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GDMEI0082 – Segunda Aula

REGISTROS PULSIONAIS E SINAIS DE SOFRIMENTO PRECOCE

Roteiro organizado por Professora Telma Queiroz

Uma criança nasce antes de nascer. O planejamento dos pais antes


de ser gerado, o desejo de tê-la, o fato de ter na cabeça a idéia do bebê de tal
maneira, eles já começam a pensar que vai ser um doutor, um cantor famoso,
vai ser isso ou aquilo, a preparação do lugar dele, o quarto, ou seja, já
imaginam muitas coisas sobre o filho antes dele chegar.

A relação dos pais com o bebê começa ainda na barriga da mãe. E


quando a criança nasce, os pais vão confrontar o bebê imaginário com o bebê
real, ele vai ser reconhecido como pertencente à família, se o bebê real é
muito diferente do bebê imaginário, por exemplo quando o bebê nasce com
má formação, com uma doença grave, os pais têm uma certa decepção que
se manifesta no olhar dirigido à criança e esse momento primordial deixa
uma marca muito grande. Em seguida há o corte do cordão umbilical, o
centro de sua vida que era o umbigo passa a ser a boca, entrando assim na
chamada fase oral. A relação com o outro vai ser centralizada na boca.

Vimos também que todo bebê só se humaniza na relação com o


outro. Por exemplo, se um tigre nasce tigre, ele vai ser tigre eternamente,
mas o homem tem que se humanizar, ele não nasce humano, se humaniza na
relação com o outro, pela entrada na linguagem. Existem crianças que são
criadas por animais, têm comportamentos de animais. Há também variações
de uma cultura pra outra nas relações de humanização.

O homem é uma espécie que tem uma sensibilidade congênita à linguagem,


e é assim que ele se humaniza, por essa entrada na linguagem, sendo que
essa entrada só acontece na relação com o outro.

Como já mencionado, existe o grande Outro e o pequeno outro. O pequeno


outro que cuida, e o grande Outro, que é o simbólico, a cultura, na qual está
mergulhado.
Então, quais são esses outros que vão cuidar do bebê? Inicialmente pai e mãe.
Mas parece que toda mãe da nossa sociedade arranja uma babá, ela não faz
nada com o bebê, quem faz tudo é a babá, quem troca fralda é a babá, quem
dá banho é a babá, quem dá comida é a babá, a mãe não faz absolutamente
nada. A babá é quem exerce a motricidade dela, a babá é que exerce a
motricidade dela, afinal que relações são essas? Se a pessoa que cuida só
obedece às ordens, cuidando do bebê apenas para ganhar o dinheiro, a
criança é cuidada por alguém que não tem desejo por ela. E essa pessoa que
estava fazendo a função de mãe (babá), muitas vezes desaparece, logo vem
outra para substituir, e mais outra depois. Tem crianças que, com um ano
apenas, já tiveram várias babás, dessa maneira são mães que não são
verdadeiras mães, e elas não percebem que essa atitude poderá prejudicar
profundamente a construção subjetiva do bebê, prejudicar a entrada da
criança na linguagem com o risco dela se tornar autista.

As primeiras relações dão o modelo das relações futuras e se forem


fragmentadas, pela mudança de pessoa que cuida, as crianças vão ter
dificuldade em adquirir a noção da totalidade do corpo. O importante é que
seja uma relação de prazer, que não seja uma relação de obrigação.

A psicanálise não trabalha com uma equação exata, tem situações que
favorecem, situações de fragilidade, para a estruturação do bebê, mas nessa
estruturação bem, muitos parâmetros estão implicados, o que faz que com o
ser humano nunca podemos dizer nada com exatidão. O ser humano tem
sempre coisas inesperadas, é por isso que a ciência não pode abarcar o
particular de cada um.

Então quem são esses outros que cuidam da criança? São o pai e a mãe. E o
que é ser pai e ser mãe?

