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O significado das escolas anarquistas para nossos dias

ROGÉRIO HUMBERTO ZEFERINO NASCIMENTO*

Resumo: O processo de escolarização da sociedade brasileira tem se acentuado desde meados do século
XX. Existem diversos estudos refletindo este tema. No mais das vezes, objetivam melhorar a escola
contemporânea. As críticas, no geral, deixam incólume a escola enquanto tal. Introduzida no Brasil pelos
jesuítas no século XVI, a escola foi expandida na Era Vargas (1930-1945) e adensada pelos governos
militares a partir de meados da década de 1960. Entretanto, nos inícios do século XX o movimento operário
brasileiro realizou diversas experiências com educação popular, instaurando escolas para os filhos dos
trabalhadores, chegando a ter realizado duas experiências com universidade popular. Este episódio
educacional de nossa vida social merece ser devidamente recuperado. Isto, não a partir da naturalização de
nosso universo escolar e de nossos processos educacionais escolarizados. Retomar o tema das escolas
anarquistas como me proponho aqui, pressupõe um esforço em afastar valores exógenos às concepções
orientadoras dos trabalhadores anarquistas quando inventaram suas escolas. A palavra “escola” é a mesma
usada hoje e no período referido. Mas isto não deve ser um estorvo ao conhecimento de experimentos
educacionais impermeáveis à lógica binária, punitiva e concentracionária da escola contemporânea. O que
foram estas escolas? Como foram possíveis? De que maneira existiram? Quais são suas características
pedagógicas? Por que não são amplamente conhecidas e debatidas hoje? Há reflexos das escolas anarquistas
em nossos dias? As escolas de hoje possuem pontos em comum com as escolas anarquistas? Estas são as
questões orientando as reflexões neste artigo.
Palavras-chave: Escolarização; movimento operário; educação popular; pensamento coletivo; anarquismo.
The meaning of anarchist schools to our days
Abstract: The schooling process of Brazilian society have being accentuated since the mid-20th century.
There are several studies reflecting on this theme. Most of time, it is aimed to improve the contemporary
school. In general, critics keeps school unscathed. Introduced in Brazil by the Jesuits from 16th century, the
school expands at Vargas Era (1930-1945) and thickened by the military government from mid-60s.
However, in the early 20th century, the Brazilian worker movement made experiences with popular
education, creating schools dedicated to worker’s children, and even had two popular universities. This
educational episode of our social life deserves to be properly recovered. This does not happen from our
scholar universe and educational processes’ naturalization. Returning to anarchist schools theme, as I
suggest in this article, pressuposes an effort to remove exogenous values to the guiding conceptions from
anarchist workers when they created their school. Even the word “school” is the same used today and in the
mentioned period. But this must not be an obstacle to the knowledge of educational experiments that are far
from binary, punitive and concentrating contemporary schools’ logic. What those schools were? How was
it possible? In what way it even existed? Which are its pedagogical characteristics? Why is it not widely
known and argued nowadays? Are our days reflecting anarchist schools? Does usual schools have common
points with anarchist schools? These are questions guiding the reflections in this article.
Key words: Schooling; worker movement; popular education; collective thought; anarchism.

*
ROGÉRIO HUMBERTO ZEFERINO NASCIMENTO é Doutor em Ciências Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professor associado da Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG), Campina Grande (PB).

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Palavras iniciais Nas escolas dos jesuítas o ensino estava
centrado no aprendizado da leitura, da
Quero ir direto ao tema indicado no título
escrita e da habilidade em fazer contas,
dos parágrafos deste artigo pensando
além das rezas e orações, na formação
sobre como, em nossa
das almas de fiéis devotos seguidores e
contemporaneidade recente e remota, há
úteis obedecedores da Igreja e do rei.
um profundo desconhecimento das
escolas anarquistas. Esta ignorância tem Isto sem deixar de desconsiderar a ação
relação com o amplo referencial de brutal plasmando nos corpos dos
noções e conceitos orientadores das indígenas um modo de ser eurocentrado,
realizações dos anarquistas amplamente ou seja, cristão (o que é a mesma coisa).
pensado, particularmente, com a criação A pedagogia dos jesuítas centrava suas
de escolas e no campo educacional e atenções em técnicas de memorizações, a
cultural mais vasto. O desconhecimento fim de fixar nos indígenas a habilidade da
do pensamento social anarquista pode leitura e em saber fazer contas, além dos
inocentar as gerações presentes quanto a preceitos cristãos, focalizando com
ignorar totalmente aspectos conceituais energia a repetição e reprodução das
orientadores e referenciais das matérias dos livros e dos assuntos e
realizações instauradas pelos temas apresentados pelo professor
trabalhadores e trabalhadoras sacerdote. É supérfluo acrescentar ter
anarquistas, de uma educação popular sido este o foco educacional privilegiado,
radical inventada nos (e pelos) a decoreba, uma característica destacada
segmentos sociais populares como das instituições escolares desde então. As
aconteceu no Brasil em inícios do século experiências realizadas pelos anarquistas
XX. Mas houve um ardiloso, insistente e com as escolas constituem uma
amplo esforço por parte das elites significativa e radical ruptura com o
dirigentes na construção deste jesuitismo nas escolas. Algumas
desconhecimento. O resultado foi o pesquisas mais recentes se voltam sobre
apagamento na memória coletiva quanto este assunto (CORRÊA, 2006).
ao particular pensamento social Diversos estudos publicados em torno
elaborado pelos setores populares da das instaurações das escolas pelo
sociedade brasileira. movimento operário anarquista no Brasil
O conhecimento atual sobre a educação em inícios do século XX tratam de
popular no Brasil é estabelecido pelos apresentar, a estudiosos e interessados
seus mais conhecidos expoentes como pelo assunto em nosso tempo, aspectos
tendo iniciado apenas em meados dos importantes relativos a estas
anos da década de 1960 (BRANDÃO, experimentações educacionais
1984; PASSETTI, 1998). Para estes (CASTRO, 2017; JOMINI, 1990;
praticantes da educação popular, nada MORAES, 2017; PARRA, 2017; PEY,
havia de significativo e expressivo neste 2000). Destaco entre as pesquisas mais
terreno antes deste período. As inciativas recentes a original e importante pesquisa
anteriores as dos anos 1960 não de mestrado realizada por Tasciele
passavam, para eles, de medidas, estatais Feltrin (2017) situando e relacionando
ou confessionais, prenhes de concepções devidamente as realizações com escolas
e métodos replicadores da perspectiva dos trabalhadores, como as feitas pelos
educacional individualista como posto anarquistas, dentro da história da
quando os jesuítas pretendiam, com suas educação popular no Brasil. Feltrin
escolas, salvar e consertar os indígenas. inovou quando, ao traçar uma trajetória

