de fé já na existência histórica, não haveria
nenhuma questão. Este artigo de fé é parte do processo de questionamento noético em relação a seu
signi cado. A “questão de Deus” não pode ser feita inteligivelmente a menos que a questão de Deus
seja parte da realidade a ser explorada. O símbolo do divino ego sum é parte da consciência exploratória

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que aproxima o símbolo da fé como a resposta a uma indagação que surge de experiências particulares
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com a realidade. Pois o divino ego sum da Escritura simboliza o polo necessário da realidade no qual sua
particularidade fenomenal é experienciada somente como contingente. [3] A tensão experienciada
entre contingência e necessidade é a estrutura da realidade que está em  jogo na questão sobre a
divindade.

Esta estrutura é então seguida por Tomás nas bem conhecidas cinco experiências da realidade
contingente. [4] Na primeira das tensões experienciadas, a realidade está em movimento e o
movimento requer um motor. [5] Nesse nível em particular, só é possível proceder de um determinado
movimento ao seu proponente particular em in nita continuidade sem que se chegue a uma explicação
do fenômeno do movimento. Para que se torne inteligível, o processo do movimento particular requer
um primeiro motor [primum movens]. E nesse processo de análise noética, Tomás identi ca o primeiro
motor como algo [hoc] ao qual omnes intelligunt Deum, como o algo [hoc] que todos entendem ser Deus.
O Deus dessa proposição é a resposta à estrutura da questão noética.

O mesmo tipo de argumento então é aplicado à causa ef ciens. Numa série de causas e cientes não faz
sentido proceder inde nidamente; só se chega a um sentido através do simbolismo da primeira causa
incausada; e aqui novamente Tomás a formula como “quam omnes Deum nominant”, a causa à qual todos
chamam Deus. O mesmo procedimento de simbolização aplica-se as outras assim chamadas provas
para a existência de Deus: a causa necessária de todas as coisas é aquela quod omnes dicunt Deum; e
quando uma causa nal de bondade e perfeição em todas as coisas tem que ser simbolizada,
novamente hoc dicimus Deum. Finalmente, o procedimento é aplicado ao m de toda a realidade: há
algo inteligivelmente inteligente [intelligens] pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas a um m,
e esse inteligivelmente inteligente [intelligens] é o algo [hoc] que “dicimus Deum”. Não há outra divindade
senão aquela da necessidade em tensão com a contingência experienciada na questão noética.

A análise tomista toca na estrutura paradoxal da tensão entre os símbolos compactos da fé e a


operação do intelecto noético. Entretanto, a clareza da análise tomista é di cultada pela compacidade
dos símbolos re exivos que teve de usar devido à sua situação histórica. Eles são os símbolos da
verdade da revelação na tradição da fé judaico-cristã, e os símbolos losó cos derivados do contexto
culturalmente diferente da civilização helênica. A m de esclarecer algumas dessas complicações será
útil referirmo-nos brevemente aos avanços de análise nos empreendimentos cartesianos e pós-
cartesianos.

Considere, por exemplo, a formulação do problema dada por Leibniz em seu Princípios da Natureza e da
Graça. A análise “metafísica” de Leibniz assume o princípio da raison suf sante como a explicação para
tudo que acontece na realidade. A indagação da razão su ciente culmina em duas questões:

1. a) porque há algo em vez do nada? E


2. b) porque as coisas são como são? [6]

Nesse nível de simbolização Leibniz chega a formulações semelhantes àquelas de Tomás. A experiência
da realidade contingente implica uma razão não-contingente para o que é experienciado como
contingente. “Et cette dernière raison des choses est appelée Dieu.” [7]

Apesar da formulação de Leibniz se assemelhar a de Tomás, é preciso estar atento para sua aura pós-
cartesiana. O que vem à tona agora é a inerência da resposta no evento da questão. E esta

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característica imaginativa que vai além da simples suposição de um símbolo revelatório é devido ao
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insight cartesiano da resposta contida no ato de duvidar e desejar. A transição experienciada de um
aparentemente certo cogito ergo sum para uma dúvida imaginativa e um ego desejante é a fonte
meditativa do entendimento de que não há ego sem que haja uma realidade aser simbolizada como a
perfeição que o ego imaginativo procura arduamente. Um ego que duvida e deseja ir além de si não é o
criador de si mesmo, mas requer um criador e mantenedor da sua existência duvidosa, e esta causa é o
“Deus” que aparece na análise da Terceira Meditação e em Princípios. Não há contingência dúbia sem a
tensão para a necessidade que faz a dúvida evidente como tal.

Este avanço na estrutura imaginativa da questão noética, no entanto, ainda é prejudicado por outro
elemento compacto na análise tomista, isto é, pela construção de uma análise meditativa como prova
silogística. Mesmo que Descartes e Leibniz ainda queiram entender a análise como prova para a
existência do Deus da revelação, a hipótese foi mostrada como insustentável por Kant, na sua Crítica
da Razão Pura. [8] No entanto, como a análise positiva de Kant da questão imaginativa era insu ciente,
cou para Hegel reconhecer, contra o criticismo de Kant, “as chamadas provas da existência de Deus
são, em si, a enfocar somente como as descrições e as análises do itinerário do espírito que é um [espírito]
pensante e pensa o sensível. O elevar-se do pensar sobre o sensível, seu ultrapassar para além do nito
em direção ao in nito, o salto, que com a ruptura das séries do sensível se faça para o supra-sensível,
tudo isso é o pensar mesmo; esse ultrapassar é somente pensar” (Enciclopédia, 1830, §50).[9]

Nessa passagem de Hegel pode-se discernir o estrato histórico da análise. Eles são

o argumento tomista (com seu fundamento em Aristóteles),


o avanço cartesiano para o argumento como um evento imaginativo,
o criticismo kantiano de sua estrutura silogística, e
uma nova clareza sobre o processo de análise noética.

O que torna o  insight  hegeliano, entretanto, ainda insatisfatório, é a tendência de elevar a estrutura
paradoxal, como revelada na dimensão re exiva da consciência, como solução última para o problema
da divindade. Esta hipóstase da consciência re exiva obscurece o fato de que o próprio movimento
noético, o encontro humano-divino, é ainda um processo ativo tensional em direção os símbolos da fé.
A hipóstase dos símbolos re exivos leva à construção disforme do processo do pensar agora
transformado no pensamento nal sob a forma do sistema de uma ciência conceitual.

