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ANAIS

IX Congresso Internacional de História


“História da América em debate: fronteiras, ensino e
ecologia”

Universidade Estadual de Maringá


UEM

Maringá – 2019
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Congresso Internacional de História (9. : 2019 out.
07-09 : Maringá, PR)
C749a Anais do 9º Congresso Internacional de História : “História
da América em debate: fronteiras, ensino e ecologia”/
organizador Luiz Felipe Viel Moreira. –- Maringá, PR: UEM/DHI,
2019.

Disponível em: <https://npd.uem.br/eventos/ev/IXCIH>


ISSN 2575-6910 (impresso)
ISSN 2175-6627 (CD-ROM)
ISSN 2175-4446 (on-line)

1. História - Congresso. 2. Historiografia – Congresso. 3.


Fronteiras – Congresso. 4. América – Congresso. 5. Idade Média –
Congresso. I. Moreira, Luiz Felipe Viel, org. II. Universidade
Estadual de Maringá. Departamento de História. III. Título: 9º
Congresso Internacional de História : 7-9 de outubro de 2019.
IV. Título: História da América em debate: fronteiras, ensino e
ecologia.

CDD 23.ed. 900


Márcia Regina Paiva de Brito – CRB-9/1267
APRESENTAÇÃO

Entre os dias 07 e 09 de outubro de 2019 tivemos o nosso IX Congresso Internacional de História -


“História da América em debate: fronteiras, ensino e ecologia”. Como resultado do mesmo
publicamos agora os Anais do evento, fruto das atividades que transcorreram em 41 (quarenta e um)
simpósios temáticos, ao longo das três tardes. Para constar, a programação geral do congresso foi a
que segue:

07 de outubro (segunda-feira)
Manhã: Credenciamento – 10 horas Palestra com o Prof. Dr. Márcio Ronaldo Santos Fernandes
(Unicentro – Secretário Geral ICA 2021): “A América e suas fronteiras: múltiplas vozes, múltiplos
encontros”

Noite: Palestra de abertura. Prof. Dr. Héctor Perez Brignoli (Universidad de Costa Rica – Costa
Rica): “Historia Global de America Latina”

08 de outubro (terça-feira)
Manhã: Mesa Redonda: História Ambiental Americana
-Prof. Dr. Anthony Goebel MacDermott (Universidad de Costa Rica – Costa Rica): “Ecosistemas
forestales y regímenes ambientales. Hacia una historia ambiental de Centroamérica en perspectiva
global: la explotación forestal como estúdio de caso, siglos XVIII al XX”
-Profa. Dra. Lise Sedrez (UFRJ): “Natureza urbana: um prazer e um desafio para os historiadores
ambientais”
-Prof. Dr. Gilmar Arruda (UEL): “Desafios políticos da história ambiental na era da devastação”
-Eng. Agr. João Berdu Garcia Jr.: “O Vale da Seda na Bacia Hidrográfica do Rio Pirapó: crédito de
carbono, sustentabilidade e impacto ambiental”

Noite: Mesa Redonda: Ensino de História na América Latina


-Profa. Pesquisadora Ana Montserrat Barreto Valinotti (Universidad del Norte – Paraguai): “¿Y
donde están las mujeres? Avances y desafios para enseñar una historia con perspectiva de género en
el Paraguay”
-Prof. Dr. Fernando Cerri (UEPG): “Desafios do Ensino de História para os jovens da era da pós-
verdade”
-Profa. Dra. Isabel Cristina Rodrigues (UEM): “O Ensino de História Indígena no Brasil na
Educação Básica”

09 de outubro (quarta-feira)
Manhã: Mesa Redonda: Fronteiras e História na América Latina
-Prof. Dr. Ronald Soto-Quirós (Université de Bordeaux Montaigne – França): “Cerrando fronteras
en América Central: biopolítica y migración (fines del siglo XIX – 1940)”
-Prof. Dr. Micael Alvino Silva (Unila): “As relações internacionais e a tríplice fronteira Brasil –
Argentina – Paraguai)”
-Prof. Dr. Lúcio Tadeu Mota (UEM): “Fronteiras étnicas no Guairá Colonial”

Noite: Palestra de encerramento: “O estudo da História da América no Paraguai e na França”: Profa.


