Você está na página 1de 1

Um programa de intervenção com mães vítimas de violência doméstica

Prof. Dr. Paulo Celso Pereira


Centro Universitário UNIFAFIBE

Profa. Dra. Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams


Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Laboratório de Análise e Prevenção da Violência / LAPREV (www.ufscar.br/laprev)
A violência intrafamiliar, além de uma violação dos direitos humanos, é um grave
fator de risco em qualquer fase do desenvolvimento humano (Pereira, Santos, &
Williams, 2009). Na situação de violência conjugal, a mulher, geralmente, é a vítima
e, seu parceiro íntimo é o agressor ou um familiar do sexo masculino (Pereira,
D’Affonseca, & Williams, 2013). O Laboratório de Análise e Prevenção da Violência
(LAPREV), do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), desenvolveu um programa de intervenção denominado Projeto Parceira
(Williams, Padovani, & Araújo, 2008a; Williams, Maldonado, & Araújo, 2008b), cuja
proposta é ensinar habilidades parentais para mulheres vítimas de violência conjugal Os resultados do SDQ (Goodman, 1997; Fleitilich-Bilyk & Goodman, 2001),
(Williams, Santini, & D’Affonseca, 2012). conforme Figura 2, revelou efeito positivo do programa de intervenção. As
diferenças de pontuação nos três momentos de avaliação foram estatisticamente
OBJETIVO significativas (P=0,001). Houve uma redução acentuada da pontuação entre pré-
Aplicar e avaliar um programa de intervenção para ensinar habilidades parentais a intervenção e pós-intervenção, como também houve um aumento acentuado da pós-
mães agredidas (vítimas de violência doméstica) de crianças vitimizadas. intervenção para o follow-up, apesar das medianas serem próximas.

