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I – O Caminho Ricardiano da Riqueza:

Uma das questões que menos entendo quando vejo debates nas redes
sociais é a constante aversão de pessoas, tanto da Esquerda quanto
da Direita, ao livre-comércio. Não consigo entender como essas
pessoas podem se opor a uma pauta que já é consenso entre
economistas desde pelo menos Adam Smith! Creio que essas pessoas
estejam apenas cegas ao óbvio e precisem de um pouco de iluminação.

O argumento geral em favor do livre-comércio é o mesmo que o


argumento a favor de não se jogar areia nas engrenagens de uma
máquina. A maioria das pessoas, na verdade, são a favor da lógica
básica do livre-comércio sem nem se darem conta, uma vez que ela é
aplicada em outro cenário. Veja o seguinte exemplo: Mato Grosso
produz soja, Minas Gerais produz ferro e Pernambuco cana-de-açúcar.
Mato Grosso compra seu ferro e açúcar de Minas e Pernambuco e paga
pelo que compra com o que vende para fora do estado. Assim o fazem
também Pernambuco e Minas quando querem comprar algo. Porém ai
levanto a seguinte questão: Não seria mais benéfico para todos esses
estados parar de importar esses produtos dos outros e produzir tudo
por si mesmo? Se você é uma pessoa normal diria que é óbvio que não,
pois só um louco iria tentar produzir ferro em Pernambuco, soja em
Minas Gerais e cana-de-açúcar no Mato Grosso. É muito melhor para
esses estados se especializar naquilo que possuem uma vantagem
natural e pagar pelo que importam com as vendas do que produzem.
Se você concorda com essa lógica aplicada ao cenário nacional você
também concorda com ela aplicada ao cenário internacional. A linha de
uma fronteira não refuta o princípio básico: A especialização e o
comércio beneficia aqueles que delas fazem parte.
Diferentes vantagens entre nações surgem em virtude de suas
diferenças em clima, solo, recursos minerais, habilidades tácitas do
indivíduos, estoques de capital e equipamentos e abundância de
recursos humanos e condições do cenário social e políticos. É natural
que as nações queiram aproveitar suas vantagens naturais de maneira
a obter aquilo que não podem produzir em igual eficiência a seus
vizinhos. Quem determina isso? Ninguém, todas essas vantagens ou
são dadas pela natureza aleatoriamente ou surgem espontaneamente
das relações sociais humanas por descobertas de elementos da
dimensão tácita. Mas isso, todavia, não quer dizer que uma nação
completamente ineficiente em tudo em relação a seus vizinhos esteja
fadada a ser isolada do comércio com seus vizinhos. O mesmo se aplica
a um país que seja mais eficiente em produzir tudo, pois ele ainda pode
ganhar com o comércio.

Isso se deve um dos princípios básicos da economia: A Vantagem


Comparativa. Segundo esse princípio desde que uma nação tenha
uma eficiência inferior em produzir alguns bens ao invés de outros, o
país deveria importar os bens nos quais tem uma eficiência inferior e
exportar os bens nos quais tem uma eficiência superior.
Vamos ilustrar isso com um exemplo para ficar mais claro. Suponha que
o Reino de Gondor é mais eficiente, em sentido absoluto, que o
Condado em produzir tanto espadas quanto milho. Os trabalhadores e
os recursos de Gondor podem produzir 600.000 quilos de milho e
500.000 espadas por ano, ou mais de um aos custo de se produzir
menos de outro. Desde que mais trabalho e recursos sejam destinados
à produção de espadas do que milho, um deslocamento de recursos e
trabalho entre essas industrias fará com que seja produzida 3 espadas
a mais para cada quilo de milho que se deixa de produzir, ou 1/3 de
milho a mais para cada espada que se deixa de produzir. Ou seja, o
custo de substituição é de 3 espadas por um quilo de milho (ou 1 espada
por 1/3 quilo de milho).

