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Sidney dos Santos Avancini

José Ricardo Marinelli

Tópicos de Física Nuclear e


Partículas Elementares

Florianópolis, 2009
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A592m Avancini, Sidney dos Santos.


Tópicos de física nuclear e partículas elementares/ Sidney
dos Santos Avancini, José Ricardo Marinelli. - Florianópolis :
UFSC/EAD/CED/CFM, 2009.
103p.

ISBN 978-85-99379-58-5

1.Física nuclear. I. Marinelli, José Ricardo. II. Título.


CDU 53

Catalogação na fonte: Eleonora Milano Falcão Vieira


Sumário

1 Introdução...................................................................... 9

2 O Núcleo Atômico......................................................... 21
2.1 Composição e propriedades gerais...................................... 23
2.2 Radioatividade.......................................................................29
2.3 Fissão e Fusão Nuclear......................................................... 35

3 Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão....... 45


3.1 Introdução..............................................................................47
3.2 Modelo de quarks................................................................. 50
3.3 Léptons.................................................................................. 60
3.4 Interações fundamentais...................................................... 62
3.5 Leis de conservação..............................................................67
3.6 Aceleradores de Partículas....................................................71

4 Noções sobre Astrofísica Nuclear................................. 81


4.1 Introdução............................................................................. 83
4.2 Teoria da Grande Explosão.................................................. 83
4.3 Energia Nuclear e Nucleossíntese.........................................89

Referências.................................................................... 102
Apresentação

O conteúdo deste volume tem como objetivo dar ao estudante uma visão ge-
ral e introdutória sobre a Física Nuclear e das Partículas Elementares. Inicial-
mente, fazemos um pequeno histórico do desenvolvimento desta importante
área da Física ao longo do século XX, com destaque para a descoberta do nú-
cleo atômico, os mésons e os neutrinos, além de outras partículas importan-
tes para nosso entendimento atual do microcosmo. Posteriormente, algumas
propriedades fundamentais do núcleo atômico, visto como uma coleção de
prótons e nêutrons, são apresentadas e discutidas juntamente com os fenô-
menos da radioatividade, fissão e fusão nuclear. Esta discussão pertence ao
ramo conhecido atualmente como Física Nuclear de baixa energia.

Com o advento dos grandes aceleradores de partículas, a partir da segunda


metade do século passado, a descoberta de novas partículas e suas intrigan-
tes propriedades abriu caminho para o desenvolvimento do chamado Modelo
Padrão das partículas elementares. A apresentação desse Modelo, juntamen-
te com uma discussão sobre a Física dos Aceleradores e sua importância
para o desenvolvimento do mesmo, é o objeto do capítulo 3.

Finalmente, algumas implicações de nosso conhecimento atual sobre o tema


para a Astrofísica são discutidas no capítulo final, juntamente com o modelo
de Universo conhecido como Grande Explosão (Big Bang) , onde procuramos
mostrar a forte relação existente entre estes diferentes ramos da Física.

É necessário enfatizar aqui a importância que a Física Nuclear e a Física de


Partículas tiveram e ainda têm na nossa compreensão e na sedimentação de
duas teorias fundamentais desenvolvidas no início do século passado: a Teo-
ria da Relatividade Restrita e a Mecânica Quântica. Os fenômenos estudados
no microcosmo constituem um imenso laboratório de testes para estas duas
teorias e só puderam, por sua vez, ser perfeitamente entendidos, graças a
elas. Desta forma, uma compreensão satisfatória do texto aqui desenvolvido
só será possível a partir de um conhecimento introdutório prévio de discipli-
nas como Relatividade Restrita e Estrutura da Matéria.

Os Autores
1 Introdução
1 Introdução

Neste capítulo apresentaremos a Física Nuclear e de Par-


tículas sob uma perspectiva histórica, enfatizando alguns
dos principais fatos e descobertas que levaram à cons-
trução do modelo atual para o núcleo atômico e para as
partículas fundamentais da natureza.

