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“Também estou preocupado com Lenora! Ela não estava na lagoa da Vila Élfica, onde costumava ficar!

Os elfos dizem
que ela recebeu notícias de casa e sumiu!”

- Luigi Sortudo quando a elfa do mar desapareceu -

SINOPSE
Logo após a derrota do Paladino de Arton em Holy Avenger, ao deixar o corpo da Rainha dos Dragões
Brancos em sua gruta nas Montanhas Uivantes, o grupo de aventureiros até então aposentado formado
por Vladislav Tpish, Leon Galtran e Luigi Sortudo novamente se unem para a última grande aventura de
suas vidas: tentar resgatar as mulheres que perderam em seu sofrido passado, iniciando pela procura de
Lenora Dhanariatis, antiga princesa de um mundo imerso.

Tendo adquirido uma informação do paradeiro da companheira elfa-do-mar desaparecida, o necromante,


o bardo e o maior ladrão do mundo partem para as terras ao leste em sua busca enquanto reencontram
antigos amigos e inimigos.

PRÓLOGO
ENCONTRO DOS HERÓIS

Cansado de aguardar, e ansioso pelo encontro, Leon Galtran jogou-se em um banco de madeira que se
moldava magicamente tornando-se macio e almofadado. Seus olhos estavam inchados pelas noites sem sono
que tivera desde quando retornava das montanhas de Teldiskan, acompanhado de seu companheiro Luigi
Sortudo. Sentia o coração bater acelerado como raramente ocorrera em sua vida, mal podia acreditar que
finalmente encontraram uma pista… Uma aventura.

Haviam se passado longos dois anos desde que os três sobreviventes do antigo grupo haviam decidido
aventurar-se por Arton para encontrar Lenora, a belíssima elfa-do-mar guerreira, e trazer Karin de volta à
vida, sua amada esposa há muito assassinada de forma desumana. Sem dúvidas, não era a solução para todos
os problemas que cada um tinha ali, contudo, se a pista estivesse correta, estavam dando o primeiro passo
para libertarem-se de seus desesperos.

- Heh! Leon, você parece uma criança aflita! – Luigi, o bardo meio-elfo, comentou ajeitando o chapéu
emplumado de abas longas que lhe ocultavam os olhos misteriosos, permitindo desvendar apenas seu eterno
sorriso matreiro. Escorou-se nas barras de ferro que os separavam do aviário das fênix enquanto dedilhava as
cordas de seu bandolim feito de madeira de carvalho antigo.

Leon ignorou o comentário e desviou sua inquietude para algum ponto do infinito acima, mirando seus olhos
cansados nos seis sóis coloridos que repousavam no céu alarajando da Grande Academia Arcana. Estavam no
local que era o sonho de todos os conjuradores de Arton, no maior centro acadêmico especializado em
feitiços, dirigido pelo Mestre Máximo da Magia, Talude, um velho arquimago que conversava pessoalmente
com a própria deusa criadora de tudo que é mágico, aquele lugar era responsável por criar a maioria dos mais
poderosos e admirados conjuradores do mundo, lugar onde a fantasia não deixava a desejar, com uma vasta
planície verdejante tomada por árvores brilhantes e pequenos bosques repletos de vida, além de um rio e lago
cristalinos recentemente criados pelo poder do diretor.

Múltiplas formações de arco-íris pintavam os horizontes em todas as direções, ligando algumas nuvens às
outras, como pontes, as quais eram remodeladas, pelos ventos fortes, em formas do rosto de quem as
observava ou em animais, movimentando-se como que vivos. Os seis sóis, cada qual de uma cor, estavam
situados em um ponto cardeal: vermelho ao norte, azul-claro ao leste, verde-azulado ao sul, verde ao oeste,
um negro que nunca parecia ir muito além de próximo à linha do horizonte, movendo-se na vertical e como
que nunca fosse se pôr, e por fim um sol branco que ficava no meio do céu emanando uma forte luz sobre
aquelas terras. Os seis sóis pintavam a abóbada celeste como se fossem artistas experientes e criativos. Por
vezes avistava-se revoada de pégasus ou mesmo gansos de cauda cintilante.
No centro da planície era encontrada uma colina onde estavam dispostos oito prédios, torres e palácios
magníficos que pareciam baseados diretamente na arte arquitetônica dos povos do deserto e dos califas, com
abóbodas arredondadas e muitos toldos coloridos pelos vastos corredores. Não raramente, também era
possível encontrar as centenas de estátuas da deusa da magia, Wynna, patrona daquela escola de magos. O
próprio Leon via diante de si uma fonte com a bela imagem da entidade divina personificada em uma linda
mulher de cabelos longos espalhados ao ar, confundindo a uma aura de magia, trajando apenas tiras de couro
que pouco se esforçavam para lhe ocultar a nudez do corpo esbelto, porém o mais magnífico era a água
cintilante com carpas vermelhas e vivas que jorravam de suas mãos erguidas. Os peixes nadavam um pouco na
fonte até desaparecerem magicamente.

O ladino e o bardo estavam aguardando na parte do campus reservada como zoológico de criaturas mágicas.
Luigi tocava uma canção com seu bandolim enquanto admirava as fênix voando dentro do aviário, piando em
uma canção jamais emitida por outras aves, capazes de encantar qualquer assistência na maior sorte de gosto
musical… Luigi as admirava por esta habilidade incrível, e muitos bardos sonhavam estudá-las para
desenvolver a mais bela e encantadora das melodias. Passado algum tempo, algumas queimavam sob brasas
impiedosas, virando cinzas de onde aparecia um ovo rubro que o bardo se interessou em espiar sob a sombra
de uma das muitas árvores no local, inspirando-se para criar um cântico que fosse capaz de descrever a
beleza daquela morte das aves.

- Por obséquio, venho a solicitar o perdão de vocês, meus caros companheiros! Estava lecionando uma matéria
deveras complexa sobre teorias de transfusão óssea regular em batráquios reanimados no curso de extensão
deste semestre! – a voz calma, madura, por vezes fria, direta e cheia de erudição os atingiu.

- Não desejávamos atrapalhar seus afazeres necromânticos tão cheios de energia positiva, caro Vlad! – Luigi
riu pendurando o bandolim no ombro enquanto se aproximava do mago lhe apertando a mão.