A di culdade que os pensadores modernos têm com suas análises positivas inadequadas da
consciência da realidade provém da distinção inadequada entre o processo de análise noética e os
símbolos re exivos descrevendo o processo histórico de análise. O ponto experiencial da confusão é
formulado por Tomás como a diferença entre Deus em si mesmo Deus in se e Deus quoad nos. [10] Na fé,
estamos vivendo na tensão entre contingência e necessidade divina enquanto nos símbolos re exivos
os polos necessário e contingente da tensão são re exivamente hipostasiados em entidades
transcendente e imanente. Que a necessidade divina não é algo conhecido por suas propriedades é
claramente visto em Tomás como a fonte das di culdades, mas ele não a determina com a clareza vista
em Platão no  Fedro  e no  Timeu, que emerge da estrutura intencionalista da linguagem: nossa
inclinação de coisi car em proposições experiências que não são de coisas.

A estrutura primária do encontro humano-divino deve ser distinta da simbolização re exiva dos polos
do encontro tensional como entidades coisi cadas. Tomás chega a distinguir entre o a priori da
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necessidade divina e o a posteriori de sua prova pelos efeitos [11] da experiência contingente, perdendo
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assim certa qualidade analítica alcançada por Anselmo de Cantuária, assim como pelos lósofos
helênicos. Sendo assim, será adequado expor os problemas re exivos da construção silogística nos seus
pontos principais. 

A “prova ontológica” rejeitada por Tomás não existia ainda no seu tempo em forma simbólica. A palavra
ontologia aparece no século XVII na obra de Clauberg, Elementa philosophiae sive ontosophiae (1647) e
obteve aceitação entre os lósofos através do seu uso no século XVIII por Leibniz, Wolf e Kant. As
Meditações de Descartes ainda não estão di cultadas pelo termo, e esta talvez seja a razão do porquê
delas ainda estarem perto da questão anterior de Anselmo (que Descartes pode não ter conhecido)
porque elas dependem da dinâmica do movimento de busca na tensão entre perfeição-imperfeição. Na
Crítica da Razão Pura, Kant aplica o símbolo prova ontológica para a meditação cartesiana como um
termo já em uso geral.

Os dados que acabamos de dar apontam para uma área de discurso que se move ante a margem da
análise experiencial exata; eles sugerem a tentativa de estabelecer a ontologia como um sinônimo mais
preciso para metafísica e assim estabelecer a metafísica como alternativa polêmica à teologia. O termo
metafísica, em si, foi introduzido por Tomás na loso a ocidental pelo seu Comentário à Metafísica de
Aristóteles  com base no desenvolvimento do termo pelos lósofos árabes. Estamos tocando no
problema da deformação re exiva da realidade experiencial através dos simbolismos re exivos
condicionados por situações historicamente concretas.

Isso não quer dizer que não exista um problema experiencial real na base da deformação, nem que esse
problema não tenha sido visto e tratado pelo próprio Tomás. A distinção entre os priora simpliciter da fé
dos posteriora da sua realidade obtida de seus efeitos torna possível negar os priora que não permitem
suas propriedades serem conhecidas como se fossem [12] propriedades de uma coisa. E como as
propriedades coisi cadas não são conhecidas exceto através dos seus efeitos, os priora da fé podem ser
negadas quanto a sua realidade. A base experimental dessa consequência é apresentada por Tomás no
simbolismo escritural: “Dixit insipiens in corde suo: Non est Deus.” A confusão disforme no “coração” do
insipiens [o insensato] é a fonte experiencial que traz o problema da estrutura não-coisi cada dos
símbolos divinos à atenção. É o coração [cor suum] do homem que é o lugar experiencial de uma posição
hipostasiante ou de uma negação da divindade.

A análise de Hegel, apesar da construção re exiva deformada, aproxima-se do entendimento do


processo noético como experienciado por Anselmo de Cantuária no início da Escolástica. No Proslogion,
a análise de Anselmo é explicita sobre os limites da busca noética. Na segunda parte de seu trabalho, no
Proslogion XIV [13], ele reconhece que o Deus encontrado pela verdade da razão ainda não é o Deus
que o inquiridor experienciou como presente na formação e reformação de sua existência. Ele ora a
Deus: “Senhor meu Deus, formador e reformador de meu ser, dize a minh’alma cheia de desejos, dize-
lhe que és diferente daquele que ela viu, para que, en m, veja sem véu o que aspira a ver.”. E no
Proslógio XV ele formula a questão estrutural com exatidão clássica: “Assim, pois, Senhor, és maior do
que tudo que se possa pensar. Não só: és demasiadamente grande para que o nosso pensamento possa
sequer conceber-te.” Este é o limite da análise conceitual noética desconsiderada por Hegel. Deve-se
notar que na seção sobre Anselmo de Cantuária na sua Geschichte der Philosophie, Hegel lida extensiva
e competentemente com a “prova ontológica”, mas não menciona a segunda parte do Proslogion com
sua exploração analógica da luz divina além da razão humana. [14] A busca noética de Anselmo assim
assume a forma de uma oração para uma compreensão dos símbolos da fé através do intelecto
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humano. Por trás da busca, e por trás da des que a busca deve entender, agora se torna visível a
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verdadeira fonte do esforço anselmiano no desejo vivente da alma de se mover em direção à luz divina.
A realidade divina deixa a luz de sua perfeição penetrar dentro da alma; a iluminação da alma faz
surgir a consciência da existência do homem como um estado de imperfeição;  e essa consciência
provoca o movimento humano em resposta a esse apelo divino. A iluminação, como Santo Agostinho
chama essa experiência, tem para Anselmo, na verdade, o caráter de um apelo, e até mesmo de um
conselho e promessa. A m de expressar a experiência de iluminação ele cita João 16.24: “[…] pedi e
recebereis, para que o vosso gozo seja completo”. As palavras joaninas de Cristo, e do Espírito que
aconselha em seu nome, palavras que devem ser entendidas em seu contexto, expressam o movimento
divino a que Anselmo responde com o alegre contramovimento de busca (Proslogion XXVI) [15].
Portanto, a última parte do Proslogion louva consistentemente a luz divina na linguagem analógica de
perfeição. A oração de Anselmo é uma meditação sobre o fundamento da fé racional [meditatio de
ratione dei] como ele formula a natureza da busca no primeiro título do Monologion. A busca orante
responde ao apelo da razão na fé [ des]; o Proslogion é a fé em ação, em busca de sua própria razão.
Santo Anselmo, devemos então concluir, claramente compreendeu a estrutura cognitiva como interna
à metaxy, o Entremeio da alma no sentido platônico.