Pesquisadora Ana Montserrat Barreto Valinotti (Universidad del Norte – Paraguai) e Prof. Dr.
Ronald Soto-Quirós (Université de Bordeaux Montaigne – França).
COORDENAÇÃO GERAL
Luiz Felipe Viel Moreira

VICE-COORDENAÇÃO
Isabel Cristina Rodrigues

SECRETARIA GERAL
Igor Marconi

COMISSÃO ORGANIZADORA
Solange Ramos de Andrade
Márcia Elisa Teté Ramos
Hudson Siqueira Amaro
Inês Aparecida de Souza
Sônia Regina Luciano

COMISSÃO CIENTÍFICA
José Henrique Rollo Gonçalves
Hector Pérez Brignoli
Lúcio Tadeu Mota
Anthony Goebel MacDermott
Márcio Roberto do Prado
Ronald Soto-Quirós
Leandro Brunelo
Ana Montserrat Barreto Valinotti
ÍNDICE

Simpósio Temático 01 ...…………………………………………………………………………06


Simpósio Temático 02 ………………………………………………………………………….106
Simpósio Temático 03 ………………………………………………………………………….154
Simpósio Temático 04 CANCELADO
Simpósio Temático 05 CANCELADO
Simpósio Temático 06 ………………………………………………………………………….214
Simpósio Temático 07 ………………………………………………………………………….236
Simpósio Temático 08 ………………………………………………………………………….279
Simpósio Temático 09 ………………………………………………………………………….466
Simpósio Temático 10 CANCELADO
Simpósio Temático 11 ………………………………………………………………………….578
Simpósio Temático 12 ………………………………………………………………………….613
Simpósio Temático 13 ………………………………………………………………………….703
Simpósio Temático 14 ………………………………………………………………………….792
Simpósio Temático 15 ………………………………………………………………………….897
Simpósio Temático 16 ……………………………………………………………………...…1004
Simpósio Temático 17 ………………………………………………………………………...1066
Simpósio Temático 18 ………………………………………………………………………...1184
Simpósio Temático 19 ………………………………………………………………………...1280
Simpósio Temático 20 ………………………………………………………………………...1329
Simpósio Temático 21 ………………………………………………………………………...1381
Simpósio Temático 22 ………………………………………………………………………...1500
Simpósio Temático 23 ………………………………………………………………………...1562
Simpósio Temático 24 CANCELADO
Simpósio Temático 25 ………………………………………………………………………...1653
Simpósio Temático 26 ………………………………………………………………………...1768
Simpósio Temático 27 CANCELADO
Simpósio Temático 28 ………………………………………………………………………...1821
Simpósio Temático 29 ………………………………………………………………………...1890
Simpósio Temático 30 ………………………………………………………………………...2017
Simpósio Temático 31 CANCELADO
Simpósio Temático 32 ………………………………………………………………………...2050
Simpósio Temático 33 ………………………………………………………………………...2099
Simpósio Temático 34 ………………………………………………………………………...2110
Simpósio Temático 35 ………………………………………………………………………...2143
Simpósio Temático 36 ………………………………………………………………………...2378
Simpósio Temático 37 ………………………………………………………………………...2447
Simpósio Temático 38 ………………………………………………………………………...2528
Simpósio Temático 39 ………………………………………………………………………...2629
Simpósio Temático 40 ………………………………………………………………………...2730
Simpósio Temático 41 ………………………………………………………………………...2805
NOBREZA E CASTELOS NAS SIETE PARTIDAS DE ALFONSO X, O SÁBIO
Fernando Balbino de Araújo – LEM-UEM

ST- 01: A Idade Média em debate: estudo das fontes.

