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Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.14, n.4, p.

389-396, 2012 389


ISSN 1517-8595

CERA DE CANA-DE-AÇUCAR (Saccharum officinarum L.) NA FORMULAÇÃO DE


UM BRILHO LABIAL A PARTIR DE EXTRAÇÃO SIMPLES E POR BIOETANOL

Carina Nazato1; Suellen Catarina Urias Ferraz1, Franz Zirena Vilca2, Nádia
Hortense Torres2, Daniela Ferraz de Campos Silva1, Marcia Nalesso Costa Harder1

RESUMO

As ceras podem ser classificadas em: naturais, animais ou sintéticas, onde estão contidas
em diversos produtos cosméticos, como o brilho labial, que é considerado um símbolo da
sensualidade feminina, ocupando o primeiro lugar na preferência delas. No entanto, na
fabricação deste, são utilizados compostos sintéticos que poderiam ser substituídos por
materiais vegetais, como a cera de cana-de-açúcar, uma vez que a cera está concentrada
na torta de filtro, sendo uma opção tecnológica à um produto utilizado como fertilizante.
Assim, objetivou-se agregar valor a um subproduto da indústria sucroalcooleira,
empregando-o como substituinte natural ao material sintético (a vaselina líquida e sólida)
utilizando uma metodologia “controle” cedida por uma farmácia de manipulação. Foram
preparadas três formulações distintas, onde F1 foi o controle; F2 substituiu a vaselina
líquida pela cera obtida por extração simples e o aromatizante artificial de morango por
açaí em pó natural e F3 substituindo a vaselina sólida e líquida por cera bruta extraída da
torta de filtro com biotetanol e aromatizante alimentício de morango. Foram avaliados os
parâmetros físico-químicos (pH, umidade e cinzas) e sensorial (aparência e odor). O pH
das amostras de brilho labial não variou, permanecendo a 5,5. F2 apresentou o maior teor
médio de umidade na ordem de 3,7 %. O índice de cinzas foi mais significante na
formulação F3, com 1,6 % de matéria inorgânica. Já na análise sensorial, foram avaliados
de maneira quantitativa pelo teste Tukey 5% de significância por meio do programa SAS.
A maior aceitabilidade na análise sensorial foi com a formulação controle, indicando que
são necessários tratamentos posteriores à extração a fim de adequá-la para redução de
umidade, caracterização dos componentes das cinzas e atribuição de parâmetros
organolépticos desejáveis.

Palavras chave: antioxidante, torta de filtro, vaselina

CERAMIDES SUGAR CANE (Saccharum officinarum L.) IN FORMULATION OF


A GLOSS FOR SIMPLE EXTRACTION AND BY BIOETHANOL

ABSTRACT

The ceramides can be classified as: vegetal, animal or synthetic, which are contained in
many cosmetic products like lip gloss, which is considered a symbol of female sensuality,
ranking first in their preference. However in its production are used synthetic compounds
that could be replaced by plant materials such as wax, sugar cane, since the wax is
concentrated in the filter cake and that can be a technology option to a product that is
used as a fertilizer. Thus the objective was to add value to a by-product of sugar industry
employing it as a substitute natural to the synthetic material (vaseline) using a
methodology "control" courtesy of a compounding pharmacy. Three different
formulations were prepared, which was the control F1, F2 replaced by liquid petrolatum
wax obtained by simple extraction and artificial strawberry flavoring by natural “açaí”

Protocolo
1
Curso de graduação em Tecnologia de Biocombustíveis. Faculdade de Tecnologia de São Paulo – Piracicaba - 13414-141-
Piracicaba - SP - Brasil. E-mail: cnazato@gmail.com; suellen_ferraz@yahoo.com.br; mnharder@terra.com.br
2
Departamento de Ecotoxicologia. Centro de Energia Nuclear na Agricultura – Piracicaba - 13400 – 970 – Piracicaba – SP – Brasil.
E-mail: franz-cena.usp@hotmail.com; nhtorres@cena.usp.br
390 Cera de cana-de-açucar na formulação de um brilho labial a partir de extração simples e por bioetanol Ferraz et al.

powder and F3 replacing petroleum jelly and liquid wax extracted from crude filter cake with
biotetanol and strawberry flavoring food. We evaluated the physical and chemical parameters
(pH, humidity and ash) and sensory analysis (appearance and smell). The pH of the samples of
lip gloss did not change, remaining at 5.5. F2 had the highest average content of humidity in the
order of 3.7%. The ash content was more significant in the F3 formulation with 1.6% of
inorganic matter. In the sensory analysis, were assessed quantitatively by Tukey test 5%
significance level using the SAS program. The greater acceptability in the sensory analysis was
with the control formulation, indicating that they needed further treatment to extraction in order
to adapt it to reduce humidity, ash characterization of components and assignment of desirable
organoleptic parameters.