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histórica e social da educação popular, explorações. Com o objetivo de
incluiu a existência das escolas sistematizar melhor as ideias procederei,
anarquistas em suas considerações. No por fim, expondo alguns apontamentos.
entanto, este campo de estudos continua Nestas notas, apresento, caracterizo e
aberto para novas incursões reveladoras situo intelectual e historicamente as
da singularidade destas iniciativas. Muito escolas inventadas pelos anarquistas nas
ainda precisa ser discutido e refletido a décadas iniciais do século XX.
fim de melhor conhecermos a Finalizarei com algumas reflexões
envergadura intelectual e pujança relacionando comparativamente estas
original e inovadora dos trabalhadores e realizações do campo escolar e
trabalhadoras anarquistas quando de suas educacional com nossa
investidas na dinâmica da vida social, contemporaneidade.
cultural e educacional. Naturalização do desconhecimento
Para estender e ampliar os horizontes de quanto às escolas anarquistas
abordagem do tema, enquanto condição Entendo haver nos estudos de mais larga
na elaboração de outra forma de divulgação nas universidades, tratando
aproximação do assunto, pretendo das escolas anarquistas, uma grave
chamar atenção do/a leitor/a para os desconsideração da importância de
pressupostos, implicações e desdobras aspectos significativos das ideias, noções
das escolas anarquistas. Esta tarefa já e concepções norteadoras destas
venho realizando, como pode ser iniciativas. Pesquisas mais recentes
observado nas referências deste artigo, abordando estes aspectos ainda não
através da elaboração e sistematização de alcançaram provocar deslocamento e
reflexões sobre tópicos e aspectos da descolamento das ideias subestimando o
escola e da educação anarquista. As pensamento social anarquista. Este é
fontes desta pesquisa são os eventos e outro ponto importante da questão a ser
ponderações elaboradas pelos levantado porque desnaturaliza e
integrantes do movimento operário e contextualiza histórica e socialmente a
registrados nos jornais, revistas e livros produção tanto do saber como também
(GONÇALVES e SILVA, 2001) do não saber. As primeiras quatro
produzidos por trabalhadores associados. décadas do século XX tinham o
Estes documentos históricos estão movimento operário como personagem
devidamente depositados em vários importante afetando intensamente o
arquivos públicos de diversos estados do conjunto da vida social no Brasil
Brasil, mas, sobretudo, na região sudeste, (AZEVEDO, 2002). Sua presença se
local de maior expressão do movimento dava através de instaurações ocorridas
anarquista. por um longo, insistente e consistente
Ao mesmo tempo, para este momento trabalho de organização do proletariado
procederei a pontuar particularidades em suas diversas associações. Isto
relativas às novas sociabilidades, às significa não apenas realizações de
novas formas de convivialidade, de greves, manifestações de rua, formação
vibração autogestionária, inventada de de sindicatos e outras atividades por
forma simultânea aos combates, lutas e parte dos setores populares. Significa
enfrentamentos dos trabalhadores também a existência e elaboração de um
anarquistas contra os diversos pensamento social próprio, inspirando e
preconceitos, os diferentes dominismos, orientando as mais acima referidas ações
as várias idolatrias e distintas formas de

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e realizações dos trabalhadores e condições de trabalho insalubre e com
trabalhadoras. superexploração além dos salários
irrisórios. Isto sem esquecer da intensa
É este aspecto específico da criação e
repressão patronal e governamental às
instauração de escolas pelo movimento
manifestações dos trabalhadores contra
operário o mais desconsiderado nos mais
esta situação e quando reagiam às
conhecidos e celebrados livros de
prisões, espancamentos, torturas,
história no Brasil, da educação em geral
assassinatos e deportações de diversos
e da popular, especificamente. Estes
companheiros. Estes pesquisadores são
livros difundem amplamente os
traídos por suas próprias ideias políticas
resultados de investigações realizadas
quando elas serviram de lentes para
por pesquisas consagrados na área da
enxergar um movimento impermeável e
história da educação brasileira,
refratário aos seus referenciais
encaminhando a impressão de vacuidade
ideológicos naturalizadores de uma
ou anacronismo intelectual no
forma de vida heterogestionária.
movimento operário anarquista. Esta
lacuna na história da educação no Brasil A ideia de planta exógena, para se referir
findou sendo naturalizada através de uma ao pensamento social destes
insistente repetição nos livros largamente trabalhadores anarquistas, foi elaborada
divulgados nas escolas e universidades, na intelligentsia como conceito
resultando na produção e difusão pela desqualificador e ao mesmo tempo um
intelligentsia de uma curiosa e profunda estigma, justificando seus procedimentos
disjunção entre ação e pensamento. As e conclusões definindo este momento da
várias realizações dos trabalhadores são organização popular como obviamente
definidas nestes livros como reações incipiente. Como consequência tem-se
inevitáveis e naturais às condições em seguida uma considerável diminuição
aviltantes de vida e de trabalho, não do valor do pensamento orientador das
havendo nas ideias norteadoras destas ações destes trabalhadores,
iniciativas peso importante. Assim ficou crescentemente acentuada ao longo das
mais fácil encaminhar o apagamento na décadas até chegar a um apagamento
memória coletiva do pensamento social impressionante da memória coletiva
operário expresso em seus jornais, quanto ao peso, impactos e relevância do
revistas e livros. pensamento social operário anarquista na
dinâmica da vida social no Brasil.
A bem da verdade, os estudos mais
Chegamos então ao ponto de termos na
divulgados em torno do movimento
nossa contemporaneidade um rotundo
operário se voltam, de uma forma geral,
desconhecimento deste pensamento
com maior energia para as realizações
social.
operárias no campo da organização dos
trabalhadores com descrições das greves, É urgente dizer deste desconhecimento o
associações, manifestações públicas, seguinte: absolutamente ele não foi
prisões e deportações. Nestes livros o aleatório, acidental ou casual. Antes
movimento operário no Brasil é muito pelo contrário, foi procedimento
apresentado como nascente, como calculado, planejado, urdido e pensado
embrionário, constituindo este período nos setores dirigentes da sociedade
uma dita fase infantil das primeiras brasileira. Intelectuais, jornalistas,
associações, cujos trabalhadores literatos e cientistas ligados biográfica,
‘reagiam’ às condições de uma vida intelectual, afetiva e umbilicalmente às
precarizada pela carestia, pelas elites corroboraram e colaboraram na

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construção de uma espécie de amnésia grupos de pioneiros junto aos segmentos
social. Isto aconteceu a partir sobretudo populares.
da chamada Era Vargas (1930-1945) A configuração de um Brasil moderno,
quando houve a integração de um democrático, progressista e avançado era
conjunto de medidas apagando na sintetizado, pelos entusiastas da
memória coletiva a importância, modernidade, no projeto de
significado e decisiva presença ativa dos estabelecimento do Estado-nação
setores populares, afetando radicalmente republicano. Para a construção desta
a dinâmica da vida social no Brasil. Os nova sociedade em suposta ruptura com
livros publicados pela intelligentsia, a o antigo modelo monárquico, era
partir dos anos de 1930, não se referiam necessário haver convergência entre os
aos intelectuais dos estratos populares. projetos de dominação das elites.
Este apagamento perdura até nossos dias, Alcançar este objetivo passava
tendo sido intensificada esta anulação necessariamente, para além de outras
pela ação combinada e convergente de medidas de cooptação e violência, pela
intelectuais liberais, marxistas e eliminação do conhecimento e de
católicos. qualquer possibilidade de rememoração
A construção no Brasil de um das ideias, conceitos e concepções
imaginário coletivo autoritário, a norteadoras das ações instauradas pelos
partir do apagamento da decisiva setores populares da sociedade brasileira.
presença popular na dinâmica social Este procedimento ardiloso das elites
dirigentes no Brasil explica a
A violência física não seria suficiente
inexistência do pensamento social
para moldar corpos, mentes e corações
anarquista em todas as diversas
obedecedores, disciplinados, saudáveis,
cartografias intelectuais existentes e
de uma robustez bovina, prontos e ávidos
para cumprir diretrizes e ordens. Não disponíveis (NASCIMENTO, 2012b).
havendo, a partir da Era Vargas, A contribuição intelectual original dos
amenização da violência contra os setores populares, registrados em seus
setores populares, houve livros e opúsculos, como também em
simultaneamente acréscimo nas formas jornais, revistas, resoluções de
de ação do Estado junto aos segmentos congressos, manifestos, textos com
sociais, conjugando-se à costumeira depoimentos e memórias, poesia e teatro
truculência procedimentos de cooptação social, expressam a existência de um
dos setores populares. Desta forma, pensamento social anarquista vigoroso,
aconteceu a elaboração e difusão através elaborado no Brasil a partir dos
dos segmentos sociais de um imaginário enfrentamentos coletivos postos aos
coletivo no qual a participação ativa dos setores populares (NASCIMENTO,
setores populares foi sendo anulada, 2006; 2018). Os trabalhadores e
diminuída, esquecida e, finalmente, trabalhadoras deixaram nestes impressos
apagada. Isto aconteceu demasiadamente sua perspectiva analítica dos
quanto ao amplo e diverso referencial acontecimentos sociais de seu tempo.
conceitual utilizado pelo movimento Numa particular dinâmica,
operário, como dito acima. As várias eminentemente relacional e coletiva,
realizações feitas pelo movimento elaboraram e socializaram suas análises
operário foram possíveis de existir por críticas como também deixaram
conta da insistente sementeira de ideias e registrados conceitos e concepções
ideais acontecidas a partir de pequenos orientadoras de suas ações,