A presente discussão tem como objetivo analisar a nobreza de Castela e Leão e sua
relação com os castelos medievais erguidos na Península Ibérica. Para tanto, utilizarei
o código jurídico denominado “Las Siete Partidas” produzido por Alfonso X, o Sábio,
que foi rei de Castela e Leão entre 1252 a 1284. O monarca dedicou trinta e duas leis
na Partida Segunda à normatização da guarda, manutenção e defesa dos castelos,
bem como à definição das penalidades aplicadas nos casos do não cumprimento das
determinações em relação a eles. Definiu, igualmente, questões relativas à
propriedade e à posse, além do perfil dos responsáveis pela ocupação dessas
edificações. Buscarei identificar a relação entre a nobreza e os castelos reais, de
acordo com as leis impostas no código jurídico citado. Frequentemente atribuídos
como “a imagem da Idade Média”, o castelo medieval foi um marco importante no que
diz respeito a táticas de guerra. Com a chegada de uma construção que combinou os
aspectos militares e residenciais, a forma de batalha teve que ser adaptada, onde a
guerra de cerco passou a adquirir um papel de protagonismo. Tendo em vista sua
importância não somente militar, mas também como forma de manutenção de poder
e território, diversas fortificações foram erguidas na Península Ibérica, mais
especificadamente em Castela e Leão. Tais obras modificaram não somente a
geografia da Península, mas também as relações entre nobres e vassalos, e entre a
nobreza e o rei.

Palavras chave: Castelos; Nobreza; Alfonso X.

Introdução/Justificativa

Neste breve texto, apresentamos as primeiras reflexões acerca do tema que


estamos desenvolvendo em nossa pesquisa de Mestrado junto ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá, sob orientação do
professor Dr. Jaime Estevão dos Reis. Trata-se da relação entre a nobreza e os
castelos na Idade Média, especificamente, nos reinos de Castela e Leão.

Objeto de curiosidade e admiração, o castelo medieval carrega em suas


estruturas o peso de ter sua imagem atribuída a própria Idade Média. De fato, diversos
pensadores e historiadores, ao mencionarem o período citado, o relacionam com as

17
colossais construções de pedra. Definido de forma simples por Conrad Cairns (2010)
como “...uma moradia particular fortificada, desenhada para proteger de qualquer
ataque armado”1 (CAIRNS, 2010, p. 3), ele apresenta várias facetas (algumas
gigantes e imponentes, outras modestas e seguras). Apesar do aspecto militar citado
por Cairns, sua função vai muito além da segurança e proteção.

A construção de um castelo era realizada de acordo com a região a qual o


mesmo seria erguido. Os primeiros castelos originaram-se no topo deu uma colina
(natural ou artificial) utilizando madeira e terra como principais componentes (motte
and bailey), exemplificados pelos castelos de bretões de Dol, Dinant e Rennes. A
construção de fortalezas sofreu diversas alterações com o passar dos séculos, pois a
madeira foi perdendo espaço e foi substituída pela pedra (maior segurança, menor
risco de incêndio e mais resistentes contra inimigos), onde surgiram as magníficas
fortalezas de Rochester e Pembroke, e em lugares onde a pedra era um material
escasso, o homem medieval a substituiu pela alvenaria, erguendo assim imponentes
fortalezas de tijolos (como a fortaleza teutônica de Malbork).

Graças ao castelo, o cenário medieval de grandes batalhas sofreu uma radical


mudança. Além das guerras em campo aberto, onde exércitos se enfrentavam
frontalmente, surgem as guerras de assédio. Como afirma Maurice Keen (2005):

No período entre o ano 800 e 1450 poucas campanhas se


desenvolveram sem que se realizasse o assédio de um, e as vezes
vários, pontos chave, e somente nas sociedades não defendidas por
castelos, como na Irlanda no século XII e em Gales no século XIII, os
assédios permaneceram em segundo plano. Ao longo de todo o
período, os assédios superaram em número as batalhas campais, os
enfrentamentos navais, as expedições de ataque a cavalo e qualquer
outra forma de atividade bélica (KEEN, 2005, p. 212) 2.

Ou seja, poucas batalhas se desenvolveram na Europa Medieval sem que o


cerco a um castelo fosse necessário, o que configura sua importância militar: a tomada
por vezes era custosa e longa, o que proporcionava oportunidades para o lado

1
“...una vivienda particular fortificada, diseñada para protegerse de cualquier ataque armado” (CAIRNS, 2010, p.
3).
2
En el período entre el año 800 y 1450 pocas campañas se desarrollaron sin que se produjese el asedio de uno, y
as veces varios, puntos clave, y solo en las sociedades no defendidas por castillos, como en Irlanda en el siglo XII
y en Gales en el siglo XIII, los asedios permanecieron en un segundo plano. A lo largo de todo el período, los
asedios sorepasaban en número a las batallas campales, a los enfrentamientos navales, a las expediciones de ataque
a caballo y a cualquier otra forma de actividad bélica (KEEN, 2005, p. 212).