O signi cado da metaxy nesse contexto pode talvez ser mais claramente entendido no mito do Fedro.
Nesse mito Platão en leira os deuses olímpicos junto com os seus seguidores humanos como seres
dentro do cosmos que são dotados de alma e, portanto, preocupados com sua imortalidade. Os
Olímpicos, que já gozam do status de imortais, devem apenas preservá-lo com ações adequadas,
enquanto as almas humanas que desejam a imortalidade ainda devem ascender ao status por um
esforço que é, em vários níveis, prejudicado por seus corpos mortais cujas paixões arrastam-nos para
baixo. Nem as ações de preservação dos deuses, no entanto, nem os esforços desejosos de seus
atendentes humanos podem alcançar seus objetivos através de processos intracósmicos. Porque a
fonte da imortalidade é a realidade divina extracósmica além do celeste [exo tou ouranou] que rodeia o
cosmos, e os seres intracósmicos que possuem almas devem ascender a esta fonte através das “asas”
noéticas que permitem-lhes ascender à verdade do Além. Essa ascensão das almas não é uma ocupação
de dia a dia. Geralmente, assim Platão deixa o mito nos dizer, os deuses e seus seguidores atenderão
aos seus afazeres intracósmicos, e apenas em ocasiões festivas irão se elevar à região supracelestial
[hyperouranios topos]. E lá, do topo do cosmos, eles contemplarão a ousia ontos ousa [16] que só é visível
ao nous, o guia da alma.

Mas em que sentido Anselmo pode conectar o termo prova com uma busca noética em resposta ao
movimento do Espírito, uma busca que ele corretamente reconhece como uma oração? A chave para
essa resposta é dada no fato de que o termo não ocorre no próprio Proslógio, mas somente na
discussão com Gaunillo. Não há nenhuma razão para que o termo seja usado no Proslógio; uma vez que
quando aquele que crê explora a estrutura racional de sua fé, a existência de Deus não está em questão.
Em sua resposta, no entanto, Anselmo deve usar o termo “prova” porque Gaunillo encena o papel do
tolo que diz “não há Deus” e assume que o explorador da fé está engajado em uma “prova” para a
asserção que Deus existe. A re exão noética do espiritualista adquire o caráter de uma proposição
a rmativa a respeito da existência de Deus somente quando confrontada pelo tolo, insipiens, que
avança na proposição negativa de que Deus não existe. O simbolismo da busca noética ameaça cair em
uma disputa sobre prova ou não-prova de uma proposição quando o tolo entra na discussão. A
existência de Deus pode tornar-se duvidosa porque, sem dúvida, o tolo existe.

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O tolo não pode ser simplesmente ignora. A insensatez de responder ao apelo divino negando-o é uma
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possibilidade humana tão plausível quanto sua aceitação, como uma potencialidade sempre presente
no homem, incluso o crente; mas uma que em certas situações históricas sua irrupção pode se tornar
um movimento de massa. Mas quem, ou o quê, é o tolo? 

A situação lológica é clara. Quando Anselmo e Gaunillo falam do tolo, insipiens, a linguagem leva ao
Salmo 13(14) [17]: “O tolo diz em seu coração: ‘Não há Deus’”. O nabal dos textos hebreus é traduzido
pela Vulgata como  insipiens  e traduzido tanto pela versão padrão quanto pela Bíblia de Jerusalém
como fool (tolo). Esta última tradução talvez não seja a melhor, já que a palavra inglesa fool  deriva do
latim follis, signi ca fole ou uma bolsa de ar, e reteve em sua origem a aura de pomposidade, tolice, falta
ou fraqueza de julgamento, que não vai nem sugerir a corrupção fundamental da existência nem o
espectro dos sintomas corruptivos, intencionado pelo termo nabal. O tolo do salmo certamente não é
um homem desprovido em perspicácia intelectual ou julgamento mundano. Tais traduções
alternativas como o ímpio, o profano, o imprudente, ou o homem sem valor, que foram todas tentadas e
todas têm seus méritos, mostram a di culdade de interpretar a riqueza do signi cado peculiar de um
símbolo compacto como nabal. Entretanto, visto que uma tradução satisfatoriamente melhor e uma
melhor adaptação ao uso contemporâneo me parece impossível, reterei o tolo, fool, e tomarei o cuidado
de tornar seu signi cado claro.

No Salmo 13 (14), nabal signi ca o fenômeno de massa onde os homens fazem o mal em vez do bem
porque não “procuram a Deus” e Sua justiça, “devoram meu povo como se comessem pão” porque não
acreditam no castigo divino de seus atos impiedosos. O desprezo pessoal por Deus é manifesto em sua
conduta perversa voltada aos homens vulneráveis e cria desordem na sociedade em geral. A situação
prevista pelo salmista parece ser a mesma do desprezo pessoal por Deus e seus profetas caracterizada
por Jeremias 5:12 [18], e anteriormente no século VIII a.C, por Isaías 32 [19]. Nesses contextos
israelitas, o desprezo, o nebala, não signi ca necessariamente um fenômeno tão diferenciado como o
ateísmo dogmático, mas sim um estado de entorpecimento espiritual que permitirá a auto-
grati cação em ganância, sexo e poder sem medo do julgamento divino. O tolo desdenhoso, pode é
claro, chegar ao radical “Não há Deus algum”, mas a frase não parece ter sido experienciada como uma
objeção noética. O tolo se posiciona contra o Deus revelado, não contra a des quaerens intellectum.
Este outro componente, característico do debate Anselmo-Gaunillo, deve ser procurado na tradição
losó ca também presente na teologia cristã. É Platão que descreve o fenômeno da tolice existencial,
bem como o desa o que representa à busca noética, para o caso da tolice sofística, a anoia, em
República II e Leis X.

Na sociedade grega, a potencialidade de responder ao apelo divino através da rejeição expressou-se


por uma série de proposições negativas que circunspectamente cobrem toda a gama da experiência.
Em ambos A República (365b-e) e Leis, Platão apresenta essas proposições como um conjunto triádico:

1. Parece que nenhum deus existe.


2. Mesmo se existissem, eles não se importam com os homens.
3. Mesmo que se importem, eles podem ser apaziguados por presentes.

Embora Platão não dê uma fonte especí ca para o conjunto, mas re ra-se a ele apenas como sendo de
uso geral no seu meio intelectual, provavelmente é produto de uma escola sofística, pois tem a mesma
estrutura do conjunto de proposições preservadas no Górgias, o ensaio sobre o Ser:

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1. Nada existe.
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2. Se algo existe, é incompreensível.
3. Se é compreensível, é incomunicável.

Os conjuntos sugerem que, nas escolas sofísticas, o desprezo dos deuses havia crescido para uma perda
geral do contato experiencial com a realidade cósmico-divina. Os padrões triádicos de proposições
negativas parecem ter se desenvolvido como uma expressão para a contração resultante da existência
do homem. A aceitação em massa desse padrão incitou Platão tão fortemente como um desa o à sua
busca noética do fundamento divino que ele devotou todo o livro X da sua obra Leis para a refutação
desse padrão. Os detalhes dessa refutação, resultando nas proposições positivas que os deuses
existem, que eles se importam com os homens, e que eles não podem ser feitos cúmplices da
criminalidade humana oferecendo subornos dos lucros do crime, não são nossa preocupação atual. Mas
devemos considerar sua análise do desa o noético e a linguagem desenvolvida para sua articulação.