O grupo enfim se reunira, ao menos os membros que sobreviveram após tanto tempo de aventuras e
desventuras. Vladislav Tpish, o membro mais velho do grupo, era o necromante de cabelo engomado, bem
cortado e penteado, trajando um manto longo e roxo-escuro com alguns bordados em formato de runas, com
um cinto de algibeiras para ingredientes que pendurava no ombro esquerdo e entrava pelo flanco direito da
sua longa capa, também trazia em sua mão um cajado com entalhe no extremo superior no formato de uma
cabeça em ouro de dragão. Como sempre, a expressão do mago era dura, séria, quando não severa, com
escassos sorrisos, de sobrancelhas curvas examinando a tudo com academicidade gélida. Leon Galtran era o
ladino do grupo de aventureiros, homem que há muito perdera seu sorriso também, entregando-se a uma vida
de lamúrias após o falecimento da sua esposa graças a seu sobrenome maldito e sua infâmia como o criminoso
mais procurado de todo o Reinado. Seu cabelo castanho-claro agora estava desengonçado e caído por toda a
face de barba por-fazer, sem contar sua roupa de aventureiro toda amarrotada. Os olhos estavam marcados
por depressões profundas às quais mergulhava esporadicamente. Atualmente apenas as aventuras, seu filho
Sandro, que estava em uma vida pacifica e feliz com a esposa que encontrara, e seus dois netos, Kaio e
Karina, lhe eram capazes de atribuir-lhe graça e alegria. Luigi também perdera muito naqueles anos, seu
sorriso matreiro podia enganar a muitos com uma falsa alegria, pois a verdade insana em seus olhos era
obscurecida na penumbra das abas do seu chapéu, e os deuses queiram que jamais seja revelada novamente.

O mago não veio sozinho, ao seu lado estava uma graciosa jovem de traços similares aos seus, usando uma
capa negra e mágica, com caveiras que se moviam sozinhas aparecendo e desaparecendo aleatoriamente,
sobre uma túnica branca com mangas indo até seus pulsos, e trazia livros sob o braço assim como uma bolsa
de couro presa com uma tira transversal ao seu dorso. Era a filha de Vlad, Petra Tpish, amaldiçoada com a
doença da disosmia por um inimigo do mago, que lhe anulara o olfato e paladar tão necessários para
concretizar seu sonho hoje falido: se tornar uma cozinheira da casa imperial. Ainda vinha acompanhada de um
pequeno e, aparentemente, inofensivo servo morto-vivo. Era Tarso, um crânio que levitava vestindo uma
boina e uma roupa com mangas flutuantes, o serviçal carregava dezenas de cadernos e pergaminhos de
Vladislav. Petra sorriu para os dois homens amigos de seu pai que conhecia desde que nascera. Devolveram o
cumprimento de mesma maneira.

Atrás deles vinha um elfo alto, bem constituído, usando um cachecol de extremidades caídas em cada ombro.
Seus olhos eram diferentes, com o globo totalmente negro e a pupila branca. Seus cabelos caíam pelas costas,
longos e lisos, mas pareciam a feder a tequila como Luigi observou em um sussurro para Leon, e logo
perceberam que era o ex- mordomo da família Tpish de Petra, Klauskinsk (ou só Klaus). Ele guiava dois
meninos e uma garota com idades próximas aos 8 anos. Enfim cumprimentaram-se solenemente.

- Novos filhos, Vlad? – Luigi sorriu dando um lenço para as crianças que espirravam copiosamente.

Vladislav foi pego de surpresa e ia começar a falar quando foi interrompido pelo único menino que não
espirrava.

- Eu? Rarr rarr rarr! Nunca, mamíferos são nojentos com esses pêlos! Hunc!

Petra repreendeu-o com um olhar censurador.

- Rolph!!! Já falei para não ficar puxando ranho!

O pequeno ficou emburrado e sussurrou.

- Tah mãe!

Leon e Luigi riram compreendendo. Há dois anos Petra havia conhecido uma misteriosa moça que lhe
presenteara com cinco ovos de trogloditas, os quais crescem aos seus cuidados como se fossem filhos. Eram
Rolph, Troggu, Drake, Evy e Offelis.

Vladislav sorriu fazendo cafuné na filha.

- Eles tiveram aula de metamorfose mágica ainda há pouco e acabaram errando no processo gestual de Gwyn,
então conseguiram se transformar em humanos, mas ficaram com alergia à transformação! Próprio do efeito
metanomifritz!
Nem o bardo nem o ladino compreenderam muito, mas foi suficiente.

- Então, companheiros de campanhas enlevantes, o que me legam para tal digna presença? Pela urgência da
diligência em que enviaram Tarso à procura de minha pessoa, me indago se não tens grandes notícias em
arroubo!

- Mãe, o vovô ta xingando os tios? – Offelia perguntou em meio a um espirro. Petra sorriu preferindo não
responder.

- Vlad, será que podíamos ficar a sós? – Leon indagou tornando sua expressão mais séria.

- Deixe que eu levo os pupilos para passear, mestre Valdislav! – disse Klaus curvando-se como se ainda se
sentisse mordomo do necromante.

- Agradeço, meu caro! O faça por obséquio, deixe os pequenos voltarem ao normal sozinhos, só assim um
mago aprende a acertar a magia! Petra, os acompanhe até que o intervalo das aulas acabe! – a jovem assentiu
com um sorriso meigo - E Tarso venha comigo, por favor!

Logo os três aventureiros caminhavam sozinhos por entre os cativeiros dos animais mágicos que rugiam para
eles, como a quimera imensa que emitia sons guturais louca para atacar, todavia, impedida por uma barreira
invisível, Leon se afastou por receio. Ninguém falava, apenas davam passos e mais passos. Nenhum aluno
estava por ali àquela hora, nem havia os servos da Academia, somente aquele grupo de heróis há muito
derrotados, e seus passos que ecoavam até os seres ali os observando atentos como se os três fossem as
verdadeiras estrelas do zôo e não as próprias criaturas.
- Devo salientar, meus caros, que a atinação de vocês foi deveras sábia! – Vlad quebrou o silêncio colocando
as mãos dentro das outras mangas de seu manto.

- Foi idéia do Luigi! – disse Leon andando com as mãos atrás da cabeça e de olhos fechados, completamente
descontraído – Não queríamos atrair boateiros ou inimigos!

- Somente a Grande Academia Arcana de Talude fica fora de espionagem comum ou mágica! – Luigi continuou
enquanto tocava algumas notas em seu bandolim – Afinal, imagine se nosso inimigo descobrisse que
encontramos uma pista valiosa sobre a localização de nossa Lenora? Não somos mais aventureiros novatos para
cometer gafes de iniciante, dois de nós chegam a ser tão veteranos que até são avôs!

Eles lembraram do grande inimigo o qual foi abordado, Sckhar, Rei dos Dragões Vermelhos, aquele que
desgraçou a vida de cada um ali. O silêncio recaiu sobre o grupo, pois as lembranças lhes abafavam a alegria e
a vontade. Somente a lembança dos netos recuperaram o mago e o ladino.

- Então, Luigi, você conseguiu encontrá-lo? – Vlad indagou entregando o cajado para que Tarso segurasse.

- Por incrível que pareça não foi tão difícil! Principalmente quando recebemos uma ajuda de um rei dos
dragões mais poderosos do mundo, não é? Heh! – Luigi fez um gesto positivo para o pequeno crânio serviçal
que respondeu com um aceno.