Função materna: A mãe para entrar em contato com o bebê toma-o como
uma parte de si mesmo, elas tendem a ser muito coladas, pelo fato da
gravidez se passar no próprio corpo. É a mãe quem fornece as substâncias
que nutrem o bebê, e é por isso que elas têm dificuldade de se separarem
dele. Winnicott chamou de loucura das mães, esse pequeno momento de
delírio em que só pensam no bebê, ficam totalmente disponíveis para ele,
exceto aquelas que colocam as babás. A questão da mãe se dedicar ao bebê
e fornecer nutrientes durante a gravidez, assim como os significantes para a
entrada na linguagem, constitui a dimensão atributiva. Pois ao mesmo tempo
em que ela dá o alimento, ela fornece significantes com o alimento, é ela que
vai tentar interpretar as manifestações do bebê, é assim que o bebê entra na
linguagem. Ela vai supor o que o bebê deseja, é ela quem descobre o que ele
quer, atribuindo significados, instituindo a função de apelo. Então a função
materna tem duas dimensões, a dimensão atributiva e a dimensão transitiva,
ela se coloca no lugar do bebê, já supõe que ele é um sujeito que deseja, antes
mesmo dele desejar, age como se ele estivesse pedindo isso, desde a
instalação do apelo, a partir do grito do nascimento. Então ela vai decifrar se
ele está com fome, se quer colinho do braço, se quer conversar, se quer
dormir, conseguindo ler cada tipo de choro.

A atributiva é fornecer significantes e a transitiva é supor o seu desejo,


se colocar no lugar do que ela supõe que ele deseja. Se vocês observarem
uma mãe com um bebê, vão perceber que a mãe fala por ela e por ele, ela
fala e responde no lugar dele. Mantendo um diálogo, ele faz a voz dele, e a
voz dela, isso é essencial e se chama manhês. Toda mãe fala o manhês
naturalmente, sem ensaiar nem estudar, sendo isso essencial para que o bebê
sinta que é pra ele que ela está se dirigindo. Aquela voz particular é essencial
porque o bebê vai se sentir convocado, vai saber que é com ele que ela está
falando.

Algumas mães que estão com quadros de depressão após o parto não falam
o manhês porque, deprimidas, não falam muito, ou falam com o tom de voz
muito monótono, sem entonação, sem a prosódia e essa é uma das situações
que favorecem a criança se tornar autista.

Num primeiro momento, o bebê ainda não tem noção da totalidade, da


unidade do corpo, nem do dele nem do outro.

A função materna não é uma coisa inata, ser mãe não é uma coisa inata, nem
toda mãe é instintivamente mãe. Para que uma mãe seja mãe, é preciso que
ela tenha tido um mãe e que nela tenham ficado inscritas as marcas de como
a mãe cuidou dela.

A função paterna é diferente da função materna, pois o bebê para o pai desde
o inicio é outro, enquanto que para a mãe ele é continuidade dela, mas isso é
essencial para o bebê se tornar sujeito, pois a função paterna é a que vai
causar a separação da mãe e do bebê, sendo que a partir desse corte, o bebê
vai ter a noção da unidade do corpo, de seu corpo separado do corpo do outro.
A função paterna regula a onipotência da mãe, por exemplo, quando a mãe
não quer largar a criança, e o pai diz que já basta, “venha para cá um
pouquinho, você está mimando demais esse menino”, favorecendo dessa
forma, a introdução da lei e a separação. Para exercer a função paterna não
necessariamente tem que ser homem, mas é melhor que seja. Resumindo, a
função paterna produz um corte de separação nessa ligação estreita entre a
mãe e o bebê.

Já a função materna corresponde ao que chamamos de função de alienação,


o bebê fica querendo completar a mãe, satisfazendo o desejo dela,
satisfazendo o que ele supõe que ela supõe que ele deseja. Tanto o pai como
a mãe podem exercer as duas funções, no entanto, há uma maior afinidade
das mulheres pela função materna e dos homens pela função paterna. Os
homens e as mulheres saudáveis conseguem mesmo exercer as duas funções,
por exemplo, quando a mãe dá uma lei, exerce uma regra, assim, ela está
exercendo a função paterna, como exemplo, podemos citar as mães solteiras
que podem transmitir tanto a função materna quanto a paterna.

Até mesmo nos casais homossexuais, um deles vai exercer a função materna
e outro com um lado mais masculino, vai exercer preferencialmente a
função paterna, e assim, a lei pode ser transmitida, embora a criança
necessite de explicações adicionais. No casal heterossexual já existe uma lei,
entretanto no caso dos casais homossexuais é preciso que algo seja
explicado, senão o bebê vai ficar com certas interrogações e não vai
conseguir compreender. Com certeza a criança vai ter um pai simbólico, mas
a questão que se coloca é com o pai real. Existem certa fragilidades,
entretanto isso não quer dizer que crianças criadas por homossexuais, vão
ser homossexuais. Da mesma maneira que casais heterossexuais podem ter
filhos homossexuais. Depende da historia da criança e de fatores muito
variado.