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experimentações, instaurações e expressivamente confessionais, não
realizações. romperam com a escola criada pelos
jesuítas (PEY, 2000). Ao contrário,
A amplitude deste pensamento social
houve continuidade, manutenção e
envolve o conjunto dos desafios postos
aprimoramento dos procedimentos
em seu tempo, tendo relação tanto com o
pedagógicos do medievo.
combate à dominação, obscurantismo e
exploração, como também com o devido A ruptura de fato veio com os anarquistas
lugar do ser humano na natureza, a (CORRÊA, 2006; FELTRIN, 2017). A
condição feminina subalternizada e fim de estendermos e ampliarmos os
violentada numa sociedade patriarcal, a horizontes do tema, como condição na
situação da infância, do estrangeiro, das elaboração de outra abordagem do
pessoas de pele escura, sejam negros ou assunto, pretendo chamar atenção para os
indígenas, dentre outros pontos pressupostos, implicações e desdobras
importantes. A ideia de pátria e das escolas anarquistas. Como dito mais
instituições correlatas, como forças acima, esta tarefa venho realizando e
armadas, polícia, magistratura, esses estudos têm sido publicados em
penitenciárias, igrejas, eram analisadas coletâneas e anais de encontros
criticamente na imprensa e nos eventos acadêmicos. Ao mesmo tempo,
realizados pelos trabalhadores procederei a pontuar particularidades
anarquistas. relativas às novas sociabilidades, às
novas formas de convivialidade, de
Tanto a escola como também a
vibração autogestionária, inventada de
concepção de educação oficiais não
forma simultânea aos combates, lutas e
ficaram incólumes às críticas corrosivas
enfrentamentos dos trabalhadores
dos operários anarquistas. O particular
anarquistas contra os diversos
destas analíticas são as formulações
preconceitos, os diferentes dominismos,
propositivas simultânea às demolidoras.
as várias idolatrias e distintas formas de
As escolas anarquistas eram em si a
explorações.
negação rotunda da escola oficial,
pública ou confessional; era também a Com o objetivo de sistematizar melhor as
negação da segmentação da vida humana ideias, procederei a seguir, expondo
em patamares, camadas e níveis alguns apontamentos. Nestas notas,
assimétricos, desiguais, justapostos; era a apresento, caracterizo e situo intelectual
negação, enfim, da separação entre saber e historicamente as escolas inventadas
e poder, vida e conhecimento. pelos anarquistas nas décadas iniciais do
século XX. Finalizarei com algumas
Os métodos e concepções dos jesuítas,
reflexões relacionando
introdutores da escola no Brasil, tiveram
comparativamente estas realizações do
continuidade através das diferentes
campo escolar e educacional com nossa
formas de governo desde o período
contemporaneidade.
colonial. Mais além de terem
permanecido ao longo do tempo, os Anarquia na escola
métodos e concepções educacionais dos O número de escolas anarquistas em
jesuítas foram, na verdade, expandidos, inícios do século XX no Brasil passa dos
ampliados e adensados. No período do cinquenta (MARTIN, 1991). Estas
império e nos diferentes momentos escolas se inscrevem nas ideações e
republicanos, as medidas realizações do movimento operário
governamentais como também das internacional (ANTONY, 2011;
iniciativas de particulares,

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LIPIANSKY, 1999; TOMASI; 1988.). indicado mais acima. Quando o Estado
Desde o clássicos do anarquismo espanhol condenou à morte a Francisco
(BAKUNIN, 1989; CODELLO, 2007; Ferrer y Guardia (1859-1909), houve no
PROUDHON, 1986; RECLUS, 2010, mundo operário forte mobilização em
2011 e 2017; RECLUS e KROPOTKIN, favor de sua vida. No Brasil, as
2014; STIRNER, 2001; GUIMARÃES, manifestações contrárias ao assassinado
2015) a educação e a escola tiveram de Ferrer abriram a ocasião para uma
importante e significativo lugar em suas mais vasta difusão de seu pensamento
reflexões sobre a ampla e complexa social e educacional. Seu fuzilamento em
questão social. Nos anarquismos a escola 13 de outubro de 1909 fez esta data entrar
não foi tema menor, como um para o calendário operário, ao lado de
epifenômeno ou uma espécie de matéria outros marcos cronológicos como o
acessória e assunto ornamental; nem primeiro de maio e o 14 de julho,
também foi tido como assunto de mais enquanto referencial de outra
elevada importância, com valor temporalidade, alheia ao tempo
primordial e de efeito omnímodo de convencional referenciado nos santos da
melhoramento. Isto mesmo apesar de igreja católica, nas celebrações da
alguns poucos terem eventualmente cristandade e nos vultos e eventos da
superestimado a ação neste campo. De pátria.
fato, houve uma ação decidida fazendo Anos e décadas seguidas, enquanto o
de todas as associações e eventos movimento dos trabalhadores e
realizados pelos operários um verdadeiro trabalhadoras no Brasil vibrava intensa e
laboratório educacional com vibração libertariamente, o 13 de outubro era data
libertária. para comemorar a memória, a obra e a
Este conjunto fecundo de reflexões, Escola Moderna de Barcelona criada por
como feito pelos primeiros formuladores Ferrer. Jornais, revistas, livros e
do pensamento anarquista, incluem tanto conferências celebravam a vida,
a crítica das condições sociais da pensamento social e a Escola Moderna
sociedade estatista, obscurantista, de Barcelona criada por Ferrer. Como
capitalista e industrial, como também forma de intensificar as decisões
proposições visando suplantar o modo de acordadas e expressas em resoluções dos
vida injusto, desigual, explorador, congressos da Confederação Operária
coercitivo e concentracionário deste tipo Brasileira desde 1906 e confirmadas nos
de organização social. A posição do ser congressos seguintes, 1913 e 1920
humano diante das outras formas de vida (RODRIGUES, 1979), as escolas dos
animal e vegetal, como também seu lugar operários anarquistas procuravam
no planeta e no vasto cosmos, caracteriza implementar a sugestão destes certames
este pensamento como promotor da ruína na instauração de uma escola para os
do antropocentrismo. Antropocentrismo filhos dos trabalhadores com ensino
este com acentuadas feições racional e científico. Vejamos a seguir as
eurocêntrica, falocêntrica e logocêntrica. características deste ensino.
As primeiras realizações de escolas com Escolas em anarquia
perspectiva anarquista aconteceram na Nas suas escolas, os anarquistas
Europa. No raio de influências e atuações envidaram esforços para destruir os
do movimento operário internacional preconceitos sociais e seus efeitos na
houve no Brasil também significativas vida social atacando diretamente a sua
ações e realizações com escolas, como fonte. O racismo, o sexismo, o classismo,

