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Autor: Mônica Camasmie Dib

Título: Winnicott e o pai no início de vida do bebê– relatos do processo de tornar-


se pai
Resumo: Winnicott foi um autor que priorizou o papel da maternagem no
desenvolvimento sadio do indivíduo. Ele descreveu o papel do pai como apoio
fundamental para o equilíbrio emocional da mãe. Acompanhando o relato de alguns
pais, percebemos que a consciência da identidade paterna acontece gradativamente. A
nossa hipótese é que o homem identifica-se progressivamente com o papel de pai.
Depende da mãe do bebê e de fatores emocionais internos, para que consiga assumir
essa identificação. Inicia-se como um processo desde a gravidez do bebê, e vai
tornando-se definido a medida que o bebê cresce. O papel do pai é fundamental para um
amadurecimento sadio do bebê. Estudar este papel pode acrescentar muito na profilaxia
de sintomatologias posteriores, como na fase edípica, adolescência e maturidade.
Palavras-chave: Winnicott, pai, bebê
Minicurriculo: Psícóloga Clínica, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Membro
do Depto. de Psicanálise com Crianças do Instituto Sedes Sapientiae e Membro do
EPW(Espaço Potencial Winnicott) do Instituto Sedes Sapientiae.
Monica_dib@yahoo.com.br

Winnicott e o pai no início de vida do bebê– relatosdo processo de


tornar-se pai
Mônica C. Dib
Winnicott foi um autor que priorizou o papel da maternagem no desenvolvimento sadio
do indivíduo. Ele descreveu o papel do pai como apoio fundamental para o equilíbrio
emocional da mãe. Acompanhando o relato de alguns pais, percebemos que a
consciência da identidade paterna acontece gradativamente. A nossa hipótese é que o
homem identifica-se progressivamente com o papel de pai. Depende da mãe do bebê e
de fatores emocionais internos, para que consiga assumir essa identificação. Inicia-se
como um processo desde a gravidez do bebê, e vai tornando-se definido a medida que o
bebê cresce. O papel do pai é fundamental para um amadurecimento sadio do bebê.
Estudar este papel pode acrescentar muito na profilaxia de sintomatologias posteriores,
como na fase edípica, adolescência e maturidade.
Winnicott considera o pai como a fonte de apoio da mãe durante a gravidez enquanto o
bebê é pequeno, durante a fase em que ainda é amamentado e depende muito da mãe.
Segundo o autor, se a mãe sente-se segura e protegida, consegue dedicar-se ao filho.
Winnicott também argumenta que o bebê é absolutamente dependente da mãe (estágio
de dependência absoluta) e que a mãe o acolhe (holding), sustentando-o física e
emocionalmente Através da preocupação materna primária, a mãe adapta-se ativamente
às necessidades do seu filho. A mãe normalmente vai precisar do pai, recebendo apoio
emocional para poder dedicar-se totalmente ao bebê. O apoio do pai é importante
também se a mãe sente-sedesamparada, frágil, deprimida ou insegura para cuidar do
nenê. Segundo Rosa (2011):
O pai falha nesse momento de vida se impedir ou não contribuir para que a mãe
tenha condições de fornecer ao bebê um ambiente que seja facilitador das
conquistas básicas e fundamentais desse início de vida.
É fundamental que o bebê possa viver a ilusão de onipotência, o que ocorre
normalmente em um ambiente seguro para a mãe e para a criança.Algumas mães têm
dificuldade em identificar-se com seu bebê, por sentirem necessidade de continuar a
fazer as mesmas atividades que faziam antes dele nascer. Amamentam pouco tempo,
por exemplo, porque necessitam retornar logo ao trabalho.O pai, que está participando
ativamente do início de vidado filho, deveria cuidar da mãe e participar ativamente do
cuidado do nenê quando desejasse ou fosse necessário. Segundo Rosa (2014), o efetivo
cuidado paterno faz parte do colo materno que o bebê recebe:
A mãe e o pai juntos compõem o ambiente total que o bebê precisa encontrar
para amadurecer, ainda que o lugar do pai não seja o mesmo da mãe na
relação direta com o bebê. O pai ajuda a mãe a ser mãe.
A hipótese que se coloca é que o processo de tornar-se pai é gradativo. Neste trabalho
sugiro, a partir da abordagem winnicottiana, e de relatos de pais, que a profilaxia das
dificuldades iniciais do casal que acabou de ter um nenê possa ser feita através da
reflexão dos sentimentos provindos do pai e da percepção das dificuldades da mãe,
muitas vezes através da forma como ela percebe o pai na situação quando o nenê nasce.
Enquanto a mãe prepara-se durante a gravidez, através das mudanças corporais e
emocionais para o nascimento do bebê, o pai demora mais tempo para sentir que
realmente vai ser pai.
L., pai de dois meninos de 6 e 2 anos relata:
É uma experiência muito doida...você está lá, nasce a criança que era só fantasia,
diferente do que imagina antes, é uma experiência gostosa, nem parece real. A ficha cai
aos poucos. O primeiro baque de verdade é quando chega em casa.