As mães precisam de uma terceira pessoa que lhes chame a atenção, que lhes
dê apoio. Sendo que elas têm dificuldade de admitir que estejam mimando
demais seus filhos, daí a importância do pai em quebrar de certa forma a
onipotência da mãe. È importante que a mãe deixe espaço para que a lei seja
cumprida, dessa forma permitindo o equilibro da tríade (pai, mãe e filho).
Ela permite que isso aconteça porque ela ama o homem, que escolheu para
ser o pai da criança.
Podemos observar que as funções não estão sendo bem exercidas, quando a
mãe dorme com o menino na cama e o pai vai dormir na sala.

Há três registros pulsionais que predominam nos primeiros anos de vida:


Oralidade, invocação e especularidade.

A oralidade faz parte da relação alimentar. O ato de alimentar implica o


desejo inconsciente, em que a mãe cuidando do bebê lhe atribui desejos. A
troca alimentar é a metáfora do amor. Às vezes essa relação pode ficar
perturbada, surgem os distúrbios da alimentação, tipo anorexia, bulimia tem
a ver com esses primeiros momentos, com as primeiras relações. Então essa
fase oral vai desde o nascimento ate o desmame. A primazia é da zona
erógena oral, toda pulsão tem uma zona erógena, um objeto que não é o da
necessidade, a satisfação é com o seio, com o ato de sugar, prazer que é
ligado a essa atividade fisiológica da amamentação. Essa necessidade de
sucção se manifesta mesmo quando o bebê está saciado, mesmo depois de
ter mamado muito, ele ainda quer sugar o seio, ou seja, é a pulsão e não a
pura necessidade. Se fosse pura necessidade, qualquer um que lhe desse
comida, ele comeria, e sabemos que com outra pessoa ele aceita, o bebê vai
recusar o alimento. Então o prazer de sugar o seio é o primeiro modo de
prazer, não dependendo a satisfação alimentar, sendo um prazer auto-erótico.

Equivale ao segundo tempo da pulsão, o tempo reflexivo, e é um prazer


consigo mesmo, com a lembrança de uma experiência anterior que já ficou
marcada, constituindo a satisfação alucinatória do desejo. Pessoas que
tiveram satisfação demais, ou frustração demais em uma determinada etapa
da vida, tem excitação em determinada zona erógena, podendo remeter a
certos sintomas na vida adulta, como exemplo, anorexia, oradores, grandes
cantores, alcoólatras, fumantes, obesidade, toxicomanias, ou também não
necessariamente uma doença, tendo relação com a boca, decorrente desse
primeiro momento da fase oral.

Muitas pessoas que tiveram dificuldades nesse momento podem procurar


outros objetos substitutivos da pulsão, como por exemplo, o álcool, a droga,
o cigarro, é como se fosse o substituto do seio da mãe que dá o leite.

Então o pensamento nessa primeira fase é um pensamento alucinatório do


desejo, auto-erótico, o bebê se satisfaz consigo mesmo. O bebê sai do
julgamento de atribuição, no qual só importa a qualidade do objeto, se dá
prazer ou desprazer para a etapa em que ele vai julgar se o objeto existe ou
não na realidade, isso é o julgamento de existência, saindo da alucinação para
formar a representação, quando então ele vai poder pensar nos objetos sem
a presença deles.

Ligados a cada uma dessas pulsões, teremos alguns sintomas que mostram
que algo não está bem. No lactente a gente pode observar sinais positivos de
desenvolvimento e os sinais de sofrimento psíquico. Isso é muito importante
porque podemos perceber sinais que são precursores de perturbações mentais
futuras.

Sinais de sofrimento psíquico: Sinais barulhentos e silenciosos.


Barulhento não quer dizer sempre com barulho, com sons, mas sim que
chamam a atenção do outro.

Cada registro pulsional tem sinais positivos de desenvolvimento, sinais que


indicam harmonia na relação com o outro e sinais que indicam se a dialética
entre função paterna e função materna está funcionando.

Na relação oral o bebê é o objeto de satisfação para o outro, o bebê tem prazer
em sugar e receber não somente o alimento, mas também a presença do outro,
o olhar do outro, o olhar e a voz da mãe.

A medicina tem dificuldade de lidar com o desejo, com a complexidade das


relações, se preocupando mais com as necessidades e com o tratamento do
corpo sem levar em conta o sujeito com seus desejos.