O argumento so sta para tríades negativas aparentemente repousa numa negação radical da realidade
divina experienciada como presente tanto na ordem do cosmos como na alma do homem. A m de ser
plausível na cultura helênica do século IV a.C., a rejeição teve que ser expressa sob a forma de um
contraponto à simbolização da ordem divina na realidade pelo mito cosmogônico do tipo hesiódico. A
forma aparentemente assumida pelo argumento era uma cosmogonia em que os deuses do mito são
substituídos pelos elementos no sentido material como a realidade criativa “mais antiga”. De qualquer
maneira, Platão considera as tríades negativas inválidas no princípio, se ele pode refutar a suposição
que toda a realidade se origina no movimento dos elementos materiais. Contra essa proposição ele
argumenta: não há matéria automóvel; todos os movimentos materiais são causados por movimentos
de outra matéria; a rede padronizada de causa e efeito deve ser causada por sua vez por um movimento
que se origina fora da rede; e a única realidade que conhecemos ser automoveste é a psique. Portanto,
numa construção genética do Ser, os elementos não podem funcionar como a realidade “mais antiga”;
somente a Psique divina, como experienciada pela psique humana, pode ser ‘mais antiga” no sentido do
automovimento no qual todo o movimento ordenado no mundo se origina. O argumento soa bastante
moderno em seu recurso à realidade da psique e das suas experiências, que expressam a perda de
realidade e a contração do eu — embora os construtores modernos não precisem deformar o mito
hesiódico para seu propósito, mas precisam substituir o fundamento divino do Ser por um item da
hierarquia do ser do mundo imanente como o “fundamento último” de toda a realidade. Mas o
argumento não é nem moderno nem antigo; mas sim é o argumento que se recorrerá sempre que a
busca da realidade divina precisar ser resumida numa situação no qual a “racionalização” da existência
contraída, a existência do tolo, se torna um fenômeno em massa. O argumento, é claro, não é uma
“prova” no sentido de demonstração lógica, apodítica [apodeixis], mas somente no sentido de uma
exposição [epideixis], apontando para uma área da realidade no qual o construtor das proposições
negativas optou por negligenciar, ou ignorar, ou recusar a perceber. Não se pode provar a realidade
por um silogismo; pode-se apenas apontar a isto e convidar quem duvida para olhar. A confusão mais
ou menos deliberada dos dois signi cados da palavra prova ainda é um truque padrão empregado pelos
negadores nos debates ideológicos contemporâneos; e tem desempenhado um papel importante na
gênese das “provas” para a existência de Deus desde o tempo de Anselmo.

Que as proposições negativas não são uma a rmação de um lósofo sobre a estrutura da realidade,
mas expressam uma deformação do “coração”, é o insight alcançado por Platão. O tolo so sta,
o  anoia,  não é meramente um erro analítico, é uma  nosos, uma doença da psique, requerendo uma
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terapia psicológica que nas Leis ele concebe como durando cinco anos. No livro II da República, ele
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ainda desenvolve uma linguagem que descreverá a doença existencial na medida em que ele distingue
entre a falsidade das palavras e a falsidade, ou mentira [pseudos], na alma mesma. A “ignorância dentro
da alma” [en te psyche agnoia] é “verdadeiramente a falsidade” [alethos pseudos],
 enquanto a falsidade
nas palavras é meramente “imagem ascesa [20]” [hysteron gegonon eidolon]. As falsas palavras, sendo
assim, não são uma “falsidade não-misturada” como é a “falsidade essencial” [to men de to onti pseudos]
na alma. A falsidade verbal, a “racionalização”, podemos dizer, é a forma da verdade na qual a alma
doente expressa-se (República 382) [21]. Como as distinções mostram, Platão está lutando para achar
uma linguagem analítica que irá encaixar o caso sob observação, mas ele ainda não completou a tarefa
de desenvolver os conceitos de uma “pneumopatologia”, como Schelling chamou a disciplina. Ele ainda
não tem um conceito como o  agnoia ptoiodes, a “ignorância assustada” de Crisipus que se tornou a
“ansiedade” dos modernos; nem tem o  apostrophe crisipiano, denotando a inversão do movimento,
a epistrophe, que leva o prisioneiro da Caverna para a luz; nem a caracterização de Cícero da doença da
mente, do morbus animi, como uma aspernatio rationis, rejeição da razão. Porém, ele viu o ponto crucial
que as proposições negativas são a síndrome de uma doença que afeta a humanidade do homem e
destroem a ordem da sociedade.

Na análise da doença e sua síndrome, Platão criou um neologismo de consequências histórico-


mundiais: ao lidar com os conjuntos proposicionais, ele usou, pela primeira vez na história da loso a
até onde conhecemos, o termo teologia. Na República, Platão fala das proposições negativas
como  typoi peri theologias, como tipos de teologia (379a) [22], e opõe a elas as contra-proposições
positivas como verdadeiros tipos. Ambos os tipos, tanto o negativo quanto o positivo são teologias,
porque ambas expressam uma resposta humana ao apelo divino; ambas são, na linguagem de Platão, a
mimese verbal respectivamente da existência do homem na verdade ou na falsidade. Não é a
existência de Deus que está em jogo, mas a verdadeira ordem da existência do homem; nem as
proposições estão uma contra outra, mas a resposta e a não-resposta ao apelo divino: as proposições,
positiva ou negativa, não têm verdade autônoma. A verdade das proposições positivas nem são auto-
evidentes, nem matéria de prova lógica; elas seriam tão vazias quanto as negativas, se não
estivessem apoiadas pela realidade do movimento e contra-movimento divino-humano, da oração
respondendo o apelo na alma do proponente; e Platão fornece essa verdade pela sua magní ca análise
e simbolização das experiências. Daí a mimese verbal do tipo positivo, como não tem nenhuma verdade
própria, pode ser nada mais que uma primeira linha de defesa ou persuasão numa confrontação social
com a mimese verbal do tipo negativa. Ainda mais, as proposições positivas derivam uma parte
essencial de seus signi cados do seu caráter como defesa contra as proposições negativas. Como
consequência, os dois tipos de teologia juntas representam a mimese verbal da tensão humana entre as
potencialidades de resposta e não-resposta à presença divina na existência pessoal, social e histórica.
Se a parte dos tolos nas proposições positivas é esquecida, sempre há o perigo de descarrilar na
insensatez do acreditar na verdade dessas proposições como de nitivas. Mas a hipótese de
proposições de nitivas faria delas na verdade tão vazias da verdade experiencial quanto os tolos
ngem que sejam.

