● Sob a forma do absurdo, o relato de Pedro Vermelho se assemelha com o de povos
colonizados e escravizados ● Já tivemos aula sobre colonização, então será de fácil visualização para vocês: no lugar de Pedro Vermelho, imaginem os povos indígenas do continentes americano ou os africanos escravizados e deportados em massa de sua terra ● Porém, para além da diferença da forma, que aqui é literária, para a construção histórica, como vimos, há uma diferença de nível: nós passamos pela colonização desde uma perspectiva de suas condições objetivas, ou seja, da estrutura colonial ● A proposta aqui é encarar a partir de uma outra chave: a da subjetividade! ● Reparem que as duas estão articuladas: são as condições objetivas que produzem a subjetividade; do mesmo modo que as condições objetivas que enfrentou na embarcação produziram em Pedro Vermelho o desejo de deixar de ser macaco, isto é, o complexo de inferioridade ● Esse conceito é fundamental na compreensão da subjetividades dos povos colonizados ● Vale ressaltar que já tentou separar subjetividade das condições objetivas: sabe o que isso produziu? O racismo “científico”! ● No século XIX, o conceito de raça foi trabalhado como se fosse um conjunto de características biológicas, imutáveis que definiam a cultura ● A partir disso, os brancos consideram a si próprios e sua civilização superiores, ao passo que subjugaram asiáticos, negros e indígenas e os dispuseram hierarquicamente ● Nesse sentido, o conceito de complexo de inferioridade também foi transformado em uma essência imutável; como se fosse um atributo desses povos ● Esse movimento não, contudo, circunscrito ao século XIX; até a segunda metade do século XX, no ápice dos processos de descolonização africanos, essa era uma interpretação corrente entre os europeus civilizados ● Mas falei, falei e o que é o complexo de inferioridade? Claro, acredito que seja bastante sugestivo, mas colocando em termos: o complexo de inferioridade é uma forma de se perceber no mundo através do olhar de um Outro (branco) que o inferioriza, despreza, o faz de feio, sujo e mau ● Dois conceitos que nos ajudam a compreender esse complexo de inferioridade: Véu, dupla-consciência, ambos do sociólogo afroamericano Du Bois ● Já comentei aqui sobre ele, mas acho que vale a pena retomá-lo: Du Bois foi o pioneiro no desenvolvimento de uma sociologia científica nos Estados Unidos; não só isso, como ele era adepto de uma sociologia engajada na transformação da realidade, militante pan-africanista e grande entusiasta da libertação dos povos; no final de sua vida, se integrou ao Partido Comunista dos Estados Unidos (Communist Party of USA) ● A noção de Véu que Du Bois utiliza é bem similar ao conceito de ideologia no sentido de falsa consciência, a revelação do mundo através do Outro; Du Bois está pensando o Negro nos Estados Unidos, mas podemos muito bem tomá-lo de empréstimo, desde que nos atentemos às condições concretas da situação em análise ● À medida que Pedro Vermelho vai aprendendo a ser humano, ele veste o Véu, e a passa se compreender e enxergar o mundo a partir da visão do europeu ● A partir do Véu, podemos compreender a dupla-consciência, que é justamente esse Eu partido em dois; entre dois mundos que se opõem radicalmente em termos de valores. Para falar em termos concretos o Negro nos EUA, que se divide entre sua ancestralidade, os valores próprios à comunidade negra e um americanismo branco ● No caso de Pedro Vermelho, entre o humano e o animal, partido em dois pela jaula ● No que se refere à atitude de desprezo de Pedro Vermelho diante dos brancos, é uma reação possível do colonizado diante do colonizador; especialmente quando já desponta algo de Nacionalismo, em que há uma afirmação radical de tudo o que é nacional contra o estrangeiro ● Virgínia Bicudo, socióloga negra brasileira pioneira e importante difusora da psicanálise, realizou durante a primeira metade dos anos 1940 uma série de entrevistas com pretos e mulatos, separados por classe social ● Entre os pretos de classe intermediária, ela constatou ressentimento e ódio pela rejeição dos brancos ● Porém, tendo eles pelo contato primário com os brancos internalizado a visão de mundo destes, eles não agem, porque se identificam com a brancura ● Desse modo que age ou, antes, reage sempre tendo em vista o Outro branco ● E, diante de um par, não obtém a mesma satisfação que parte da relação com um branco