Então, cuidar do bebê apenas da necessidade pode trazer sérios riscos, e


favorecer perturbações mentais. Quando a relação está bem, o bebê adora se
inundar não somente do alimento, mas também da presença do outro. A mãe
precisa aceitar quando o bebê não quer se alimentar. Elas têm a tendência a
dar sempre mais alimento. É importante entender que o bebê é um sujeito e
ele está começando a ser sujeito, quando ele diz não para a mãe, está
mostrando que não é tudo o que a mãe deseja. Às vezes, as mães se sentem
rejeitadas quando o filho não quer comer a comida que ela faz com tanto
gosto. Mas ela precisa entender que ele esta dizendo não, para ser sujeito,
diferente dela.

Então, na série barulhenta relativa à oralidade vamos ter a recusa alimentar,


e se a mãe empurrar comida, conseqüentemente há refluxo, vômitos que
fazem parte dessa série barulhenta. As mães se queixam muito aos pediatras
de refluxo que é em geral muito medicalizado, muitos pediatras não se dão
conta que pode ter a ver com dificuldades na relação mãe/filho. Por exemplo,
a mãe que só cuida do bebê na hora da amamentação, os bebês podem
vomitar na tentativa de chamar a mãe para vir novamente para perto eles.
Outra possível explicação para o refluxo, pode ser a recusa de uma angustia
que ele percebe na mãe, quando dá o alimento. Tais sintomas devem ser
analisados não apenas no âmbito orgânico, mas também, como já foi dito, na
relação com o outro. A alimentação tem muito a ver com a função paterna e
materna.

A recusa e os vômitos abalam muito a onipotência da mãe, mas revela que o


bebê é ativo e que está dando limites também a onipotência da mãe. A mãe
às vezes não reconhece que essa recusa é uma mensagem para ela, e fica
mesmo assim forçando a criança a se alimentar. Dessa forma, a função do
pediatra é de ajudar a mãe a ser mãe e não somente medicalizar. A recusa
não quer dizer que ele está mal, pelo contrário, ele esta mostrando que é
sujeito, que é ativo e que não é um mero objeto. Então a série barulhenta
chama muito a atenção, a mãe fica preocupada, e é preciso que seja
interpretado como uma desarmonia entre função paterna e materna.

Os sintomas da série silenciosa são mais graves, o bebê fica entregue a


onipotência da mãe, não reage mais, o que ela dá ele come, a qualquer hora,
não importando a pessoa que dá. Vale ressaltar que isso não quer dizer um
bom sinal de desenvolvimento, ao contrário, a criança está numa
passividade, não consegue dizer não, negar. Isso acontece algumas vezes
quando ele já se manifestou e não foi compreendido. Esse sintoma no bebê
pode estar na origem das obesidades. Dessa forma, é preciso que o contato
com o adulto não se resuma no momento da alimentação, que haja fala e
outras formas de relação, que a alimentação não seja vista pela mãe como
meramente importante para o desenvolvimento fisiológico da criança.

O registro especular:

Diferença entre o olhar e visão:

Visão é o aparelho visual e o olhar implica um desejo. Então o olhar deve


ser distinguido da visão. A visão se refere ao órgão e o olhar é uma noção
psíquica. A ausência do olhar, por exemplo, os bebês que não olham para
mãe, isso é considerado um sinal precursor de autismo. Bebês que não têm o
olhar, devido ao não estabelecimento da relação com o outro, é uma condição
grave, que deve ser encaminhado imediatamente para um profissional
qualificado, porque se for tratado cedo, ele poderá sair do caminho do
autismo. Crianças que apresentam esse quadro parece que olham além, a
pontos fixos, e também não reagem a alguns ruídos. Fazendo diagnóstico
diferencial da cegueira, neste caso há problemas orgânicos no aparelho
visual, enquanto que no autismo há preservação do aparelho visual e também
do auditivo. O fato da criança não olhar é patognomônico do autismo. A
ausência de fala é um sinal presente nas crianças autistas. Muitos acabam
desenvolvendo uma linguagem automática, mas é uma linguagem que não
está na comunicação. O tratamento adequado, precoce do par mãe/bebê,
pode evitar que o autismo se instale.

Como se forma o EU?