- Quem diria, não é? Sorte ele estar conosco, ou jamais iríamos acertar a senha para entrar aqui, sem contar
que é maior burocracia para interromper uma aula e pedir a presença de um professor companheiro de
aventuras! – disse Leon – Antigamente ele só andava com você e Petra! Você mudou muito em dois anos, Vlad!
Tarso podendo se aventurar com a gente sem você por perto, deixando sua filha mais livre e até deixando que
ingressasse na Grande Academia Arcana!

Vlad calou-se por um tempo e então tentou um sorriso.

- Com todos aqueles acontecimentos não temos como não mudar, caro Leon! Alego que é a hora de permitir
Petra de seguir com as próprias pernas, e se ela pretende mexer com magia para buscar a cura dela sozinha,
que seja! Não vou interferir mais! – suspirou – Acho que mudamos o assunto de novo! Então, Luigi, o que
descobriu?

- Eu segui pelo fundo do Mar Negro por um bom tempo até encontrar a cidade de nossa companheira! – o
bardo narrava como se contasse uma história tocando seu bandolim e errando pelo zôo – Desolação, ruínas,
destruição… Estas palavras são capazes de descrever o que acontecera ali! Estava arrasada, e uma nova
capital para aquele reino foi erguida longe dali! O local foi completamente abandonado! Consideram
amaldiçoado! Após mais algum tempo de procura e eu finalmente cheguei! Era profundo, medonho… nunca vi
algo assim em tanto tempo de aventura, Vlad! – Luigi brevemente havia perdido o sorriso, e mesmo Tarso
segurava a bainha da calça do bardo com suas mãos invisíveis para reconfortá-lo, pois presenciara o terror do
meio-elfo ante a cena quando o ajudou a alcançar a área – Era um deserto de breu no meio da perdição! Não
havia luz ou esperança… monstros cercavam todas as trilhas! Alguns pareciam mais horrendos do que o
cadáver de uma orc velha! E quando encontrei o abismo vi apenas um único tentáculo da coisa… Tão grande,
tão forte e tão horrendo que se erguia por quilômetros e sua espessura era maior que o raio da cidade de
malpetrim… Era capaz de arrastar frotas inteiras de navios para as profundezas, e mesmo assim não fui capaz
de alcançá-lo de frente!

Vladislav analisou cada palavra enquanto infiltrava-se na narrativa floreada de advérbios, comum para os
bardos.

- Era ele, Vlad, o mestre de Lenora! Ele me disse com uma voz inaudível que ecoava das correntezas para
dentro de meu espírito! Lenora estava viva, meu caro colega, ele me informou que nossa elfa não está morta
como pensávamos! Quando retornei, andei buscando algumas informações na embaixada de Sckharshantallas e
descobri que o infame dragão regente recentemente enviou vários escravos elfos-do-mar para um certo rei
dragão como aliança de amizade e paz, e entre eles haviam membros de uma família real que reinara no Mar
Negro! Lenora está com o Rei dos Mares do Leste! Em outras palavras…
- O Rei dos Dragões Marinhos… - Vladislav permitiu-se continuar a frase fazendo de seu pensamento palavras –
Benthos! Tenebra e Wynna… Lenora é escrava de Benthos???

O bardo engoliu em seco.

- Pois é… - Leon pronunciou-se dando uma cusparada no chão - … dragões-rei são nosso karma!

O mago parou de caminhar e observou Tarso.

- Você sabia?

O crânio confirmou com a cabeça, Luigi fez uma expressão de surpresa súbita e indignação com o serviçal
morto-vivo.

- HÃ?! COMO ASSIM??? E POR QUE NÂO NOS CONTOU? POR QUÊ? – o bardo avançou sobre o servo ignorando
quem ele realmente era.

Leon segurou-o.

- Luigi!

- Compreendo você Tarso, em parte, mas compreendo! – Vlad lhe disse agachando, mas nem assim ficando na
altura do morto vivo tão diminuto – Não vou lhe cobrar nada! Esse é mesmo um problema nosso e não foi para
tal que lhe despertei!

- OS DEUSES SABEM LÁ QUE TORMENTOS ELA ESTÁ PASSANDO!!! – Luigi debatia-se no agarro de Galtran, como
uma fera selvagem e indomada.

Instantaneamente o ar se condensou em certas áreas transformando-se em homens bronzeados, de trajes dos


desertos, Djinns, gênios do ar; em seguida o chão elevou-se e surgiu um imenso maquinário mágico com
formato humanóide, era um golem de ferro.

- O que está acontecendo aqui? Quem se revolta contra um professor? – a voz veio imperiosa.

Raschid, um Dao, gênio da terra, com forma de um homem bem musculoso de trajes árabes e com um
cavanhaque ligado ao bigode demonstrando uma expressão séria e pétrea, surgiu vindo do nada. Ele era o
zelador da Grande Academia Arcana.

- Não, zelador Raschid, é apenas um mal entendido! – Vladislav adiantou-se – Perdoe meu colega, não voltará
a ocorrer!

- Como desejar, professor!

E todos os guardiões desapareceram instantaneamente com um estalar de dedos do zelador. Luigi sentou-se
no banco de madeira magicamente macia, começando a derramar lágrimas compulsivas e loucas, por vezes
engasgava-se no próprio desespero.

- Luigi, Tarso é capaz de ver muito além do que podemos! Ele quer que nós resolvamos nosso problema, ele
sabe que podemos! Talvez se não fosse assim viveríamos entediados e sem experiências!

- Não é justo, Vladislav! Não estamos pedindo para ele matar alguns kobolds ou nos trazer um tesouro de uma
masmorra abandonada! Mas sim resgatar nossa parceira Lenora! Nossa companheira! Nossa guerreira! Meu
am… Droga!

Vladislav suspirou e sentou-se a seu lado direito enquanto Leon foi para o esquerdo. Tarso ficou aos pés de
Luigi, com o crânio baixo.
- Meu caro, aposto que Tarso terá o prazer em nos ajudar chegar até ela! Mas não vou pedir que ele interfira
em nossa vida!

- Vlad, o irmão dela… ele fez… ele estrup… ele… - as lágrimas desciam de dentro das abas do chapéu.

- Entendo, Luigi, seu sofrimento! Assim como imagino o trauma de nossa companheira! Benthos pode ter
exigido isso dela, mas também pode não o ter feito! Vamos, acalme-se, meu fraterno parceiro, temos uma
elfa de espécie marítima para reaver!

Leon ergueu-se no mesmo instante.

- Vladislav está certo, Luigi, vamos!

Tarso fez breves gestos com as mãos invisíveis e materializou um copo d’água para que o bardo se acalmasse.

- Se vamos procurar por Benthos, teremos que ir até sua lendária cidadela submarina! – Vlad ponderou.

- E onde fica? – Leon indagou.