Em 1897, J.J. Thomson descobriu o elétron, cujas carga e massa foram


posteriormente determinadas. O mesmo Thomson observou a impor-
tância que tais partículas deveriam ter na constituição do átomo, ti-
dos à época como os elementos básicos formadores da matéria. No
entanto, o átomo é eletricamente neutro e a carga do elétron, recém
determinada naquela época, é negativa. Por outro lado, a massa de um
átomo é sabidamente muito maior que a massa do elétron. Thomson
imaginou então que o átomo deveria ser formado por uma espécie de
“pasta” com carga positiva e muito mais pesada que os elétrons, os
quais ficariam distribuídos de forma mais ou menos uniforme dentro
desta “pasta”. Era o chamado Modelo de Pudim de Ameixas, onde os
elétrons representariam as ameixas e a carga positiva seria o pudim.

Poucos anos mais tarde, este modelo foi no entanto refutado por um fa-
moso experimento realizado pelo físico neozelandês Rutherford, cujos
resultados foram apresentados à comunidade em 1911. Mais ou menos
na mesma época em que o elétron foi detectado pela primeira vez, foi
descoberto um importante fenômeno conhecido como Radioativida-
de, segundo o qual alguns elementos conhecidos emitiam partículas
de carga elétrica positiva ou negativa com energia várias ordens de
grandeza superior às energias observadas na escala atômica ou mole-
cular. Rutherford utilizou um destes elementos, o qual emitia partículas
eletricamente positivas (as chamadas partículas  ) para bombardear
uma fina placa de ouro colocada perpendicularmente ao feixe de partí-
culas alfa. Observando o desvio destas partículas ao atravessar a placa,
Rutherford pode concluir que o átomo, ao contrário do que imaginara
Thomson, deve ser formado por uma distribuição de carga positiva e
de pequena dimensão (cerca de dezenas de milhares de vezes menor),
quando comparada com as dimensões totais do átomo. Esta importan-
te observação serviu para a formulação do chamado Modelo Plane-
tário do Átomo, proposto mais tarde por Niels Bohr. Mas não menos
importante foi o fato de que este experimento pode ser considerado

Introdução 11
como o nascimento da Física Nuclear e com ela o aparecimento de
uma série de partículas novas, dando origem a um ramo da Física co-
nhecido hoje como Física das Partículas Elementares.

Modelo de
Thomson
para o
átomo

Rutherford e a
Descoberta do
Núcleo

Figura 1.1: Modelos do átomo.

Na figura 1.1, os pequenos pontos representam os elétrons enquanto


que o ponto maior ao centro, o núcleo atômico. As linhas contínuas
representam as trajetórias prováveis das partículas  para cada um
dos modelos (de Thomson e de Rutherford). Observe que de acordo
com os resultados de Rutherford, a partícula será fortemente desviada
em relação à trajetória original ao passar próxima do núcleo devido à
repulsão Coulombiana entre ambos.

Para termos uma idéia de como este ramo da Física se desenvolveu,


devemos começar dizendo que, no início da década de 1930, sabia-se
que o núcleo atômico, descoberto 20 anos antes por Rutherford, era
composto por duas partículas diferentes: o próton, cuja carga era a
mesma do elétron porém com sinal positivo e com uma massa cerca
de 2000 vezes maior, e o nêutron, cuja massa é muito próxima à do
próton e com carga elétrica nula. De acordo com o modelo de Bohr,
citado acima, os elétrons orbitam em torno do núcleo graças à ação da
força eletromagnética. Tudo se encaixaria perfeitamente não fosse uma
questão simples, mas fundamental: as mesmas forças eletromagnéticas
que mantêm os elétrons em volta do núcleo devem causar uma violenta
repulsão entre os prótons dentro do núcleo, já que estes ocupam um vo-
lume muito menor que o átomo como um todo. A resposta óbvia é que
prótons e nêutrons devem sentir dentro do núcleo uma força suficiente-
mente forte para evitar a repulsão entre os prótons e ao mesmo tempo
esta força deve ser de curto alcance, ou seja, deve agir apenas para dis-

12
tâncias da ordem do tamanho do núcleo, já que elas são imperceptíveis
no nosso dia-a-dia do mundo macroscópico, ao contrário do que ocorre
com as forças eletromagnéticas, de longo alcance e responsáveis por
toda a estrutura molecular que constitui a matéria tangível.

