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Rev. Eletr. Enf. 2008;10(4):1152-8.

Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n4/v10n4a28.htm.


_____________________________________________________________________ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

A reinserção escolar na área de oncologia infantil – avanços & perspectivas1

The scholastic reintegration into the oncology pediatric field – advances & perspectives

La inserción escolar en el área de oncologia infantil – avances & perspectivas

Ana Carolina Carvalho Rocha PaterliniI, Magali Roseira BoemerII

RESUMO nursing; Child rearing.


A proposta deste estudo é um ensaio sobre o
tema, mencionando alguns avanços e RESUMEN
perspectivas no que tange à reinserção escolar La propuesta de este estudio es un ensayo
dessas crianças. É importante que a criança sobre el tema, mencionando algunos avances y
com câncer mantenha sua escolaridade, perspectivas. Es de extrema importancia que
preservando sua vida normal, seu los niños con cancer mantengan su escolaridad,
desenvolvimento integral e tenha esperança de como forma de preservar su vida normal. Su
cura para construir seu futuro. Porém, sua vida normal intelectual y emocional y tenga la
reinserção escolar tem sido difícil para esperanza de curarse en la determinación de
professores, familiares e para ela própria. Os construir su futuro. Por eso la restricción,
professores enfrentam dificuldades em como escolar de los niños en tratamiento oncológico
lidar com esta criança frente aos seus colegas se torna difícil para los profesores, familiares y
de classe e relacionadas à falta de informação para el propio niño enfermo. Los profesores se
sobre a doença. Os familiares sofrem com a enfrentan las dificultad de cómo lidiar con el
preocupação diante da integridade física e niño frente a sus compañeros de clase y con la
emocional da criança, preferindo, muitas vezes, falta información sobre la enfermedad. Los
mantê-las em casa. Já as crianças lidam com a familiares sufren con una preocupación frente a
desinformação, curiosidade e zombaria, face às la integridad física y emocional, del niño,
mudanças na sua aparência física (perda de prefiriendo muchas veces mantenerlas en casa.
peso, queda de cabelo e uso de máscara). Los niños lidian con la desinformación ,
curiosidad y burla, que hacen los demas niños
Palavras chave: Enfermagem oncológica; de su apariencia físico, (pérdida de peso, caida
Enfermagem pediátrica; Educação infantil. de cabello y uso de cubrebocas).

ABSTRACT Palabras clave: Enfermería oncológica;


The proposal of this study is an essay on the Enfermería pediátrica; Crianza del niño.
subject, in which some perspective advances
are mentioned and it is extremely important
that the children with cancer maintain their
schooling, preserving a normal life. It’s
intellectual and emotional normal life and to
have the hope to cure in the determination to
construct the future. However, the scholar
reintegration of the child in oncologist treatment
becomes difficult for the teachers, relatives and
for the own ill child. Teachers face the difficulty
of how to manage with the child in front of their
classmates and with the lack of information
about the disease. The relatives suffer with the
preoccupation about the physical and emotional
integrity of the child. However, the child does 1
Pesquisa com auxílio do CNPq.
I
not fight with the disinformation, curiosity and Enfermeira do Instituto de Oncologia Pediátrica da Unifesp,
Especialista em Enfermagem Oncológica pelo Hospital A. C.
deceives, in the face of its physical appearance,
Camargo. Formada na Universidade de São Paulo – Ribeirão
(loss of weight, loss of hair and use of masks). Preto. E-mail: carolpaterlini@yahoo.com.br.
II
Enfermeira, Professora Doutora Associada Aposentada da
Key words: Oncologic nursing; Pediatric Universidade de São Paulo. E-mail: boemerval@gmail.com.

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INTRODUÇÃO relacionadas aos aspectos psicossociais do