A verdade experiencial no fundamento da análise de Platão não é matéria de a rmações simples. Teria
que incluir as próprias realizações analíticas de Platão na sua batalha para esclarecer os problemas
iniciados pelos seus predecessores bem como os signi cados que permaneceram compactos no
trabalho de Platão. Uma apresentação adequada dos assuntos exigiria, portanto, mais que um volume
sobre a loso a, literatura e arte helênica estendendo desde Homero e Hesíodo ao Neoplatonismo. No

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08/09/2020 O que dizemos ser Deus - Contra os Acadêmicos

presente contexto não posso fazer mais que apontar para algumas fases importantes no processo de
Apoie está iniciativa 
diferenciação de experiências e simbolizações.

A questão central é a transição diferenciadora da linguagem politeísta dos deuses para a linguagem da

divindade única além dos deuses. A tensão experiencial na situação cultural de Platão é sugerida por
mudanças nas invocações dos deuses precedendo uma análise da estrutural na realidade. No Timeu,
por exemplo, Sócrates convida Timeu para ser o próximo orador e se engajar numa criação imaginativa
da provável linguagem que irá simbolizar a estrutura e abrir seu discurso com uma invocação dos
deuses. Que a análise imaginativa seja uma oração está pressuposto. Na sua resposta Timeu concorda
que todos que têm algum juízo irão invocar “Deus” antes de um empreendimento, pequeno ou grande.
Um discurso provável sobre o Todo [to pan] terá que invocar os deuses e deusas (a menos que
estejamos completamente dementes): Ore para que tudo que dissermos seja aprovado por eles em
primeiro lugar e em segundo por nós. Vamos tomar por certo, portanto, que tenhamos devidamente
invocado as divindades e vamos nos invocar a nós mesmos de modo a expor mais claramente nossas
visões sobre o Todo (27c).[23] A invocação tornou-se restrita na sua linguagem não nomeia o “Deus”
invocado. A elaboração simbólica invocando o um “Deus” é reduzida para uma invocação mental
implicada no ato de começar. Os “deuses” não desapareceram e não foram totalmente substituídos pelo
um “Deus”.

A m de sentir a tensão cultural dessa invocação mental de “Deus” sem nomeá-lo, deve-se estar ciente
do declínio da  des nos muitos deuses como aparece, por exemplo, na invocação paródica de
Aristófanes em Tesmoforiantes  com seus toques femininos: Ore aos deuses, aos olimpianos e
olimpianas, aos píticos e píticas, a todos os dél cos e dél cas (330-33). O um “Deus” platônico é a
divindade experienciada como presente além dos muitos deuses que, como a invocação de
Aristófanes mostra, estão experiencialmente morrendo. A análise noética cria uma nova forma
diferenciada de oração além das antigas invocações de musas e deuses. O que está sendo diferenciado
na experiência noética é a Unidade da divindade além da pluralidade dos deuses.

A diferenciação da unicidade do divino requere então uma diferenciação na linguagem com a qual
expressamos a realidade dos entes no plural para o singular “Ser”. Na linguagem anterior de Hesíodo a
realidade das coisas é ainda expressa pelo plural ta eonta, com os deuses sendo coisas compactamente
abrangidas pelo mesmo termo que as coisas do mundo externo. Na linguagem de Parmênides esta
revelação experiencial da Unicidade é marcada pela transição do plural  ta eonta  para o singular  to
eon. Através dessa mudança na linguagem, o “ser-coisas” começa a ser diferenciado para um “Ser” que
abrange todas as coisas. No trabalho de Parmênides a transição é tão radical que o “ser-coisas” perde
algo do seu status como real em relação ao ofuscante “Ser” no singular. [24] A pressão reveladora do
Ser além do ser-coisas foi aparentemente experienciada tão intensamente que a estrutura da
totalidade cósmica da realidade na tensão do Ser e coisas só poderia ser insu cientemente simbolizada
na linguagem. Portanto, no Timeu, Platão tem que ir além do  to eon  cunhando o símbolo to pan no
sentido de um Todo que abrange [periechein] os entes. O to pan, a ordem inteligível do universo, é agora
simbolizado como o cosmos em tensão entre a ordem [taxis] imposta pelo demiurgo e a desordem
[ataxia] de uma chora espaciotemporal em que é imposta. A realidade se torna uma unidade ordenada
acessível à análise matemática.

A simbolização desta experiência, entretanto, não resulta em um sistema para Platão. A estrutura do
divino experienciado permanece misteriosa. Há um demiurgo que ordena a realidade desordenada,
mas o faz de acordo com um paradigma que é em si mesmo um deus; além disso, o cosmos organizado
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de acordo com o paradigma é por sua vez a única [monogenes] cópia divina do paradigma. A ordem do
Apoie está iniciativa 
paradigma é a realidade de nitiva que compreende todos os entes num único cosmos. Na experiência
de Platão essa unidade do Todo foi de tamanha importância revelatória que ele cunhou para isto o
termo  monosis  (31b), um termo que desapareceu da linguagem losó ca. O  símbolo ordem adquire o
signi cado diferenciado de unidade excluindo a pluralidade de universos e deixando aberto o mistério
da desordem na ordem do Todo.

Um componente importante na luta de Platão por uma linguagem do Deus único além dos deuses —
com demasiada frequência negligenciada – são as experiências do divino desdobrada nas invocações da
Teogonia de Hesíodo. Para Hesíodo, a fonte da verdade sobre a realidade, para ser exato, são guras
divinas, as Musas. Mas as Musas não são deuses olímpicos; são geradas por Zeus, longe dos olimpianos,
de sua união com  Mnemosyne.  A fonte da verdade é trans-olímpica o Zeus gerador das musas é ele
mesmo um deus que foi gerado embora seja imortal. Além disso, o que as Musas cantam sobre a
realidade que inclui os deuses é cantada primeiramente não aos homens, mas aos deuses mesmo, e
especialmente a Zeus que parece não estar consciente de sua posição e poderes como uma força divina
ordenadora da realidade. Para Hesíodo, Zeus não é deus a menos que haja uma realidade divina para
Além dos deuses. Nessas simbolizações hesiódicas reconhecemos as primeiras insinuações das
compreensões [periechon] além daquela que tornou-se de nitivamente o epekeina de Platão.