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o patriotismo constituem desdobras da da igreja, ao lado do capital, como tendo
lógica binária própria à chamada gestado o fascismo. Florentino de
sociedade ocidental cindindo, de maneira Carvalho (2015) indica o combate ao
hierárquica, a humanidade inicialmente misticismo e obscurantismo do mundo da
entre fiéis e infiéis, em seguida entre cristandade como a condição para o
nacionais e estrangeiros, raça superior e estabelecimento de novas formas de
raças inferiores, classes e gêneros convivência humana. Em seu
superiores e inferiores. A palavra grega entendimento a lógica binária religiosa se
‘arquia’ significa domínio, comando ou encontrava não só com expressões da
governo, sintetizando o princípio de religiosidade convencional, mas também
autoridade. Esta palavra também tem em certas filosofias e doutrinas políticas.
sentido ligado direta e intrinsecamente à O jornal anticlerical A Lanterna, fundado
centralidade, à heteronormatividade, em São Paulo no ano de 1901 e findo em
modelo, sistema, padrão. O combate à meados da década de 1930, nas suas três
‘arquia” está expresso na palavra fases significou um esforço coletivo, por
‘anarquia’ onde a partícula grega inicial parte de anarquistas, socialistas, livres-
‘a’ indica negação. Como a exploração só pensadores e maçons, no combate ao
é possível após a dominação estabelecer clericalismo. O alcance social deste
a subalternização e assujeitamento de jornal semanal impressiona ainda hoje.
corpos, mentes e corações, à dominação Na publicação de seu primeiro número
é necessário sua aceitação e em 07 de março de 1901 A Lanterna
naturalização. Hierarquia, junção de duas anuncia a quantidade de 10 mil
outras palavras gregas, ‘hiéros’ e exemplares postos em circulação. No seu
‘arquia’, indica a proveniência sagrada, terceiro número a tiragem aumentou para
religiosa, para o princípio de autoridade, 15 mil exemplares e já no nono número
para o poder centralizado presente na indica a impressão de 24 mil.
palavra ‘arquia’. Considerando o fato de neste período o
Por conta disto, o obscurantismo jornal impresso ser o único meio de
religioso estava na frente da batalha comunicação social, é possível de se
encetada pelos anarquistas contra os aferir, primeiro, o acolhimento deste
poderes. O racionalismo pedagógico impresso na sociedade brasileira e,
proposto pelos trabalhadores foi segundo, os impactos destas tiragens na
resultado de amplas discussões vida social no Brasil.
estabelecidas nas sessões dos congressos O jornal apresentava ainda uma seção na
da Associação Internacional dos língua italiana, uma vez o proletariado
Trabalhadores fundada em 1864 em oriundo da Itália ter presença expressiva
Londres. Este racionalismo expressa a em estados do sudeste e do sul do Brasil,
crítica e a recusa à religião numa mas sobretudo em São Paulo. A Lanterna
sociedade marcadamente cristã. Quando era o jornal de maior circulação no
das primeiras experimentações com Brasil, anuncia o editor, Benjamim Mota
escola, a religião predominante tanto na (1870-1940), neste mesmo nono número.
Europa como no Brasil era a versão A lista de subscrição voluntária
católica do cristianismo. A luta foi permanente, ocupando quase toda a
renhida. Lima Barreto (2004: 332-333) última página deste número com os
na crônica intitulada Moralidade? dizia nomes dos colaboradores, indica tanto a
ser o clericalismo o inimigo a ser aceitação do jornal como, mais além de
enfrentado. Maria Lacerda de Moura seu acolhimento e apoio moral, o suporte
(2018b) desnudou o fundamental papel

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financeiro imprescindível à existência naturais e sociais, nesta perspectiva,
deste impresso. Este ponto em particular eram abordados a partir da capacidade
diz respeito a uma economia distributiva, humana de observação, exame,
merecedora de um estudo detido avaliação, comparação e
específico ainda a ser feito, posta em experimentação. Dogmas, sistemas
andamento pelos trabalhadores e fechados em si mesmos, receitas prontas
trabalhadoras em seu cotidiano. Alguém para o pensamento e para a vida social,
com maior habilidade para lidar com as eram não apenas criticados, mas também
informações, os dados e variáveis veementemente recusados e combatidos.
próprios do campo da economia, há de Nesta proposta pedagógica racionalista, a
realizar esta pesquisa. Espero. capacidade humana de elaboração de
pensamento abstrato não era subtraída à
Retomando o fio da meada depois desta
criança. Esta é percebida como ente vivo,
brevíssima digressão em torno do jornal
ativo, possuidora de capacidade de
A Lanterna.
discernimento e com vontade própria,
O inegável vigor alcançado pelo portanto, visto como um ser político.
movimento operário nos inícios do
O respeito às particularidades de cada
século XX me parece ter tido no combate
criança constitui ponto significativo,
ao clericalismo sua condição decisiva e
distintivo e característico da educação
incontornável. Com o trabalho de
racionalista. A abolição nas escolas
combate ao obscurantismo, religioso
anarquistas dos castigos corporais, das
inicialmente, mas também político e
ameaças psicológicas e das coerções
filosófico, conseguia-se provocar
morais expressam a ojeriza aos processos
deslocamentos consideráveis no
medievais em uso nas escolas oficiais no
imaginário e no inconsciente coletivos,
período como também o profundo
alcançando o estabelecimento de novas
respeito dado pela educação anarquista
referências, libertárias e fraternas, para o
às crianças. Para se ter uma melhor ideia
pensamento e sentimento nos segmentos
do pioneirismo dos anarquistas em suas
populares da sociedade brasileira. As
escolas, até os anos da década de 1970 no
energias corporais e intelectuais dos
Brasil, os espancamentos de crianças
trabalhadores e trabalhadoras tornavam-
eram ocorrências naturais e frequentes
se disponíveis aos encontros e
nas escolas oficiais. Consideremos então
experimentos coletivos, numa vibração
o grau de violências perpetradas contra
não mais de adoração a alguma
as crianças no ensino oficial. Enquanto a
celebridade nem de acatamento de
educação oficial de fundo religioso
dogmas religiosos ou políticos como os
percebe o infante como uma tábula rasa a
das igrejas e dos partidos, mas para
ser moldada com finalidades de
discutir, planejar e realizar ações de
manipulação e exploração nas igrejas,
enfrentamentos aos poderes
nas fábricas, no mercado e nos quarteis,
discricionários da igreja, da política e das
segundo o racionalismo científico, a
finanças.
criança deve ser considerada como ser
O racionalismo combatente, título por si político completo, cujas vontades,
só bastante justo e sugestivo, dado por interesses, aptidões e limitações devem
Ramón Safón (2003) ao seu livro ser conhecidas pelo professor.
tratando do pensamento social e
Nesta direção, a escola racionalista não
pedagógico de Ferrer, influenciou
atendia a demandas religiosa, estatista e
fortemente a criação das escolas
capitalista na formação de pessoas
anarquistas no Brasil. Os eventos