O câncer é um termo genérico utilizado câncer infantil, no período de 1980–1997,
para determinar uma grande variedade de revela a abrangência e complexidade das
neoplasias ou tumores malignos que causam situações com as quais a criança se depara, tais
efeitos destrutivos no organismo devido ao seu como: transformação no seu corpo e no seu
caráter invasivo e metastático. As doenças estado de saúde, dores, efeitos colaterais do
neoplásicas são caracterizadas por uma tratamento e alterações de relacionamento,
proliferação anormal de células que se infiltram psicológicas e afetivas. Diante de tanta
e destroem os tecidos vizinhos, podendo ser adversidade, a criança tem que ser forte e lutar,
levadas, pelo sangue, a outras partes do buscando ajuda nas pessoas mais próximas,
organismo, desenvolvendo-se aí também as como familiares, amigos e equipe de saúde(7).
metástases(1). Os benefícios da vivência escolar para a
O câncer infantil compreende de 0,5% a criança com câncer são reconhecidos.
3% de todas as neoplasias na maioria das Entretanto, essa atividade encontra enormes
populações, estimando-se uma incidência anual barreiras práticas que estão relacionadas ao
de cerca de 200 mil casos em todo o mundo(2). próprio tratamento antineoplásico e seus efeitos
Ocorre um caso de câncer em cada 7 mil colaterais, ao despreparo da equipe escolar para
crianças de 0 a 14 anos nos Estados Unidos, o acolhimento de seu aluno com câncer, à
apresentando uma discreta predominância do rejeição, ao preconceito e à desinformação dos
sexo masculino e na raça branca(3). demais alunos com relação à criança em
As estatísticas norte-americanas estimam tratamento, às inseguranças da família em
que um em cada 900 indivíduos, entre 16 e 44 manter a freqüência escolar de seu filho doente,
anos, será sobrevivente do câncer infantil, com à falta de comunicação entre os hospitais e as
expectativa de atingir um a cada 250 até o ano escolas das crianças, dentre outros(8).
de 2010(4). No Brasil, as crianças e adolescentes “A escola é parte integral na vida das
portadores de Leucemia Linfóide Aguda são crianças e é essencial que eles tenham
curados em 80% dos casos(5). oportunidade de adquirir educação”(9).
O câncer constitui-se então, em um Assim julgou-se oportuno descrever
problema de saúde pública de dimensões aspectos atuais referentes à reinserção escolar
nacionais e internacionais, cuja prevenção e de crianças e adolescentes com câncer com o
controle devem ser priorizados, sendo intuito de promover uma reflexão crítica acerca
necessárias a formulação e a implementação da abrangência, necessidade da continuidade
progressiva de ações, programas e planos escolar, insegurança por parte da escola em
orientados para o seu controle, incluindo a receber esses estudantes e dificuldades
melhoria e expansão da assistência médico- apresentadas pelos mesmos no retorno à sala
hospitalar, as medidas de detecção precoce e de de aula. Esse trabalho de atualização também
prevenção, que compreendam ações de cita como esse tema vem sendo trabalhado nos
promoção à saúde e de intervenção sobre os setores de pediatria oncológica de alguns
fatores de riscos do câncer. Hospitais do Estado de São Paulo.
Além das implicações médicas, questões
que perpassam todas as esferas da vida da A CRIANÇA EM TRATAMENTO
criança e de sua família iniciam-se até mesmo ANTINEOPLÁSICO E SUAS DIFICULDADES
antes da confirmação do diagnóstico da doença. NO RETORNO À ESCOLA
Desde o aparecimento dos sintomas iniciais, as Em conjunto com a família, a escola
visitas a hospitais, a preocupação dos adultos, o exerce um papel importantíssimo na formação
medo e a angústia passam a habitar a vida da da identidade pessoal e social da criança, pois,
criança, o que se acentua por ocasião do em seu ambiente, nas interações com os
tratamento que é longo, complexo e agressivo, adultos e com seus pares, as crianças
caracterizando um período de estresse para a desenvolvem habilidades cognitivas e sociais
criança e seus familiares(6). necessárias à formação de um senso de
Um estudo sobre as publicações brasileiras independência, competência e ética, além de

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adquirirem conhecimentos acadêmicos, políticos manutenção da escolaridade; ocorrência isolada