No Condado, o trabalho e recursos disponíveis podem produzir 400.000


espadas mais 300.000 quilos de milho por ano. Devido à ineficiência e
as desvantagens do uso dos fatores no Condado, ambas as produções
de milho e espadas são feitos em uma produção menor do que em
Gondor. Todavia, a desvantagem relativa do condado é maior em
relação a produção de espadas do que a produção de milho: uma
alocação de trabalho e recursos entre essas industrias irá produzir mais
de um produto e menos de outro a um custo de substituição de 2
espadas para 1 quilo de milho (ou 1 espada para 1/2 quilo de milho).
Como os custos de substituição diferem entre as duas nações, estão
estabelecidas as condições necessárias para a realização de uma troca
benéfica.

Agora o comércio internacional é aberto entre as duas nações. Uma vez


que o custo de substituição de milho em termos de espadas não
produzidas é maior em Gondor do que no Condado, Gondor importa
milho e paga com espadas. Os termos de troca entre espadas e milho
tem que ser algo entre o custo de substituição entre os dois países;
vamos supor que 2 x 1/2 espadas trocadas por 1 quilo de milho. Esses
termos permitem que Gondor consiga mais milho sem precisar fabricar
menos espadas e que o Condado consiga mais espadas sem precisar
abrir mão de sua produção de milho.

Suponha que o povo de Gondor corte sua produção anual de milho em


100.000 quilos de 500.000 quilos anuais para 400.000 quilos anuais e
que, de acordo com o seu custo de substituição de 1 quilo de milho=3
espadas, expandam sua produção anual de espadas em 300.000
unidades de 600.000 para 900.000 unidades anuais. O povo do
Condado corta sua produção anual de espadas em 240.000 unidades
de 400.000 para 160.000 unidades produzidas anualmente e que, de
acordo com seu custo de substituição de 1 quilo de milho = 2 espadas,
expandam sua produção de milho em 120.000 quilos de 300.000 para
420.000 quilos anuais. Vamos supor que Gondor troque com o Condado
275.000 espadas por ano por 110.000 quilos de milho, como fica
definido em seus termos de troca de 1 quilo de milho por 2 x 1/2 de
espadas.

Assim, o livre comércio entre essas nações permite que o povo de


Gondor consuma 25.000 espadas e 10.000 quilos de milho a mais do
que quando não realização comércio. O povo do Condado pode agora
consumir 35.000 espadas e 10.000 quilos de milho a mais do que antes.
Ambas as nações claramente ganham com o processo de livre troca.
Que um país é absolutamente ineficiente e outro absolutamente
eficiente não importa para que a troca seja benéfica para ambos.