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adaptadas ao ambiente social vigente, psicológico nas crianças eram não só
nem tampouco à criação de beatos inexistentes nas escolas anarquistas, mas,
carolas nem de dândis letrados, cultos e muito mais além, eram recusadas,
eruditos. Antes, porém, a escola denunciadas, combatidas, ridicularizadas
anarquista era o local no qual a criança como absurdidades tanto no espaço
tinha a ocasião de estender suas escolar como também na vida social.
potencialidades ao infinito a partir do A escola mista, juntando meninas e
reconhecimento da particularidade de meninos nas salas de aulas, somava com
cada uma como legítima. Não se entenda a recusa em utilizar como recurso
aqui haver uma pedagogia insulada, pedagógico (?) a violência física e a
ensimesmada e umbigocêntrica, isolando chantagem, o suborno e formas diversas
uma criança das demais. Antes muito de ameaças psicológicas, expressando o
pelo contrário. O processo coletivo, grau de respeito pela criança como
característico das escolas anarquistas, manifesto desde os primeiros
envolvia professores, outros adultos, formuladores do pensamento anarquista.
como os pais e interessados, e as demais Este entendimento foi continuado e
crianças numa dinâmica relacional, distendido nas salas de aulas e na vida
circunstancializada e processual social pelos primeiros professores
(NASCIMENTO, 2012a; JOMINI, 1990; anarquistas dentro e fora do Brasil. Nesta
KASSICK, 2004). Vejamos um pouco educação anarquista o foco decisivo está
mais sobre este ponto. nos processos, nas relações, nas
Nem centrismos nem centralidades. dinâmicas e não na memorização,
Nem prêmios nem castigos reprodução e conservação de sentenças,
dogmas ou postulados tidos,
Nem prêmio, nem castigo (CASTRO,
equivocadamente, na medida de axiomas
2017; FERRER Y GUARDIA, 2014)
definitivos, eternos e infalíveis. Numa
constitui significativo e importante lema
prática educacional libertária em
instituinte das escolas inventadas pelos
particular, como no pensamento
anarquistas desde os inícios do
anarquista mais amplamente
movimento operário internacional até e
considerado, não há centros nem
inclusive nas diversas realizações
centralidades. Há antes relações, fluxos,
acontecidas com o movimento dos
processos, dinamismos, transformações.
trabalhadores no Brasil. O racionalismo
científico defendido pelos educacionistas Desta maneira, a posição do ser humano
libertários tinha na singularidade da no conjunto da existência, considerando
criança o ponto basilar incontornável de este ponto desde as interações com
seu processo educacional. Castigos e humanos do próprio e de outros grupos,
premiações, nesta perspectiva segmentos sociais e de outras sociedades
educacional, são inadmissíveis por serem e culturas, é passível de um mais
vistos como verdadeiros disparates apropriado redimensionamento. Neste
revelando na sua brutalidade, frieza e procedimento de relocalização entra em
estupidez, sua proveniência religiosa consideração as ligações profundas entre
medieval. As escolas oficiais, públicas e humanos, animais e plantas, situando
particulares, encontram-se mais equitativamente os entes existentes
inexoravelmente presas aos métodos, diante do e no cosmos. Um dos efeitos
concepções e procedimentos oriundos do importantes desta nova situação acontece
jesuitismo. Práticas medievais como como ruína e desoneração do
infligir sofrimento físico, moral e antropocentrismo modernista. Não

112
obstante os entusiastas e apologéticos do em relações. A educação, nesta
modernismo e da civilização alardearem perspectiva libertária, não pode ser algo
algo diferente, o antropocentrismo da diferente de auto educação, de
modernidade não passa de substituto e autoformação. O professor abandona
equivalente exato do teocentrismo intencional e deliberadamente a posição
medieval (STIRNER, 2001 e 2004). de centro na sala de aula. Não adota
Civilização e modernidade são diante dos estudantes as atitudes
entendidas aqui como modo de vida autoritárias, normativas, punitivas e
europeu, ou seja, sociedade industrial, premiadoras naturalizadas nas escolas
estatal, urbana, capitalista, na qual o oficiais.
mundo da cristandade continua a exercer A docência libertária torna a todos
uma forte ascendência, vibrando com
companheiros de caminhada, ocasião
mais forte e densa intensidade (GRAY, para o professor ocupar lugar ao lado das
2008; FRYE, 2004).
crianças, jovens e adultos, também como
A educação racional, científica, laica, aprendiz. Ser professor significa na
integral, com a prática da coeducação educação anarquista ser um companheiro
sexual e de classes, visa favorecer à de aprendizagem, todos aprendendo uns
criança sua autonomia pessoal. Esta com os outros. Neste processo, cabe não
educação foi definida como sendo apenas a positividade da expansão e
racional porque bane absolutamente o difusão de conhecimentos, mas também
sobrenatural e se apoia nas capacidades e a produção de conhecimentos, a criação
faculdades humanas de observação, de conceitos com abertura para novas
experimentação e avaliação da matéria formas de convivialidade. Este particular
em estudo; científica porque se apoia no aspecto do processo coletivo de vivência
conhecimento científico disponível sobre social e pedagógica abre para
o mundo natural e social; laica porque considerarmos a negatividade existente
não impõe nem ensina nenhum dogma nestas dinâmicas educacionais: a
religioso; integral porque considera a desaprendizagem integra
criança como um ser completo em seus intencionalmente, conscientemente,
aspectos intelectual, corporal e moral. significativo aspecto da educação
anarquista. Há de ser necessário envidar
A curiosidade infantil tem espaço
garantido para seu desdobramento, esforços conscientes e ativos na
instauração de um modo de vida
possibilitando aos estudantes o encontro
de sentido próprio aos seus estudos em libertário, significando dizer, igualitário,
com a busca constante de justiça social e
sala de aula e noutras modalidades
pedagógicas e sociais. Na educação dos em combate aos diferentes preconceitos,
como também dos dominismos, aos
anarquistas não se responde a uma
obscurantismos e às diversas formas de
pergunta não formulada. Desta maneira,
a criança é vista enquanto unidade ativa, exploração. (CARVALHO, 2015;
NASCIMENTO, 2006b, 2012a, 2016;
devendo a escola ser o local a partir do
MOURA, 19251; 2018).
qual ela possa refinar suas categorias do
pensamento e do sentimento. Isto sempre

1
Este livro de Maria Lacerda de Moura é muito intelectual produzido por trabalhadores e
importante tanto para se ter uma ideia mais trabalhadoras em inícios do século XX no Brasil.
precisa da envergadura da concepção educacional Para a autora, o professor deve agir em sala de
dos professores anarquistas no Brasil como aula considerando a criança como um ser
também para conhecer a densidade do trabalho orgânico, intelectual e social. A educação,

113
Notem bem um aspecto particular neste os dinamismos em andamento na
processo significativo de autoformação: educação anarquista. Eu mesmo já o
os elementos e informações coletados utilizei tratando do pensamento social de
pelo estudante são disponibilizados em Florentino de Carvalho
relações nas coletividades. O estudante (NASCIMENTO, 2000) para tentar
acessa informações, saberes, conceitos, explicar sua envergadura intelectual
noções e categorias do pensamento quando apenas frequentou a escola
interagindo com professores e com os primária. No entanto, percebi depois
demais colegas. Isto acontece a partir da (NASCIMENTO, 2006) ser este um
observação, experimentação e avaliação conceito bastante limitado para dar conta
das variáveis apresentadas nos eventos da educação anarquista. Autodidatismo
delineados em sala de aula, laboratório diz da centelha inicial mobilizando as
ou em incursões realizadas a outras energias corporais, sentimentais e
escolas, sindicatos, conferências ou intelectuais de uma pessoa. Este conceito
celebrações de datas significativas do já informa o processo pessoal disparando as
aludido calendário anual operário. forças pessoais quando do
O ambiente pedagógico nas escolas direcionamento da sua vontade, do seu
desejo e do seu querer. Mas este conceito
anarquistas estimulava a capacidade do
estudante em problematizar temas e não percebe o calor das chamas e
assuntos abordados, tendo a criança labaredas, provocadas pelas centelhas
espaço e voz para apresentar iniciais, quando dos encontros das
questionamentos sobre questionamentos. pessoalidades ardentes nas associações
Não há tema nem matéria consideradas de diversos tipos.
tabu. Inexistem livros censurados num Nós humanos possuímos qualidade
índex proibitivo. Assim acontece o volitiva em nossas ações. Não há como
processo autoformativo. Nos nossos dias, contornar esta condição primordial no
utiliza-se com bastante recorrência o disparo das energias pessoais para as
conceito de autodidatismo para explicar realizações humanas em todos os campos