Átomo

Núcleo

Elétron

Nêutron Próton
Figura 1.2: O átomo e seus constituintes principais.

Nesta altura, já se conhecia o papel que o fóton ou quantum de energia


eletromagnética, possuía dentro de nossa compreensão das forças ele-
tromagnéticas. De fato, de acordo com a concepção moderna do concei-
to de força, cada uma das interações básicas da natureza se manifesta Os quais serão
através da troca entre partículas (ou campos) conhecidas como “bósons apresentados mais adiante
para cada uma das quatro
de gauge”. No caso da força eletromagnética, o fóton é o “bóson de gau- forças fundamentais da
ge” correspondente e pode ser visto como uma espécie de mediador da natureza.
força eletromagnética (ou partícula transportadora de força) sentida
por duas partículas eletricamente carregadas. Assim, dois elétrons a uma
dada distância um do outro, interagem por que estão constantemente
No caso, se repelem.
trocando fótons entre si. Em 1934, baseado nesta mesma idéia, Yukawa
propôs a existência de uma nova partícula capaz de fazer esta mesma
mediação para o caso da força nuclear ou força forte. Yukawa previu in-
clusive a massa que tal partícula deveria ter e a chamou de méson. Apro-
ximadamente 10 anos mais tarde, mais precisamente em 1946, o méson
de Yukawa foi detectado experimentalmente e verificou-se que sua mas-
sa era de fato muito próxima ao valor estimado por ele. Surgia assim a
primeira teoria para a força forte. Atualmente, o méson de Yukawa é co-
nhecido como méson  ou simplesmente pion, e de lá para cá mais de
algumas dezenas de tipos diferentes de mésons foram observados expe-
rimentalmente. No caso do pion, sua determinação experimental foi fei-

Introdução 13
ta usando-se uma técnica de observação dos chamados raios cósmicos,
que chegam constantemente ao nosso planeta provenientes do espaço.

A seguir leia o texto


É importante lembrar o papel que o físico brasileiro
César Lattes teve nesta descoberta.

“César Lattes e seu maior


feito”, extraído do site da
web http://cienciahoje. Mais recentemente, a observação de mésons pode ser feita com o
uol.com.br/materia/ auxílio de grandes aceleradores de partículas, através de reações nu-
view/1606. cleares produzidas a altas energias. As técnicas empregadas nestes
grandes aceleradores modernos não são fundamentalmente muito
diferentes da técnica empregada no experimento pioneiro de Ruther-
ford, embora a tecnologia usada hoje seja bem mais sofisticada.

César Lattes e seu maior feito:

Assim que se formou, Lattes trabalhou com física teórica na Univer-


sidade de São Paulo (USP). Mas essa área o enfastiava, e ele decidiu
se dedicar à física experimental. Em 1946, após dois anos de USP,
ele se convidou para trabalhar na Universidade de Bristol, na Ingla-
terra, onde já estava o físico italiano Giuseppe Occhialini, que ele
havia conhecido no Brasil. O pedido foi aceito, e, em sua passagem
pela Europa, ele realizaria o maior feito de sua carreira: a descober-
ta do méson pi.

Lattes zarpou para a Europa no primeiro cargueiro que saiu depois


da Segunda Guerra Mundial. Foram 40 dias de uma dura viagem: ele
dormia no porão, sobre uma tábua, e a cerveja acabou na primeira
semana, para seu desespero. Lattes encontrou um país devastado
pela guerra. Em Bristol, o laboratório ficava isolado: tudo em volta
havia sido bombardeado. Mesmo a comida era pouca, e o brasileiro
não tinha com que gastar seu dinheiro. Assim, a subvenção mensal
de 60 dólares, que recebia da fábrica de cigarros que patrocinava
seu laboratório, bastava-lhe.

No laboratório, Occhialini pesquisava novas partículas em um ace-


lerador sob o comando do britânico Cecil Powell. Lattes propôs que
substituíssem o acelerador por raios cósmicos, que continham muito
mais energia. Essa radiação poderia registrar rastros das partículas
em chapas fotográficas com bórax, um composto do elemento quí-
mico boro. As chapas, chamadas de “emulsões nucleares”, deveriam
ser depositadas em regiões de grande altitude, em que a incidência
de raios cósmicos é maior.