Essa é a razão que David Ricardo mostrou, em sua obra “Princípios


de Economia Política”, como sendo a razão pela qual o livre-comércio
é sempre benéfico para aqueles que dele participam e que ele é um
caminho certo para a riqueza. Mas, claro, você poderia contestar a
lógica de Ricardo dizendo que: “Não seria melhor que Gondor
produzisse tudo que necessitava ela mesma ao invés de entregar seu
ouro aos hobbits nessas trocas internacionais?”
Existe duas falhas fundamentais nessa linha de pensamento.
Primeiramente é que Gondor não pode produzir tudo de que precisa.
Seus recursos, trabalhos e vantagens naturais são limitados e só
podem ser eficientemente empregados em certas atividades, ou, do
contrário, irá empregá-las na produção de algo na qual não são bons
realmente em produzir. Isso é o que eu chamo de A Lei de Smith. Ela
é colocada de forma mais elaborada nas palavras do próprio Adam
Smith, onde segundo ele:
“Os monopólios domésticos estabelecidos pelas regulações de
comércio frequentemente dão um grande incentivo a um tipo
particular de industria as quais se aproveitam disso e
frequentemente deslocam o emprego de uma grande
quantidade do trabalho e os recursos da sociedade para
atividades as quais não seriam realizadas se não fosse por
essas regulações. Todavia, nenhuma regulação do comércio
pode aumentar a quantidade de industrias de uma
determinada sociedade além do que seu capital pode manter.
Elas podem apenas desviar parte do capital para uma direção
não qual não teria ido de maneira natural; e de nenhuma
maneira é certo que essa nova direção artificial será mais
vantajosa para a sociedade do que aquela que teria sido no
curso natural de seus usos.” (Riqueza das Nações, livro IV,
capítulo II).
A outra falha desse raciocínio é em não perceber que “ouro” ou qualquer
moeda usada em trocas internacionais não é nada além disso: um meio
de troca. Para ilustrar o que quero dizer vamos supor que a moeda de
Gondor seja a Coroa de Numenor e a do Condado seja o Pence de
Arnor. Quando um fazendeiro do Condado exporta seu milho pra
Gondor, ele o faz na moeda do país para o qual está exportando, ou
seja ele ganha em Coroas de Numenor. Todavia, o que ele pode fazer
com essas moedas? A menos que ele vá gastá-las em Gondor, ele não
pode usá-las para comprar nada uma vez que a moeda circulante
dentro de sua nação é o Pence de Arnor. Contudo, ele conhece alguém
que gostaria de importar algumas espadas gondorianas para se equipar
para uma aventura até Erebor. Assim ele troca suas Coroas de
Numenor por Pences de Arnor com esse aventureiro e assim tanto
nosso fazendeiro agora pode comprar o que quiser dentro do Condado
(considerando que o Pence de Arnor não seja muito desvalorizado em
relação a Coroa de Numenor e que a inflação seja controlada) e nosso
aventureiro pode importar suas espadas.

Se o condado apenas acumulasse reservas de nada adiantaria. Uma


das razões para isso é que o acumulo de Coroas de Numenor dentro
da economia do Condado iria fazer com que essa moeda ficasse
sobrevalorizada em relação ao Pence de Arnor. Uma vez que existe
mais Coroas em “circulação” dentro do Condado, seu preço cairia e isso
acabaria por inviabilizar algumas exportações do Condado. O mesmo
aconteceria se ocorresse o contrário, uma grande desvalorização, uma
que inviabilizaria o comércio entre Gondor e o Condado e tornaria
extremamente caro uma série de insumos necessários para uma série
de atividades produtivas dentro do Condado.