portanto, deve dar expansão aos talentos e volumes temáticos a partir da reunião de artigos
aptidões, como também deve procurar dirimir retirados da imprensa anarquista. Cada volume
limites e deficiências provenientes não só das tem um texto de apresentação escrito por
condições sociais adversas, mas também dos pesquisadores e pesquisadoras do anarquismo no
efeitos desfavoráveis vindos de seus ancestrais ou Brasil. O texto de apresentação deste primeiro
de ordem de má formação orgânica. Além de livro da coleção foi escrito pelo professor e
definir no primeiro capítulo sua concepção de pesquisador Guilherme Carlos Corrêa da UFSM
educação, partilhada no movimento operário no Rio Grande do Sul. Guilherme elaborou um
anarquista, segue nos outros três capítulos a primoroso trabalho de apresentação ao livro de
detalhar a diversidade de sentidos existentes em Maria Lacerda de Moura, ao evidenciar
cada um de nós e de como exercitá-los particularidades da pedagogia libertária da autora
devidamente na infância a fim de contornar e de como neste livro encontramos hoje um
possíveis deficiências herdadas de seus registro do momento na história educacional no
antepassados. Este livro lamentavelmente não Brasil quando na escola oficial optou-se pela
teve reedição. Mas deixo aqui registrado uma boa psicologização da educação em detrimento de
notícia: este livro é o primeiro da Coleção uma abordagem holista, articuladora de nossa
Pensamento Social Anarquista a ser lançada realidade orgânica, intelectual e social. Tendo
ainda no primeiro semestre deste ano de 2020. A sido inicialmente planejada para vinte volumes, a
coleção contempla livros e opúsculos de vários coleção será em formato e book para baixar
intelectuais operários do movimento anarquista gratuitamente na página da editora da
no Brasil, cujas obras não foram republicadas. Universidade Federal de Campina Grande, a
Haverá também nesta coleção a formação de EDUFCG. <https://editora.ufcg.edu.br/>

114
de sua atividade. O autodidatismo trata, nominação, produção e distribuição dos
portanto, deste implícito de nossas impressos, por exemplo, encontramos
iniciativas: o estopim acionando as presente, de forma marcante e
energias pessoais na procura pelo característica, a existência de um
conhecimento. Dizer de alguém “essa coletivo de pessoas decididas a darem
pessoa tem atitude”, por exemplo, realidade ao periódico. Estes impressos
significa dizer possuir esta pessoa a manifestam a existência de um
capacidade de ação construída, elaborada pensamento coletivo elaborado pelos
e formulada, necessária e integrantes do movimento operário
definitivamente, com considerável grau anarquista. A busca e produção do
de autonomia, rigor, critério e conhecimento passam inevitavelmente
independência. Autodidatismo diz muito pelos habituais encontros nos quais
de nosso mundo escolarizado e diz muito haviam intensas afetações recíprocas.
pouco da educação anarquista. Os Palavras finais
depoimentos de antigos militantes
anarquistas no Brasil (CUBERO, 2015; A ideia difundida amplamente entre os
LEUENROTH, 2016; JEREMIAS, s/d) e segmentos sociais no Brasil a partir da
mesmo os jornais, livros e revistas inauguração da república, declarando ser
inventados pelos anarquistas, deixam em o mérito intelectual o fator único e
seus parágrafos diversas pistas da suficiente na mensuração das
importância decisiva das interações capacidades individuais constitui um
acontecidas, nos vários tipos de verdadeiro mito. Os anarquistas, do
encontros, à formação do pensamento e, período aqui considerado, elaboraram
por consequência, à produção e ácidas críticas a este mito (CARVALHO,
socialização do conhecimento. Esta 2015; LIMA BARRETO, 1956 e 2016).
dimensão decisiva da educação De saída, estes anarquistas percebiam no
anarquista escapa definitivamente ao conceito de mérito intelectual o defeito
alcance do conceito de autodidatismo, de entender e sugerir ser a inteligência
mesmo tendo estes militantes lançado humana atributo exclusivamente pessoal,
mão do conceito de autodidatismo para mais precisa e diretamente relacionado a
falar da trajetória intelectual própria qualidades particulares orgânicas do
como sendo comum entre os indivíduo. Visto desta maneira, o estudo
trabalhadores anarquistas. em torno da inteligência humana seria
adequado ao campo da biologia e da
Havia profundo dinamismo coletivo não psicologia. As teorias das raças,
apenas nas escolas anarquistas. As abraçadas pelo conjunto da
conferências, os meetings, o teatro, o intelectualidade oficial brasileira do
baile operário, as manifestações período (DIWAN, 2007; SCHWARCZ,
públicas, as reuniões das associações dos 1993), relacionavam a inteligência
trabalhadores, as leituras comentadas humana ao tamanho do cérebro dos
(BARRANCOS, 1998; PARRA, 2017) indivíduos. Craniometria, um ramo da
dos jornais e revistas constituíam Antropometria, era o nome dado a esta
verdadeiros acontecimentos pseudociência (MOURA, 2018a;
simultaneamente organizacionais e GOULD, 1999). Nesta perspectiva, os
intelectuais. Os jornais, por exemplo, teóricos das raças dividiam a
registram em suas colunas a extensão, humanidade hierarquicamente entre
profundidade do significado intelectual e dolicocéfalos, seres pretensamente
educacional inerentes a estas superiores porque possuidores de caixa
instaurações. Desde a concepção,

115
craniana alongada, e braquicéfalos, seres STIRNER, 2001). É de Proudhon a
ditos inferiores porque tinham caixa elaboração de uma concepção de
craniana achatada. Para eles, a sociedade definida enquanto resultante
inteligência humana estava diretamente da convergência de energias corporais e
relacionada à quantidade de massa intelectuais de indivíduos associados em
encefálica de cada indivíduo. diversos tipos de agrupamentos. Cada
um destes grupos é possuidor de uma
O movimento operário anarquista
força coletiva própria e também de uma
recusava em bloco as teorias das raças
consciência coletiva, razão pública ou
(MOURA, 2018a; CARVALHO, 2015;
razão coletiva particular (BANCAL,
LIMA BARRETO, 1956, 2004, 2016;
1984; PROUDHON, 1986). Vem deste
NASCIMENTO, 2012a) com suas
entendimento da vida social humana o
desdobras havidas noutras formas de
conceito proudhoniano de pluralismo
pensamento essencialista, como é fácil
social partilhado pelos anarquistas.
de ser observado no culturalismo e no
Desde os chamados clássicos até os
economicismo, por exemplo. Sem
primeiros instauradores do anarquismo
esquecer da diversidade de
na criação das diferentes associações
manifestações destes dois campos e
operárias, saber, sociabilidade e
também de suas possíveis e curiosas
liberdade são percebidas como estando
combinações. A inteligência humana,
intimamente relacionados. Todos e cada
mesmo tendo no organismo seu suporte
um deles alimentando, potencializando e
necessário, tem expressão através do
expandindo-se reciprocamente. Nesta
conhecimento com suas variações e
perspectiva, quanto maior for o grau de
também sua produção, reprodução,
liberdade existente numa sociedade,
reelaboração e socialização. Todo
maior será a produção de conhecimento.
integrante da espécie Homo Sapiens
A liberdade social favorece a
possui as mesmas capacidades orgânicas
multiplicidade das interações, moldando
para o pensamento abstrato,
a sociabilidade nas variedades de
considerando a existência da diversidade
encontros com suas relações,
de aptidões como dizendo respeito ao
articulações, composições,
campo da educação, isto é, do
convergências, instaurações, mas
aprendizado na forma como acontece em
também com as separações, rupturas,
sociedades com histórias e culturas
conflitos e oposições.
particulares, mas também relacionadas.
Entre os humanos, o conhecimento passa Os anarquistas definiam a inteligência
inevitavelmente pela sociabilidade e esta, humana como social, retirando desta
uma vez existente nas demais espécies definição conclusões coerentes. O
animais, foi exponencialmente conhecimento elaborado no movimento
potencializada através da linguagem. operário tinha a particularidade,
Daniel Everett (2019) denomina muito comparado ao da intelligentsia, de ser
acertadamente a linguagem como sendo intencional e conscientemente coletivo,
a maior invenção humana, cujo sentido é relacional, processual e
comunicar ideias e sentimentos e não circunstancializado. Esta constitui
expressar o pensamento. significativa característica do
pensamento social anarquista. Muitos
Os anarquistas do período aqui
jornais registram a elaboração de artigos
considerado, tanto quanto os pioneiros
em resposta a eventos do momento ou a
do pensamento anarquista, possuíam este
algum outro escrito do mesmo ou de
discernimento (KROPOTKIN, 2009;
outro jornal. Há até mesmo artigos com

