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MANUAL

VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA

1. DEFINIÇÃO DE VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA (VNI)

A VNI consiste na aplicação de suporte ventilatório, através de máscara ou outra interface, sem
recurso a via aérea artificial, com tubo endotraqueal (ventilação invasiva).

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA VNI

De um ponto de vista histórico, as tentativas de realizar suporte ventilatório em doentes com falência
respiratória são referidas na literatura desde a segunda metade do século XVIII.

O chamado pulmão de ferro ou de aço foi uma das primeiras máquinas de pressão negativa a ser
utilizada em larga escala e consistia num cilindro que abrangia todo o corpo, deixando apenas livre a
cabeca com ajuste hermético e submetia a caixa torácica a pressão subatmosférica, gerando uma
expansão do tórax e consecutivamente uma pressão negativa no interior dos alvéolos que se enchiam
de ar. Hoje em dia, a ventilação por pressão negativa pode ser realizada através da chamada
“couraça”. A evolução do conhecimento e o desenvolvimento científico permitiram que a ventilação
por pressão positive substituísse o pulmão de ferro. Com a epidemia da poliomielite, a necessidade
de ventilação artificial cresceu exponencialmente, impulsionando o seu desenvolvimento.

A primeira tentativa de utilização de uma interface não invasiva (máscara facial) ocorreu na década
de 60. É contudo na década de 80, com o aparecimento da máscara nasal, que a VNI começa a
conquistar o seu lugar no suporte e tratamento de doentes com insuficiência respiratória aguda ou
crónica.

3. APLICABILIDADE E OBJETIVOS DA VNI

Pode recorrer-se à VNI nas seguintes situações: insuficiência respiratória aguda com o objetivo de
evitar a entubação traqueal (ET); insuficiência respiratória crónica agudizada; como nível máximo de
suporte em doentes com contra-indicação para ET e internamento em Unidade de Cuidados
Intensivos; alívio da dispneia em doentes crónicos em fase terminal da doença; evitar a reintubação
pós-extubação.

A VNI é principalmente utilizada, de forma aguda, na exacerbação da Doença Pulmonar Obstrutiva


Crónica e no Edema Agudo do Pulmão.

São objetivos da VNI: a curto prazo, diminuir os sintomas; otimizar o conforto do paciente; diminuir o
trabalho respiratório; melhorar as trocas gasosas; evitar a ET; a longo prazo, melhorar o status
funcional do doente; melhorar a qualidade e duração do sono; melhorar a qualidade de vida;
prolongar a sobrevida.
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4. VENTILADORES E MODOS VENTILATÓRIOS

Há vários tipos de ventiladores e modos ventilatórios.

Os ventiladores ditos hospitalares são mais sofisticados, com múltiplos modos ventilatórios e
possibilidade de ajuste de parâmetros. Os ventiladores domiciliários são mais simples e portáteis.

De um modo simplificado, existem 3 modos ventilatórios:

- no modo de ventilação controlada, quer por volume, quer por pressão, o ventilador assegura todos
os movimentos respiratórios;

- o modo de ventilação controlada-assistida permite uma interação entre o ventilador e o doente, isto
é, o doente desencadeia os movimentos respiratórios; no caso de não os desencadear, o ventilador
inicia-os, impondo volumes ou pressões pré-definidas. Quanto maior o esforço inspiratório do doente,
menor a assistência do ventilador. O modo S/T é um dos exemplos.

- a ventilação espontânea-assistida, correspondente ao modo S, é dependente do doente, isto é, o


doente desencadeia todos os ciclos respiratórios e o ventilador auxilia com volume ou pressão, que é
sempre a mesma, independentemente do esforço inspiratório do doente. Se o doente não fizer
disparar o trigger, o ventilador não atua.

A escolha do tipo de ventilador a utilizar depende do conhecimento completo da condição clínica do


doente, das características técnicas da máquina, tais como: disponibilidade de diferentes modos
ventilatórios; qualidade da monitorização (volume corrente; relação I/E; deteção de assincronias;
quantificação de fugas); mecanismos de compensação de fugas; desempenho global; do local de
instituição de VNI; da experiência da equipa.

5. INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES

Os doentes para iniciar VNI devem respeitar os seguintes critérios:


- Insuficiência respiratória aguda ou crónica agudizada (dispneia em repouso, aumento do trabalho


respiratório, FR > 25 cpm; PaCO2 > 45 mmHg; pH < 7,35; PaO2 < 55 mmHg ou PaO2 / FiO2 < 200)

- Capacidade de proteção da via aérea (mecanismo da tosse e deglutição preservados)


- Estabilidade hemodinâmica

- Trato gastrointestinal funcionante


- Colaboração no tratamento

São contraindicações absolutas para VNI:


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- Recusa do doente

- Paragem cardiorrespiratória


- Instabilidade hemodinâmica grave

- Hemorragia severa GI

- Incapacidade de mobilizar secreções ou de controlo da via aérea

- Pneumotórax não drenado

- Trauma facial extenso ou obstrução da via aérea superior


- Coma devido a doença neurológica ou ECG<8

São contra-indicações relativas: Confusão, agitação psicomotora; Vómitos; Obstrução intestinal;


Cirurgia recente (TGI superior); Enfarte agudo miocárdio recente; Falência de 2 ou mais órgãos;
Acidemia respiratória grave (pH<7,2); Co-morbilidades importantes.

6. MATERIAL DE INTERFACE

A escolha da interface é crucial para uma boa adaptação e conforto do doente e para uma VNI eficaz.
É por isso um factor determinante do sucesso da VNI.

As máscaras nasais e faciais são as mais frequentemente utilizadas na VNI. Existem diferentes
tamanhos de máscaras, devendo ser seleccionado o tamanho adequado ao doente. Existem modelos
de máscaras moldáveis que facilitam a boa adapatação da máscara à face.

A tolerância do doente depende do tipo e do modelo de máscara. Na máscara facial a principal causa
de desadaptação é a sensação de claustrofobia, enquanto que com a máscara nasal a desadaptação
deve-se, na maior parte das vezes, a fuga de ar pela boca. A máscara facial é preferida em contexto
hospitalar.

A máscara ideal deve ser confortável, estável, de aplicação fácil e rápida e barata. Deve adaptar-se a
faces de vários tamanhos e configurações com vista a minimizar as fugas, a claustrofobia, o
desconforto do doente e o traumatismo da pele. Sendo impossível combinar todos estes atributos
numa mesma interface, o hospital deve possuir interfaces de vários tipos e tamanhos e saber escolher
para cada caso a mais adequada.

As máscaras não ventiladas têm de ser acompanhadas de válvula exalatória.

O arnês deve ser o apropriado para o tipo de máscara.

A tubuladura deve ser também a indicada para o tipo de ventilador escolhido.

No caso de VNI com oxigenoterapia acoplada, deve-se colocar um conetor de oxigénio entre o filtro
do ventilador e a tubuladura.
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O filtro é um acessório essencial na montagem de um sistema de VNI, acoplando-se imediatamente


na saída do ventilador. Necessita de mudança diária.

Muitos doentes sob VNI necessitam de terapêutica inalatória. Nestes casos, podem ser utilizados
nebulizadores acoplados na tubuladura com peça em T. Não é necessário interromper a VNI para
administrar fármacos por via inalatória, apesar da interrupção, se possível, ser benéfica e permitir a
tosse e eliminação de secreções.

O humidificador não é usualmente usado no contexto hospitalar.

7. PREPARAÇÃO, INSTITUIÇÃO E MONITORIZAÇÃO DA VNI

A existência de uma equipa de médicos e enfermeiros, formada e treinada em VNI, é absolutamente


fundamental para garantir o sucesso do tratamento.