Keywords: antioxidant, filter cake, vaseline

INTRODUÇÃO naturais (animais e vegetais) ou sintéticas


(petróleo) (Li & Parish, 1998).
Com a incessante busca por produtos de Assim, junto à superfície das plantas, as
melhores qualidades, como por exemplo, o ceras atuam como uma camada de material fino
açúcar desprovido de impurezas e com cristais ceroso, formando a interface entre a planta e a
uniformes, obtém-se uma diversificação de atmosfera, onde pode controlar os compostos
descartes agroindustriais (Cortez et al, 1992), voláteis que possam atrair pragas e insetos
os quais uma vez processados corretamente, polinizadores, evitando o desenvolvimento de
podem atuar como matéria-prima em diferentes doenças, além de promoverem resistência à
situações, como o bagaço, a vinhaça, a levedura seca (Christie, 2003).
e a torta de filtro. A cera bruta de cana-de-açúcar é um
Na torta de filtro é observada uma ordem sólido ceroso mole de cor escura, constituída
média de cera bruta e lipídios entre 5 a 14% sob por 45% de cera, 35% de matéria graxa e 20%
base seca, havendo diferentes propostas para a de resina, sendo a cera refinada a fração mais
sua utilização porém, elas quase sempre são valiosa por conter 55% de ésteres; 8% de ácidos
enviadas aos campos como fertilizantes nas 6 livres; 10% de alcoóis livres; 25% de aldeídos e
semanas que antecedem o plantio da gramínea cetonas e 2% de hidrocarbonetos, segundo
(Paturau, 1969). Durante o processo de Frutuoso (1989) citado por Gandra (2006)
moagem da cana, cerca de 40% do material O óleo da cera bruta é encaminhado para
lipídico é disperso no caldo como material o preparo de ração animal, utilizado na
suspenso, enquanto que o restante é retido no obtenção de fitoesteróis e anti-espumante, na
bagaço após a moagem. fabricação de extintores de pó, entre outros
Em seguida, no processo de calagem, os usos. Já a cera refinada pode ser utilizada em
íons orgânicos e inorgânicos contidos no caldo emulsões de revestimentos de frutas, polidores
são precipitados na forma de sais de cálcio e de chão; tintas e cosméticos, ao passo que a
estes ocluem os materiais ceroso e graxos resina possui opções mais restritas para
presentes no caldo e, em decorrência, a cera é industrialização, sendo usada em aditivo
concentrada na torta (Paturau, 1969). De acordo plastificante e pneus (Taupier, 1988).
com Adamenas (1982) sob a torta de filtro seca Em Cuba a cera de cana-de-açúcar é
são encontrados de 5 a 17% de cera e uma usina produzida em larga escala, sendo encontradas
com capacidade de moagem 4000 toneladas diversas patentes de seus derivados no país
diárias perde em torno de 4 t de cera no período (Adamenas, 1982; Vieira, 2003), a exemplo do
da safra. policosanol, um produto derivado da cera de
Nas plantas elas atuam como proteção à cana-de-açúcar eficaz na prevenção de doenças
perda de água pela superfície, pela cerebrais vasculares, comercializado para mais
evapotranspiração e aos ataques de 30 países como Austrália, México,
microbiológicos, as quais podem ser Argentina, Noruega e Canadá, segundo Porto
classificadas de acordo com sua procedência: Com Cuba (PCC, 2004).