116
diversas assinaturas na autoria. Diversos capitalista da economia. Jornais, revistas,
artigos existem ainda assinado com um livros, conferências, escolas, teatro e
“Nós” ou um “Da redação”. Mas ainda há demais atividades foram feitas com
mais. Um grande diferencial deste dinheiro dos próprios trabalhadores e
pensamento tem relação com a negação difundiam as concepções libertárias de
do princípio de autoridade referência. As listas de subscrição
(NASCIMENTO, 2002) propondo e voluntária, presentes nos jornais e
praticando, nas suas várias coletividades, revistas anarquistas, demonstram a forma
a autogestão em substituição à de arrecadação de fundos em defesa de
heterogestão social. Outro diferencial operários deportados, enfermos e
deste pensamento diz respeito à acidentados no trabalho. O movimento
multilateralidade nos estudos e análises: operário chegou até a abrir lista de
os eventos humanos vistos na subscrição arrecadando recursos
complexidade de suas diversas facetas, enviados aos revolucionários mexicanos
sem eleição de uma instância durante a revolução mexicana nos anos
determinante, de maior importância ou da década de 1910 e para Kropotkin
tendo primazia sobre as demais. quando adoeceu em 1920. Estes recursos
eram dirigidos também para a realização
A negação do antropocentrismo constitui
de diversos congressos de abrangência
ainda outro aspecto singular do
regional, nacional e internacional. Isto
pensamento social anarquista. Desta
sem esquecer do envio habitual de
recusa se origina a crítica radical dos
militantes em viagens de propaganda
anarquistas aos modernismos
percorrendo diversas cidades e estados.
autoritários com suas expressões de
Estas iniciativas tinham o objetivo de
centralidade humana posta na sociedade,
realização de palestras sobre a questão
o sociocentrismo, e na individualidade, o
social, ocasião para divulgação dos
egocentrismo. Em anarquia não há
jornais, reunindo novas assinaturas e
centralidade. Há relações, como já dito
fundando associações de classe, escolas,
mais acima. A igualdade e dignidade
grupos de ativistas.
transborda as fronteiras do humano
quando do combate e enfrentamento do Isto tudo tendo acontecido num período
racismo, da xenofobia, do classismo, da absurdamente adverso e desfavorável aos
misoginia, do especismo e de todas as setores populares da sociedade brasileira.
formas de preconceitos e dominação. A É de conhecimento geral entre os
ideia de igualdade e dignidade se estende estudiosos da matéria serem as condições
entre todos os integrantes da espécie de vida e de trabalho dos operários
Homo Sapiens, mas também alcança e marcadas pela superexploração nas
acolhe todos os seres animais e vegetais. fábricas, oficinas e fazendas, com
Mesmo o planeta e o cosmos são salários irrisórios, elevada carestia de
incluídos nas considerações existenciais vida e forte repressão patronal e estatal.
dos anarquistas. Desta maneira, todos Neste ambiente social
somos percebidos como seres igualmente consideravelmente hostil, os anarquistas
cósmicos. combateram com tenacidade o
obscurantismo cristão, o despotismo
Este pensamento foi possível de ser
estatal e a exploração patronal. A
formulado, produzido e socializado
exploração capitalista, por sua vez, só se
através da instauração de uma economia
torna possível através da dominação
distributiva dentro de uma ambiência
política e da cauterização dos afetos
social marcada pela organização
como feito pela religião cristã. Sem

117
nostalgia pelo futuro nem culto ao A repressão apenas não é, nunca foi nem
passado, esses anarquistas inventavam a será suficiente para impor o domínio de
liberdade imediatamente em suas uns grupos sobre os outros. Os setores
pessoalidades, coletivos e coletivos de populares no Brasil cederam aos assédios
coletivos. dos universalismos medievais de feição
nacionalista com o getulismo e o
A eliminação física de muitos militantes
integralismo, classista com o marxismo e
por assassinato, prisão e deportação,
obscurantista com o conservadorismo
significou um verdadeiro epistemicídio
católico, como já foi dito.
(FEYERABEND, 2007) perpetrado
pelas elites dirigentes através da Antes da chamada Era Vargas, o
colaboração e conivência de literatos, movimento operário tinha na ação direta
jornalistas, cientistas e intelectuais. Ao e recusa da ação indireta parlamentar a
estabelecimento e continuidade do marca de existência. Suas diversas
projeto de colonização, posto em associações, como quando criavam
andamento desde a chegada nestas terras escolas por exemplo, resultavam da
dos europeus em suas caravelas, se fazia execução de concepções e ideias
necessária uma cooperação sólida entre libertárias abraçadas pelos operários e
vários setores dos poderosos e populares. Neste mesmo período havia
endinheirados. Esta associação dos por parte dos governantes uso exclusivo
segmentos dirigentes operava alternando da violência no trato da questão social.
e articulando violência, cooptação, Vargas acentuou a truculência e
assédio e aniquilamento físico e brutalidade, mas ao mesmo tempo
histórico. Esse apagamento histórico, procurou cooptar o movimento operário
quanto à presença intelectual dos setores com as ditas leis sociais. Este assédio
populares na configuração da dinâmica alcançou resultados ao obter a adesão de
da vida social no Brasil, foi expressivos setores do movimento
imprescindível para o estabelecimento de operário especificamente e do conjunto
modalidades autoritárias na vida de maior dos segmentos populares.
relação dentro do período chamado Diante disto tudo, o que se depreende
modernidade. quanto ao tema proposto? Vejamos
Desta maneira, o inconsciente coletivo, alguns apontamentos arrematando a
sobretudo nos setores populares da finalização destas linhas.
sociedade brasileira, passou a acomodar As escolas anarquistas inventadas por
exclusivamente referenciais autoritários trabalhadores e trabalhadoras ácratas
para a convivialidade, sem haver lugar significam para nossos tempos um marco
em sua imaginação para as possibilidades em vários sentidos. Primeiro, como
das sociabilidades libertárias. A partir da resultado expressivo de vontades
Era Vargas (1930-1945) aconteceu uma associadas numa dinâmica liberatória,
acentuada difusão das concepções libertária e libertadora. Estas escolas
autoritárias no imaginário coletivo geral. manifestaram e plasmaram, nas
Quer sob a forma do integralismo, do interações estabelecidas no seu
marxismo ou do catolicismo, os dados do cotidiano, as energias intelectuais,
pensamento e as vibrações do afetivas, corporais, e tantas quantas
sentimento, sobretudo nos setores existam, do diverso conjunto de seus
populares, de tão espancados, aterrados e integrantes. Isto vale para ontem como
cauterizados findaram endurecidos, para hoje. Segundo, enquanto presença
insensibilizados, esfriados até solidificar. histórica, um referencial das realizações