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atacado se reorganizar, assim como seu papel ofensivo, servindo como base de
operações para os homens em terra e como um lugar seguro para as tropas (KEEN,
2005, p. 213). Decisivo em inúmeras batalhas, o castelo se tornou extremamente
importante durante o processo de retomada do território cristão ocupado pelo Islã: a
Reconquista.

Bem definido por Jémerson Q. de Almeida, a Reconquista foi o processo de


batalhas dos cristãos que se identificavam como herdeiros dos povos visigodos contra
muçulmanos para a retomada de território (ALMEIDA, 2014, p. 456-457). Durante seu
processo, os castelos tornaram-se pontos estratégicos, pois algumas fortalezas eram
erguidas não somente com cunho defensivo, mas também para auxiliar no cerco e
tomada de territórios inimigos.

Na Península Ibérica, o processo foi vantajoso para a nobreza em geral, pois


com os primeiros avanços das tropas cristãs, os mesmos obtiveram grandes riquezas,
poder, prestígio militar e político no governo dos novos territórios (MENÉNDEZ PIDAL,
2015, p. 31). Logo, o grupo se firma como personagem importante não apenas durante
as batalhas, mas também na administração e manutenção dos novos territórios.

Aqui configura-se outro aspecto dos castelos: era o símbolo que representava
seu senhor, o centro do poder na Idade Média. Jean-Marie Pesez elucida bem o seu
significado:

O castelo é, antes de tudo, uma casa, uma residência aristocrática que


abriga um homem que é um senhor, um dominus, com sua família,
com as pessoas de sua domus, parentes, oficiais, familiares, criados.
É necessariamente, portanto, uma grande morada: isso já a distingue
das outras. Mas o castelo tem, além disso, o papel de um signo: ele
deve materializar, tornar sensíveis, o lugar e a categoria ocupados por
quem o habita e que é seu senhor. Esse papel é materializado por
suas dimensões, mas também por sua situação geralmente elevada,
dominante, e pela demonstração de poder contida nas fortificações,
torres, portas e ameias. (PESEZ, 2017, p. 173)

Além de sua posição elevada perante a sociedade, o nobre possuía outro fator
de distinção: seu castelo. Aqui, a morada fortificada não é apenas uma fortaleza
protegida: ele torna visível o poder e influência de seu dono.

Estudar a nobreza e sua influência se torna importante para compreendermos


a formação da sociedade no medievo. O nobre é aquele que não se mistura com os

19
demais, que possui posição social elevada, bons costumes e advém de boa família.
Nas palavras de Faustino Menéndez Pidal (2015):

Nobre, nobilis, equivale a noscibilis, de gnosco o nosco, conhecido,


destacado, famoso. [O termo] vincula-se também a notabilis, notável,
influente, fora do comum, para o bem ou para o mal. O termo
conservou somente o aspecto positivo: de acordo com seu significado
etimológico, implica seleção, excelência, e supõe, necessariamente,
uma diferenciação, uma elevação sobre os demais. Esta é a ideia
básica da nobreza. A ela se opõe radicalmente o igualitarismo, que se
nega a admitir a diferença e tratar como iguais os que são distintos.
Na igualdade absoluta, não cabe o notável, o nobre (MENÉNDEZ
PIDAL, 2015, p. 17).3

Neste estudo específico, a melhor compreensão da nobreza na Península


Ibérica se faz necessário, e sua principal característica se deve ao embate entre
cristãos e muçulmanos, que serviu como principal nutriente para o crescimento e
desenvolvimento de tal grupo social. Salvador de Moxó (1970) afirma que a nobreza
castelhano-leonesa se configurou em diferentes momentos históricos, onde a
adaptação a novas realidades e seu poder de modificação foram fatores
determinantes para sua afirmação. Graças ao constante estado de guerra, a nobreza
obteve lucros lutando em nome de seu rei, conquistando assim vastos territórios.

Com a conquista de novas fortalezas ou sua construção, o seu controle e


domínio eram atribuídos pelo rei cristão vencedor. Era o papel do rei atribuir os novos
territórios aos nobres que o ajudaram em sua campanha, territórios esses que muitas
vezes eram fruto de uma negociação para conseguir o apoio necessário para tal feito.
Com o aumento dos domínios reais, e também a expansão da nobreza, foram criadas
leis e códigos jurídicos como uma forma de reforçar o poder real, e também normatizar
o processo de transição de posses de castelos e fortalezas, assim como sua
manutenção, defesa e guarda. A obra Las Siete Partidas, escrita por Alfonso X, o
Sábio, dedica um capítulo exclusivo na Partida Segunda sobre o tema.