e sociais(8). ou esporádica; duração que não ultrapasse o
As competências sociais incluem fazer máximo admissível para a continuação do
amizade, manter as amizades e entender a progresso pedagógico de aprendizagem, o que
dinâmica de grupo apropriada para a idade. A exclui, por exemplo, a hemofilia ou asma. À
interação social é restrita para as crianças que estas crianças doentes, como compensação à
estão limitadas em suas casas(9). ausência nas aulas, são planejados exercícios
É na escola que a criança encontra um domiciliares com acompanhamento da escola,
espaço para exercer sua capacidade de compatíveis com o seu estado de saúde e com o
aprender e se defrontar com estímulos de processo de ensino. Não existe legislação
diferentes ordens que testam suas habilidades e específica para casos de câncer. A lei é geral e a
propiciam o seu desenvolvimento intelectual, literatura não apresenta relatos a respeito de
motor, perceptivo, social, dentre outros. Fora da benefícios trazidos pelos mesmos às crianças
escola, são diminuídas suas oportunidades de com câncer(8).
trocas e interações sociais e ela fica privada do A criança irá enfrentar grandes obstáculos
espaço em que o aprendizado é privilegiado, diante da possibilidade de retornar à escola
podendo advir daí um sentimento de durante seu longo tratamento. Ela irá se
inferioridade(8). deparar com uma situação na qual terá que
A escola é considerada como o “trabalho” lidar com medos, desinformações, curiosidades
para as crianças. Ela deve permitir que o aluno e zombarias na própria escola, devido ao fato
participe das atividades acadêmicas e sociais de ser vista como diferente das demais face às
durante a fase de tratamento da sua doença, mudanças na sua aparência física (alteração de
contribuindo como um membro efetivo da peso, alopecia e uso de máscara de proteção
classe(9). em torno do nariz e da boca)(10). Ela necessita
O Comitê de Trabalho sobre Aspectos de cuidados especiais que são transitórios e
Psicossociais em Oncologia Pediátrica da SIOP, característicos de cada fase de seu
(11)
constituído em 1991, desenvolveu um tratamento . Portanto, esse retorno à escola
documento oficial com o tema: deve ser realizado de forma realística. É
“Escola/Educação”. Sua fundamentação é que importante a compreensão e a aceitação por
crianças com câncer não só devem freqüentar a parte da escola diante da situação deste aluno
escola, mas devem também ser estimuladas a em tratamento oncológico, diminuindo assim a
ter assistência completa na mesma. O ansiedade e facilitando o processo de retorno às
documento ressalta que o programa para aulas.
crianças com câncer deve incluir os seguintes A agressividade do tratamento, o número
aspectos: escola no hospital e um programa de de internações hospitalares de consultas
reinserção escolar (abrindo canais de médicas, o número de procedimentos invasivos,
comunicação ente a equipe de hospital e os o estado físico e mental da criança e do
professores da escola de origem; incluir um adolescente devem ser levados em conta na
manual de informação aos professores sobre programação da volta à escola. As crianças e os
como lidar com a criança doente e a escola adolescentes portadores de uma doença grave e
deve estar aberta para que a criança sinta-se enfrentando um tratamento, seja ele paliativo
livre para expressar-se). ou curativo, provavelmente não serão capazes
O decreto Lei nº 1044, de 21 de outubro de freqüentar a escola da mesma maneira que
de 1969, dispõe sobre o tratamento os outros alunos, cumprindo seus horários e
diferenciado para os alunos portadores de demandas escolares. Portanto é de suma
afecções congênitas ou adquiridas, como importância à modificação da rotina escolar, das
infecções, traumatismos ou outros quadros expectativas acadêmicas, do suporte
mórbidos caracterizados por incapacidade física educacional, da flexibilidade com o excesso de
relativa, incompatível com a freqüência escolar, faltas e da perda de provas e trabalhos, permitir
mas com preservação das potencialidades auxílios domiciliares e hospitalares. Pode ser
intelectuais e emocionais necessárias à que a criança ou o adolescente freqüente a

