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FOLHAJUS (HTTPS://WWW1.FOLHA.UOL.COM.

BR/PODER/FOLHAJUS)

Pastores da Igreja Universal movem dezenas de ações


contra escritor por manifestação no Twitter
João Paulo Cuenca diz que instituição coordena a apresentação dos processos;
Universal nega e afirma que pastores podem iniciar causas individuais contra
preconceito religioso

9.out.2020 às 23h15

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2020/10/10/)

Flávio Ferreira (https://www1.folha.uol.com.br/autores/flavio-ferreira.shtml)

SÃO PAULO Dezenas de pastores da Igreja Universal do Reino de Deus


(https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/10/igreja-universal-de-edir-macedo-apoia-indicacao-de-

apresentaram à Justiça ações de indenização


bolsonaro-para-o-stf-e-isola-malafaia.shtml)

contra o escritor João Paulo Cuenca em todo o país, após ele ter publicado
em junho no Twitter que o “brasileiro só será livre quando o último
Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal”,
parafraseando texto de Jean Meslier, autor do século 18.

Meslier escreveu que “o homem só será livre quando o último rei for
enforcado nas tripas do último padre”.

Segundo a defesa de Cuenca, já são mais de 80 ações apresentadas a juizados


especiais cíveis em 19 estados, com pedidos de ressarcimento por dano
moral em valores entre R$ 10 mil e R$ 20 mil.

O escritor afirma que “as ações são muito parecidas, são todos pastores da
igreja, isso é uma ação coordenada, isso é litigância de má-fé. Essas pessoas
estão usando o sistema jurídico do país para me constranger. Essa ação
coordenada é um abuso do uso da Justiça”.

A Universal nega que esteja coordenando a apresentação das ações e afirma


que seus pastores podem adotar medidas individuais em relação à postagem,
uma vez que as leis brasileiras não permitem a promoção do preconceito
religioso.

O escritor João Paulo Cuenca durante debate na Festa Literária Internacional de Paraty - Keiny
Andrade - 30.jun.16/Folhapress

Alguns dos documentos dos processos, aos quais a Folha teve acesso, não
exibem textos idênticos, mas mostram padrões, como o fato de os próprios
pastores assinarem as petições e pedirem a concessão de gratuidade da
Justiça nos processos.

A Folha fez contato telefônico com o pastor Gildásio Lima Sarmento, de


Planaltina (DF), autor de uma das ações contra o escritor, para indagar sobre
a apresentação da causa.
Sarmento disse à reportagem: “A Unicom pode passar essas informações
melhor para você. Você pode entrar em contato com a Unicom, que é a
Universal Comunicações, eles te informam melhor”.
Procurada pela reportagem, a Universal informou que a Unicom é o
departamento da instituição que responde pela assessoria de imprensa da
igreja, e há orientação aos pastores de que remetam ao setor todos os
pedidos de veículos de mídia.

“A informação dada pelo pastor, de que o jornalista deveria procurar a


Unicom, apenas cumpriu o protocolo da Universal: somente este
departamento pode atender a imprensa”, segundo nota da Unicom.

Além das causas individuais cíveis, há pedidos de investigação e abertura de


procedimentos criminais relativos ao episódio. Como informado pela coluna
Painel em agosto (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2020/08/procurador-arquiva-pedido-de-
investigacao-contra-escritor-que-criticou-pastores-e-bolsonaro.shtml), em um deles a Procuradoria no
Distrito Federal arquivou o requerimento de abertura de investigação.

“Trata-se do exercício da liberdade de expressão, que não pode ser tolhido


por pessoas ignorantes que não têm capacidade de compreender uma
hipérbole. A mensagem foi realizada no sentido figurado”, escreveu o
procurador do caso, Frederico Paiva.

De acordo com Cuenca, as causas caracterizam procedimento abusivo


idêntico ao adotado por pastores da igreja em relação à jornalista Elvira
Lobato (https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-anos/2020/07/elvira-lobato-revelou-poco-para-teste-de-bomba-
atomica-e-imperio-da-igreja-universal.shtml) a partir de 2007.

Naquele ano, a Folha publicou reportagem de Elvira com o título “Universal


chega aos 30 anos com império empresarial”
(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2007/12/373561-universal-chega-aos-30-anos-com-imperio-empresarial.shtml),

que descreveu os negócios ligados à instituição.


Após a veiculação do texto, 111 fiéis, a maioria pastores, apresentaram ações
judiciais contra a repórter e a Folha (https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2017/07/09/igreja-
universal-faz-40-anos-relembre-reportagem-que-rendeu-111-processos-contra-folha-e-jornalista/).

As causas foram iniciadas em pequenos municípios, o que levou a defesa e


jornalistas a se deslocarem para várias regiões do país. Nenhum dos
processos foi julgado procedente.

Cuenca, que foi colunista da Folha de 2013 a 2016, diz que a postagem no
Twitter é uma sátira de uma metáfora que já foi utilizada por inúmeros
autores, e nunca teve intenção de incentivar qualquer tipo de violência.

Após a publicação do post no Twitter em junho, o veículo de comunicação


alemão (https://www.dw.com/pt-br/comunicado/a-53865656)Deutsche (https://www.dw.com/pt-
br/comunicado/a-53865656) Welle deixou de publicar coluna quinzenal de Cuenca

(https://www.dw.com/pt-br/comunicado/a-53865656),
sob o argumento de que a mensagem
contrariou os valores do órgão de imprensa.

“A Deutsche Welle repudia, naturalmente, qualquer tipo de discurso de ódio


e incitação à violência. O direito universal à liberdade de imprensa e de
expressão continua sendo defendido, evidentemente, mas ele não se aplica
no caso de tais declarações”, publicou.

Denise Dourado Dora, diretora-executiva da Artigo 19, entidade


internacional de defesa dos direitos humanos, diz que os processos
configuram ataque à liberdade de manifestação e de imprensa.

“A Artigo 19 acompanha com preocupação o caso do jornalista J.P. Cuenca,


que tem sido ameaçado em redes sociais, além de ser vítima de uma
estratégia de uso do Poder Judiciário como meio de silenciamento”, diz
Denise.

Para a diretora da ONG, “a reação desmedida a seu comentário representa


evidente ataque à liberdade de opinião e ao exercício profissional de
comunicadores, uma prática reiterada por agentes públicos hoje no Brasil
que compromete a democracia”.

A assessoria de comunicação da Universal negou a acusação de Cuenca de


que a instituição esteja coordenando a apresentação das ações judiciais
contra o escritor.

“Podemos afirmar, categoricamente, que não há advogado da Universal


atuando nesses supostos processos, em nome da Igreja ou não”, de acordo
com a nota.
Segundo a instituição religiosa, “observadas as normas de conduta que são
exigidas de quem exerce o ministério religioso, os oficiais da Igreja Universal
do Reino de Deus têm autonomia para tomar suas próprias decisões quanto à
sua vida privada”.

“A liberdade de expressão não é um direito absoluto. No Brasil, não existe


permissão para que uma 'sátira' ou 'metáfora' promova ideias desprezíveis
como, por exemplo, o nazismo, o racismo ou o preconceito de qualquer tipo,
inclusive o preconceito religioso”, acrescenta a nota da Universal.

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movem-dezenas-de-acoes-contra-escritor-por-manifestacao-no-twitter.shtml

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