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Para Adamenas (1982), a maior bequer a 4ºC em geladeira para posterior


qualidade da cera natural é evidente quando se utilização.
comparada às ceras sintéticas, muitas vezes
também, insubstituíveis em determinados Extração da cera a partir de torta de filtro do
caldo de cana-de-açúcar
processos, além de os preços serem inferiores e
a auto-suficiência na obtenção revelarem uma A torta de filtro utilizada para extração da
conveniência especial para o mercado nacional cera bruta utilizada em “F3” foi cedida pela
das ceras naturais. Usina Pederneiras (município de Tietê,SP), do
Sendo assim, o brilho labial é formado processamento de cana-de-açúcar4 da safra de
por cinco propriedades: Corpo branco (cera; 2010/2011.
corpos graxos pastosos e corpos graxos Para a obtenção da cera de cana-de-
líquidos); corantes; fragrância; antioxidantes; açúcar, utilizada em F3, seguiu-se os métodos
princípios ativos Pruniéras (1994). Portanto, o descritos em Vieira (2003), com algumas
objetivo deste trabalho foi agregar valor à cera adaptações. Para a extração foram organizados
bruta de cana-de-açúcar, empregando-a como cartuchos de papel de filtro com 140 g de torta
substituinte natural ao material sintético (a de filtro os quais foram submetidos à extração
em Soxhlet por aproximadamente 2 horas em
vaselina líquida e sólida) que são utilizadas em
cada batelada. Após este processo, os balões
uma formulação de brilho labial. seguiram para a eliminação do solvente por
aquecimento em banho-maria a 90ºC, gerando o
MATERIAIS E MÉTODOS analito concentrado.

Foram preparadas 3 formulações Formulação controle do brilho labial sólido


distintas, das quais a formulação 1 (F1) foi o
A formulação do brilho labial foi
controle, na formulação 2 (F2) foi utilizado o fundamentada na metodologia utilizada na
extrato com ceroso substituindo a vaselina farmácia de manipulação, a qual refere um
sólida e flavorizante natural de açaí produto com a massa final de 8g. Nesse sentido,
substituindo a essência de morango. Já na foram preparadas (a) uma amostra com a
formulação 3 (F3) foi utilizada a cera bruta formulação original (F1); (b) uma amostra
substituindo as vaselinas sólida e líquida. substituindo totalmente a vaselina sólida pelo
composto ceroso do caldo de cana por extração
Os ativos utilizados na formulação
simples e a essência por um flavorizante natural
controle do brilho labial foram adquiridos em de açaí (F2) e (c) uma amostra substituindo
uma farmácia de manipulação, os quais tanto a vaselina sólida, quanto a vaselina
seguem: cera abelha, vaselina sólida, vaselina líquida pela cera bruta da cana extraída com
liquida, manteiga de cacau, vitamina e, bioetanol (F3), destacado na Tabela 1.
phenobem, BHT. Tanto o açaí em pó natural
Tabela 1. Componentes e concentração das
quanto o aromatizante artificial alimentício de matérias-primas (%)
morango foram utilizados para atribuir aroma Matérias Primas Função F1 F2
às formulações. F3
Cera Abelha Umectante 11 11 11
Cera de cana Umectante _ 35 40
Obtenção simples do extrato ceroso da cera a Vaselina sólida Emoliente 35 _ _
partir do caldo de cana-de-açúcar Vaselina liquida Emoliente 5 5 _
Manteiga de cacau Emoliente 41 41 41
O extrato com cera da cana-de-açúcar Vitamina E Antioxidante 0,5 0,5 0,5
destinado à formulação F2 e foi obtido a partir Phenobem Conservante 0,1 0,1 0,1
da cocção do caldo de cana3, onde o composto BHT Antioxidante 0,05 0,05 0,05
sobrenadante foi retirado e armazenado em Essência de
Aromatizante 10 gotas _ _
morango
Açaí Flavorizante _ 7,35 _

3
Cana cultivada em sistema tradicional na FATEC, 4
Cana cultivada em sistema tradicional e colhida
Piracicaba - SP e colhida manualmente. mecanicamente.

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1º Tratamento: Preparo do brilho labial banho-maria e, após a fundição foram


controle acondicionados em geladeira.