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escola somente por um ou dois períodos. Sendo Durante as fases mais críticas do
importante dar prioridade para o horário do tratamento ou mesmo durante os cuidados
recreio, atividade considerada social e aulas paliativos, pode haver uma redução do contato
como de arte, com uma demanda acadêmica com a comunidade em geral devido a fatores
menor. Garantindo assim, que eles sejam relacionados à mobilidade e outros fatores
capazes de continuar aprendendo de maneira médicos mais complicados(9).
adequada à idade(9). Por isso, a oportunidade de manter
A direção e os professores sentem-se contato com seus amigos de classe tem grande
desinformados sobre o câncer e têm dúvidas a importância para o estudante e sua família.
respeito de sua etiologia, tratamento, Passar o tempo com seus amigos é uma
possibilidade de cura, integridade física da distração para a vida do aluno e consiste em um
criança, mudança de comportamento, aspectos reforço do fato de que ele continua criança ou
psicológicos, sobre como agir diante de lesões, adolescente e apresenta as mesmas
vômitos ou febre, além de carregarem consigo o necessidades e sonhos de seus amigos(9).
estigma da morte que o câncer traz. A Um estudo francês com 30 estudantes em
comunicação efetiva com esses profissionais cuidados paliativos avaliou a motivação para
sobre o diagnóstico e tratamento do estudante, freqüentar a escola e sua evolução durante o
contribui de maneira determinante para o curso da doença bem como as medidas
retorno do aluno à sala de aula. A criança e o adotadas para manter a freqüência na escola.
adolescente devem ter um ambiente com Setenta por cento das crianças decidiram por
condições adequadas de higiene e ventilação, continuar a freqüentar a escola até o estágio
cuidados com a alimentação e possíveis lesões. avançado de sua doença. As crianças citaram a
Os colegas devem receber informações de leitura, matemática e a computação como
acordo com a idade referentes á saúde de seu sendo suas áreas preferidas. Fadiga e
colega doente. Quando poucas informações incapacidade física tiveram efeito, ao longo do
estão disponíveis pela equipe de saúde e tempo, na diminuição da motivação das
familiares, fofocas e especulações no ambiente crianças em ficar na escola. Os motivos das
escolar surgirão. Rumores e conjecturas, outras crianças da amostra não quererem
geralmente errôneos, sobre a doença da criança freqüentar a escola eram os de já realizarem
ou do adolescente são prejudiciais(9). outras atividades ou sentirem dor não
Os familiares também manifestam grande controlada(12).
preocupação com a integridade física e Closs & Burnett (1995) descreveram o
emocional da criança e, caso acreditem que elas relato de pais de crianças com câncer:
não estão bem assistidas na escola ou na “….Esperança de que, através da participação
tentativa de poupá-las de qualquer tipo de na educação, seus filhos atingiram o sucesso ou
esforço, seja ele físico, intelectual ou social, ou cumpririam seu potencial, experimentariam
se souberem que seu filho é alvo de apelidos amizade dos seus colegas, ou pelo menos
como “careca” e “mascarado” as manterão em companheirismo, teriam interesses e atividades
suas casas. O comportamento de um pai que que pudessem distraí-los dos aspectos
procura compartilhar o sofrimento do filho, desagradáveis de seu estado, deixariam para
raspando seu próprio cabelo e não o deixando trás a marca de sua existência e acima de tudo
crescer enquanto também não crescer o do seu experimentariam alguns aspectos de uma vida
filho é relatado na literatura e revela essa normal”(13).
preocupação dos pais(1). Desde 1970, vem sendo observado um
Estas são algumas das dificuldades que, aumento linear das taxas de cura dos tumores
somadas aos receios e restrições físicas (dor, na infância, estando estas, atualmente,
mal-estar, dificuldades sensoriais) e/ou variando entre 70% e 80% dos casos. Manter a
emocionais, tornam-se grandes obstáculos na rotina que tinham antes do aparecimento da
continuidade da vida escolar de crianças em doença, melhora sua qualidade de vida durante
tratamento oncológico. e após o tratamento. A escola é parte
importante desse cotidiano e a criança

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dificilmente poderá aproximar-se da tratamento no HCFMRP e agendada uma