14
Nessa ocasião, Occhialini estava indo passar férias nos Pirineus,
uma cadeia montanhosa européia. Lattes pediu-lhe que levasse al-
gumas das novas chapas. De volta a Bristol, a surpresa: duas mar-
cas eram as primeiras provas da existência do méson pi. Essa partí-
cula havia sido prevista em 1935 pelo japonês Hideki Yukawa, e os
físicos esperavam encontrá-la havia doze anos. Mas as evidências
de Occhialini ainda não eram suficientes. Se as chapas fossem ex-
postas em um lugar mais alto, poderia haver um maior número de
marcas que confirmariam a descoberta.

Lattes teve a idéia de fazer o experimento no monte Chacaltaya,


nos Andes bolivianos, a 5.500 metros de altitude. Deixou as cha-
pas na Bolívia e, um mês depois, quando voltou para buscá-las,
encontrou as evidências definitivas. Desta vez, havia cerca de 30
marcas. Radiante, Lattes voltou para Bristol, e foi enviado por Po-
well a um simpósio em Birmingham para apresentar a descoberta.
Alguns cientistas contestaram os resultados, mas o suporte do dina-
marquês Niels Bohr, um dos maiores físicos da época, pesou na sua
aceitação pela comunidade científica. Bohr acreditou na descoberta
e convidou Lattes para dar dois seminários. Na mesma época, a re-
vista inglesa Nature publicou um artigo do brasileiro sobre o assun-
to. O feito inscrevia definitivamente na história da Física os nomes
de Cesar Lattes e da equipe de Cecil Powell.

As partículas que interagem entre si através da chamada força for-


te são genericamente conhecidas como Hádrons. Os mésons se en-
quadram nesta classificação assim como os chamados bárions. São
exemplos de bárions o próton e o nêutron, mas existem outros menos
conhecidos, dos quais falaremos adiante. Como também veremos, os
mésons como os bárions têm uma origem comum, porém se enqua-
dram de forma diferente em uma outra classificação das partículas da
natureza. Segundo esta outra classificação, proveniente de um prin-
cípio fundamental da Mecânica Quântica conhecido como Princípio
de Exclusão de Pauli, as partículas podem ser bósons ou férmions.
Assim, enquanto os mésons se comportam como bósons, os bárions
têm todas as características de férmions. Outro exemplo importante
de um férmion é o elétron. De acordo com o Princípio de Pauli, dois
férmions não podem ocupar o mesmo estado quântico em um siste-
ma, enquanto que dois bósons podem fazê-lo. Este fato, entretanto, é
uma observação mais geral relacionada ao comportamento das par-
tículas da natureza e que nada tem a ver com as características das
forças que agem entre elas. Desta forma, embora mésons e bárions se
comportem de forma diversa no que se refere ao Princípio de Exclu-
são, ambas interagem via o mesmo tipo de força.

Introdução 15
Vamos voltar um pouco agora à década de 1920. Nesta época, Paul Di-
rac desenvolveu uma teoria para o elétron, incorporando à Mecânica
Quântica as idéias introduzidas por Einstein em sua Teoria da Relati-
vidade Restrita. Como resultado desta teoria, Dirac obteve o resultado
surpreendente de que, mesmo para um elétron livre, sua energia pode-
ria ser negativa. Dirac tentou na época encontrar uma interpretação
satisfatória para este resultado, e suas idéias acabaram evoluindo para
o conceito de antipartícula. Colocando de forma simplificada, pode-
mos dizer que as soluções de energia negativa encontradas por Di-
rac correspondem na verdade a soluções de energia positiva não para
o elétron, mas para uma outra partícula com exatamente a mesma
massa, porém com carga positiva. Esta seria, então, o antielétron, ou
+
pósitron ( e ), como foi posteriormente conhecido. Acontece que, em
1933, uma partícula com exatamente estas características foi encon-
trada, reforçando, conseqüentemente, esta interpretação. Quando um
elétron é colocado em presença de um pósitron, as duas partículas se
transformam em um fóton com energia pelo menos igual à soma das
energias de repouso das duas, e dizemos que houve uma aniquilação
elétron-pósitron. Mas a teoria desenvolvida por Dirac pode ser aplica-
da sem maiores problemas a outras partículas do tipo férmion, como o
próton e o nêutron. Desta forma podemos imediatamente concluir que
a toda partícula do tipo férmion deve corresponder sua antipartícula,
fato que foi sendo comprovado com o passar do tempo.