A outra razão é que moedas de nada servem se não podem comprar


coisas. Um descompasso entre a quantidade de moeda e a quantidade
de produtos ofertados que se pode comprar com essa moeda tende
somente a produzir inflação, uma vez que mais pessoas poderão dar
lances maiores em termos de quantidade monetária para uma mesma
quantidade de bens. Esse foi precisamente o caso dos países Ibéricos
durante a Era Mercantilista, onde ambos, Espanha e Portugal,
acumularam grandes quantidade de ouro sem um proporcional
aumento de produção e o resultado foi uma desvalorização de suas
respectivas moedas nacionais e uma subsequente hiperinflação. Seja
aqui ou em Westeros, simplesmente acumular moeda, seja de que tipo
for, não é o caminho para a riqueza.
Outra contestação que se pode lançar sobre a lógica ricardiana é que
nada impediria que Gondor, por exemplo, de subsidiar a produção de
produtos dentro de seu país de forma a torná-los artificialmente mais
baratos e então derrubar o produtor hobbit do Condado, o
vulgo dumping. Mas ai lhe pergunto: qual o problema com isso?!
Em primeiro lugar um dumping é literalmente o caso de um governo
gastando os recursos e trabalho de sua população para nos ofertar algo
mais barato sem que nós paguemos por esses custos por eles
incorridos. Quem é que reclamaria de algo assim? Se eles querem
empobrecer sua população dessa forma para nos dar roupas, alimentos
e telefones mais baratos, quem somos nós para recusar tamanho ato
de generosidade de uma nação tão amiga?
Segundo é que o dumping, quando praticado por multinacionais, por
exemplo, não faz sentido nenhum.
Vamos supor que uma multinacional agrícola de Gondor entre no
mercado do Condado e pratique dumping até quebrar os agricultores do
Condado. Depois de penetrar nesse mercado e quebrar seus
concorrentes, eles terão que aumentar os preços bem acima do nível
original para compensar seus prejuízos. Isto afastará os consumidores.
Os produtores do Condado, mesmo não tendo podido igualar as baixas
de preço no período anterior, considerariam agora nesse cenário
lucrativo voltar ao mercado. Com os preços de volta a seu nível original,
os gondorianos não conseguiriam recuperar seus prejuízos e seus
concorrentes que tentaram destruir voltariam ao que eram antes.
Claro, você poderia dizer que os agricultores do Condado não voltariam
imediatamente, uma vez que leva tempo até que uma firma possa se
reerguer. Mas a verdadeira questão é que eles não precisam sequer
fechar seus negócios. Tudo que tem que fazer é se recusar a
acompanhar o corte de preços dos gondorianos. Você poderia dizer que
sou louco ao sugerir isso, pois ninguém compraria um produto
relativamente mais caro. Porém, se ninguém comprar das empresas do
Condado, os gondorianos se verão abastecendo o mercado do
Condado inteiro a um preço com o qual perderão dinheiro. Eles não
terão apenas que absorver a produção das companhias hobbits, mas,
mais do que isso, terão que vender a preço rebaixado para um mercado
amplificado, por incentivos que eles mesmos criaram. Isso certamente
seria ruinoso para os gondorianos, de tal forma que, para evitar esses
prejuízos enormes, eles seriam forçados a vender a quantidades
limitadas, de tal forma que ainda seria lucrativo para as empresas
hobbits venderem.

O que quero deixar claro aqui é: Não existe alternativa à riqueza que
não seja o livre-comércio e a globalização. Lutar contra ela, em todos
os seus aspectos, é tentar lutar contra a própria natureza da economia
e um caminho direito para a ruína de um povo.

II – O Mito do Intervencionismo Japonês:


É comum ver nos dias de hoje, sobretudo em círculos de debate da
Esquerda (desenvolvimentistas), um certo argumento de que o
intervencionismo governamental no Japão foi responsável pela
fabulosa industrialização do país. Foi por meio de subsídios, planos
governamentais e afins que o Japão foi de uma pilha de destroços
radioativos para uma potência tecnológica.

Todavia, esse argumento não condiz com a realidade dos fatos.


Geralmente autores que levantam esse argumento confundem uma
mera correlação com uma causalidade. O desenvolvimento do Japão
nunca foi uma consequência direta de intervencionismo estatal.

Creio que para provar meu argumento basta olhar a história econômica
do Japão.