normalidade caso não esteja na escola e seja reunião para a explicitação do trabalho a ser
produtiva no seu papel de aprendiz, sendo, realizado no retorno da criança doente à escola,
portanto, clara a relevância de abordagem confluindo, desta maneira, os canais de
desse tema - reinserção escolar. comunicação entre o hospital e a escola de
origem da criança.
AVANÇOS & PERSPECTIVAS Nesta reunião com a diretora da escola é
Com o objeto de compreender como esse mencionado um filme que será projetado, cujo
tema está sendo abordado em Hospitais de título é: “Não tem choro”(15) e o livro “Carta ao
referência nacional na área da oncologia Professor”(14). Este livro traz informações sobre
pediatria, foi feito contato durante alguns o tratamento e suas conseqüências, facilitando,
meses, via telefone, e-mail e pessoalmente, assim, a recepção da criança pela escola.
com cerca de sete hospitais. Alguns se Também são esclarecidas todas as
prontificaram a relatar o caminho percorrido e características da doença, todos os cuidados
os avanços obtidos na perspectiva da reinserção com a alimentação, com as atividades de
escolar de seus pacientes com câncer. educação física e como a escola deve agir
Entretanto, alguns não se mostraram disponível diante de um ferimento ou de uma febre
para participar, alegando falta de tempo. Outros ocasional. Ressalta ainda a importância da
ainda, responderam que não trabalham com freqüência escolar, o fato que esta criança
nenhum projeto nesse sentido. doente deve ser tratada como aluno e não como
A experiência mais próxima do olhar das paciente, para que possa se sentir igual aos
autoras é da equipe de serviço ambulatorial de seus pares.
pediatria do HCFMRP-USP, Hospital das Clínicas Em um segundo momento é feito contato
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da com os colegas da referida criança, podendo
Universidade de São Paulo. Essa equipe recebe essa estar presente ou não. O mesmo ocorre
um financiamento do GACC “Grupo de Apoio a com os professores. O filme mencionado é
Criança com Câncer - Ribeirão Preto", que inclui assistido e discutido pelas crianças, com vistas
o custeamento dos livros “Carta ao a facilitar o entendimento da doença e de seus
(14)
Professor” e a disponibilidade de um carro efeitos colaterais, estreitando o convívio social e
para o transporte até a escola da criança. permitindo a continuidade escolar da criança em
Participam deste trabalho do HCFMRP- tratamento.
USP, crianças e adolescentes de 3 a 18 anos Após estes esclarecimentos com a direção,
que se encontram em fase de reinserção professores e alunos, elas permanecem prontas
escolar. Nesta instituição são atendidas pessoas a esclarecer qualquer dúvida ou dificuldade,
de toda a região de Ribeirão Preto, sendo dando, assim, continuidade ao trabalho.
estabelecido, então, que este projeto englobaria Outro serviço visitado foi o Centro Infantil
as crianças que moram a uma distância de até de Investigações Hematológicas Dr. Domingos
120 km. Participam do projeto uma psicóloga e A. Boldrini, na cidade de Campinas, interior do
uma assistente social que atendem todas as estado de São Paulo, onde houve contato com a
crianças em tratamento oncológico do HCFMRP pedagoga deste Centro. Neste Hospital de
e identificam aquelas que estão afastadas da referência no tratamento de crianças e
escola e em fase de retorno à escola. adolescentes com câncer, existe um contato
A partir do momento em que a equipe com a escola dos pacientes, afim de dar
médica acredita que a criança esteja apta a continuidade às suas atividades escolares. Essas
retorna à escola, a mãe da criança é informada atividades são realizadas pelas crianças em uma
sobre o trabalho realizado e decide se irá sala de aula, sob supervisão de uma pedagoga,
consentir ou não que seu filho participe. Caso ou no leito, quando a criança está
aceite, informa qual é a escola em que a criança impossibilitada de locomover-se.
está matriculada. Um contato inicial é realizado No momento em que a equipe de saúde
com a diretora, por telefone. Neste contato é decide que a criança está apta a retornar à
feito uma referência ao aluno doente e em escola, a pedagoga conversa por telefone com a

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diretora e professores da escola, orientando alteração de peso, dores de cabeça) e tardios