MÉTODO
Participaram do programa de intervenção 17 mães, que foram atendidas nas suas
respectivas casas.
O programa de intervenção foi avaliado com os seguintes instrumentos:
1) Ficha de Avaliação Diária (Williams, 2009): uma folha de registro que a mãe
preenchia, dia-a-dia, com periodicidade semanal, para avaliar bem-estar e senso de
competência materna, em uma escala de 1 a 10.
2) Inventário de Estilos Parentais – IEP (Gomide, 2006): instrumento A análise estatística dos dados do CAP (Milner, 1986), conforme Figura 3, não
desenvolvido no Brasil, contendo 42 itens correspondentes a sete práticas educativas revelou diferença significativa comparando-se a pré-intervenção, pós-intervenção e
parentais, sendo duas positivas e cinco negativas. Para cada prática educativa foram follow-up, sugerindo, quanto ao índice de potencial de abuso das mães que o
elaboradas seis questões, distribuídas ao longo da escala. programa utilizado não produziu efeitos positivos. Porém, é preciso ponderar que foi
3) Inventário de Potencial de Abuso (Child Abuse Potential Inventory – CAP) utilizada uma versão brasileira do instrumento, ainda em fase de validação (Rios,
(Milner, 1986): é composto por 160 itens, nos quais o respondente deve assinalar Williams, Schelini, Bazon, & Piñón, 2013) e, a nota de corte para indicar presença
com um “x” se concorda ou discorda da afirmação proposta ou não de potencial de abuso físico se pautou na versão americana (original); por
4) Questionário de Capacidades e Dificuldades (Strenghs and Difficulties fim, as mães acharam o instrumento muito extenso e com enunciados parecidos ou
Questionnaire – SDQ) (Goodman, 1997; Fleitilich-Bilyk & Goodman, 2001): iguais, revelando desconforto ao preenchê-lo.
contém 25 itens divididos em cinco sub-escalas: Problemas Emocionais; Problemas
de Comportamento; Hiperatividade; Problemas de Relacionamento com Colegas e
Comportamento Prossocial, com cinco itens para cada sub-escala.
O programa de intervenção utilizado foi o Projeto Parceria (Williams et al., 2008a
e b). É um programa de intervenção psicoeducativo para mães com histórico de
violência intrafamiliar, com dois módulos: 1) Uma vida livre de violência (Williams
et al., 2008a), é psicoterapêutico e 2) Educação Positiva dos seus filhos (Williams et
al., 2008b), com proposta educacional. O material do Projeto Parceria (Williams et
al., 2008a e b) está disponível no site do LAPREV, www.ufscar.br/laprev. CONCLUSÃO
 Procedimento Os dados obtidos com a avaliação do programa de intervenção indicam que
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado por um Comitê de Ética em houve um aumento significativo do registro de bem-estar por partes das mães
Pesquisa com Seres Humanos. As mães assinaram o Termo de Consentimento Livre após a intervenção, uma melhora significativa no seu estilo parental, bem como
e Esclarecido. A coleta de dados obedeceu a seguinte sequência: 1) aplicação dos uma diminuição significativa da sua percepção acerca dos problemas de saúde
instrumentos IEP, CAP e SDQ, para avaliação de pré-intervenção; 2) condução do mental dos filhos.
programa de intervenção – Projeto Parceria e, concomitante preenchimento e A adesão das mães ao programa de intervenção foi de 100%. Esse é um dado
entrega, a cada encontro semanal, da Ficha de Avaliação Diária; esse instrumento foi relevante, pois os estudos com famílias com altos riscos revelam baixa adesão
entregue às mães pela primeira vez, na semana anterior ao início da intervenção, para dos participantes aos programas de intervenção (Marinho & Silvares, 2000;
obter uma medida de linha de base 3) aplicação dos instrumentos IEP, CAP e SDQ, Santini, 2011). A despeito da violência intrafamiliar e de outros fatores de risco a
para avaliação do programa (pós-intervenção) e 4) aplicação dos instrumentos IEP, ela associadas como: pobreza, famílias com muitos filhos, baixa escolaridade
CAP e SDQ em follow-up de quatro meses. materna e uso de álcool e/ou droga, as 17 mães que iniciaram, concluíram o
programa de intervenção proposto. Este estudo mostrou que é possível realizar
RESULTADOS intervenções com famílias com risco psicossocial grave, como a violência
Para a análise estatística dos resultados da Ficha de Avaliação Diária (Williams, intrafamiliar e a pobreza.
2009) foram consideradas as médias obtidas na semana de linha de base, na semana
8 e na semana 16. Para essa análise foi empregada a Técnica de Análise de Variância REFERÊNCIAS
para Amostras Dependentes – ANOVA. Para senso de competência materna, os Fleitilich-Bilyk, B., & Goodman, R. (2001). Social factors associated with child mental health problems in Brazil: Cross
sectional survey. British Medical Journal, 323, 599-600.
resultados da Tabela 1, indicam que não ocorreu efeito positivo do programa de Gomide, P.I.C. (2006). Inventário de Estilos Parentais. Petrópolis: Vozes.
intervenção, segundo as médias dos registros diários das mães (P=0,258). Goodman, R. (1997). The strengths and diffficulties questionnaire: A research note. Journal of Child Psychology and
Psychiatry, 38 (5), 581-586.
Marinho, M.L., & Silvares, E.F.M. (2000). Evaluación de la eficácia de um programa de entrenamiento de padres em grupo.
Tabela 1. Resultados estatísticos sobre a Ficha de Avaliação Diária. Psicología Conductual, 8, 299-318.
Milner, J.S. (1986). The Child Abuse Potential Inventory: Manual. 2 ed. Dekalb: Psytec.
Média ± Desvio
Variável Tempo/Etapa n
padrão+
Extremos IC1 (95%) Valor P Pereira, P.C., Santos, A.B., & Williams, L.C.A. (2009). Desempenho escolar da criança vitimizada encaminhada ao Fórum
Capacidade
materna
Linha de base 17 6,14±1,46 3 – 8,1 (-0,427; Judicial. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25 (1), 19-28.
1,322) Pereira, P.C., D’Affonseca, S.M., & Williams, L.C.A. (2013). A Feasibility Pilot Intervention Program to Teach Parenting Skills
8ª Semana 17 6,59±1,67 4,6 – 10 0,258
(-0,633;
1,386)
to Mothers of Poly-Victimized Children. Journal of Family Violence, 28 (1), 5-15.
16ª Semana 17 6,97±1,80 3,8 - 10
Rios, K.S.A., Williams, L.C.A., Schelini, P.W., Bazon, M.R., & Piñón, E.A. (2013). Inventário de Potencial de Abuso Infantil -
Bem estar Linha de base 17 4,93±2,12a 1,3 – 8,4
17 (0,67; 3,63)* CAP: evidências de validade e precisão. Avaliação Psicológica, 12 (1), 51-60.
8ª Semana 7,08±1,88b 3,6 – 10 0,001
(-0,59; 1,00)
Santini, P.M. (2011). Eficácia de procedimentos para maximizar senso de bem-estar e competência parental a mulheres
16ª Semana 17 7,29±1,65b 4,6 - 10
*
Diferença evidencia aumento de pontuação entre as etapas.
vitimizadas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação Especial. Universidade Federal de São
+
Letras distintas indicam que há diferença significativa entre as médias Carlos. São Carlos/SP.
Williams, L.C.A., Maldonado, D.P.A., & Padovani, R.C. (2008a). Uma vida livre da violência: Projeto Parceria - Módulo 1.
Cartinha, Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Psicologia.
A Figura 1 contém os resultados do IEP (Gomide, 2006). Quanto aos percentis, Williams, L.C.A., Maldonado, D.P.A. & Araújo, E.A.C. (2008b). Cartilha. Educação Positiva dos seus filhos: Projeto Parceria
com exceção de M10, que não realizou a pós-intervenção e o follow-up, as demais - Módulo 2. Cartinha, Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Psicologia.
Williams, L.C.A. (2009). O ensino de habilidades parentais a mães com histórico de violência conjugal. Relatório de Pesquisa
mães tiveram aumento nos escores, com destaque para M 6, 8, 9, 11, 14, 16 e 17. submetido ao CNPq.
Considerando a média dos percentis, ocorreu um salto da pré para a pós-intervenção, Williams, L.C.A., Santini, P.M., & D´Affonseca, S.M. (2012). A mothering skills program for women with a history of domestic
violence: Ana analysis of mother-child interaction. In: H. Dubowitz (Org.). World perspectives on child abuse. 10th ed.
elevação que se manteve na medida de follow-up. (pp.134-136). International Society for the Prevention of Child Abuse and Neglect-ISPCAN: Turkey.

Você também pode gostar