I. O Todo envolvente de Anaximandro e como ele foi dito de acordo com Aristóteles na Física IV, 203b7:

“Do apeiron não há começo (arché) …mas isso parece ser o começo de todas as outras coisas e para envolver
(periechein) e dirigir tudo, como todos dizem que não postulam outras causas, como mente ou amor, acima e
além do apeiron. E esta é a divina (to theion); porque é imortal (athanaton) e indestrutível (anolethron), como
Anaximandro diz.”

II. A oração em Plotino V. 1. 6 invocando Deus antes de tentar a busca pela linguagem apropriada para
falar do Um e do mistério de sua emanação, da qual só se pode falar em metáforas oníricas, como a
metáfora do perfume que Plotino escolhe:

“Vamos falar desta maneira, primeiro invocando o próprio Deus, não em palavras faladas, mas nos estendendo
com nossa alma em oração a Ele, capazes de orar sozinhos somente a Ele.”

III. A oração no Timeu de Platão, desta vez invocando o theos soter (48d) como Platão começa na
tentativa de encontrar a linguagem adequada para falar sobre o pólo da não-coisa na tensão entre o
formante divino e o receptivo, mas resistente não-formado chora (espaço):

“E tal como antes, ao principiar este discurso invoquemos o deus salvador para que nos possibilite uma
segura travessia através de uma exposição estranha e incomum, permitindo que alcancemos uma
conclusão que tenha como base a probabilidade. ”

IV. A “oração mental” [das mentale gebet] de Goethe:

Das mentale Gebet, das alle Religionen einschliesst und ausschliesst und nur bei wenigen,
gottbegünstigten Menschen den ganzen Lebenswandel durchdringt, entwickelt  sich bei den meisten
nur als ammendes, beseligendes Gefühl des Augenblicks; nach dessen Verschwinden sogleich der sich
selbst zurückgegebene unbefriedigte, unbeschäftigte Mensch in die unendlichste Langeweile
zurückfallt.

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A oração mental, que inclui e exclui todas as religiões e que permeia o modo de vida de apenas alguns
Apoie está iniciativa 
poucos homens favorecidos por Deus, desenvolve-se na maioria das vezes como um simples
sentimento in ame e exaltado de momento; mas uma vez que desaparece, o homem insatisfeito e
desamparado recai imediatamente no maior dos tédios. [Goethe, “Altere Perser”,
in West-Östlicher Divan,
Noten un Abhandlugen, Leipzig, 1912, p.142.]

V. A manifestação da experiência cristã equivalente e expressão do “divino”:

a) Os pleroma e theotes em Cl 2:9:

Porque nele habita toda a plenitude [pleroma] da divindade [theotes].

b) O nome “tetragramático” do “divino” na Suma Teológica I q.13 a.11 Resp.1

Quanto ao 1º, portanto, deve-se dizer que o nome Aquele que é é um nome mais próprio de Deus do que
o nome Deus, em razão da origem, a saber, vem de ser, e em razão de modo de signi car e de co-
signi car, como foi explicado. No entanto, quanto ao que se propõe signi car, o nome Deus é mais
apropriado, pois o que se propõe signi car é a natureza divina. Mais próprio ainda é o Tetragrama, dado
para signi car a substância divina incomunicável e, se é lícito dizer, singular.

Traduzido por Mariano Henrique Rodrigues Todos os negritos foram adicionados pelo Editor.

Comentários Referências

Nota do Editor:
Na medida do possível, todas as referências dadas por Voegelin foram substituídas por edições correntes no mercado
brasileiro. Os trechos da Suma Teológica foram substituídos por seu correspondente na edição da Loyola; os trechos
do Proslogion, pela edição da Editora Concreta; os do Timeu de Platão, pela coleção Diálogos da Edipro; os da
República de Platão, da edição da Calouste Gulbenkian; os de Kant, pela Crítica da Razão Pura da Calouste
Gulbenkian; os de Hegel são da Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio da Loyola. Os trechos do
Antigo Testamento são da Bíblia de Jerusalém e os do Novo Testamento são da Bíblia na Edição da Ecclesiae com a
tradução do Padre Matos Soares.
[1] Voegelin não aceita que possamos tratar do transcendente pelos mesmos meios que tratamos o imanente;
proposições unívocas não podem descrever aquilo que está para além da experiência. Nesse sentido, Voegelin aceita
apenas que tratemos do transcendente por via analógica. Quando há o tratamento unívoco, Voegelin acusa a chamada
falácia proposicionalista. [N.E.]
[2] Trata-se do elemento estrutural da consciência chamado reflexive distance. Para Voegelin, somos parte da mesma
realidade que expressamos linguisticamente e não podemos tratá-la como se ela fosse algo diferente de nós mesmos
sob o risco de deformar a estrutura de nossa consciência. A consciência intenta o real, mas a consciência é parte do
real; eis o paradoxo da consciência. Mas ao mesmo tempo, quando expressamos nossas experiências através da
linguagem, podemos tomar uma distância analítica que nos torna capazes de tratar o real como se estivéssemos
“fora’ dele, ainda que não estejamos. Assim, para Voegelin, filosofias que destaquem o sujeito do real onde ele está
são em si mesmas disformes. [N.E.]
[3] Ou seja, o divino aqui simboliza a necessidade e por sua presença nos damos conta de nossa contingência. [N.E.]
[4] As Cinco vias do Ser de Deus. [N.E.]
[5] “Prima autem et manifestior via est. quae sumitur ex parte motus. Certum est enim, et sensu constat, aliqua
moveri in hoc mundo. Omne autem quod movetur, ab alio movetur. Nihil enim movetur, nisi secundum quod est in
potentia ad illud ad quod movetur: movet autem aliquid secundum quod est actu.” p.166 [N.E.]

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[6] “7. Até o momento falamos apenas ao nível da investigação física; agora devemos nos elevar à Metafísica
utilizando-nos de um grande princípio, não muito extensamente usado, que afirma que nada Apoie está iniciativa
acontece 
sem uma razão
suficiente; isto é, que nada ocorre sem que seja possível, para aquele que conhece as coisas muito bem, fornecer uma
razão suficiente para a determinação do porquê as coisas serem assim e não de outra maneira. Dado esse princípio, a