Durante a Era Tokugawa, de 1603–1868, durante o governo dos


xoguns, o Japão era um país feudal completamente isolado do resto do
mundo. Essa era, em verdade, algo que fazia parte da mentalidade do
Estado japonês. O Japão foi talvez o único país da Ásia Oriental a não
ser imperializado pela China. Os japoneses sempre tiveram a ideia de
que seu país era um nação predestinada à grandeza, pois ela era filha
do Sol Nascente e seu imperador era um enviado dos deuses para
proteger seu povo dos invasores estrangeiros. Isso fica claro
nos Registros da Sucessão Legítima dos Divinos Soberanos, onde:
“O Japão é um país divino. O ancestral celestial foi aquele que
ergueu suas primeiras fundações, e a Deusa do Sol deixou
seus descendentes para reinar sobre ele para todo o sempre.
Isso só é verdade para o nosso país, e nada de parecido pode
ser encontrado em terras estrangeiras. É por isso que o
chamamos de país divino”
Durante seus 11 mil anos de história, o Japão dificilmente se aventurava
para além de suas fronteiras, concentrando suas ações militares em
conflitos internos. A única exceção foi em 1590, quando o unificador do
Japão, o daimiô Toyotomi Hideyoshi, o grande líder do período
Sengoku, tentou derrotar a Dinastia Ming por meio de uma invasão da
Coreia e da Manchuria. Seu objetivo era derrotar os chineses e livrar os
japoneses da opressão naval de Pequim. Todavia, a campanha foi um
fracasso, mesmo tendo sido realizada duas vezes. Na última tentativa
Hideyoshi teve sua frota destruída pelas forças do almirante chinês Yi
Sun-sin e suas tropas derrotadas pelas forças do imperador Wanli em
Pyongyang. Após isso ele teve que recuar para o Japão, sendo
perseguido pela frota de Sun-sin. Porém, como relata o historiador
Samuel Hawley em “Imjin War”, o Japão foi salvo de uma invasão por
parte dos Ming pelo um vento divino, Kamikaze, que destruiu a fronta
chinesa antes de ela aportar em Nagasaki.
A partir desse episódio, os japoneses adotaram uma política de
isolamento total que tornou o país extremamente atrasado em termos
de produção em comparação com seus vizinhos chineses e reduziu sua
economia à agricultura feudal. Até a Restauração Meiji, o Japão
mantinha relações comerciais mínimas apenas com a Coreia e, após a
expulsão dos portugueses e holandeses de Nagasaki em 1587 por
Hideyoshi, não manteve nenhuma forma de laço comercial com o
Ocidente.

Após os americanos, sob o comando de Matthew Perry, abrirem os


portos japoneses a força em 1853 e os Tokugawa serem derrotados
junto com os outros xoguns em Kioto em 1868 pela Dinastia Meiji, sobo
o comando de Mutsuhito Meiji, o Japão se abriu para o mundo e teve
que adotar certas práticas ocidentais para sobreviver no novo mundo.
O livre-comércio teve um papal importante no desenvolvimento
econômico japonês após a Restauração. Todavia que empresas
estrangeiras dominassem inicialmente o comércio, os japoneses logo
aprenderam como competir: eles importavam tecnologia e rapidamente
incorporavam essas tecnologias à industria japonesa. Isso se
desenvolvia, lembrando, em um cenário de livre-comércio. Isso se devia
aos tratados assinados pelo Japão após a Restauração que proibiam
restrições ao comércio com os países ocidentais. Como relata o
historiador William Lockwood em “The Economic Development of Japan”:
“Até 1899, as tarifas de proteção eram completamente
barradas pelos acordos assinados em 1858 e 1866 com as
Potências Estrangeiras. O acordo de 1866 ainda estabelecia
que as taxas de importação e exportação do Japão fossem
mantidas extremamente baixas pelos próximos trinta anos.
Mesmo a recuperação da autonomia tarifária em 1900 ainda
mantinha vários itens sob as restrições dos tratados. As
tarifas não eram mais altas do que 10 ou 15% mesmo após a
revisão de tarifas de 1911” (pág 539).
E, como Lockwood documenta, mesmo essas pequenas taxas
colocadas sobre certos setores não tinham qualquer efeito no
desenvolvimento da nação:

“Muitas tarifas japonesas eram inteira ou parcialmente


ineficientes em garantir a posição do produtor doméstico
japonês no mercado interno e externo. A maioria da estrutura
industrial japonesa após 1900 não dependia em nenhuma
medida da proteção governamental.” (pág 543).
E, mesmo a ação governamental direta, como documenta Lockwood,
era quase inexistente nesse período:

“Um estudo de todo processo do desenvolvimento econômico


no Japão moderno leva à convicção que o verdadeiro impulso
veio em grande medida de fora do ambiente político nacional
e da atividade estatal. Esse último, no máximo, apenas
acelerou um processo de industrialização que já estava
ocorrendo. Fora serviços públicos essenciais, o governo
apenas provia uma parte negligenciável do PIB japonês. Além
disso, o crescimento real da economia japonesa ocorreu em
áreas que não possuíam nenhuma forma de suporte ou
subsídio do governo” (pág 574).

