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Babies (2010, de Thomas Balmès)

O ponto de partida de “Babies” (2010), do diretor francês Thomas Balmès, é o


nascimento. De quatro bebês. Em quatro lugares distintos no mundo. Namíbia, Mongólia,
Japão e Estados Unidos. Na ausência de mediações verbais por parte do diretor, somos
livremente confrontados com as sequências dos bebês em seus respectivos ambientes.
Essas sequências são dispostas, sempre que possível, a partir das similaridades que os
planos apresentam entre si. Desse modo, constrói-se não apenas uma unidade fílmica, mas
uma unidade de substância que atravessa os bebês e que orienta o seu agir no mundo.
Plano 1

Plano 2
Plano 3

Plano 4

Nos planos acima, o eixo comum é o contato entre mãe e filho após o parto, sendo que
nos planos 1 e 3 as mães estão amamentando seus filhos. No plano 2, observamos apenas
Susie com a sua filha, Hattie. Ao longo do documentário, não a vemos amamentar, mas há um
plano em que ela utiliza um extrator de leite e, em seguida, oferece uma mamadeira à Hattie.
Além disso, em todos os casos, há a presença de animais.
Plano 5

Plano 6
Plano 7

Plano 8

Nos planos de 5 a 8, observamos todos os bebês engatinhando, fato que os situa em


um momento comum do seu desenvolvimento.
Porém, compreendendo que sobre a noção de desenvolvimento incidem não apenas
fatores biológicos, mas também, e em grande medida, fatores sociais, todo o resto os
diferencia.
Se, por um lado, eles partilham de um “substrato” que os impele para uma forma
particular de interação no mundo: os sentidos mais ​imediatos como principal mecanismo de
apreensão do externo; a observação aguda, o par estranhamento-identidade e a sua síntese na
imitação; ainda, o tato, o tocar, apalpar e colocar na boca como momento formativo
importante.
Por outro lado, o fundamental é precisamente o que os diferencia. O processo de
desenvolvimento infantil não se dá no vácuo, mas em condições materiais bem definidas.
Essa também é a provocação-convite de Balmès ao nos apresentar à jornada de
desenvolvimento de bebês em pontos distintos do globo.
Plano 9

Plano 10
Plano 11

Plano 12

Se os planos de paisagem acima não são suficientes para captar a complexidade do


contexto sociocultural no qual cada um dos bebês está inserido, ao menos servem ao
propósito parcial de nos situar.
O plano 9 refere-se às proximidades de Opuwo, na Namíbia, onde acompanhamos
Ponijao. O ambiente no qual ela está inserida tem um aspecto comunitário muito forte, de
feição rural e com vínculo próximo entre os seus moradores, tanto adultos quanto crianças.
Apesar de sua proximidade com a capital da região de Kunene, parece se desenvolver com
autonomia, tanto técnica como cultural.

Plano 13

O plano 13, que exibe os preparativos de Terererua para o parto, conforme as tradições
locais, dá mostras da autonomia da comunidade. Ademais, desnaturaliza o próprio momento
do parto, ao nos confrontar com uma outra possibilidade para além do rito clínico-hospitalar.
Já o plano 10 exibe as proximidades de Bayanchandmani, na Mongólia, região
montanhosa e de características pastoris, onde acompanhamos Bayar. Se, assim como a
comunidade de Ponijao, tem características rurais, se diferencia desta por possuir uma
conexão mais estreita com a área urbana próxima. Fato que podemos observar pela opção de
Mandakh de realizar o parto hospitalar. E mesmo no maior grau de integração técnica com os
centros urbanos, ainda que em defasagem com relação a estes.
Ainda à diferença de Ponijao, que tem uma ampla rede de interações com os membros
de sua comunidade, Bayar interage basicamente com a sua mãe o seu irmão.
Nos planos 11 e 12, observamos respectivamente Tóquio, no Japão e São Francisco,
nos Estados Unidos, onde acompanhamos Mari e Hattie, na ordem. Ambos são grandes
centros urbanos, com o predomínio da individuação na criação dos bebês, cujo circuito se
encerra, preponderantemente, nos pais.
No mais, a interação de Mari e Hattie com outras crianças ocorre em ambientes
voltados para o desenvolvimentos de atividades infantis e parques, geralmente acompanhadas
dos pais.
Outrossim, o acompanhamento médico é facilitado e pode ocorrer de maneira mais
próxima. Vemos, por exemplo, Hattie num consultório em um dos planos do documentário.
O fato de Tóquio e São Francisco se inserirem de modo intenso num sistema
econômico mundial faz com que várias das experiências entre Mari e Hattie sejam comuns.
Contudo, há, ainda, diferenças que se referem ao plano histórico, à configuração
socioeconômica e às características culturais de cada um desses lugares que faz com que haja,
também, muitas particularidades no desenvolvimento das duas.
Por fim, retomando o movimento das similaridades transversais, em todos os casos, a
presença dos pais é menos recorrente que a presença das mães. No caso da comunidade de
Ponijao, sequer é registrada a presença de qualquer adulto do gênero masculino: há apenas
mulheres e crianças. O pai de Bayar, por outro lado, aparece, mas apenas esporadicamente,
enquanto os pais de Mari e Hattie são registrados com mais frequência. Possivelmente, essa
diferença é explicável por uma divisão sexual do trabalho mais ou menos acentuada, em cada
um dos casos.
Assim, penso que “Babies” (2010), de Balmès, é um importante ponto de referência
para quem quer que queira refletir acerca do desenvolvimento infantil. A unidade fílmica que
ele constrói opera duplamente, ao conferir coesão ao documentário e ao fornecer o par
substância-diferença, fundamental para a compreensão do desenvolvimento social. Desse
modo, a provocação-convite de Balmès - a jornada de Ponijao, Bayar, Mari e Hattie - se
realiza de maneira instigante, cheia de beleza e ternura.

***

Rafael Rocha​ é estudante de Ciências Sociais na Unicamp.

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