- Ora, meu alienado amigo… - Luigi limpou as lágrimas e se levantou tentando desviar dos pensamentos tão
ruins que lhe assolavam -… ninguém conhecido no mundo seco parece ter ido à cidadela! Por séculos chegou a
se duvidar que sequer existisse!

- Yikes! Odeio essas coisas de lendas! – Leon resmungou.

- Pois é, caro ladino! Estamos cegos nesta empreitada, porém temos uma pista! O reino arquipélago aonde os
bárbaros que veneram Benthos vivem, Khubar, fica no Mar do Rei Dragão, assim chamado por acreditar-se que
ele reside por aquela área! Como as correntes marítimas são de nível emano-centrionais ocasionados pelas
variações referenciais das costas de camada sedimentar da espécie guant…

- Ah, Vlad! Já entendi, nos poupe desta erudição! – disse Leon balançando a cabeça para espantar a leve dor
que começou a surgir – Já decidimos que vamos para Khubar então… Temos no grupo um mago lecionador da
Grande Academia Arcana, o ladino mais procurado por todo o Reinado, mesmo que ele não se orgulhe muito
disso, um ex-bardo imperial e um rei dos dragões lich! Será que é suficiente?

Todos sorriram.

- Hah! Leon, duvido que Tarso aceite enfrentar um outro dragão rei, poderia ter conseqüências catastróficas!
– Vlad alegou segurando o próprio queixo enquanto o morto-vivo confirmava com o crânio. Luigi sentia uma
raiva interior crescendo pelo pequeno, mesmo que o tenha ajudado tanto não podia perdoar aquela forma de
agir – Precisamos de pelo menos um navio para viajar por Khubar, e um combatente até que Lenora nos
reencontre!

Luigi então voltou a sorrir dando as costas para Tarso.

- Quanto ao barco acho que conheço um certo navio que poderemos usar caso sigamos para o sul de Hongari! –
o bardo riu matreiro.

- Eu conheço um exímio combatente que há muito me aventurei, apesar de ser um tanto inconveniente em
certos momentos! – Vladislav ponderou.

- Yikes! – Leon arregalou os olhos – Kobolds me mordam, Vlad! Você está falando do bárbaro Katabrok??? Meu
sobrinho aloprado???

- Oras, Leon, ainda que ele seja um pouco atrapalhado não é tão ruim no manejo de uma arma!

- Ele é tão atrapalhado quanto meu falecido irmão! Ah, você que sabe!
Luigi interveio com seu sorriso matreiro.

- E o que me diz de um certo amigo seu, Vlad… Ouvi dizer que Tork, o troglodita anão, está na capital!

- Hmm… Lembrou bem, caro bardo, ele realmente veio visitar Petra! Bom, vou avisar na coordenação e pedir
que o professor Thanatus me substitua temporariamente! Em seguida iremos procurá-los!

- É… Não bastou sermos inimigos de um dragão-rei, de um deus serpente e de uma naga… Agora vamos
arrumar confusão com outro dragão-rei influente! – Leon suspirou espreguiçando e abraçando
inconvenientemente os dois – Vambora, pessoal!

E assim começava mais uma grande aventura que ecoaria por todos os cantos de Arton, narrada por arautos
errantes de intenções duvidosas.

O maldito ladino era bastante esguio e astucioso. Não conseguia acreditar que se deixara ser enganado tão
facilmente, agora precisava reparar sua falha antes que alguém descobrisse o erro cometido. O veloz
trapaceiro halfling cruzava os corredores em passos ligeiros demais para serem alcançados, até por que o
guerreiro sob uma armadura de ferro tão pesada quanto eram quase todas as dos membros da guarda
imperial, ainda carregando a lança longa e o escudo, mal conseguia dar um passo mais longo sem ter sua
carne rasgada pelo metal frio. Os guardas mais acostumados com a rotina de perseguições talvez já
estivessem adaptados, porém era a primeira vez que Katabrok tinha que correr atrás de um alvo tão ágil
quanto um kobold, e ainda por cima, usando armadura tão desconfortável.
Eles corriam pelos vastos corredores de pedra, subindo e descendo as glamorosas escadarias, através de
passagens secretas e paredes falsas, entre celas repletas de prisioneiros condenados ou feras esfomeadas,
além de câmaras suntuosas, contudo, nenhum dos dois tinham sucesso em seu objetivo, fosse despistar
Katabrok ou capturar o gatuno. A Arena Imperial de Valkaria era enorme e moldada em um labirinto complexo
de passagens secretas que somente a cabeça de um anão ranzinza que vive em um reino formado por redes de
túneis escuros seria capaz de ver como casa.

- Malditas porcarias ininterruptas! – Katabrok resmungou tacando uma adaga no pequeno ladrão sem acertá-lo
– Não será um primo de kobold que vai despistar Katabrok, O Persistente! Não vou permitir que ninguém
descubra o que você fez!

- Então é bom correr, ou ficará para trás! – o pequeno disse sorrindo trapaceiro enquanto investia contra a
parede dando uma ombrada e atravessando quando esta girou, Katabrok veio logo em seguida, parando diante
da entrada que voltava a ser nada mais que uma parede sem sinais de passagens.

- Malditas porcarias ininterruptas! – avançou sobre a parede com o ombro também, bateu contra a solidez
impenetrável e foi ao chão sem abri-la. Tentou mais uma vez, mirando mais para o lado direito, e ela girou
jogando-o de queixo do outro lado – Pior que magia, só essas coisas falsas que enganam Katabrok, O Crédulo!

O roubo acontecera há poucos minutos. Katabrok permanecia estacionado na frente da porta trancada que
levava ao baú com o prêmio do torneio de gladiadores daquele dia. O bárbaro conseguira bico no emprego
graças à ajuda e influência de seu famoso amigo Vladislav, o necromante lecionador de necromancia na
Grande Academia Arcana, e assim assumira a armadura da guarda imperial protegendo algo que pedia
extrema responsabilidade e inteligência, todavia, a última virtude lhe era escassa. O trombadinha lhe
enganara direitinho, fantasiado com uma armadura de isopor pintada “fielmente” como a de aço e com uma
lábia astuciosa, logo o convencera de que realmente era um guarda enviado para levar o prêmio a fim de
apresentá-lo na arena. Apenas o destino lhe desvendara a verdade, quando Katabrok lembrou que naquele
mês nenhum halfling guarda imperial havia sido designado para a Arena, na realidade, nunca viu um halfling
na guarda real de Valkaria, o que é bastante previsível. Agora devia recuperar o pequeno baú que o salafrario
carregava antes que os patrocinadores dessem por sua falta.
O túnel em que estavam agora era extremamente apertado e escuro, as tochas que havia ali estavam repletas
de teias de aranha, como pôde sentir ao tentar pegar uma. Não resistiu a soltar uma exclamação nem um
pouco educada. Assim que conseguiu acender com um fósforo falho, pôde ver a silueta do ladino ao longe,
correndo com a pernas diminutas e hábeis, não podia perdê-lo e seguiu logo atrás. “Ele deve conhecer muito
bem a arena! Entra por passagens secretas como entraria em portas abertas! Sem dúvidas já conhece o mapa
do lugar! Melhor tomar cuidado com isso!”. Katabrok prendeu a lança às costas e retirou seu mangual de
batalha preso às costas, na fivela.