Esse fabuloso processo de industrialização e exportação crescente é


ainda visível nos dados já no período dos acordos de 1858 e 1866:

http://www.jei.org/Restricted/JEIR00/0003f.html
Após a Segunda Guerra, alegam os desenvolvimentistas, também
houve um forte período de crescimento industrial no Japão (o que é uma
realidade inegável) e esse crescimento foi em grande parte promovido
por meio das intervenções econômicas do Ministério do Comércio
Internacional e da Indústria (MITI, em inglês), um tipo de BNDES
japonês. Porém, essa alegada virtude do MITI é falsa. Como mostra o
economista Phillip H. Trezire em um estudo do Brookings Institution
entitulado “Asia’s New Giant: How Japanese Economy Works”:
“As políticas adotadas pelo MITI — proteção contra
importações, controles sobre investimento estrangeiro e
entrada de tecnologia estrangeira, ajuda financeira para
industrias selecionadas, incentivos fiscais seletivos e
administração executiva de algumas industrias para impedir
excessos de investimento e produção — de nenhuma maneira
foram a causa do crescimento rápido da economia japonesa. É
em boa medida incerto se essas políticas foram realmente
responsáveis pelo positivo — se não as vezes negativo —
 crescimento e desenvolvimento que a elas é atribuído.(pág
793).

Na verdade, se olharmos o histórico do MITI encontraremos uma série


de inúmeros fracassos e poucos acertos, esses os quais são
propositadamente selecionados pelos desenvolvimentistas como
exemplos fabulosos e gerais do sucesso de suas políticas. Dentre
algumas das falhas do MITI apontadas estão:

— No começo dos anos 1950, o MITI planejou eliminar todas as


companhias automobilísticas que não a Nissan e a Toyota acreditando
que ter mais de duas companhias seria ineficiente. Felizmente para os
japoneses (e para apreciadores de esportivos japoneses) essa política
falhou miseravelmente.

— Ainda nos anos 1950, o MITI se recusou a permitir que a SONY


importasse tecnologia de transistores. Ainda que a SONY tenha
conseguido vencer as barreiras do MITI, ela levou 2 anos esperando
até conseguir importar os componentes em virtude da burocracia do
MITI. E, ao mesmo tempo, o MITI deu subsídios para duas outras
companhias criarem televisores obsoletos de tubo.

— Um esforço de 30 anos em desenvolver um reator nuclear que


terminou em um fracasso de 5 bilhões de dólares.
— Um esforço hercúleo para lançar em 1982 o desenvolvimento de
computadores de primeira geração que depois se mostrou um fracasso
pois o processo de mercado naturalmente levou o setor de computação
para um caminho totalmente diferente do intencionado pelo MITI.
— Um grande esforço de desenvolvimento de televisores de alta
definição falhou quando o sistema que o MITI intencionou e investiou
1,2 bilhões se tornou obsoleto.
Outras falhas incluem planos de desenvolvimento de uma frota
mercante movida a energia nuclear, preferência à televisão de cabo ao
invés da de satélite, uma broca de perfuração de óleo por controle
remoto e um alto-forno movido a energia nuclear. E, como mostra
estudo de Dick Beason e David Weinstein, não existe evidência
econômica que prove que o MITI teve qualquer influência geral no
desenvolvimento econômico japonês.
As reais causas do desenvolvimento japonês foram sua estabilidade
macroeconômica e não as políticas de intervenção do governo. Como
nota o economista americano David R. Handerson foram os altos níveis
de poupança e não o MITI que promoveram o desenvolvimento japonês.
Além disso é bom notar os índices controlados de inflação e as
instituições sólidas que o Japão tem.

https://pt.tradingeconomics.com/japan/inflation-cpi

III – A Dependência da Teoria da Dependência.