118
de operários cujo pensamento social foi trabalhadores e trabalhadoras
formulado em processos anarquistas.
autogestionários. Terceiro, como As liberdades sociais desfrutadas em
indicativo de um gradual e crescente nossa contemporaneidade, como também
encolhimento das práticas de liberdade os conceitos mais respeitosos de
ao longo das décadas a partir da Era dignidade na convivialidade, foram
Vargas, criando um ambiente social e conquistas arduamente alcançadas pelos
escolar cada vez mais claustrofóbico. trabalhadores anarquistas no movimento
As reações às coerções naturalizadas na operário e dentro dos segmentos
escola geraram, nos anos da década de populares da sociedade brasileira. A
1960, diversas críticas radicais à escola greve geral anarquista de 1917 em São
como à escolarização da sociedade Paulo, por exemplo, foi um campo de
(REIMER, 1979; ILLICH, 1990). Em experimentação importante na
boa parte destas análises tem a denúncia transformação do imaginário coletivo e
de ser a escola um ambiente na imposição de mudança dos costumes
concentracionário, punitivo e coercitivo, (LOPREATO, 2000; GODOY, 2017). Se
reprodutor das relações assimétricas e nas escolas contemporâneas meninas e
injustas sob estatismo e capitalismo. Daí meninos estudam juntos, isto só foi
se compreende, terem as propostas de possível por terem os setores populares
desescolarização, como também as escandalizado seu tempo, rompendo
proclamações celebrativas quanto a descaradamente com as práticas
morte da escola, sido recebidas como pedagógicas medievais.
sugestões polêmicas no campo da Os castigos corporais, hoje inadmissíveis
educação nos anos de 1960. No entanto, nas escolas e naturalizados na escola
muito antes desta década os anarquistas oficial até mais da metade do século XX
procederam à diluição da escola na vida no Brasil, foram abolidos primeiramente
social, ampliando exponencialmente o nas escolas anarquistas. Mas nestas
sentido da educação, como de caráter escolas todo tipo de violência, física,
libertário, a todos os campos de sua moral e psicológica, foram abandonadas.
atuação. Nas escolas contemporâneas ainda há
A palavra ‘escola’ é a mesma usada hoje forte presença de processos coercitivos.
e nos jornais, revistas e livros de Conteúdos e programas, carga horária e
trabalhadores/as anarquistas do início do organização institucional nos quais
século XX. Mas os sentidos são estudantes e professores das escolas não
radicalmente diferentes. O que restou das são ouvidos, indicam o ambiente escolar
escolas anarquistas nas escolas atuais diz de coerção naturalizada. A violência
respeito à junção de meninas e meninos atual está presente numa escolarização
em sala de aula e também à abolição dos heterogestionária, formadora de pessoas
castigos físicos. Mas, junto com o mais produtivas, dóceis, disponíveis a dar
acima aludido epistemicídio, veio a vida, a manterem a existência de uma
naturalização da vida social e a perda do sociedade brutalmente desigual tanto em
conhecimento das diversas conquistas relação à concentração do poder político
históricas dos setores populares, como em pequenos grupos quanto à
foi essa de reunir numa mesma sala de concentração da riqueza social. Quando
aula meninas e meninos. A abolição dos acontecem movimentos de afirmação da
castigos corporais nas salas de aulas autonomia dos estudantes, como nos
também foi uma conquista dos eventos de ocupação de escolas

119
acontecidas nestes últimos anos, a reação BANCAL, Jean. Pluralismo e autogestão: os
punitiva é terrível para os envolvidos. A fundamentos. Tradução de Plínio Augusto
Coêlho. Brasília: Novos Tempos Editora, 1984.
máscara democrática cai por terra nas
ações de revanche e nas represálias BARRANCOS, Dora. As “leituras comentadas”:
um dispositivo para a formação da consciência
distribuídas por gestores da educação e
contestatória entre 1914-1930. In: Cadernos
por governantes contra estudantes e AEL: anarquismo e anarquistas. Campinas:SP;
professores. UNICAMP/IFCH, v. 8/9, 1998. p. 151-161.
Enfim, as escolas anarquistas inventadas BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pensar a
por mulheres e homens do mundo do prática. Escritos de viagem e estudos sobre a
educação. São Paulo: Edições Loyola, 1984.
trabalho nos indicam as possibilidades de
(Coleção Educação Popular – 01).
educação e de um modo de vida
libertário, na dependência do CARVALHO, Florentino de. Da Escravidão à
Liberdade: a derrocada burguesa e o advento da
direcionamento das energias pessoais. igualdade social. [1ª ed. 1927]. 2ª edição.
Estas pessoalidades atuando a partir de Apresentação e notas de Rogério H. Z.
suas singularidades próprias e agrupadas Nascimento. Organização e revisão de Renato
em diversas coletividades e associações Lauris Jr. Seridó; RN: Tumulto, 2015.
de associações, favorecem uma expansão CASTRO, Rogério de. Nem prêmio, nem
e difusão significativas das formas de castigo: educação, anarquismo e sindicalismo em
convivência partilhadas no imaginário São Paulo (1909-1919). Curitiba: Editora
coletivo. O entendimento de ser a vida Prismas, 2017.
complexa, diversa, múltipla, mas CODELLO, Francisco. “A boa educação”:
também articulada, ligada, solidarizada experiências libertárias e teorias anarquistas na
Europa, de Godwin a Neill: volume I. Tradução
em fios delicados e importantes que são de Sile Cardoso. São Paulo: Imaginário; Ícone,
cada espécie vegetal e animal dentro de 2007.
um planeta e demais astros no Cosmos,
CORRÊA, Guilherme. Educação,
colocava à criança operária a ocasião comunicação, anarquia: procedências da
para conhecer o espaço no qual vivia sob sociedade de controle no Brasil. São Paulo:
suas diferentes perspectivas, conhecendo Cortez, 2006.
simultaneamente a si própria dentro de CUBERO, Jaime. Jaime Cubero – seleção de
relações e circunstâncias transitórias. textos e entrevistas. São Paulo; Centro de Cultura
Nas escolas, e nas diversas associações Social, 2015.
criadas pelos trabalhadores e DIWAN, Petra. Raça pura: uma história da
trabalhadoras anarquistas, havia a Eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo:
realização e instauração de um mundo Editora Contexto, 2007.
novo, um mundo acolhedor de vários EVERETT, Daniel L.. Linguagem: a história da
mundos e no qual era possível caber maior invenção da humanidade. Tradução de
várias vidas numa vida. Maurício Resende. São Paulo: Contexto, 2019.
FAURE, Sebasten. A Colmeia, uma experiência
pedagógica. 2ª ed. Tradução Antonio Bernardo
Referências Canellas. São Paulo: Biblioteca Terra Livre,
2015.
AZEVEDO, Raquel de. A Resistência
Anarquista: uma questão de identidade (1927- FELTRIN, Tascieli. Educação Popular no
1937). São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Brasil: forças que concorreram para a
Oficial, 2002. emergência da escola nacional. Dissertação
(mestrado). Universidade Federal de Santa
BAKUNIN e outros. Educação libertária.
Maria, Centro de Educação, Programa de Pós-
Tradução de José Claudio de Almeida Abreu.
Graduação em Educação, 2017.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

120
FERRER Y GUARDIA, Francisco. A Escola Cavalcanti Proença. São Paulo: Editora
Moderna. Tradução Camilo Alvares. São Paulo: Brasiliense, 1956. (Coleção Obras Completas –
Biblioteca Terra Livre, 2014. I).
FEYERABEND, Paul. Contra o método. ______. Toda Crônica: Lima Barreto. Volume I
Tradução Cezar Augusto Mortari. 3ª ed. São (1890-1919). Apres. e notas Beatriz Resende;
Paulo: Editora UNESP, 2007. org. Rachel Valença. Rio de Janeiro: Agir, 2004.
FRYE, Northrop. Código dos códigos: a Bíblia e ______. Cartas de um matuto e outros causos.
a literatura. Tradução e notas Flávio Aguiar. São Organização de Rogério Nascimento. Campina
Paulo: Boitempo, 2004. Grande; PB: Bagagem; EDUFCG, 2016.
GODOY, Clayton Peron Franco de (Org.) A LIPIANSKY, Edmond-Marc. A pedagogia
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