Através da preocupação materna primária, as mães conseguem adaptar-se melhor às


necessidades de seu bebê, pois regridem emocionalmente desde a gravidez, conseguindo
colocar-se no lugar dele. O bebê chora e a mãe consegue diferenciar fome, sono, fralda
suja, etc. Para o pai, inicialmente, o choro causa uma turbulência interna, que só é
diminuída quando o bebê também se acalma. Antonio Prata escreveu em uma crônica
(Diário da paternidade II), as dificuldades iniciais:

Ontem, às 4h17 da madrugada, ninando minha indômita filha pelo quarto, cheguei à
seguinte imagem: é como se eu fosse um patinador no gelo, dando volteios em câmera
lenta, agarrado a uma tainha de cinco quilos que se debate em fast-forward. Quando
ela finalmente dorme no meu colo, contudo, a coloco no berço e volto para o quarto,
me sinto como o Amyr Klink retornando ao lar depois de ter sido o primeiro homem a
atravessar o Atlântico num barquinho a remo. Momentos tétricos, momentos épicos.

...

Outro dia fomos ao pediatra e tive que preencher uma ficha. Vi lá "Nome do pai" e já
saí escrevendo: "Mario Alberto Campos de Moraes Prata". Levou uns cinco segundos
para eu entender que o pai era eu. Pensando bem, talvez ainda não tenha entendido.
Terei que preencher mais algumas fichas até que a ficha caia de vez.

Alguns pais, por serem mais imaturos emocionalmente, sentem-se excluídos da


díademãe-bebê. Não conseguem entender, nem aceitar que aquele é um momento
temporário e tentam marcar sua presença precocemente, antes da mãe e do nenê estarem
preparados. O pai pode exigir atenção especial da mãe, ou competir pela melhor
performance nos cuidados com o bebê, ou incentivar a mãe a voltar a trabalhar logo, se
ela ganhar mais do que ele, por exemplo. A mãe pode sentir-se pressionada pelo pai a
reassumir a vida conjugal antes de sentir-se preparada. Por outro lado, o pai depende da
mãe para conseguir estabelecer um contato inicial com o bebê. Mas, em alguns casos, a
mãe exclui ou desqualifica o pai, por não conseguir diferenciar-se do bebê, ou por
dificuldades psicológicas dela anteriores ao nascimento do seu filho. Segundo
Winnicott(1997) a chegada do bebê cria um novo triângulo edípico:
Qualquer fracasso ou dificuldade da mãe relativa à sua própria constelação
edípica seria agora potencialmente vulnerável a esse novo arranjo, que desperta
dificuldades adormecidas e ativa novas forças de amor e ódio, tanto
conscientes, como inconscientes
No mesmo livro, Winnicott relata um caso (pg 150) de uma criança com transtorno
alimentar:
A mãe estava com ciúmes do pai, que estava alimentando a criança, que até então fora
exclusivamente dela.

Acrescento que as dificuldades edípicas do pai também influenciam na forma como ele
lida com os sentimentos despertados pelo nascimento do bebê. A sensação de perder a
prioridade é de intenso sofrimento para alguns pais. M., pai de H.,12 anos e R, 9 anos,
marido de A. relata:
As pessoas entravam na casa e não falavam comigo... primeiro era a H., depois A., o
cachorro e depois eu.
Segundo A:
M. falou que se sentiu traído e trocado por outro homem quando R. nasceu...dizia que
eu só tinha olhos para o R., só cuidava de A. e H.
S., pai de J. de 6 anos também sentiu-se excluído e desvalorizado:

Primeiro era a J., o trabalho, a casa em primeiro lugar, eu por último, me senti
largado, excluído
Antonio Prata, em sua crônica, relata a consciência da mudança na constelação do casal.
Antes eram duas pessoas, agora são três, e sentiu que o acréscimo era um ganho, não
uma perda:

Semana passada, Olivia fez 3 meses: nossas olheiras aparentam 300 anos; nossos
corações rejuvenesceram 30 -e não são à toa os múltiplos de 3.

L. passou a trabalhar em casa quando seu filho nasceu. Cuidou do bebê, auxiliando sua esposa,
que estava com uma recuperação difícil do parto. Deu banho, trocou fraldas e tentou acalmar o
bebê quando ele chorava com cólicas. A medida que a mãe foi se recuperando, continuou a
cuidar do filho.Sempre se sentiu integrado com a dupla mãe-bebê. Até hoje é um pai presente e
sente-se feliz por ser pai. Diz que sempre teve momentos especiais com os filhos, estando
presente sempre que foi possível. Este casal tem uma postura cooperativa.Segundo Winnicott,
foi possível para o pai, através do uso de seu “elemento feminino puro”, contribuir para que
seus filhos usufruíssem de seus cuidados. A mãe tem consciência de que o pai conhece bem os
filhos e, além disto, até refere-se a detalhes sobre preferências deles que ela desconhece.

