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Ruben Demartini2
1Trabalho apresentado na XXI Jornada Intersedes do Laço Analítico Escola de Psicanálise, em 12 de outubro
de 2019 em Cuiabá-MT
2Psicanalista, membro do Laço Analítico Escola de Psicanálise - Sede Cuiabá, psicólogo lotado na UFMT
Campus Sinop.
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acolhimento psicológico (encontrado em algumas universidades), que consiste em
sessões de entrevista psicológica restrita a três encontros com o objetivo de ouvir
queixas mais acentuadas dos alunos. É preciso, portanto, pensar como utilizar o
dispositivo instituído no campus para escutar psicanaliticamente os alunos.
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Nesse momento, inicia-se um esforço, tanto por parte da docência, com métodos
mais didáticos de ensino, beirando o lúdico, quanto por parte do aluno, com
abstinência de toda a sorte de prazer na vida, haja visto que ele só tem uma única
responsabilidade, que é a de estudar, conforme relatam os alunos sobre a fala de seus
pais. Evasões, trocas de ofensas, depressão, queixas de ambos os lados etc. Com
frequência, a postura dos pais e dos docentes é a de não dar atenção às queixas
apresentadas pelos alunos.
O que Freud começa a apontar, com sua teoria é que, primeiramente, o sujeito
não é indivisível, o sujeito é dividido. Mas essa divisão não se restringe a esclarecer
as partes que compõe o sujeito, de forma a entender o todo sujeito. O que divide o
sujeito é uma hiância estrutural, é a própria constituição do homem como um ser de
linguagem. Essa diferença entre o homem e outros animais, o insere em um tipo de
estruturação que, para lidar com a experiência de estar no mundo, ele necessite
inscrever esta experiência em símbolos que o orientam na busca de prazer. No
entanto, essa inscrição no simbólico produz um resto que não é simbolizável. Esse
resto provoca uma sensação de incompletude, de tensão, que irá mover o sujeito a
buscar a baixa dessa tensão.
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O Princípio do Prazer é “uma lei que, confrontada ao caráter essencialmente
traumático da experiência do sujeito no mundo, cria dispositivos que lhe permitem
tolerá-la, estruturando-se de modo a reduzir ao mínimo possível a inevitável quota de
desprazer nela implicado” (Elia, 1995, p 137). Isso é feito através do processo
primário, que já são mecanismos estruturados pela linguagem, quais sejam o
deslocamento e a condensação. A questão que surge é: “precisamente por indicar
uma certa impossibilidade que o princípio de prazer tem estatuto de princípio” (Elia,
1995, p 137).
Lacan segue, a respeito dessa situação, dizendo que o sujeito fica às voltas dessa
separação, e que a angústia surgida desse momento é justamente o ponto de onde
pode surgir o desejo. A separação do objeto veio criar “um fosso, em torno do qual
ele (sujeito) nada mais tem a fazer, senão o jogo do salto.” (Lacan, 1964, p 63)
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nesse lugar, o significante do Nome do Pai, que barra o desejo da mãe, e permite ao
sujeito se separar do Outro, podendo ter o seu próprio desejo.
O desejo é a busca do sujeito, que o permite enfrentar esse fosso, com sua
própria construção simbólica. Mas, ao contrário do que se possa pensar, o desejo não
surge da vontade do sujeito de seguir um caminho próprio. Ele surge justamente “da
transmissão da falta do Outro” (Elia, 1995, p 146). O desejo é o próprio movimento
advindo da insustentabilidade da demanda dirigida ao Outro, que sempre produz um
resto. Não há outra alternativa ao sujeito do que saltar o fosso criado pela
constatação incompletude do Outro.
Voltamos agora ao aluno. Embora ele não possua características que o fazem um
sujeito diferente de outros na psicanálise, é um momento da vida em que ele está às
voltas com a alienação/separação do Outro. Conforme aponta Sonia Alberti,
“submeter-se à castração simbólica é o longo trabalho de elaboração da falta no
Outro que diz respeito à adolescência.” (2010, p 10).
Isso, a princípio é dirigido aos pais, mas acaba sendo deslocado para a
comunidade universitária, pois essa se torna substituta dos pais. Essa demanda,
muitas vezes carregada de agressividade, dirigida agora aos docentes e aos colegas,
acaba tendo como retorno, o que esses podem dar, ou seja, algo da lógica do
indivíduo dotado de qualidades. Assim como no caso do bebê, em que a mãe nomeia
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seu choro, como sendo fome, sono etc, o aluno, nesse momento, é colocado pelo
Outro universitário no lugar de indivíduo sem qualidades e que precisa, através do
seu esforço ou de algum tratamento médico, fonoaudiológico, psicológico ou através
da vara, como muitos dizem, melhorar suas qualidades. Acolhem a demanda do
aluno, para devolver a ele o que é impossível, a esperança de que o alívio total das
tensões se torne possível. Fica o aluno então, procurando uma causa para sua falha,
tanto em si quanto no outro, lançando mão de toda sorte de reclamações, falhas na
instituição, no corpo docente, na precariedade da estrutura da universidade, ou
voltando essa agressividade contra si, com automutilações, depressão, pensamentos
suicídas etc.
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maravilhados por não entenderem o que se passou, pois do nada estão fazendo, estão
estudando, estão respondendo, estão enfrentando, se relacionando etc.
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Ninguém espera que um homem [...] construa uma grande casa
no tempo que levaria para levantar uma cabana de madeira; mas
assim que se trata de uma questão de neuroses [...], mesmo pessoas
inteligentes esquecem que uma proporção necessária tem de ser
observada entre tempo, trabalho e sucesso. (1996, p )
A saída dos alunos de estereótipos criados para si por outros, e alimentados pela
dificuldade de se haver com a falta do Outro, acontece em boa parte dos acolhidos, o
que provoca efeitos interessantes, só de perceberem que não são aquilo que
acostumaram achar que eram.
Alguns outros retornam de tempos em tempos para falar de alguma situação que
estão passando, e em geral passam um bom tempo sem vir e sem apresentar qualquer
problema quando nos encontram nos corredores da universidade.
Referências Bibliográficas
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ELIA, Luciano. O conceito de sujeito / Luciano Elia. — 3.ed. — Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2010.