O eu se forma no momento do estádio de espelho. O estádio do espelho é o


momento em que a criança adquire a noção da totalidade do corpo e vai ter
a idéia dela separada do outro. Então, o eu surge inicialmente fora de si, ela
se vê fora, um reflexo do espelho. Esse estádio do espelho se passa em três
tempos:

No primeiro tempo, o bebê percebe que tem outro, não sabe que é ele
mesmo, vai atrás para brincar; no segundo tempo ele se dá conta que não é
outra criança, mas apenas um reflexo, daí a importância da mãe nesse
momento pra mostrar que aquele reflexo é o dele. Este é o terceiro tempo,
momento em que assume seu corpo e forma o eu, de fora pra dentro. O
espelho é na realidade, uma metáfora do olhar da mãe.

O olhar na comunicação com o outro indica presença, desejo pelo outro e


por si mesmo. O olhar implica comunicação, isso que sabemos que o autista
não faz, ele não utiliza o olhar, a voz e a audição na comunicação com o
outro.

Os sinais de sofrimento: série barulhenta, quando ele se recusa a olhar a mãe,


quando vê no rosto dela algo que não gosta, desviando sempre o olhar,
conseqüentemente não vai haver reconhecimento de sua imagem no espelho.
Os autistas são indiferentes ao espelho e não se reconhecem, porque o EU
não se formou. O evitamento do olhar da mãe vai implicar no não
reconhecimento da própria imagem.

A série silenciosa é a não fixação do olhar, pode fixar no teto ou num ponto,
o que se chama agarramento do olhar. Muitas vezes suspeitam de cegueira,
mas o exame não dá nada. Outro sintoma seria o estrabismo que persiste
depois dos seis meses de idade. Até os seis meses há certo estrabismo por
imaturidade fisiológica até seis meses de idade, e a persistência é um sintoma
da perturbação do olhar com o outro, sintomas estes característicos do
registro escópico.

Pulsão Invocante: é aquela cujo objeto é a voz, cobrindo desde o apelo (o


grito) do bebê até a entrada da criança na linguagem. Quando o ar entra nas
vias respiratórias, fazendo as cordas vocais vibrarem, produz o grito - o grito
do nascimento. Toda criança deve chorar no nascimento, isso é um indicativo
de saúde. Esse grito é ouvido como apelo, o bebê já é considerado como
sujeito que chama. Entende-se o grito como mensagem, embora o primeiro
choro seja uma descarga de tensão, ele é entendido como mensagem. Então
os bebês vão logo aprender que se eles gritarem de novo o outro aparece, se
espernearem, rapidamente alguém aparece. Acontecem problemas nos bebês
em creches e orfanatos, pois muitos vão gritar e ninguém vai acudir ou
também acontece quando a mãe esta deprimida, quando não se prende muito
ao bebê. Dessa forma não há resposta ao apelo, o bebê termina por silenciar,
revelando sinais de sofrimento psíquico. Essas crianças que não são
escutadas quando gritam podem se tornar autistas.

Bebês que gritam demais é um sinal de desarmonia na dialética entre função


paterna e função materna.

O fato de a mãe entender a mensagem do bebê é que vai fazer com que ele
seja introduzido no código lingüístico. Durante o intervalo das mamadas ele
começa a fazer ruídos, que são tentativas de imitar o que a mãe diz, ele tenta
dialogar com a mãe (protoconversações), enquanto a mãe fala, ele se cala e
depois ele faz ruídos e ela se cala. Eles alternam turnos de palavras. Esses
sons que o bebê começa a fazer, a mãe decodifica, o bebê se torna legível
para a mãe. Ela sabe pelos sons que ele faz ou quando esperneia, se quer
mamar, se está com frio ou calor, se quer sair do berço, ou seja, ele é legível,
a mãe consegue ler. Nós veremos que algumas crianças autistas, a mãe não
consegue ler, não consegue compreender suas manifestações, não entende os
sons que ele faz e este é um dos motivos pelo quais a criança não entra na
linguagem. Cada choro da criança vai ser diferente, o choro da fome, do
cansaço, de raiva, de dor. Então a percepção, a leitura do bebê, são sinais
positivos de desenvolvimento.

A série barulhenta são sinais de sofrimento precoce, em que persistem gritos


que não tem significado, os bebês continuam gritando e ninguém consegue
atribuir significado àqueles sons, os gritos ficam desarticulados, as
manifestações não são entendidas como mensagens.