3
“Noble, nobilis, equivale a noscibilis, de gnosco o nosco, conocido, destacado, famoso. Y también se relaciona
con notabilis, notable, infrecuente, fuera de lo común, para bien o para mal. El término conservó sólo el sentido
positivo: de acuerdo con su significación etimológica, implica selección, excelencia, y supone necesariamente
una diferenciación, un relieve sobre los demás. Esta es la idea básica de la nobleza. A ella se opone radicalmente
el igualitarismo, que se niega a admitir la diferencia y trata como iguales a los que son distintos. En la igualdad
absoluta no cabe lo notable, lo noble" (MENÉNDEZ PIDAL, 2015, p. 17).

20
Rei de Castela e Leão (1252-1284), Alfonso X foi um dos monarcas mais
influentes do século XIII. O monarca obteve destaque em várias áreas do
conhecimento humano, onde fez diversas contribuições culturais, especialmente na
elaboração de códigos jurídicos. Como afirma Elaine Cristina Senko, Alfonso
“promoveu um grande incentivo aos trabalhos legislativos durante o seu governo com
o propósito de construir e estimular para si uma imagem de monarca sábio e justo”
(SENKO, 2014, p. 2). Sua produção de obras com caráter literário, histórico, científico,
artístico e jurídico o coloca em lugar de destaque no cenário cultural, e com justa razão
lhe foi atribuída a alcunha de “o Sábio” (REIS, 2007, p. 12).

Buscando sua afirmação como rei e a unificação de seu território, o monarca


dedica-se a construção de códigos jurídicos, criando leis e condutas a serem
seguidas, especialmente nos territórios conquistados. Aqui, damos destaque para Las
Siete Partidas, que como afirma Jaime Estevão dos Reis (2007, p. 183), é considerada
a grande obra jurídica alfonsina.

Escrita por volta de 1256, por diversos intelectuais, sob a supervisão de Alfonso
X, a obra constitui-se como um coletivo de leis, onde eram descritos os mais diversos
assuntos. Como afirma Elaine Cristina Senko (2014):

Disposta em sete partes, como o próprio nome sugere, e subdividida


em Títulos e Leis, o trabalho jurídico desenvolvido em Las Siete
Partidas apresenta ao longo de suas partes os seguintes tópicos
essenciais: 1) La Primera Partida demonstra o significado da Lei,
Direito e sobre a Igreja; 2) La Segunda Partida tem como tema o
significado de rei e imperador; 3) La Tercera Partida trata da justiça;
4) La Cuarta Partida discute o matrimônio e a relação do direito de
família; 5) La Quinta Partida indica as leis do direito de propriedade e
sobre a regularização do comércio; 6) La Sexta Partida trata dos
testamentos e das heranças; 7) La Séptima Partida finaliza com as leis
penais para grupos específicos na sociedade castelhana (SENKO,
2014, p. 2).

Destacaremos no presente estudo a Partida Segunda, que trata de assuntos


que dizem respeito aos reis, imperadores e nobres, especificadamente o título XVIII,
onde aborda as fortalezas e castelos do rei e do reino.

Nobreza e castelos nas Siete Partidas

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O título XVIII da Partida Segunda, “Que o povo deve ser o guardião, abastecer
e defender os castelos, e as fortalezas do rei, e do reino”4, apresenta um conjunto de
leis demonstrando como se deve proteger e abastecer as fortalezas e castelos do rei,
e, por quais motivos o devem fazer. Ainda, apresenta punições para quem deixar de
proteger, ou não manter um castelo da forma especificada nas leis. Observamos
algumas características que remetem a influência da nobreza sobre tal assunto.