Mesmo sentindo-se excluído, M. aproximou-se da sua filha sempre que foi possível. Dava
banho, trocava fraldas, dava mamadeira. O nascimento da filha não foi sentido por ele como um
fruto da relação do casal, mas sim, um bebê da mãe. A falta de integração entre eles piorou no
nascimento do segundo filho. Ele tinha problemas alimentares e, por isto, a mãe uniu-se ao
bebê, excluindo o pai mais uma vez. Após dois anos eles se separaram. O pai sentiu que os três
(a mãe e os dois filhos) faziam parte de um mundo que ele não conseguia se integrar. A mãe não
conseguiu voltar a ser a esposa, continuou a ser somente mãe. O casal se separou e somente
alguns anos depois, M. conseguiu aproximar-se realmente dos filhos.

S. sentiu-se excluído, mesmo quando J. cresceu. A mãe trazia J. para dormir na cama do casal.
Não conseguiu recuperar a relação conjugal. O pai senteque até hoje, a mãe é dependente de J. e
a filha é muito insegura e dependente da mãe. Apesar de ter 7 anos, J. comporta-se como uma
criança bem menor do que é. O casal se separou quando o pai percebeu que não existia mais um
lugar emocional para ele com a mãe e a filha.

Existe também a mudança na identidade do homem. Antes ele não tinha filhos, aos
poucos sente-se pai. Antonio Prata fala do clube dos homens que têm filhos. Aos
poucos, além de se sentir-se pai em casa, identifica-se com os pais ao seu redor.

Ter filho te insere, imediatamente, no entusiasmadíssimo clube dos que têm filhos. Um clube
que você até sabia que existia, mas para o qual não dava a menor bola. É algo assim como, de
uma hora pra outra, passar a torcer pra Portuguesa -na atual fase da Portuguesa. Lusa! Lusa!
Lusa!

Segundo Winnicott, o bebê passa de um estado de dependência absoluta da mãe, para um estado
de dependência relativa, para caminhar em relação à independência. O processo de ser pai é
gradativo, evoluindo cada vez mais, àmedida que ofilho torna-se um pouco menos dependente
da mãe. A mãe, que antes adaptava-se quase totalmente às necessidades de seu filho, passa a
adaptar-se menos, sujeitando-o gradativamente a pequenas frustrações. O processo de separação
entre a mãe e o bebê segue naturalmente, abrindo um espaço cada vez maior para o pai e para
outras pessoas emocionalmente importantes (irmãos, familiares, grupos sociais, escola,etc.).Na
passagem da dependência absoluta para a relativa, o pai pode falhar quando apressa ou não
facilita um processo de desmame relativamente tranquilo entre a mãe e o bebê. Durante o
desmame, o apoio do pai fortalece a mãe, para aguentar a fúria do bebê, e facilita que o bebê
consiga controlar sua impulsividade.

Na dependência relativa e na direção à independência, o pai surge como um modelo de


integração, antecipando o status unitário a que o indivíduo irá chegar, se tudo correr
bem. (Rosa, 2014)

Segundo Winnicott (2011)


O cuidado materno transforma-se num cuidado oferecido por ambos os pais, que juntos
assumem a responsabilidade por seu bebê e pela relação entre todos os filhos

Antonio Prata relata a sensação de ser reconhecido pela filha e sentir-se pai:

Durante três meses eu fui apenas um assistente desqualificado. Olivia chorava,


eu chegava pra socorrer e, do fundo do berço, ela franzia a testa: "Saco,
mandaram o estagiário...". Mas, para minha felicidade, após 90 dias tudo
mudou: eu chego, ela sorri. Minha filha finalmente se deu conta da existência do
seu pai! (Ou, talvez, só tenha começado a achar graça deste desengonçado
estagiário da mãe).

Concluindo, a existência emocional do pai para a criança interfere positivamente na


ligação fundamental do bebê com a mãe. O vínculo do pai com o seu bebê pode evitar
dificuldades emocionais relacionadas à constituição do self como identidade unitária, ao
seu contato com a realidade, e na possibilidade de estabelecer relações interpessoais.
Segundo Rosa (2014, p 25):
o pai contribui de diferentes maneiras para que o bebê tenha condições de
chegar a si e estabelecer uma identidade integrada.

Bibliografia
Dias, E. O.(2013).A teoria do amadurecimento de D.W.Winnicott.Rio de Janeiro:Imago
Prata A. - Diário da paternidade II - Jornal Folha de São Paulo - 13/10/2013
Rosa, C. D, (org) (2014) – E o pai?: uma abordagem winnicottiana.São Paulo: DWW
Editorial
Rosa, C. D.(2011) – As falhas paternas em DWW.Tese de Doutorado, Faculdade de
Psicologia. Pontifíce Universidade Católica de São Paulo
Winnicott, D. W. (1997)Pensando sobre crianças.Artmed .Porto Alegre.
Winnicott, D.W. (1999)Tudo começa em casa, São Paulo :Martins Fontes
Winnicott, D. W. (2011).A família e o desenvolvimento individual(4ª ed).São Paulo:
Martins Fontes

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