Em um béquer de 250 mL previamente pH


tarado, pesou-se todos os ativos, exceto o
aromatizante. Em seguida fundiu em banho- O pH das amostragens foi verificado por
maria a 70ºC, homogeneizando com um bastão meio de fitas medidoras de pH da Merck®.
de vidro. Retirou-se do aquecimento e
adicionou-se o aromatizante e homogeneizou- Umidade
se, o extrato foi acondicionado em geladeira a
4ºC para as posteriores análises. Após isto, as Para a determinação do teor de umidade
amostras foram retiradas do aquecimento para a das amostras utilizou-se o método direto, por
adição do aromatizante e, posteriormente analisador infravermelho, onde a água foi
distribuídas em copos plásticos vedados com retirada por aquecimento e o teor de umidade é
plástico filme. obtido pela diferença de peso das amostras de
início e final expressos em porcentagem, assim
2º Tratamento: Preparo do brilho labial como descrito por Park e Antônio (2006).
substituindo a vaselina sólida pela cera Programou-se o analisador
infravermelho, (temperatura de fundição foi
Nesta formulação, o composto com cera igual a 155ºC), onde, foram colocadas frações
estava reservado na geladeira de forma das amostras com massas menores que 1g para
totalmente sólida, o qual foi submetido a a leitura de umidade total.
aquecimento em banho-maria a 70ºC, obtendo-
se uma consistência semi-sólida e esfarelada Cinzas
(para facilitar sua manipulação). Feito isso,
pesou-se tal quantidade em um béquer de 200 No presente ensaio, as massas dos
mL e reservou-a. cadinhos foram taradas e após, as amostras
Conforme baseado na metodologia foram pesadas. Feito isso, os cadinhos seguiram
fornecida pela farmácia pesou-se as respectivas para incineração em mufla a ±450ºC, nos quais
frações dos ativos para a formulação 2 e os permaneceram até a carbonização total dos
colocou em aquecimento em banho-maria. compostos. Ao término desta etapa, as cinzas
Após a fundição, o extrato foi retirado do seguiram para arrefecer em dessecador. E então
banho, ao qual foi adicionado o flavorizante os cadinhos foram pesados novamente para a
natural de açaí. determinação do teor de cinzas contido nos
brilhos labiais.
3º Tratamento: Preparo do brilho labial
substituindo a vaselina sólida e líquida pela Análise sensorial
cera de cana-de-açúcar
Todos os procedimentos utilizados foram
solicitados ao parecer do Comitê de Ética em
Na terceira formulação, partiu-se de 140
Pesquisa da Faculdade de Tecnologia de
g de torta de filtro submetida ao processo de Piracicaba. Para tanto foram empregados testes
extração em Soxhlet pelo período de refluxo de de aceitabilidade de escala hedônica, uma vez
2 horas. Ao final da operação, foram obtidos que é indispensável reconhecer o “status
4,242 g de extrato de cera bruta. Para a afetivo” dos consumidores a respeito do
obtenção do extrato de cera, seguiu-se a produto, entendendo sua preferência (Ferreira,
metodologia padrão da formulação do brilho 2000).
A análise sensorial ocorreu pela
labial, substituindo as vaselinas pelo extrato de
avaliação dos atributos referentes ao brilho
cera e eliminado o aromatizante, nos quais labial, como aroma, brilho e textura visual,
todos os ativos foram para aquecimento em onde foram necessários 40 voluntários (por não
serem profissionais treinados) com a idade

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média de 20 anos. Foi organizado um A formulação de produtos cosméticos