Uma das teorias mais difundidas por desenvolvimentistas aqui na
América Latina diz respeito à famosa teoria do economista argentino
Raúl Prebisch de que que os termos de troca (os bens usados para
pagar pelas importações) sofriam uma degeneração em seu valor uma
vez que tendiam a permanecer com o mesmo preço ao passo que os
bens industrializados tendiam a aumentar seu preço, fazendo com que
seja necessário cada vez mais do bem exportado para se comprar a
mesma quantidade do bem industrializado importado. Segundo
Prebisch os países industrializados ricos de Primeiro Mundo usariam
isso para fazer de servos os países pobres do Terceiro Mundo por um
processo de imperialismo econômico. Para sair dessa armadilha criada
pelas potências econômicas imperialistas seria necessária a adoção de
uma política industrial que fizesse os países de Terceiro Mundo
aumentassem sua produção de bens de alto valor agregado nas
cadeias globais de valor.
Todavia, essa teoria sofre de falhas horrendas. Parece meio óbvio ao
senso comum que um país pobre um ano possa comprar um caminhão
com quatro toneladas de soja e que 15 anos depois precise vender vinte
toneladas para a mesma finalidade. Essa demonstração aparentemente
inquestionável omite, entretanto, que no caso de países
subdesenvolvidos se trata geralmente daquela mesma soja, mas não
do mesmo trator. Enquanto a maioria dos países subdesenvolvidos,
geralmente por força de suas históricas elites extrativistas, não tenham
se preocupado com a diversificação nem com a qualidade dos produtos
que ofertavam no mercado (geralmente por força de serem protegidas
das consequência de sua ineficiência pelo Estado, como no caso dos
produtores brasileiros de café na República Velha), os produtos
industrializados não paravam de sofrer inovações e de sofrer
disrupções criativas. Somente se um país perde sua produtividade
relativa ao passar dos anos, geralmente por causa de políticas de
desenvolvimento fracassadas, é que sofrerá com a degeneração dos
termos de troca. Porém isso não significa que um país que só exporte
commodities ou afins esteja fadado aos problemas da degeneração dos
termos de troca. A questão aqui não é o tipo de produto, mas a
produtividade relativa para cada produto.

Vejamos o exemplo do Brasil em uma área que ele possuem alta


produtividade, que é a produção de carne bovina, e vamos ver se
historicamente ele sofre com a degeneração dos termos de troca.
Vamos tomar o período de 9 anos entre um pagamento exportação-
importação e outro. Nesse caso vamos olhar se a carne brasileira sofre
com a degeneração dos termos de troca quando olhamos quanto dela
é necessário para comprar 1 Iphone.
A média do preço da carne brasileira em 2007 era de 2.6 dólares o quilo
no mercado internacional (bolsa de chicago). No mesmo ano o Iphone
I custava 2.258 reais. Ou seja, para comprar 1 Iphone I era necessário
exportar 868 quilos de carne para fora. Se pegarmos agora o ano de
2016, a média do preço da carne brasileira era de 4.2 dólares o quilo no
mercado internacional (bolsa de chicago). No mesmo período o Iphone
7 era vendido no Brasil a 3300 reais. Ou seja, era necessário exportar
785 quilos de carne para comprar 1 Iphone 7.

Olhe que interessante, o produto exportado permaneceu uma


commoditie e o produto estrangeiro comprado mudou sua produtividade
e seu tipo, tendo mais valor agregado, porém agora eu preciso
exportar menos carne para comprar um produto
industrializado melhor em respectiva taxa de câmbio. Também é
interessante notar que o valor da carne brasileira, se olhado a série
histórica, foi de U$ 1.65 em 1998 para U$ 3.92 em 2018. Ou seja, onde
está os efeitos horrendos profetizados por Prebisch para as economias
exportadoras de commodities? Ela existem menos do que a alegada
dependência que ele dizia que os países de Terceiro Mundo sofreriam
dos países ricos. Na realidade, o que nos tornou mais vulneráveis e
dependentes foi justamente termos adotado as políticas prescritas pelo
senhor Raúl Prebisch e seu colega brasileiro Celso Furtado.
https://tradingeconomics.com/commodity/beef

IV – As Ilusões do Brexit.
Nos últimos tempos alguns conservotolos iniciaram uma forma de Nova
Cruzada contra um tipo de inimigo novo: os globalistas. Movimentos
nacionalistas surgiram em todo mundo e teorias da conspiração
permeiam cada canto da Internet com artigos e pessoas brandando
contra A Nova Ordem Mundial, a imoral globalização e atacando de
todas as formas possíveis filósofos popperianos húngaro-americanos.