Correram brevemente até que pôde sentir que subiam uma espécie de ladeira… para onde estavam indo?
Ignorando a curiosidade, o guerreiro apertou a corrida e logo estava quase em cima do maldito halfling. Foi
quando passaram por uma alavanca que ele acionou e o teto começou a elevar-se fazendo entrar uma cascata
de areia fina e poeira junto à luz intensa. Sons de metal batendo incessantemente, brados de guerra, gritos
de dor, estalos de ossos sendo partidos, multidões ovacionando, cantigas homenageando e muita luz
misturada com um cheiro forte por pouco não fizeram o guerreiro desmaiar pela tonteira. Quando se
acostumou, procurou pelo chão para encontrar o que o fizera chegar ali, mas não havia nem rastro de
passagens, então recebeu uma trombada de um corpo trespassado por dezenas de flechas. No mesmo instante
Katabrok se deu conta de onde foi parar.

- Malditas porcarias ininterruptas!! Como vim parar no picadeiro de combates da Arena Imperial???

...

A Arena Imperial é uma das maiores maravilhas arquitetônicas de Arton, assim como maior anfiteatro para
espetáculos em todo o mundo. Feita inteiramente de blocos de mármore sobrepostos como apenas a raça anã
seria capaz de erguer, sem precisar de cimento ou qualquer material para mesmo fim, trazia uma
arquibancada monstruosa de quatro andares capaz de comportar até vinte mil espectadores em toda sua
extensão, e, não raramente, ainda assim permanecia lotada ao menos duas semanas por mês. Entretanto, os
mais notáveis comumente não se encontravam misturados à platéia que urrava, vaiava, ovacionava, suava,
bradava técnicas de luta, xingava os combatentes, espremiam-se para assistir aos melhores momentos e por
vezes ficavam mais ativos que os próprios gladiadores. Os mais ilustres ocupavam camarotes de visão
privilegiada sobre os combates, diretamente sob o enorme Pavilhão Imperial, aonde apenas a família real e os
convidados desta podiam assistir, sentados em luxuosos sofás ou almofadas aromatizadas e sob panos
coloridos e tapeçarias com o símbolo do reino ou a imagem do regente. Uma vez por mês o Imperador Rei
Thormy surgia em seu manto real, com os belos bigodes negros e pose heróica acomodando-se no trono
almofadado de seu pavilhão coberto de toldos, ao lado de sua esposa, a rainha Rhavana. Era um momento em
que a família imperial se aproximava de seu povo, tornando-se mais íntima e carismática, partilhando o lazer
com seu povo súdito.

- Mera ilusão conjurada por um mago da corte de Deheon! – Vladislav alegou a Leon Galtran que via-se
maravilhado em estar passando tão perto daquele ser altivo que mesmo sendo mortal, parecia acima dos
homens normais, por sua capacidade de reger todo o Reinado – O Imperador Rei tem problemas maiores a
resolver do que se prender à jogos de morticínio puro e simples!

Leon fez uma careta de decepção enquanto o pequeno Tarso ria, sem emitir som e só com as mangas
flutuantes em frente à caveira. Eles desciam uma escadaria ao lado do Pavilhão Imperial, em direção à
entrada para um dos camarotes.

- Yikes! Já lhe disseram que é um estraga prazeres, amigo Vlad?

- Tantas vezes quanto já salientaram que represento um verdadeiro modelo de lúcido exemplar! – o
necromante expressou um sorriso matreiro enquanto passavam pelas persianas do arco de entrada para o belo
camarote espaçoso com sofás em um canto, uma mesa com banquete aonde alguns nobres pomposos se
serviam e um parapeito espaçoso para assistir aos combates.

Leon assim que pisou em lugar tão importante, correu como uma criança para experimentar a melhor visão
das pelejas. Seus olhos brilhavam encantados enquanto Vladislav relaxou os ombros, adentrando com
comedimento e cumprimentando alguns condes e barões que conhecia. Desde que era pequeno, Galtran
sempre sonhara em estar ali, e quis durante toda sua vida trazer seu filho Sandro para ter aquele gosto,
porém, a vigília era austera ali envolta, impedindo casuais tentativas de infiltração. Após algum tempo no
camarote até sentiu-se incomodado com o número de guardas que entravam e saíam examinando cada
detalhe com olhares tão aguçados quanto de aves de rapina. Acima de tudo, ele ainda era o criminoso mais
procurado em todo Reinado, sua vantagem era desconhecerem seu rosto.

- Espero sinceramente que se sintam bem acomodados, senhor Tpish! – disse o homem robusto em trajes
verdes fazendo leve mesura – Raramente o encontro ocupando nossas acomodações durante os torneios de
gladiadores!

- Certamente, Alfradan, não me simpatizo muito com esta espécie de espetáculo!

Alfradan Girard, ou “Al”, como é mais conhecido no circulo das lutas de arena, é um dos membros da guilda
que coordena os acontecimentos da Arena Imperial e empresário pessoal de algumas estrelas dos combates,
como a meio-elfa, Loriane. Influente, sádico, esperto e ambicioso são seus melhores adjetivos. Adorava
bajular aqueles que pagavam boas sacolas tilintantes de tibar para acomodarem-se no camarote nobre.

- Ora, senhor Tpish, espero que o espetáculo de hoje lhe mostre o verdadeiro gostinho do som no encontro de
duas gládios, logo estaremos trazendo uma quimera para apimentar as coisas! – Al sorriu burguês ajeitando
sua boina.
Tarso se aproximou do companheiro ladino e observou os combates até que apontou algo em meio às pelejas.
Ao ver também, Leon ficou confuso e permaneceu observando com mais atenção como se quisesse ter certeza
se via realmente o que pensava que avistava. Vladislav cansou-se das adulações e esquivava-se das palavras
do empresário de gladiadores.

- Perdoe-me, Alfradan, contudo, há possibilidade de me alegar em que área poderia encontrar um caríssimo
companheiro meu? Creio que ele esteja servindo de guarda para a Arena hoje! Seu nome é…

- Errr… Vlad, a Arena atualmente tem o costume de enviar guardas imperiais para os combates? - Leon
indagou interrompendo-o.

Vladislav sentiu-se desconcertado com a pergunta, porém, Al adiantou-se.

- É óbvio que não, e guardas imperiais só interferem para impedir que as coisas saiam do controle, senhor…
err… Perdoe-me, mas acho que não me disse seu nome, senhor!