sobre os cuidados necessários e dirimindo (esterilidade, alteração perceptivas, intelectuais
dúvidas. Caso a escola sinta necessidade de e locomotoras) que limitam a socialização da
conversar pessoalmente com a equipe de criança e causam o seu afastamento do
saúde, esta se prontifica a agendar uma reunião ambiente escolar.
no próprio hospital; nunca ocorre desta ir até a A manutenção das atividades cotidianas
escola, devido a problemas financeiros e do da criança com câncer o mais próximo possível
tempo requerido para tal. do que era anteriormente à doença, como a
No Hospital do Câncer - Fundação Pio XII preservação dos processos sociais e a
em Barretos, uma das enfermeiras que trabalha freqüência à escola, podem contribuir para que
na unidade de pediatria citou que esta em fase ela cultive acesa a esperança de sobreviver por
de aprovação um Projeto de Classe Hospitalar, meio da “construção” de seu futuro. A
com duas salas de aula, atendendo as crianças esperança é o que a ajuda a manter o ânimo, a
em tratamento ambulatorial e as internadas. suportar os dissabores da doença, o que a
No Instituto de Oncologia Pediátrica da conforta nos momentos mais críticos e é o
Escola Paulista de Medicina – UNIFESP existem sentimento que persiste, usualmente, durante
professores voluntários que dão aulas às todos os estágios da doença e do tratamento.
crianças e adolescentes internados ou em Negar às crianças e adolescentes o
tratamento ambulatorial. As aulas ocorrem na retorno à escola é de algum modo negar-lhes a
brinquedoteca, no ambulatório de quimioterapia oportunidade de ter uma vida completa como
ou no próprio leito do paciente, quando este criança ou adolescente.
está impossibilitado de locomover-se.
A maioria dos Hospitais recusou-se a REFERÊNCIAS
relatar ou silenciaram sobre o caminhar na 1. Valle ERM. Ser no mundo com o filho
temática da reinserção escolar de crianças em portador de câncer: Hermenêutica de discursos
tratamento, o que dificultou a dimensão de uma de pais [thesis]. Ribeirão Preto: Escola de
avaliação nessa esfera. Enfermagem/USP; 1988. 123 p.
Sabendo dos benefícios e da importância 2. Braga PE, Latorre MRDO, Curado MP. Câncer
de manter a vivência escolar e a preservação na infância: análise comparativa da incidência,
dos processos sociais das crianças com câncer, mortalidade e sobrevida em Goiânia (Brasil) e
muitos hospitais possuem ou estão outros países. Cad. Saúde Pública.
implementando e preparando equipes de 2002;18(1):33–44.
natureza multidisciplinar para a recepção dessas 3. Camargo B de, Kurashima AY. Considerações
crianças pela escola, propiciando, assim, um especiais em oncologia pediátrica. In: de
suporte necessário para o acolhimento. Desta Camargo B, Kurashima AY, editores. Cuidados
maneira, esperamos que este ensaio seja paliativos em oncologia pediátrica o cuidar além
elemento propulsor para que alguns hospitais do curar. São Paulo: Lemar, 2007. p. 25-37.
iniciem e divulguem programas voltados para 4. Ortiz MCA, Lima RAG. Experiência de
reinserção escolar de crianças em tratamento familiares de crianças e adolescentes, após o
oncológico, dando atenção à singularidade que término do tratamento contra o câncer:
cerca cada uma dessas crianças. subsídios para o cuidado de enfermagem. Rev
Latino-am Enfermagem. 2007;15(3):411–7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 5. Pedrosa F, Lins M. Leucemia linfóide aguda:
Os avanços tecnológicos no âmbito da uma doença curável. Rev. Bras. Saude Mater.
medicina têm influenciado a história da maioria Infant. 2002;2(1):63–8.
das neoplasias infantis, aumentando a 6. Françoso LPC. Vivências de crianças com
sobrevida e melhorando os índices de cura. câncer no grupo de apoio psicológico: estudo
Porém, os efeitos colaterais do tratamento fenomenológico [thesis]. Ribeirão Preto: Escola
implicam em inúmeros transtornos. Além das de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 2001.
freqüentes internações hospitalares, acarretam 207 p.
efeitos colaterais imediatos (náuseas, vômitos, 7. Moreira GMS. Estudos bibliográficos sobre

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[Internet]. 2008;10(4):1152-8. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n4/v10n4a28.htm.

publicações brasileiras relacionadas a aspectos


psicossociais do câncer infantil, no período de
1980 à 1997. Revista Brasileira de
Cancerologia. 1995;45(2):27-35.
8. Moreira GMS. A criança com câncer
vivenciando a reinserção escolar: estratégia de
atuação de um psicólogo [dissertation]. Ribeirão
Preto: Faculdade de Filosofia e Letras de
Ribeirão Preto/USP; 2001. 137 p.
9. Challinor J. Aspectos Educacionais. In: de
Camargo B, Kurashima AY, editores. Cuidados
paliativos em oncologia pediátrica o cuidar além
do curar. São Paulo: Lemar; 2007. p. 122 – 134
10. Anders JC. O transplante de medula óssea e
suas repercussões na qualidade de vida de
crianças e adolescentes que o vivenciaram
[thesis]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto /USP; 2004. 203 p.
11. Moreira GMS. A criança com câncer
vivenciando a reinserção escolar: estratégia de
atuação do psicólogo [dissertation]. Ribeirão
Preto: Universidade de São Paulo/USP: 2002.
137 p.
12. Bouffet E, Zucchinelli V, Costanzo P,
Blanchard P. Schooling as a part of palliative
care in paediatric oncology. Palliat Medicine.
1997;11(2):133–9.
13. Closs A, Burnett A. Education for children.
with a poor prognosis: reflections on parental
wishes and on an appropriate currículo. Child
Care Health Dev. 1995;21(6):387-94.
14. Tone LG, Valle ERM, Freitas DMV, Lima
RAG, Spanó CM, Carvalho AMP, et al. Carta ao
professor de uma criança com câncer. Revista
Brasileira de Saúde Escolar 1990;1(3/4): 6-13.
15. Não tem choro. [videocassette]. Stamford:
Chulz Creative Production Association; 1990.

Artigo recebido em 08.10.07.


Aprovado para publicação em 31.12.08

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