primeira questão que colocamos é: por que há alguma coisa em vez do nada? Afinal, o nada é mais simples e fácil do
que alguma coisa. E, ademais, mesmo que assumamos que as coisas devam existir, devemos ser capazes de dar uma
razão para que existam desta forma e não de uma outra. (M.§ 32)” [N.E.]
[7] “8. Ora, a razão suficiente para a existência do Universo nunca pode ser encontrada na série de coisas
contingentes, isto é, nos corpos e em suas representações nas Almas. Porque a matéria, nela própria, é indiferente ao
movimento ou ao repouso, ou a este movimento ou àquele. Portanto, não poderíamos achar na matéria uma razão
para o movimento e menos ainda para qualquer movimento em particular. E desde que qualquer movimento que se
encontra na matéria no presente vem de um movimento prévio, e este também de um outro anterior, não
avançaremos muito se assim procedermos interminavelmente pois a mesma questão sempre permanecerá. Portanto,
a razão suficiente, que não necessita de qualquer razão adicional, deve situar-se fora daquela série de coisas
contingentes e deve encontrar-se em uma substância que é a causa das séries: deve situar-se em um Ser necessário
que traz em si a razão de sua própria existência. Do contrário, ainda continuaríamos a não possuir uma razão
suficiente na qual poderíamos finalizar. E aquela razão final para as coisas é o que denominamos Deus. (M. §§ 37;
38)” [N.E.]
[8] Voegelin refere-se à CRP 592 ou B620. Elencamos aqui alguns trechos:
“Facilmente se depreende do que atrás dissemos, que o conceito de um ser absolutamente necessário é um conceito
puro da razão, isto é, uma simples idéia, cuja realidade objetiva está ainda longe de ser provada pelo fato de a razão
necessitar dela e que, aliás, não faz outra coisa que não seja indicar-nos uma certa perfeição inacessível, e que serve,
na verdade, mais para limitar o entendimento do que para o estender a novos objetos. ”
***
“Todos os exemplos propostos são, sem exceção, extraídos unicamente de juízos, mas não de coisas e da sua
existência. Porém, a necessidade incondicionada dos juízos não é uma necessidade absoluta das coisas. Porque a
necessidade absoluta do juízo é só uma necessidade condicionada da coisa ou do predicado no juízo. A proposição
acabada de citar não dizia que três ângulos são absolutamente necessários mas que, posta a condição de existir um
triângulo (de ser dado), também (nele) há necessariamente três ângulos. Contudo, esta necessidade lógica
demonstrou um tão grande poder de ilusão que, embora se tivesse formado o conceito a priori de uma coisa, de tal
maneira que na opinião corrente a existência esteja incluída na sua compreensão, julgou-se poder concluir
seguramente que, convindo a existência necessariamente ao objeto desse conceito, isto é, sob a condição de pôr esta
coisa como dada (como existente), também necessariamente se põe a sua existência (pela regra da identidade), e que
este ser é, portanto, ele próprio, absolutamente necessário, porque a sua existência é pensada conjuntamente num
conceito arbitrariamente admitido e sob a condição de que eu ponha o seu objeto.”
***
“Respondo eu: caístes em contradição ao introduzir no conceito de uma coisa, que vos propúnheis pensar apenas
quanto à possibilidade, o conceito da sua existência, oculto seja sob que nome for. Se vos concedermos isto tendes
aparentemente ganho a partida, mas de fato nada dissestes, pois cometestes uma simples tautologia. Pergunto-vos: a
proposição esta ou aquela coisa (que vos concedo como possível, seja qual for) existe, será uma proposição analítica
ou sintética? Se é analítica, a existência da coisa nada acrescenta ao vosso pensamento dessa coisa e então, ou o
pensamento dessa coisa que está em vós deveria ser a própria coisa ou supusestes uma existência como pertencente à
possibilidade e concluístes, supostamente, a existência a partir da possibilidade interna, o que é uma mísera
tautologia. A palavra realidade, que no conceito da coisa soa diferentemente de existência no conceito do predicado,
não resolve esta questão. ”
***
“O conceito de um ser supremo é uma idéia muito útil sob diversos aspectos; mas, precisamente porque é
simplesmente uma idéia, é totalmente incapaz, por si só, de alargar o nosso conhecimento, I relativamente ao que
existe. Nem sequer consegue instruir-nos acerca da possibilidade de uma pluralidade de coisas. Não se lhe pode

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contestar o carácter analítico da possibilidade, que consiste no fato de as simples posições (realidades) não
Apoie
suscitarem contradição; porém, a ligação de todas as propriedades reais numa coisa é uma está iniciativa
síntese, acerca de 
cuja
possibilidade não podemos ajuizar a priori, porque as realidades não são dadas especificamente e, se o fossem, não
se verificaria em parte alguma um juízo, porque o carácter da possibilidade de conhecimentos sintéticos tem de ser

procurado sempre apenas na experiência, a que não pode pertencer o objeto de uma idéia; assim, o famoso Leibniz
não realizou aquilo de que se ufanava: ter conseguido, como pretendia, conhecer a priori a possibilidade de um ser
ideal tão elevado.
Por conseguinte, em vão se despendeu esforço e canseira com a célebre prova ontológica (cartesiana) da existência
de um Ser supremo a partir de conceitos, e assim como um mercador não aumenta a sua fortuna se acrescentar uns
zeros ao seu livro de caixa para aumentar o seu pecúlio, assim também ninguém pode enriquecer os seus
conhecimentos mediante simples idéias. ” [N.E.]
[9] Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio Vol.1 p.124 [N.E.]
[10] Deus como o é em si mesmo, para si, e Deus como o é para nós, como podemos conhecê-lo. S Th. I q2 a1 Resp:
“Algo pode ser evidente por si de duas maneiras: seja em si mesmo e não para nós; seja em si mesmo e para nós.
Uma proposição é evidente por si se o predicado está incluído na razão do sujeito. Exemplo: o homem é um animal,
porque animal faz parte da razão de homem. Se, por conseguinte, a definição do sujeito e a do predicado são
conhecidas de todos, esta proposição será evidente por si para todos. E o que acontece com os primeiros princípios
de demonstração, cujos termos são tão gerais que ninguém os ignora: como ente e não-ente, todo e parte etc. Se
alguém ignorar a definição do predicado e a do sujeito, a proposição será evidente por si em si mesma; mas não para
quem ignora o sujeito e o predicado da proposição. Por esse motivo, diz Boécio, existem conceitos comuns do
espírito evidentes por si apenas para os que as conhecem, como esta: as coisas imateriais não ocupam lugar.
Digo, portanto, que a proposição Deus existe, enquanto tal, é evidente por si, porque nela o predicado é idêntico ao
sujeito. Deus é seu próprio ser, como ficará claro mais adiante. Mas como não conhecemos a essência de Deus, esta
proposição não é evidente para nós; precisa ser demonstrada por meio do que é mais conhecido para nós, ainda que
por sua própria natureza seja menos conhecido, isto é, pelos efeitos. ” [N.E.]
[11] A chamada prova quia; a prova que pera pelas causas se chama propter quid. [N.E.]
[12] Sto. Tomás usa obviamente analogias em seus escritos; mas caso tais analogias se passem por proposições
unívocas, segue-se a deformação. [N.E.]
[13] “Ó minh’alma! Encontraste o que buscavas? Buscavas a Deus e chegaste a conhecer o que está acima de todas
as coisas, maior do que aquilo que nosso pensamento pode conceber; que é a vida, a luz, a sabedoria, a bondade, a
bem-aventurança eterna e a eternidade bem-aventurada; que está em toda a parte e sempre. Porque, se não
encontraste o teu Deus, como é o ser que encontraste e como compreendeste com verdade tão firme e tão verdadeira
firmeza que o objeto que acabaras de alcançar era Deus? Se, pelo contrário, o encontraste, como é possível que não
sintas o que encontraste? Por que, Senhor meu Deus, minh’alma não te sente, se te encontrou?
Porventura não te terá encontrado quando supunha compreender que és luz e verdade? Terá ela podido compreender
isto a não ser vendo a luz e a verdade? Terá podido compreender algo de tua essência, a não ser por tua luz e tua
verdade? Se, portanto, ela viu a luz e a verdade, ela te viu; e, se ela não te viu, não viu a luz e a verdade. Como crer,
com efeito, que viu a luz e a verdade e, apesar disso, não te viu, a menos que te tenha visto de certo modo, mas não
tal qual és? ” p.61-63[N.E.]
[14] Proslogion 16: “Verdadeiramente, Senhor, esta é a luz inacessível que habitas, porque ninguém, além de ti,
penetra bastante sua profundidade para nela claramente contemplar-te. Já não a vejo, porque seu fulgor é demasiado
para meus olhos; e, no entanto, tudo que vejo eu vejo graças a ela, assim como nossos olhos débeis vêem o que vêem
graças à luz do sol, que não podem contemplar diretamente. Meu entendimento não pode alcançar essa luz; ela
difunde um esplendor demasiado vivo que não se pode suportar; os olhos de minh’alma não podem fitá-la por muito
tempo nem suportar sua luz. ” p.65 [N.E.]
[15] “Meu Senhor e meu Deus, esperança e alegria de meu coração, dize a minh’alma se é essa a alegria de que nos
falas pelas palavras de teu Filho: Pedi e recebereis, a fim de que vossa alegria seja plena, porque encontrei uma
alegria plena e mais que plena. Cheio dela o coração, cheia a mente, cheia a alma, cheio todo o homem dessa alegria,
ela ainda sobrará além de toda a medida. Esta alegria não entrará inteiramente naqueles que a desfrutam, mas estes é