- Por que a súbita indagação, caro Leon? – Vlad caminhou até a murada e viu o guarda que corria em meio aos
combates acertando gladiadores que avançavam sobre ele, enquanto o mesmo parecia tentar alcançar um
pequenino ágil. Galtran e o necromante se entreolharam – Tenho um mal pressentimento!

- O QUE AQUELE IDIOTA ESTÁ FAZENDO? – Alfradan bradou ao ver o guarda tropeçando em meio à poeira do
pátio de combates.

Katabrok cuspiu toda areia que se alojara dentro de sua boca quando tropeçou em um corpo inerte que estava
em seu caminho. A terra tinha um gosto péssimo misturado ao sangue e suor que os combatentes exalavam. O
bárbaro ficou realmente confuso, depois de parar ali por acidente, não sabia o que fazer e aquela multidão de
prisioneiros armados pareciam ter-lhe feito de alvo, afinal, trajava a armadura dos guardas que tinham por
ofício caçá-los e prendê-los nas mais imundas masmorras. Os gladiadores vestiam roupas praticamente
simbólicas, a maioria trazia o peito nu e usando apenas tangas ou saiotes, expondo sua anatomia e protegidos
apenas por elmos ou braçadeiras. Nas mãos, armas de verdade. Um homem de olho esquerdo arrancado e
ainda sangrando pelo orifício horrendo, com seus fartos cabelos negros tomados por terra, avançou sobre ele
com uma rede enquanto bradava alto. Katabrok cuspiu para o lado e não viu jeito a não ser revidar, pisou
forte com o pé esquerdo apoiando seu corpo todo para uma forte rasteira com a perna direita. O homem
saltou sobre ela e o bárbaro atrapalhado acabou preso na rede que foi lançada, em seguida o homem investiu
com um tridente pontiagudo.

- Malditas porcarias ininterruptas, como Katabrok, O Agourado, veio parar nesta maldita situação? – ele
resmungou jogando-se ao chão para evitar o golpe.

Com os músculos enrijecidos, saltou desembainhando sua espada bastarda, aparou novo ataque do tridente
deixando sua lâmina entre os dentes do equipamento inimigo, e com um empurrão desarmou o gladiador que
lhe jogou areia no rosto. Por sorte Katabrok fechou os olhos e investiu como um touro cortando-lhe o peito e
dando um encontrão que jogou o homem longe. Ouviu um mugido alto atrás dele, quando se voltou assustado
foi atingido no quadril por uma cabeça imensamente forte com chifres quebrados. Girou no ar e caiu de
barriga no chão cuspindo um pouco de sangue. Era um minotauro prisioneiro e entregue à sede de vingança
contra a guarda. Katabrok amaldiçoou aquele dia enquanto rolava o corpo esquivando dos cascos do monstro
que aterrissaram por pouco no lugar em que estava sua cabeça. Com um salto ergueu-se girando seu mangual
que o monstro tentou aparar com a mão, porém, acabou perdendo o membro que terminou esmagado. A
arquibancada foi à loucura, rosas choveram sobre o miliciano embananado.

Desconcertado, se levantou e viu a vida passar na frente de seus olhos quando duas flechas assoviaram
palavras de morte próximas a seus ouvidos. Um combatente ao longe disparava com um arco hábil, por sorte
devia ter sido ferido na perna, pois mancava, dificultando uma boa mira. O minotauro voltou segurando o
braço decepado de um cadáver, Katabrok impulsionou-se nas pernas detrás e investiu com velocidade
portando uma espada bastarda em punho, cortou mais ainda o braço que o oponente usava como arma,
rompeu um broquel ao meio junto ao pescoço de um gladiador elfo no caminho, trespassou avançando sobre o
arqueiro que atirou mais uma flecha, que por sorte atingiu um guerreiro que passou na frente e quando pôde
ver, Katabrok estava sobre ele de mãos nuas pegando o arco com tal violência que o partiu ao meio enquanto
a outra mão lhe pegava a cabeça para bater no peito de aço de sua armadura, levando o atirador à nocaute.
Novos assovios, ovacionação da platéia e rosas choveram sobre ele. Inveja e ódio… isso que era visto
queimando nos olhos dos demais gladiadores. Katabrok sorriu amarelo, até que estava gostando de lutar um
pouco. Foi então que avistou o diminuto salafrario halfling com o baú do prêmio, correndo em meio às armas
e corpos em busca de uma escapatória. O bárbaro agachou esquivando de um soco monumental do braço sadio
do minotauro, e saltou sobre o pequeno rolando com o mesmo pelo chão. O gatuno soltou o baú. Então um
imenso e alto rugido ecoou pelo pátio de combates levando a arquibancada a bradar muito alto em excitação.

- Katabrok, O Vitorioso, sente que esse som não foi emitido por nenhum felino com menos de três metros!

Assim que viraram o rosto, tanto bárbaro quanto halfling depararam-se com a grande jaula que surgia do chão
por uma passagem elevadiça no solo, aonde uma quimera enorme os espreitava com suas cabeças de leão,
dragão e bode, todas bastante esfomeadas e furiosas.

- Malditas porcarias ininterruptas! – os dois disseram em coro quase às lágrimas de desespero.

- Como estou lhe dizendo, prezado senhor Tpish, não posso simplesmente retirar aquele guarda atrapalhado
do meio da arena! Ele luta bem, a platéia gosta dele e se for “salvo” sairemos, a Arena e a milícia imperial,
desmoralizados! – Al alegou ainda sorrindo burguês enquanto atravessavam as escadarias no interior do
colisseu.

Vladislav franziu o cenho e ajeitou o cabelo engomado. Forçava sua mente em descobrir um meio diplomático
fácil para convencer o empresário em retirar Katabrok do meio da Arena antes que causasse mais problemas.
Alfradan por instantes quase teve um ataque de fúria ao ver o bárbaro entre os prisioneiros que digladiavam,
contudo, após assistir sua habilidade nas lutas e a emoção do público, percebeu quão bom para seu bolso era
aquele fortunoso acaso.

- Mas tem uma quimera na arena agora! – Leon adiantou-se recebendo um olhar repreensivo do companheiro
conjurador que se mantinha imerso em raciocínios.

- Sim, a mesma que anos atrás ele libertou acidentalmente, fazendo a milícia procurar por quase toda a
capital! Leona guarda remorsos por ele desde aquele dia! Será um reencontro incrível! – Al imaginou quanto
faturaria por aquele “bônus” do show.

- Deve haver algum meio de interferir em tal equivoco, Alfradan! – Vladislav tentou uma última vez com um
tom negociador.

Como um bom burguês, Al analisou a situação brevemente. Quais possibilidades haveriam e o que lhe traria
mais sucesso? Vladislav e Galtran ficaram apreensivos, observando o homem gorducho que coçava o queixo em
meio a um sorriso pervertidamente ambicioso. Enfim, chegou a uma conclusão.