Na década de 1960, o número de partículas ditas elementares (e suas


antipartículas) era tão grande que os Físicos começaram a realizar
uma classificação das mesmas segundo suas propriedades conheci-
das, similar à classificação feita para os elementos químicos conhe-
cidos um século antes e que culminou na famosa Tabela Periódica
dos elementos. Na época também já se sabia que, em experimentos
realizados através do bombardeio de elétrons de alta energia em nú-
cleos leves como o hidrogênio e o deutério, o próton e o nêutron não
devem ser de fato partículas elementares e, portanto, devem ser do-
tados de uma estrutura interna. Tais evidências associadas à classi-
ficação citada levaram à hipótese de que os hádrons fossem de fato
compostos por partículas ainda “mais elementares” e que receberam
o nome de quarks. Um experimento muito semelhante ao realizado
por Rutherford foi então realizado. Neste caso, ao invés de partículas
alfa, provenientes de um elemento radioativo, foi usado um feixe de
elétrons acelerado em um poderoso acelerador, o qual bombardeava
um alvo de prótons (núcleo do átomo de hidrogênio). Uma vantagem
importante da utilização de elétrons ao invés de partículas alfa é que
os primeiros interagem com os hádrons principalmente através da
força eletromagnética que, por ser bem menos intensa que a força

16
forte dentro do alvo, permite uma observação do mesmo sem causar
grandes distúrbios em sua estrutura original, enquanto que a partí-
cula alfa, que na verdade corresponde ao núcleo do átomo de Hélio,
interage tanto via força eletromagnética quanto via força forte ao se
aproximar o suficiente de um alvo hadrônico.

Uma análise muito semelhante à realizada por Rutherford (e que le-


vou à conclusão da existência do núcleo do átomo) destes experimen-
tos com feixes de elétrons concluiu de forma inequívoca que o próton
é formado por partículas “puntuais” (sem estrutura interna): seriam
os quarks previstos anteriormente. A princípio, para explicar a diver-
sidade de mésons e bárions conhecidos era necessário admitir a exis-
tência de três tipos diferentes de quarks (ver figura 1.3), mas logo este
número aumentou para seis, tendo o último deles apresentado pela
primeira vez uma evidência experimental em um experimento reali-
zado há pouco mais de dez anos. Assim, podemos dizer que todos os
hádrons conhecidos são formados por quarks, os quais podem existir
em apenas seis tipos diferentes. Esta foi uma simplificação espeta-
cular se levarmos em conta que, entre mésons e bárions, temos um
número que chega a mais de uma centena de partículas conhecidas.

Figura 1.3: Os Quarks

Antes de terminarmos esta Introdução, somos obrigados a voltar no


tempo e lembrar que o fenômeno da Radioatividade, descoberto ao final
do século XIX, se apresenta principalmente em três formas mais conhe-
cidas: radioatividade alfa, beta e gama. A primeira, como já dissemos,
corresponde à emissão de núcleos do átomo de Hélio. A radioatividade
gama nada mais é que a emissão de energia eletromagnética quantiza-
da, ou seja, fótons de uma determinada energia característica a proces-

