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Joaçabanidades – II

Semana passada a Câmara dos Deputados federais aprovou a medida provisória 559,
que grosso modo rege um perdão da dívida pública das universidades privadas, algumas delas
ditas comunitárias – dívida essa que é, em geral, colossal, astronômica. A medida provisória
de autoria do deputado Pedro Uczai prevê o perdão de parte da dívida, a conversão da maior
parte dela em bolsas de estudo, e uma parcela mínima de pagamento em dinheiro. Proposta
tentadora, sem dúvida, e que vai tirar do sufoco muitas instituições. Todavia, como reza o
ditado popular, quando a esmola é demais o santo desconfia...
Embora essa medida tenha sua importância, creio que ela se pauta num princípio
equivocado, e o Sr. Pedro Uczai está no fim das contas fazendo um desserviço à universidade
brasileira, não pelo esforço valoroso de manter algumas universidades privadas funcionando,
mas pelo fato de não se pensar numa contrapartida que realmente alavanque a qualidade
dessas universidades. É fato que as universidades privadas são conhecidas, em sua
imensíssima maioria, como distribuidoras de diplomas, e a precariedade que essas instituições
mostram na pesquisa e pós-graduação é o sintoma mais evidente, mas não o único.
Distribuir bolsas não é algo que deva ser louvado. É uma vergonha sermos obrigados
a isso. Se essas universidades são comunitárias - e a UNOESC, por exemplo, é classificada no
sistema de avaliação do Ensino Superior (ENAD) como instituição pública – então elas teriam
o dever de fornecer ensino gratuito a todos, pois o que é público tem que ser acessível a todos,
preenchidos certos critérios de qualidade para o ingresso (assim como não se pode entrar no
Fórum de bermuda, porém todo mundo pode ter acesso ao Fórum).
Ora, manifestamente não é isso que ocorre. E a bolsa não deixa de ser uma esmola.
Distribuir bolsas para estudantes carentes é um falso compromisso social, que mascara um
problema estrutural maior. Esse problema, não queremos olhar. É feio. E a mentalidade que
impera no mundo político não favorece a ação no sentido de minimizar essas deficiências de
estrutura. Assim, caímos facilmente no engodo de que essa medida provisória é um ganho,
mas ela me parece muito mais um boi de piranha, que serve para arranjar a situação de
instituições que se dedicaram muito à expansão física e pouco à melhoria das condições
simbólicas, da qualidade.
Evidentemente que uma lógica empresarial é importante para a administração das
instituições – e as universidades federais sofrem, dentre outros motivos, pela precariedade no
gerenciamento. No entanto, quando essa lógica empresarial penetra na esfera acadêmica, na
esfera do conteúdo e da vida simbólica da universidade, ela gera um comportamento
institucional devastador para a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão: e os estudantes
arriscam seriamente tornar-se infantilizados alunos de terceiro grau que não correspondem ao
perfil de universitários. Então, algo que era bom no nível administrativo se torna um veneno
no plano acadêmico.
Algumas dessas universidades ditas comunitárias enriqueceram à custa dos
benefícios fiscais, e mesmo seus dirigentes enriqueceram com isso... Tanto quanto eu saiba, a
universidade pública não enriquece ninguém. Então há alguma contradição em chamar de
“públicas” essas universidades privadas. E quando se usa muito o dinheiro para expandir
materialmente e pessoalmente, algum elemento da equação acaba perdendo: nesse caso, a
qualidade do serviço que é prestado, a dificuldade em se criar uma cultura universitária (Um
triste exemplo disso foi a debandada de pesquisadores excelentes que um dia fizeram parte do
corpo docente de nossa universidade local). Podemos vestir a besta com roupas de princesa,
mas a busca pelo lucro gera uma universidade que está longe, muito longe de ser pública.
Que se entenda bem: estou anos-luz de ser contra a presença da universidade em
nossa cidade. Seria um louco desvairado se o pensasse; se advogasse pela extinção de um bem
que é nosso e que é potencialmente benéfico. De modo algum desejo isso! O que eu almejo é
que ela se torne verdadeiramente uma universidade; e me entristece constatar, ano após ano,
que esse aspecto fundamental da educação não penetra em sua malha gerencial. Num mundo
cada vez mais competitivo, a peneira vai se afinando e se o investimento na qualidade do
ensino, da pesquisa e da extensão não for prioritário, infelizmente o rumo é a precarização
crescente, quiçá mesmo a falência. Podemos não estar visualizando isso agora, mas as
consequências aparecerão. Se o governo não estivesse disposto a negociar essa dívida - e se
fosse ele rigoroso ao cobrar (sic) - ia ter muita universidade quebrando.
Um detalhe da medida provisória me parece, contudo, importante: ela vincula o
patrimônio das instituições e de seus gestores ao pagamento da dívida. Se isso não diz nada
em relação à qualidade, ao menos ganha valor no plano moral, pois o setor privado também
faz muita farra com dinheiro público...
Vida longa à universidade pública! Vida longa à universidade comunitária (mas que
elas pertençam efetivamente à comunidade)!

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