- Seu companheiro aqui… - apontou para Leon –… é algum tipo de combatente?

- YIKES!!??

Os gladiadores recuaram instantaneamente para próximo do fosso, poucos foram os que gargalharam da
situação brandindo armas, como foi o caso do minotauro. A quimera não era tão grande quanto seu rugido
amedrontador parecia dizer, possuía apenas o dobro do tamanho humano, corpo e cauda leonina, uma cabeça
de leão, outra de bode e outra de dragão de escamas vermelhas. Era amedrontadora e possuía um olhar
selvagem que encarava cada combatente como se fossem nada mais que alimentos. De súbito avançou sobre a
grade quase arrebentando a tranca que a prendia. Katabrok e o halfling estavam acuados, andando
lentamente para trás. Uma tossida do bárbaro chamou a atenção da criatura que rugiu até o chão tremer com
a bocarra de leão enquanto as narinas de dragão soltavam vapor aquecido. Como que se tivesse entrado em
uma fúria intensa, o monstro avançou contra as barras de ferro arrebentando-as, tombando e logo
levantando-se novamente para investir na direção de Katabrok. Incomodado pela armadura, o bárbaro lançou
longe a parte da cintura para baixo e correu em disparada enquanto desafivelava o peitoral.

O halfling tentou escapar, porém acabou recebendo uma patada que o jogou dentro do fosso. O minotauro
bufou e saltou sobre a fera com seu tridente apontado, a cabeça dracônica mordeu o cabo, desarmou-o e por
pouco o ser taurino não foi atingido por uma patada.

- Muuuhuhuhuhu! Ninguém irá deter Gaio Samnita, maior mercador de servos desta região! – o minotauro
bradou ignorando a dor que sentia em sua mão esquerda esmagada.

Katabrok correu na direção dos outros lutadores e apontou as fivelas.

- Tirem a minha armadura, e podem usá-la se quiserem! – disse tentando empurrar o aço até sair tamanho
pavor que sentia de ter que lutar usando aqueles trajes desconfortáveis.

Os gladiadores entreolharam-se e não demorou para combaterem entre si para saber quem tomaria posse das
partes de aço. Katabrok interfiriu na mesma hora.

- Tirem e depois se matem, Katabrok, O Alvo, não deseja morrer enlatado aqui!

Os lutadores quiseram bater no guarda imperial, entretanto, ao ver a aproximação do monstro que urrava
mergulhado em ira, puseram-se a despir a armadura de Katabrok, que livre, de peito nu e calças de couro,
iniciou uma fuga perseguida pela quimera. De repente o monstro parou e sentou-se, a cabeça de bode parecia
ter… engasgado com alguma coisa (?). Ela tossiu seco ininterruptamente, balançou a cabeça, forçou a
garganta e enfim saiu a coisa verde, pequena e repleta de saliva.

- TASLÓI?

- Oir chersfi, ur monstru mi engurliu dirpois di abir a jaura! – disse a criatura verde, peluda e pequena como
um goblin, de orelhas pontudas com brincos, nariz alongado e sorriso de dentes amarelos. Este ser de raça
indefinida era o escudeiro e maior amigo do bárbaro Katabrok, quando este último conseguiu o emprego de
guarda real dentro da Arena, Tasloi foi convidado para faxinar os corredores e ajudar na alimentação de
prisioneiros e feras, mas como é perceptível ele é tão atrapalhado quanto seu parceiro musculoso.
A arquibancada observava estupefata a cena, e logo elevou os braços junto à inúmeras exclamações quando a
cabeça de dragão vermelho vomitou uma onda de labaredas que consumiu a terra correndo em direção aos
dois. Katabrok agarrou o braço do companheiro verde e arrastou-o consigo, com as chamas chamuscando um
pouco suas vestes. Após o sopro, virou-se com seu mangual e investiu sobre a fera, saltando sobre ela e
girando a imensa bola de ferro, pronta para esmagar a cabeça de bode, contudo, bastou um urro bestial da
cabeça leonina que o golpe foi interrompido e o homem recebeu uma patada sendo arremessado longe com
um arranhão da pata queimando seu peito nu. A multidão foi à loucura. Tasloi disparou velozmente na direção
do parceiro para assisti-lo, salvo pelo minotauro persistente que tentou uma chifrada bem sucedida contra o
queixo do dragão que esperava um novo sopro. Com a boca fechada repentinamente quando ia expelir, todo o
cone de fogo explodiu dentro de sua boca. Não que lhe tivesse causado dano, todavia, o deixou tonto por
momentos. A pata traseira jogou areia no rosto do bovino antes de fugir do lutador.

- Cherfi! Cherfi! – Taslói falava seu Valkar agressivamente errado e sacudia Katabrok que estava levemente
desacordado, ainda sangrando um pouco pelo peitoral nu. Em pouco tempo o bárbaro começou a recobrar a
consciência e ao sentar-se com a mão na cabeça que girava, a arquibancada foi à loucura.

- Taslói!!! O que está fazendo aqui? Ora, deixemos isso para depois! – o bárbaro levantou cambaleando e
desembainhando a espada bastarda que trazia à cintura – Agora Katabrok, O Domador de Feras, irá cuidar
dessa besta!

No mesmo instante sua perna cedeu e foi ao chão novamente, havia sido bastante ferido com o último golpe.
A fera monstruosa então se voltou para os dois e correndo em rugidos, avançou com a cabeça de bode
mirando uma chifrada que os jogaria na arquibancada, porém, algo zuniu no ar, houve um estalo e uma rede
envolveu as cabeças, prendendo-as por algum objeto pesado preso ao chão. Tasloi não demorou muito para
achar o motivo do aparato e apontou para seu parceiro. Katabrok arregalou os olhos, aquela arma pertencia a
apenas uma pessoa.

- Yikes! Primeira vez na arena como gladiador e já devo combater uma quimera enfurecida?

- Kobolds me mordam, tio Leon? – Katabrok bradou quando Leon Galtran entrou na arena ajeitando suas luvas
de ladinagem para o embate que estava prestes a inserir-se.

Realmente, não havia outro meio legal de retirar o parceiro abrutalhado do meio das lutas senão acabando
com a batalha de gladiadores. A proposta de Al era permitir que Leon fosse ao picadeiro de combates e assim
ajudar o guarda inconveniente a derrotar Leona, a quimera. Sem saídas, Vladislav concordou contanto que o
ladino pudesse ir com sua arma própria, o Kailash, um equipamento mágico criado por halflings que desde o
dia que fora presenteado ao companheiro se tornou sua arma favorita. Alfradan sentiu-se bastante
descontente com a proposta, afinal a maioria das armas na arenas não tinha ponta ou possuíam pouco fio,
para que os combates durassem mais. Nada que uma boa lábia de um homem influente como Vladislav
resolvesse. Agora o jovem de cabelos castanhos revoltos pisava na areia manchada de sangue e suor da Arena
Imperial. Nunca se imaginara ali, desde pequeno assistia aos torneios como um fã, todavia, jamais se
imaginou sendo assistido, principalmente agora que teoricamente deveria estar oculto já que era o homem
mais procurado em toda Arton. Como as pessoas nunca imaginariam que o criminoso mais caçado pelos mais
poderosos mercenários estaria ali diante de todos, pedia que Nimb apenas rolasse bons dados para que todo
mundo se preocupasse mais com as batalhas e menos com sua aparência.

