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Ontem, às 4h17 da madrugada, ninando minha indômita filha pelo quarto, cheguei à
seguinte imagem: é como se eu fosse um patinador no gelo, dando volteios em câmera
lenta, agarrado a uma tainha de cinco quilos que se debate em fast-forward. Quando
ela finalmente dorme no meu colo, contudo, a coloco no berço e volto para o quarto,
me sinto como o Amyr Klink retornando ao lar depois de ter sido o primeiro homem a
atravessar o Atlântico num barquinho a remo. Momentos tétricos, momentos épicos.
...
Outro dia fomos ao pediatra e tive que preencher uma ficha. Vi lá "Nome do pai" e já
saí escrevendo: "Mario Alberto Campos de Moraes Prata". Levou uns cinco segundos
para eu entender que o pai era eu. Pensando bem, talvez ainda não tenha entendido.
Terei que preencher mais algumas fichas até que a ficha caia de vez.
Acrescento que as dificuldades edípicas do pai também influenciam na forma como ele
lida com os sentimentos despertados pelo nascimento do bebê. A sensação de perder a
prioridade é de intenso sofrimento para alguns pais. M., pai de H.,12 anos e R, 9 anos,
marido de A. relata:
As pessoas entravam na casa e não falavam comigo... primeiro era a H., depois A., o
cachorro e depois eu.
Segundo A:
M. falou que se sentiu traído e trocado por outro homem quando R. nasceu...dizia que
eu só tinha olhos para o R., só cuidava de A. e H.
S., pai de J. de 6 anos também sentiu-se excluído e desvalorizado:
Primeiro era a J., o trabalho, a casa em primeiro lugar, eu por último, me senti
largado, excluído
Antonio Prata, em sua crônica, relata a consciência da mudança na constelação do casal.
Antes eram duas pessoas, agora são três, e sentiu que o acréscimo era um ganho, não
uma perda:
Semana passada, Olivia fez 3 meses: nossas olheiras aparentam 300 anos; nossos
corações rejuvenesceram 30 -e não são à toa os múltiplos de 3.
L. passou a trabalhar em casa quando seu filho nasceu. Cuidou do bebê, auxiliando sua esposa,
que estava com uma recuperação difícil do parto. Deu banho, trocou fraldas e tentou acalmar o
bebê quando ele chorava com cólicas. A medida que a mãe foi se recuperando, continuou a
cuidar do filho.Sempre se sentiu integrado com a dupla mãe-bebê. Até hoje é um pai presente e
sente-se feliz por ser pai. Diz que sempre teve momentos especiais com os filhos, estando
presente sempre que foi possível. Este casal tem uma postura cooperativa.Segundo Winnicott,
foi possível para o pai, através do uso de seu “elemento feminino puro”, contribuir para que
seus filhos usufruíssem de seus cuidados. A mãe tem consciência de que o pai conhece bem os
filhos e, além disto, até refere-se a detalhes sobre preferências deles que ela desconhece.
Mesmo sentindo-se excluído, M. aproximou-se da sua filha sempre que foi possível. Dava
banho, trocava fraldas, dava mamadeira. O nascimento da filha não foi sentido por ele como um
fruto da relação do casal, mas sim, um bebê da mãe. A falta de integração entre eles piorou no
nascimento do segundo filho. Ele tinha problemas alimentares e, por isto, a mãe uniu-se ao
bebê, excluindo o pai mais uma vez. Após dois anos eles se separaram. O pai sentiu que os três
(a mãe e os dois filhos) faziam parte de um mundo que ele não conseguia se integrar. A mãe não
conseguiu voltar a ser a esposa, continuou a ser somente mãe. O casal se separou e somente
alguns anos depois, M. conseguiu aproximar-se realmente dos filhos.
S. sentiu-se excluído, mesmo quando J. cresceu. A mãe trazia J. para dormir na cama do casal.
Não conseguiu recuperar a relação conjugal. O pai senteque até hoje, a mãe é dependente de J. e
a filha é muito insegura e dependente da mãe. Apesar de ter 7 anos, J. comporta-se como uma
criança bem menor do que é. O casal se separou quando o pai percebeu que não existia mais um
lugar emocional para ele com a mãe e a filha.
Existe também a mudança na identidade do homem. Antes ele não tinha filhos, aos
poucos sente-se pai. Antonio Prata fala do clube dos homens que têm filhos. Aos
poucos, além de se sentir-se pai em casa, identifica-se com os pais ao seu redor.
Ter filho te insere, imediatamente, no entusiasmadíssimo clube dos que têm filhos. Um clube
que você até sabia que existia, mas para o qual não dava a menor bola. É algo assim como, de
uma hora pra outra, passar a torcer pra Portuguesa -na atual fase da Portuguesa. Lusa! Lusa!
Lusa!
Segundo Winnicott, o bebê passa de um estado de dependência absoluta da mãe, para um estado
de dependência relativa, para caminhar em relação à independência. O processo de ser pai é
gradativo, evoluindo cada vez mais, àmedida que ofilho torna-se um pouco menos dependente
da mãe. A mãe, que antes adaptava-se quase totalmente às necessidades de seu filho, passa a
adaptar-se menos, sujeitando-o gradativamente a pequenas frustrações. O processo de separação
entre a mãe e o bebê segue naturalmente, abrindo um espaço cada vez maior para o pai e para
outras pessoas emocionalmente importantes (irmãos, familiares, grupos sociais, escola,etc.).Na
passagem da dependência absoluta para a relativa, o pai pode falhar quando apressa ou não
facilita um processo de desmame relativamente tranquilo entre a mãe e o bebê. Durante o
desmame, o apoio do pai fortalece a mãe, para aguentar a fúria do bebê, e facilita que o bebê
consiga controlar sua impulsividade.
Antonio Prata relata a sensação de ser reconhecido pela filha e sentir-se pai:
Bibliografia
Dias, E. O.(2013).A teoria do amadurecimento de D.W.Winnicott.Rio de Janeiro:Imago
Prata A. - Diário da paternidade II - Jornal Folha de São Paulo - 13/10/2013
Rosa, C. D, (org) (2014) – E o pai?: uma abordagem winnicottiana.São Paulo: DWW
Editorial
Rosa, C. D.(2011) – As falhas paternas em DWW.Tese de Doutorado, Faculdade de
Psicologia. Pontifíce Universidade Católica de São Paulo
Winnicott, D. W. (1997)Pensando sobre crianças.Artmed .Porto Alegre.
Winnicott, D.W. (1999)Tudo começa em casa, São Paulo :Martins Fontes
Winnicott, D. W. (2011).A família e o desenvolvimento individual(4ª ed).São Paulo:
Martins Fontes