Aquando da preparação da VNI, é importante:

- Verificar aplicabilidade da VNI, cumprimento das indicações e exclusão das contra-indicações

- Local e material adequados

- Plano B para o caso de falência de tratamento

Aquando da instituição de VNI, há uma série de passos a seguir:

- Explicar com detalhe ao doente em que consiste a técnica e com que 
objetivo vai ser aplicada
(sublinhar a ajuda na respiração, a melhoria dos 
sintomas respiratórios e a possibilidade de evitar
entubação traqueal)

- Colocar o doente numa posição confortável

- Monitorizar o doente

- Programar o ventilador e verificar se funciona

- Ativar o ventilador

- Segurar a máscara contra a face do doente durante algum tempo antes de a fixar, com vista a facilitar
a adaptação

- Não deixar a máscara demasiado apertada (provoca desconforto e lesões faciais de pressão) nem
mal adaptada (facilita fugas e assincronia doente-ventilador)

- Pesquisar fugas, ajustando a máscara se necessário, e assincronia

- Ajustar gradualmente os parâmetros ventilatórios


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Após a instituição de VNI, a monitorização tem por objectivo avaliar a eficácia da VNI e identificar
precocemente a falência do tratamento. É essencial durante as primeiras horas, quando ocorrem a
maioria das falências do tratamento, e deve compreender:

- conforto do doente

- trabalho respiratório: dispneia, FR, utilização dos músculos acessórios de respiração, gasimetria
arterial (deve ser realizada 30 minutos após início de VNI e posteriormente, de acordo com a evolução)

- estado mental e neurológico

- estabilidade hemodinâmica: SpO2, FC, TA

- variáveis de ventilação: fugas, volume corrente, sincronia, efeitos secundários da VNI (aplicação de
depósito hidrocolóide/silicone em zonas de pressão)

A monitorização do volume corrente é possível na maioria dos ventiladores e deve ser efetuada na
fase de ajuste inicial dos parâmetros ventilatórios.

A avaliação da assincronia doente-ventilador deve ser realizada à cabeceira através da avaliação


clínica (coordenação da expansão torácica vs. ruído do ventilador).

O sucesso da VNI depende de: seleção adequada dos doentes; equipamento adequado disponível;
pessoal com conhecimento e experiência em VNI; capacidade de monitorização de parâmetros
fisiológicos e vigilância clínica.

8. COMPLICAÇÕES DA VNI

Uma das complicações mais temida da VNI é a ausência de melhoria com necessidade de ET, que
ronda os 20%.

A fuga de ar é das complicações mais comuns e contribui para a falência terapêutica. Deve ser
prontamente identificada e corrigida.

Durante a monitorização da VNI, é importante identificar outros efeitos secundários da VNI:


claustrofobia; irritação ocular; congestão nasal; secura das mucosas; aerofagia; distensão gástrica;
aspiração de vómito; eritema facial; úlceras de pele; barotrauma; acumulação de secreções.

Pelo efeito hemodinâmico da VNI, a hipotensão subsequente é um efeito que não deve ser
negligenciado.
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9. OUTRAS TÉCNICAS DE APOIO RESPIRATÓRIO

A eliminação das secreções num doente sob VNI está dificultada. Nestas situações, a cinesiterapia
respiratória e o apoio mecânico da tosse com aparelho de tosse assistida desempenha um papel
determinante e tem como principais objetivos mobilizar e expelir secreções das vias aéreas, aliviar a
dispneia pelo posicionamento e promover a autonomia. Como tal, exige o envolvimento de equipa
especializada.

• EQUIPA DA FORMAÇÃO

Enfermeira Conceição Afonso, enfermeira especialista Enf. Reabilitação-MFR Cinesiterapia


Respiratória

Enfermeira Mª Céu, enfermeira especialista Doente Crítico

Dra Ana Luísa Vieira, médica espeicalista Pneumologia

• BIBLIOGRAFIA

- Rochwerg B, Brochard L, Elliott MW, et al. Official ERS/ATS clinical practice guidelines: noninvasive
ventilation for acute respiratory failure. Eur Respir J 2017; 50: 1602426 [https://doi.
org/10.1183/13993003.02426-2016].

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