- E TEMOS UM NOVO GLADIADOR NA ARENA, TREINADO POR ALFRADAN GIRARD, O GRANDE LEON!!!! – a voz
aumentada magicamente do narrador do torneio comentou para a arena.

A arquibancada surpreendeu-se, fazendo “ôlas” com seu nome. Leon estava constrangido, sinceramente a
última coisa que um gatuno quer é chamar a atenção. Katabrok veio andando em sua direção segurando o
peito arranhado, parecia já ter se recuperado da dor que o monstro lhe causara, o pequeno e exótico Taslói o
acompanhava segurando uma espada de lâmina curta e cintilante.

- Tio?

- Sim, pequeno Katabrok… - era como Leon chamava seu sobrinho - … eu e Vladislav viemos buscá-lo,
precisamos conversar um assunto, mas antes vamos ter que acabar com este torneio!
Leon ergueu a mão sobre a cabeça e a rede soltou a fera enquanto o equipamento voou até sua mão. Era um
globo de ferro do tamanho de um punho fechado, com espinhos e uma corda similar a de uma funda. Leona, a
quimera rugiu erguendo-se após livre novamente. A cabeça de dragão sacudiu espantando toda tontura, rugiu
com a bocarra bem aberta soltando faíscas e começou a sugar o ar para um novo sopro de fogo. A platéia
prendeu a respiração. Katabrok tinha uma idéia, logo segurou Taslói pelo colarinho e o arrastou enquanto
corria até o monstro. Leon disparou para o lado contrário. A cabeça de dragão soprou as brasas crepitantes,
neste momento Katabrok jogou Taslói na cara de bode que assustou-se, recuando o corpo e surpreendendo a
cabeça dragônica que engasgou com o próprio fogo, tossindo sem ar e queimando pelas narinas, Katabrok
saltou com o mangual preparado que desceu pesado contra a cabeça leonina de Leona, não a esmagou como
era o propósito, porém a deixou tonta. Leon segurou a kailash pela corda, girou até zunir e soltou-a atingindo
o focinho do dragão que liberou o fogo preso em sua garganta, porém queimando as outras duas cabeças.
Taslói às costas do monstro passou uma corda enorme de escalada envolta do pescoço de bode como um
garrote que lhe retirava o ar. A quimera foi ao chão e as arquibancadas ergueram-se em vivas e aplausos
jogando tibares dourados e prateados.

- Esperem! – um dos gladiadores bradou se aproximando dos três e fixando o olhar em Leon. Era um homem
alto, musculoso, com o rosto encoberto por um elmo de péssima qualidade e formato reptilineo, ele trazia um
broquel de aço no braço esquerdo, uma rede na mão direita e uma espada curta embainhada na cintura – Eu o
conheço…

- Ah, não conhece! Heheh! Devo parecer com alguém muito conhecido seu! – Leon já imaginava o que ia
acontecer.

- Não, eu tenho certeza que é você seu maldito! – a voz do homem se tornou mais áspera – Meu pai, Sir. Louis
Dartha’nan, Cavaleiro da Ordem Justa o caçou a vida toda e morreu com seu cartaz nos braços graças a uma
armadilha que você deixou naquela floresta! Hunf! – o gladiador já bufava, e Leon apenas afastava-se
andando de costas, acuado. Não desejava problemas.

- Ah… err… bem, não sei sobre que armadilha está dizendo, senhor… - realmente não sabia, isso era comum:
surgir um eventual vingador que o culpava por coisas que nunca fizera somente por um parente seu ter
morrido em um contexto de caçar o prêmio exorbitante que tinha por sua cabeça.

- Claro que sabe, maldito! Você é o maior procurado do Reinado, reconheceria teu rosto em qualquer lugar!
Por sua causa me tornei um caça-prêmios após minha família ter caído em desgraça por meu pai que o
procurava, Galtran!
A arquibancada não era capaz de ouvir o que conversavam no meio do picadeiro de combates, porém, os
outros gladiadores ouviram o sobrenome nitidamente. Alguns instantaneamente lembraram da similaridade
com o rosto dos cartazes e outros apenas viram uma oportunidade de serem libertos e ainda ficarem
repentinamente ricos como heróis, mesmo que nunca tenham visto o procurado nenhuma vez na vida, nem em
cartazes. Armas em punhos, passos de quem dará o bote, ameaça iminente e confusão na certa.

- Você é Galtran! – o homem repetiu.

- Ah sim, esse é meu tiozão, mas não acho que ele tenha feito isso com seu pai! O tio Galtran é um cara legal!
– Katabrok abraçou o parente sorridente, Leon sorria de nervoso procurando a primeira rota de fuga.

- Pequeno Katabrok… err... Você não está ajudando! Em boca fechada não entra fada!

Os gladiadores investiram de armas em punho. Taslói, Katabrok e Leon se prepararam para os nove lutadores
sedentos por sangue e ouro. O primeiro disparou uma flecha de longe, contudo, sem acertar nenhum dos três.
Taslói correu em subterfúgio para trás do corpanzil da quimera nocauteada. Leon lançou a kailash que soltou
sua rede envolvendo dois gladiadores, só que teve de trazê-la de volta no exato momento quando esquivou de
uma maça que lhe descia pelas costas em um ataque furtivo de um homem de pele escura e metade do rosto
queimado. Seu desvio impressionou a platéia, era como se tivesse o feito como sexto sentido e um corpo mais
esguio do que parecia ser. Katabrok correu aparando uma espada, forçando para a lâmina do oponente
erguer-se abrindo uma guarda, assim lhe perfurando o abdômen para em seguida trespassá-lo girando o corpo
e encontrando o broquel de outro. Fez uma fissura no escudo, só que ficando com a espada presa. O oponente
aproveitou a oportunidade para desferir-lhe o cabo do tridente, Katabrok abaixou a cabeça, deu uma rasteira
no homem e preparou para um golpe de misericórdia com seu mangual.

Uma nova flecha foi disparada, mirada nas costas do bárbaro, todavia, um ágil tridente aparou-a. Era um
cavaleiro surgido de em meio a um clarão branco, montado em um imenso alasão, a luz prateada ofuscava um
pouco a visão de todos, até que a arquibancada bradou com todo timbre da voz até o chão tremer.

- Por mil kobolds fêmeas, quem será que… - Katabrok ficou boquiaberto pelo encanto da beleza do ser.

- YIKES! Loriane???

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