A lei I de título “Como deve o povo proteger o rei em seus castelos, e em suas
fortalezas, e que pena merecem os que falharem nesta guarda”5 nos mostra como
deve-se realizar a guarda das fortalezas, assim como as punições aplicadas a quem
desobedecer tal lei. Aqui, vemos quem são os eleitos para tais funções:

“...e este tipo de proteção abrange a todos da comunidade, mas a


outra que é dos homens designados, é dividida de duas maneiras: a
primeira, daquelas para as quais o rei dá os castelos por herança; e o
outro, a quem ele os dá em possessão” (PARTIDA II, p. 260).6

Identificamos na presente passagem que era o rei quem decidia quem


usufruiria do castelo. Vários fatores eram levados em consideração para a tomada de
tal decisão como, por exemplo, fidelidade, ajuda em batalhas ou a família da pessoa
a ser escolhida. A nobreza, graças a sua posição social, estava constantemente
envolvida em tais escolhas.

O responsável pelo zelo, guarda e abastecimento de um castelo era


denominado alcaide (governante de uma cidade ou vila encastelada). A lei VI, de título
“Quem devem ser os alcaides dos castelos, e o que devem fazer por seus pelotões
quando estão de guarda” 7 as características necessárias a um alcaide:

4
“Cuál debe el Pueblo ser em guardar, e em abastecer, e em defender los castillos, e las fortalezas
del rey, e del reino” (PARTIDA II, p.259)
5
“Cómo debe el pueblo guardar al rey en sus castillos, e en sus fortalezas, e qué pena merecen los
que errasen en esta guarda” (PARTIDA II, p.260)
6
“...e esta manera de guarda tañe a todos comunalmente, mas la otra que es de hombres señalados
se parten en dos maneras: la una, de aquellos a que el rey da los castillos por heredamiento; e la otra,
a quien los da por tenencia” (PARTIDA II, p. 260)
7
“Cuáles deben ser los alcaides de los castillos, e que es lo que deben hacer por sus cuerpos en
guarda de ellos” (PARTIDA II, p. 263)

22
“... deve ser de boa linhagem de pai e de mãe, pois se assim fosse,
sempre haveria vergonha de fazer mal ao castelo, nem que o mesmo
seja injuriado, nem os seus descendentes” (PARTIDA II, p. 263)8.

Características estas já observadas na nobreza, onde a linhagem sanguínea


era um fator de distinção entre nobres e plebe em geral. Uma boa linhagem significava
também uma boa educação, o que impediria o alcaide de fazer algo que traria a ruína
do castelo, ou das guarnições sob o seu comando.

Por fim, observamos que a lealdade, traço marcante entre o rei e a nobreza, é
exaltada: a lei II, de título “Como devem ser dados e recebidos os castelos, e de qual
forma”9, onde aborda sobre as concessões dos castelos, apresenta a seguinte
passagem:

“Lealdade é algo que endireita os homens em todas as suas ações,


pois sempre fazer o seu melhor, e por essa razão os espanhóis, que
a tem mais do que todos os outros homens, vendo o grande perigo
que poderia acontecer a seus senhores, e a eles mesmos, se as
fortalezas do reino se perdessem, colocaram quatro coisas para que
fossem melhor protegidas: a primeira, como receber os castelos, e por
quem; a segunda, de como os proteger, a terceira, como os defender,
caso necessário fosse; a quarta, de como entrega-los quando o
pedissem, ou o dever de ser dado por direito” (PARTIDA II, p. 260-
261).10

Identificamos que a lealdade era algo esperado do rei a todos os defensores


de seus castelos e fortalezas, porque homens leais “fazem o seu melhor em todas as
ações”. Não somente em batalhas, como também na manutenção de recursos e
armas. Ou seja, o nobre responsável pelo castelo real deveria manter-se fiel a seu rei
e obedecer suas ordens a qualquer custo.

8
“... debe ser de buen linaje de padre, e de madre; pues si lo fuere siempre habrá vergüenza de hacer
del castillo cosa que le esté mal, ni porque él sea denostado, ni los que del descendieren” (PARTIDA
II, p. 263).
9
Cómo deben ser dados e recibidos los castillos, e em qué manera (PARTIDA II, p. 261)
10
Lealtad es cosa que endereza los hombres en todos sus hechos porque hagan siempre todo lo mejor;
e por esto los españoles, que todavia usaron de ella más que todos los otros hombres, viendo el gran
peligro que podría acaecer a sus señores, e a ellos mismos, si las fortalezas del reino se perdiesen, de
cómo se los diesen cuándo los pidiesen, pusieron cuatro cosas porque fuesen mejor guardadas: la
primera, de cómo recibiesen los castillos, e por quien; la segunda, de cómo los guardasen; la tercera,de
cómo los defendiesen, e los ocorriesen cuando menester fuese; la cuarta, de cómo se los diesen
cuándo los pidiesen, o se los hubiesen a dar por derecho (PARTIDA II, p. 260-261)