Introdução 17
sos internos ocorridos no núcleo. Já a radioatividade beta pode aparecer
+ −
em forma de partículas de carga positiva (  ) ou de carga negativa (  ).
Após a descoberta do pósitron, sabia-se que a  + correspondia à emis-
são de pósitrons a partir de algum tipo de processo ocorrido no núcleo,

enquanto que a  correspondia à emissão de elétrons. O problema com
este tipo de reação é que nem a energia nem o momento total eram con-
servados a partir da observação das partículas envolvidas e detectadas
no processo. Na época, alguns Físicos famosos chegaram a admitir que a
Conservação da Energia e do Momento não deveriam ser princípios ge-
rais da natureza. Para tentar “salvar” a situação, o alemão Wolfgang Pauli
sugeriu que deveria existir uma outra partícula participante do processo
e que não era detectada. Tal partícula deveria ter carga nula e massa zero
(ou muito próxima disso). Na verdade, partículas com massa zero e sem
carga já eram conhecidas: é o caso do fóton. A novidade é que esta outra
partícula, proposta por Pauli e que recebeu a denominação de neutrino,
deveria ser um férmion, enquanto o fóton é um bóson. O físico italiano
Enrico Fermi apostou na hipótese de Pauli e formulou uma teoria para o
decaimento  . Segundo esta teoria, tal processo, embora ocorra dentro
do núcleo, não deve ter sua origem na força forte, mas sim em outro tipo
de interação, que ficou conhecida como força nuclear fraca ou mais ge-
nericamente como força fraca, já que ela não precisa ocorrer necessaria-
mente dentro do núcleo, como observado posteriormente. Embora Pauli
tenha postulado a existência do neutrino na década de 1930 e a teoria de
Fermi tenha sido desenvolvida na década de 1940, somente em 1956 o
neutrino foi pela primeira vez observado experimentalmente, de forma
indireta porém irrefutável.

Sabe-se hoje que os neutrinos, assim como a força fraca, têm um


papel importante em vários processos da natureza tanto do ponto de
vista das partículas elementares como em vários fenômenos astrofí-
sicos. Só para citar um exemplo, temos a explosão de uma supernova,
em que uma estrela, ao atingir determinadas condições, emite uma
grande quantidade de neutrinos, passando a sofrer, como conseqü-
ência, um processo de colapso, devido ao desbalanço entre a força
gravitacional e outras forças internas. Esta explicação foi dada pela
primeira vez pelo eminente físico brasileiro, Mário Schenberg, e foi
batizada de efeito URCA por um importante colega seu (G. Gamow),
em uma visita ao morro da Urca no Rio de Janeiro, no qual havia um
cassino à época. Segundo ele, na explosão de uma supernova a ener-
gia no interior da estrela sumiria tão rapidamente com a emissão dos
neutrinos, como o dinheiro dos visitantes “sumia” nas mesas do cas-
sino. Uma das grandes discussões da última década do século XX
foi se o neutrino tem ou não massa e as conseqüências deste fato. As

18
evidências são todas no sentido de que o neutrino tem massa, embo-
ra não tenha ainda sido possível determiná-la exatamente.

O conhecimento atual sobre as partículas elementares permite formu-


lar um modelo conhecido como Modelo Padrão. Nele, como discuti-
remos com um pouco mais de detalhes adiante, todos os hádrons são
formados por seis tipos diferentes de quarks. Além disso, o elétron e o
neutrino são parte de uma outra família conhecida como Léptons. O
fóton, por sua vez, pertence a uma categoria de partículas chamadas
bósons de calibre (gauge) ou partículas mediadoras. Neste mode-
lo, os hádrons podem interagir entre si através das forças eletromag-
nética, forte e fraca enquanto que os léptons só interagem via forças
fraca e eletromagnética. O neutrino, por sua vez, só interage via força
fraca. E quanto à força gravitacional? Bem, esta, embora seja uma
das mais importantes no nosso dia-a-dia, ainda não faz parte deste
modelo, mesmo que existam tentativas de incluí-la, ou seja, várias
tentativas de unificação com as demais forças.

No próximo capítulo vamos apresentar e discutir algumas das princi-


pais propriedades do núcleo atômico, assim como alguns fenômenos
importantes relacionados com a estrutura nuclear. É o que chamamos
de Física Nuclear de baixa energia, em que apenas o próton e o nêu-
tron apresentam um papel importante na discussão dos fenômenos
envolvidos. No capítulo seguinte discutiremos alguns processos onde
os mésons e outras partículas mais exóticas passam a ter um papel
relevante e apresentaremos de forma mais completa o Modelo Padrão
citado acima, assim como algumas de suas conseqüências para o nos-
so entendimento atual da natureza. No capítulo 4, mostraremos a co-
nexão da Física Nuclear e da Física de Partículas com a Astrofísica.