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que entrarão na alegria. Dize, Senhor, dize a teu servo no fundo de sua alma, se é esta a felicidade do Senhor, na
qual entrarão aqueles de teus servos que são chamados. Esta alegria de que certamente Apoie está
gozarão teusiniciativa  a
eleitos, não
viu o olho nem o ouvido a ouviu, nem jamais entrou no coração do homem. Ainda não disse, portanto, Senhor, nem
pensei em quanto se alegrarão estes bem-aventurados. Sua alegria, decerto, será igual ao seu amor; e seu amor ao seu

conhecimento. Em que medida te conhecerão então, Senhor, e quanto te amarão? É certo que o olho não viu nesta
vida, nem o ouvido ouviu, nem o coração do homem compreendeu em que medida te conhecerão e amarão na outra
vida. ” p.79-81 [N.E.]
[16] Realidade em sentido eminente, ontológica. [N.E.]
[17] Diz o insensato no seu coração:
“Deus não existe!”
Suas ações são corrompidas e abomináveis:
não há um que faça o bem.
Do céu Iahweh se inclina
sobre os filhos de Adão,
para ver se há um sensato,
alguém que busque a Deus.
Estão todos desviados
e obstinados também:
não há um que faça o bem, não há um, sequer.
[18] Eles renegaram a Iahweh
E disseram: “Ele não existe!
Nenhum mal nos atingirá,
não veremos nem espada nem fome! [N.E.]
[19] Is 32:6-8
Porque o tolo diz tolices e o seu coração pratica à iniquidade,
agindo impiedosamente e proferindo disparates contra Deus,
deixando o faminto sem comer
e privando de bebida o sedento.
Quanto ao trapaceiro, perversas são as suas trapaças,
faz tramas indignas, a fim de arruinar os pobres com palavras mentirosas,
quando os indigentes defendem o seu direito.
Quanto ao nobre, nobres são os seus desígnios;
firme se mantém ele na sua nobreza. [N.E.]
[20] Aos curiosos, ascender refere-se a elevar-se e acender a iluminar-se. [N.E.]
[21] – Mas, mais correctamente, como há pouco referia, chamar-se-ia verdadeira mentira à ignorância que existe na
alma da pessoa enganada. Uma vez que a que consiste em palavras é uma imitação do que a alma experimenta e uma
imagem que surge posteriormente. Não é uma mentira completamente isenta de mistura, não é assim?
– Inteiramente.
– Por conseguinte, a mentora autêntica é detestada não só pelos deuses, mas também pelos homens.
– Assim me parece.
– E quanto à mentira por palavras? Quando e a quem é útil, a ponto de não merecer o desprezo? Não será em relação
aos inimigos e aos chamados amigos, quando, devido a um delírio ou a qualquer loucura, intentam praticar qualquer
má acção, que ela se torna útil como um remédio, a fim de os desviar? E, na composição de fábulas que ainda há
pouco referíamos, por não sabermos onde está a verdade relativamente ao passado, ao acomodar o mais possível a
mentira à verdade, não estamos a tornar útil a mentira?
[22] E eu respondi: – Ó Adimanto, de momento, nem eu nem tu somos poetas, mas fundadores de uma cidade.
Como fundadores, cabe-nos conhecer os moldes segundo os quais os poetas devem compor as suas fábulas, e dos
quais não devem desviar-se ao fazerem versos, mas não é a nós que cumpre elaborar histórias.
– Está certo – declarou –. Mas isso mesmo dos moldes respeitantes à teologia, queria eu saber quais seriam.

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08/09/2020 O que dizemos ser Deus - Contra os Acadêmicos

– Seriam do teor seguinte – respondi -. Tal como Deus é realmente, assim e que se deve sem dúvida representar, quer
se trate de poesia épica, lírica ou trágica. Apoie está iniciativa 
– Assim deve ser. [N.E.]
[23] “Não há dúvida, ó Sócrates, que o farei, uma vez que qualquer pessoa que tenha o mínimo de senso sempre

invoca a um deus antes de empreender toda tarefa, seja esta pequena ou grande. ” [N.E.]
[24] Aqui se inicia o problema do monismo e do univocismo. Se tratarmos apenas o ser enquanto ser como ser, os
seres se tornam nada; em uma linguagem proposicional, é como se nos anulássemos enquanto imbuídos no ser.
[N.E.]

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