formulário apresentado a cada provador, com o devem respeitar a integridade da pele,
intuito de expressarem suas preferências mantendo o pH fisiológico (entre 4 a 6,5), ser
mediante os produtos (FERREIRA, 2000).
bastante tolerada e de inocuidade toxicológica e
Cada voluntário avaliou cada uma das
três amostras de brilho labial, utilizando os microbiana, além da textura agradável e de fácil
sentidos olfativos e visuais, quanto aos atributos emprego (Peyferitte, 1986). Deste modo, o pH
aroma, brilho e textura, isento do contado direto médio dos três tratamentos mantiveram-se a
com as amostras, por precaução, já que não foi 5,5, obedecendo a margem de tolerância.
possível determinar sua segurança, caso fossem Em relação à umidade de produtos
minimamente ingeridos. A análise ocorreu no labiais, não foram encontrados parâmetros na
laboratório de operações unitárias onde as
literatura para avaliação com os dados obtidos.
amostras foram dispostas sobre o papel vegetal
branco na bancada. No entanto, pode-se observar que F1 não
apresentou teor de umidade significativo, o que
RESULTADOS E DISCUSSÃO pode corresponder ao caráter lipofílico das
matérias-primas utilizadas, não indicando a
Formulação do brilho labial presença de água ligada, nem atividade de água.
O tratamento F2 demonstrou a presença
porcentual de umidade em relação a F1 quase o
A formulação controle (F1) foi
triplo, por conta do extrato de cera não ter sido
facilmente incorporada à temperatura de 55ºC,
extraído com solvente seletivo e coletando,
constituindo uma miscelânea com aroma de
portanto, a água presente no caldo de cana,
artificial de morango, cuja coloração clara,
além do açaí natural adicionado e açúcares,
uniforme, de consistência sólida e de textura
sais, ácidos orgânicos e albuminóides contidos
gordurosa, em razão da presença das vaselinas
no caldo de cana (Meade e Chen, 1977), que
sólida e líquida.
também pode ter contribuído para a
Todavia, em F2, com decorrer do
heterogeneidade do produto final, tendo maior
aquecimento em banho-maria, o extrato que
suscetibilidade à contaminação microbiana,
continha a cera ficou denso e não apresentou
segundo Yamamoto et al (2004), a
em uma mistura homogênea, decantou no fundo
contaminação patogênica pode comprometer a
do béquer em uma consistência pastosa e densa.
instabilidade, modificar as características físicas
Em F3, o produto final incorporou-se em
e inativação dos princípios ativos .
um material homogêneo, com coloração verde
Já F3 apresentou uma taxa de umidade
escura, porém menos oleoso, do qual um odor
levemente superior ao controle, onde todas as
forte podendo ser atribuído à possível presença
matérias-primas empregadas possuíam caráter
de acroleína. A Figura 1 demonstra as três
lipídico, porém é possível ter ocorrido a não
formulações:
separação de todo o etanol utilizado na extração
da cera, e sendo o mesmo da ordem de 96 ºGL e
uma pequena quantidade de água pode ter
permanecido, além de seu caráter higroscópico
sendo possível ter absorvido a umidade
atmosférica à formulação.
F1 F2 F3

Figura 1. Brilho labial controle (F1), brilho


labial com extrato com cera + açaí (F2) e brilho
labial com cera bruta (F3).

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Tabela 2. Análise de pH e teor percentual de umidade e cinzas de F2 comparadas ao controle.

Formulações pH UMIDADE CINZA


(%) ( %)
F1 (5,5 ± 0)1 (0,57 ± 0,4) (0,7 ± 0,08)

F2 (5,5 ± 0) (3,7 ± 4,1) (0,7 ± 0,35)


1Média ± Desvio padrão

Tabela 3. Análise de pH e teor percentual de umidade e cinzas de F3 comparadas ao controle.

Formulações pH UMIDADE CINZA


(%) (%)
F1 (5,5 ± 0) 1 (0,57 ± 0,4) (0,7 ± 0,08)

F3 (5,5 ± 0) (0,75 ± 0,31) (1,6 ± 0,11)


1Média ± Desvio padrão

Tratando-se do material inorgânico como os fitoesteróis, iodo, ácidos orgânicos e