23
Considerações finais

O nascimento de uma construção que combina os aspectos residenciais e


militares mudou a forma de se fazer guerra na Idade Média. Não somente relacionado
a batalhas, o castelo passa a ocupar posição estratégica também no campo político,
onde sua posse era concedida pelo rei em troca de favores militares ou políticos.
Possuir uma fortaleza se torna importante não somente para defesa de um território,
mas sim para seu senhor demonstrar sua posição de prestígio.

Grupo de destaque na sociedade medieval, a nobreza participou de diversos


acontecimentos históricos e influenciou a vitória e derrota de reis e rainhas. No caso
castelhano-leonês, os nobres passaram por um processo de perda de poder, prestígio
e direitos jurídicos, graças ao Rei Sábio.

Alfonso X, ao produzir Las Siete Partidas, buscou a unificação jurídica de seu


território e sua afirmação real sobre todas as camadas da sociedade. Tal unificação
gerou a fúria da nobreza castelhano-leonesa, pois sentiram-se lesados e ameaçados
com a perda de regalias e vantagens jurídicas. A relação entre a coroa e a nobreza
foi conturbada, onde várias revoltas foram registradas.

No que diz respeito aos castelos e fortalezas, parte importante no cenário de


guerra medieval, Alfonso X procurou normatizar os processos de tomada de um
castelo, assim como sua administração enquanto posse real, sua defesa, sua entrega
e sua manutenção. Os postos mais altos eram atribuídos a nobres, pois a lei estipulava
pessoas com boa linhagem sanguínea, fidelidade à coroa e outras características
facilmente identificadas como sendo da nobreza em geral.

Em Castela e Leão, durante o processo de Reconquista, Alfonso contou com o


apoio da nobreza para vencer batalhas importantes, assim como o apoio necessário
para manter suas fronteiras. Porém, visto que a nobreza era um grupo distinto que
possuía as próprias leis, o Rei Sábio buscou limitar seus poderes, normatizando os
procedimentos para tomada e manutenção dos castelos.

Podemos identificar no título XVIII da Partida Segunda um conjunto de leis


específicas para a manutenção, posse e guarda de castelos e fortalezas. Tais
construções eram atribuídas inteiramente ao rei, e era sua responsabilidade escolher

24
quem assumiria determinado castelo, e como o faria. Ao repassar um castelo a um
nobre, o mesmo deveria seguir as leis estabelecidas por ele. Tais leis serviram não
apenas para limitar os direitos da nobreza, mas também firmar deveres para com seu
rei e senhor.

Referências

ALFONSO X EL SABIO. Las Siete Partidas. Madrid: Editorial Reus, 2004.

ALMEIDA, Jemerson Q. de. A Reconquista como missão do príncipe castelhano


segundo a Primera Crónica General de España. Belo Horizonte: Interações –
Cultura e Comunidade, 2014.

CAIRNS, Conrad. Los Castillos Medievales. Madrid: Akal, 2010.

KEEN, Maurice. Historia de la guerra en la Edad Media. Madrid, Machado Libros,


2005.

LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário temático do Ocidente


Medieval. São Paulo: EDUSC, 2006.

MENÉNDEZ PIDAL, Faustino. La nobleza en la España: ideas, estructuras,


historia. Madrid: Boletín Oficial del Estado, 2015.

MOXÓ, Salvador de. La nobleza castellano-leonesa en la Edad Media. Madrid:


Instituto Jeránimo Zurita, 1970.

REIS, Jaime Estevão dos. Território, Legislação e Monarquia no Reinado de


Alfonso X, o Sábio (1252-1284). Assis: UNESP, 2007. Tese Doutorado.

SENKO, Elaine Cristina. O projeto político de Alfonso X (1252 – 1284) em seu


trabalho jurídico “Las Siete Partidas”. Disponível em:

25
www2.pucpr.br/reol/index.php/helikon?dd99=pdf&dd1=12457. Acesso em:
11/09/2019.

26

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