Muitos bebês autistas não reclamam, às vezes até choram quando alguém
pegar nele, pois preferem ficar sozinhos. Essas crianças autistas apresentam
uma estrutura psíquica profundamente diferente e a medicina científica não
consegue entender isso, atribui significações médicas, relativas ao corpo.

Como é que um bebê fala?

O bebê entra na linguagem quando está na comunicação com o outro, o


sentido que ele atribui inicialmente é o sentido da relação, o outro dá
significado aos seus gestos, nomeando suas manifestações. Quando ele
começa a falar, fala como se o outro estivesse falando dele, sempre na
terceira pessoa, somente depois acontece a inversão pronominal, ele pode
dizer eu. Inicialmente ele diz palavras quem tem efeito de uma frase que
depois vão articulando para formar frases.

Outros registros que são importantes para que percebamos a dialética entre
função materna e paterna são os registros do tônus corporal e do sono, que
também dão indicações sobre a relação com o outro.

O sono também é um indicador do laço, como anda a relação com o outro.


Por exemplo, crianças que dormem demais ou que têm dificuldade de
dormir. O sono além de ser importante para mielinização dos neurônios,
também é essencial para se perceber o tempo separação, que indica se a
criança integrou dentro de si a imagem do outro.

Então a capacidade de adormecer do bebê está relacionada com a capacidade


de se separar do outro. Quando ele adormece, desliga-se do mundo exterior
e só vai encarar com calma esse processo de separação da mãe, a qual vai
desaparecer, se a presença e ausência forem bem elaboradas. Existem casos
em que as mães passam o dia inteiro trabalhando, o bebê fica o dia todo com
a babá, quando ela chega à noite, ele vai ter dificuldade de adormecer. Então
se essa ausência não for bem elaborada, durante o adormecer vai ser um
drama com muito choro e pesadelos depois.

No inicio o bebê sente dificuldade em se adequar aos ritmos dos pais e da


casa, mas aos poucos ele vai se adequando aos horários, passando a dormir
mais durante a noite e menos durante o dia, de tal modo que em torno de três
a quatro meses de idade já entra mais ou menos no ritmo da família. Então a
criança passa sem grandes dramas, do sono à vigília e vice versa, quando a
alienação e separação estão numa dialética harmoniosa.

Já os sinais de sofrimento precoce da série barulhenta são todos os distúrbios


que impedem o adormecer. As crianças choram demais, gritam, despertam à
noite, têm pesadelos, entre outras coisas. Com isso, mostram que estão
tentando lutar contra a ausência que não está bem elaborada. Muitas mães
quando o bebê está assim vão procurar o pediatra pedindo calmante, algo
totalmente errado, pois vai ensinar as crianças desde cedo a resolver
problemas com drogas, no futuro ele também vai tender a resolver problemas
com drogas, vai querer resolver problemas na imediatez, sem refletir nas suas
causas que estão na relação com o outro.

O registro do sono também sinais de sofrimento da série silenciosa, as


hipersonias, quando os bebês vão para creches, ou insônia calma, aqueles
bebês que ficam no berço o dia inteiro sem dormir e em chorar, que é um
sintoma grave.

O reflexo tônus-postural também tem muito a ver com os nossos desejos, a


gente só se mantém em pé porque deseja, porque se não tiver nenhum desejo
a gente cai, ficamos hipotônicos, ou seja, não tendo desejo ninguém se
mantém. A hipo e hipertonia de um bebê têm a ver com a relação com o
outro. O diálogo tônus-postural acontece normalmente no desenvolvimento
quando a dialética entre função paterna e materna está bem, há de certa forma
um bom ajustamento do corpo de um ao corpo do outro. Isso também indica
uma antecipação de resposta, por exemplo, quando a mãe está chegando o
bebê já estende os braços, e dessa forma ele já mostra esse diálogo do corpo
dele com o corpo do outro.

Os sinais que indicam sofrimento precoce são a hipotonia, hipertonia,


desenvolvimento retardado, a demora em andar, sendo que tudo isto também
tem a ver com o diálogo com o outro, podendo revelar uma dificuldade do
bebê de se entregar ao outro, em confiar no outro.
Outro sintoma da série silenciosa são os balanceios freqüentes, pra cá e pra
lá, sozinho, ocorrendo quando o outro não atende ao chamado dele, e ele fica
tentando suprir com o seu próprio corpo a falta da presença do outro. Há
também as estereotipias, os gestos estereotipados, muito comuns em crianças
autistas, gestos repetitivos, para os quais não se encontra um sentido.

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