presente nas formulações, não foram inorgâncos (Taupier et al, 1988), fósforo, ácido
constatados parâmetros na literatura referentes octacosanóico, oléico e palmítico (VIEIRA,
ao brilho labial e, segundo Atz (2008) não 2003).
existe legislação específica em relação aos Já a análise sensorial (Tabela 5),
resíduos de elementos tóxicos como As, Cd, observou-se que a substituição do aroma padrão
Co, Cr, Cu, Ni, Pb e Hg. Segundo as pesquisas de morango pelo flavorizante natural de açaí em
do mesmo autor para a concentrações destes F2, pode ter sido confundido com os ativos
elementos tóxicos em amostras de batom de cor utilizados, dos quais não foram
prata, foram obtidos um teor médio total de 4, homogeneizados. A isenção de cheiro em F3
225 µg g-1. diminuiu a intensidade de aprovação alterando
Foi possível observar com os dados significativamente (p<5%) em relação à F1.
obtidos que F1 apresentou uma quantidade Porém, F2 não constatou diferenças
menor de material inorgânico comparado à F2 e mínimas significativas comparadas a F1. Já
F3, atribuindo ao fato de a vaselina sólida e com F3 houve menor aceitabilidade comparada
líquida serem compostas majoritariamente por ao controle sendo, portanto, alteradamente
hidrocarbonetos (e em menor proporção por significantes a (p<5%). Correlacionando a
material inorgânico, já que a diferença básica textura visual dos três tratamentos com o
entre as formulações foi a substituição da aspecto macroscópico homogêneo e com a
vaselina e do aromatizante artificial). coloração amarela clara, F1 expressou a mesma
O tratamento F2 representou uma aceitabilidade à heterogeneidade de F2.
quantidade maior das cinzas comparado ao Contudo, F3, de coloração marrom-esverdeada
controle, já que no composto de cera obtido por intensa foi estatisticamente inferior ao controle.
extração simples pode conter fosfatídeos e A Tabela 4 faz referência à análise estatística do
ácidos inorgânicos. O terceiro tratamento teste F de Tukey a 5% de significância e
apresentou o maior teor de cinzas, o que pode demonstra a avaliação das três formulações de
ser atribuído pela questão de o extrato de cera brilho labial.
bruta utilizado concentrar matéria inorgânica,

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Tabela 4. Média dos atributos sensoriais das formulações de brilho labial1 e 2.

Atributos

Formulações Aroma Brilho Textura

F1 7,88 ± 1,7 a 7,35 ± 1,4 a 7,3 ± 1,8 a

F2 5,63 ± 2,7 b 6,57 ± 1,9 ab 7,01 ± 2,4 ab

F3 5,31 ± 2,7 b 6,32 ± 1,8 b 6,06 ± 2,3 b

DMS3 1,04 0,92 1,07


1 Média ± Desvio padrão
2 Médias seguidas de mesma letra na coluna não diferem entre si pelo teste de Tukey (<5%).
3 DMS: Diferença mínima de significativa do teste de Tukey ao nível de significância 5%.

Perspectivas CONCLUSÕES

Na indústria farmacológica, a cera tem Pode-se concluir que a aceitabilidade


possibilidade de substituir o material sintético geral dos produtos foi maior em F1, seguida por
do produto e atribuir particularidades anti- F2 e F3. F1 apresentou maior textura gordurosa
radicais livres e baixo aspecto gorduroso, sendo já F2, por apresentar maior teor de umidade,
necessários tratamentos posteriores à extração ficou mais suscetível à instabilidade física,
para a redução de umidade, parâmetros contaminação microbiana e degradação por
organolépticos desejáveis. hidrólise.
Para a utilização do F2 é necessária uma Apesar de F3 ter apresentado menor
metodologia do brilho labial que veicule todos escala na preferência em brilho, aroma e
os compostos contidos no caldo de cana que textura, ela apresentou uma resistência física
foram carregados com a cera, com os ativos da elevada sob temperatura ambiente ao final da
formulação, inclusive o carboidrato e os sais, de análise sensorial Portanto, a partir dos dados
modo a não ocorrer à separação de fases. deste trabalho, concluiu-se que a cera bruta de
Necessita de análise que comprove a cana-de-açúcar tem potencial para o emprego
composição da cera bruta, já que HPA podem no brilho labial.
ter sido arrastados na extração com etanol.
Como a cera bruta de cana-de-açúcar foi AGRADECIMENTOS
incorporada à formulação do cosmético sem a
formação de dupla fase, existe a necessidade de À Escola Superior Luiz de Queiroz
remoção do odor intenso da cera e incluir (ESALQ) e ao professor Dr. Claudio Lima de
processos que lhe atribuam satisfatoriamente o Aquiar por disponibilizar a utilização do
brilho e textura convencional. equipamento Sohxlet.
Além disso, análises quanto às de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
atribuições do iodo e o fósforo contidos no
cosmético com a utilização da cera bruta, e Adamenas, J. O negócio é fazer cera. Química
também de estudos que determinem a e derivados. São Paulo, n. 192, ago. 1982.
disponibilidade do policosanol, a influência e Atz, V. L. Desenvolvimento de métodos para
seu respectivo efeito no referido cosmético. a determinação de elementos traço em
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2008. Instituto de Química. Porto Alegre:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
(Dissertação de Mestre em Química).

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