Um desses movimentos nacionalistas, encarnado na figura do UKIP


(United Kingdom Independence Party), liderou um grande movimento
no Reino Unido pela saída do país da União Europeia sob a alegação
de que a UE seria um plano globalista de dominação para minar a
nacionalidade britânica e someter os cidadãos britânicos à tirania das
burocracias de Bruxelas. Em 29 de Março de 2017, após referendo, os
britânicos escolheram apoiar o plano do UKIP e sair da UE sob a
promessa de que assim seria mais prósperos e teriam sua identidade
nacional defendida. Todavia, será que isso tem alguma base realística?
Vamos supor que o Brexit dê certo (coisa que não está acontecendo
muito nem para o cidadão nem para o governo) e os britânicos saiam
ilesos do processo. Mesmo com a saída, 39.8% do comércio britânico
ainda é feito com a UE (seu maior parceiro comercial) e muito
provavelmente os britânicos iriam querer manter suas relações
econômicas com a Europa. Ele poderia fazer isso se tornando membro
da European Economic Area (junto com outros países não-associados
à UE, como a Noruega e Liechtenstein). Porem, se fizer isso, o Brexit
não passará de um movimento circular tolo, pois os membros da EEA
ainda tem que se submeter a uma série de regulações e legislações
feitas em Bruxelas. No fim das contas apenas viraria um servo da UE.
O exemplo norueguês talvez seja mais ilustrativo do caso. A Noruega
ainda tem que aplicar para sua sobrevivência econômica uma série de
regulações econômicas que não são feitas pelo parlamento em Oslo,
mas sim em Bruxelas. Tanto é que, para a grande maioria dos
noruegueses, a sua soberania enfraqueceu permanecendo fora da
União Europeia e não o contrário como pensam os intelectuais do UKIP.
Outra saída para os britânicos seria negociar uma série de acordos
bilaterais com a União Europeia de maneira a garantir que suas
empresas tenham acesso ao Mercado Comum. Todavia, essa
estratégia ignora uma verdade dura: a União Europeia não tem razões
para aceitar uma negociação boa para os britânicos. A UE é a maior
economia do mundo, compota de várias economias com diferentes
vantagens comparativas, e estaria em uma posição de negociação
muito melhor para um acordo bilateral do que os britânicos. Isso é tão
verdade que uma das cenas mais caricatas do Brexit são as piadas e
barreiras criadas pelo presidente da comissão européia, Jean-Claude
Juncker, a um acordo desse tipo.
Uma outra saída para os britânicos poderia ser negociar alguma forma
de acordo comercial que desse ao Reino Unido alguma forma de
acesso ao Mercado Comum. Todavia, essa estratégia ignora os custos
de transação de acordos comerciais com a União Europeia. Um
exemplo desses custos é a dificuldade recente de se firmar um acordo
comercial entre a UE e o Canadá em virtude de divergências
regulatórias entre ambas as partes, sobretudo com relação à questões
agrícolas. Além disso, como o Reino Unido opera, por meio da CITY,
como um reduto bancário de operação no Mercado Comum, uma luta
regulatória poderia trazer uma imensa instabilidade financeira tanto
para a UE como para o Reino Unido. Na verdade, isso já está
ocorrendo.
Seja qual for o plano adotado pelos britânicos é bom que ele venha logo
e que seja rápido, pois, com uma onde de protecionismo acelerando
pelo mundo, se tornará cada vez mais difícil para a velha e decadente
rainha do mar achar parceiros comerciais para realizar trocas para
sobreviver.

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