Introdução 19
Resumo
Vimos que tanto o experimento de Rutherford de 1911 quanto expe-
rimentos bem mais recentes realizados ao longo do século XX têm
em comum o mesmo tipo de interpretação dos resultados: no primeiro
caso, a descoberta do núcleo e posteriormente de suas partículas cons-
tituintes (próton e nêutron); no segundo, a descoberta dos quarks como
os tijolos fundamentais para a construção da matéria. Além disto, apre-
sentamos outras partículas fundamentais da natureza, como os neutri-
nos e os chamados bósons de calibre. A contribuição de dois notáveis
físicos brasileiros ao tema foi também rapidamente apresentada.

20
2 O Núcleo Atômico
2 O Núcleo Atômico

Neste capítulo discutiremos algumas propriedades do núcleo


atômico, como a massa, suas dimensões, densidade, e como
é possível obter experimentalmente tais propriedades. Além
disso, também iremos apresentar e discutir uma das mais
importantes manifestações do núcleo, a Radioatividade, a
qual é vista em suas formas historicamente mais importan-
tes, assim como os fenômenos de fissão e fusão nuclear.

2.1 Composição e propriedades gerais

Neste Capítulo apresentaremos e discutiremos algumas propriedades


e características do núcleo atômico, supondo que seus constituintes
fundamentais sejam o próton e o nêutron. Costuma-se chamar estas
duas partículas simplesmente de núcleons. É comum diferenciar o
próton e o nêutron por um número quântico inventado em analogia
ao spin e que é conhecido como isospin. Tal número quântico, no
1
caso dos núcleons, é definido como sendo I= e possui duas pro-
2
jeções possíveis (lembrando mais um vez da analogia com o spin do
elétron):
1
I3 = + → próton e Como o conceito de isospin
2
pode ser estendido a
1 outras partículas, vamos
I 3 = − → nêutron . deixar esta discussão
2
mais detalhada para
quando formos apresentar
Assim, a diferença entre os dois tipos de núcleons fica estabelecida o Modelo Padrão das
pela projeção de seu isospin, de maneira análoga a dois elétrons no partículas elementares.
mesmo orbital quântico de um átomo, que ficam diferenciados pela
sua projeção de spin. Podemos associar o isospin à carga do núcleon,
assim como a outras propriedades.

Na verdade, a forma que usamos para descrever um núcleo depende


basicamente da faixa de energia em que o fenômeno estudado ocorre,
ou seja, como o núcleo atômico é investigado principalmente através
de sua interação com outras partículas de dimensões semelhantes ou

O Núcleo Atômico 23
ainda menores. Dependendo da energia destas partículas, os detalhes
da estrutura nuclear se revelam de forma mais ou menos detalhada.
Para energias da ordem de alguns poucos milhões de elétron-volts
( eV ), é suficiente uma descrição baseada nestes dois tipos de partí-
culas apenas. Se aumentarmos esta faixa de energia de aproxima-
damente cem vezes, graus de liberdade associados ao aparecimento
de mésons podem começar a ficar importantes; e, se subirmos ainda
mais em energia (de um fator 1000 ou mais) teremos que recorrer
provavelmente a uma estrutura mais fundamental, como a dos qua-
rks, dos quais falaremos mais adiante.

Inicialmente, vamos definir algumas ordens de grandeza caracterís-


ticas. O raio nuclear é uma grandeza bem conhecida atualmente e
−13
seu valor varia entre aproximadamente 2 e 6 × 10 cm . Costuma-se
definir a quantidade:
1×10−13 cm = 1 fm( fermi ) .

Por outro lado, as energias envolvidas na maior parte dos processos


que ocorrem dentro do núcleo é da ordem de alguns MeV , em que:
1MeV = 106 eV ≈ 1, 6 ×10−13 J .

Assim, pode-se dizer que o núcleo é cerca de 1000 vezes menor que
um átomo, enquanto que a energia associada ao primeiro é um mi-
No entanto, unidades lhão de vezes maior. Outro dado importante é a massa dos constituin-
como cm e g, embora nos
dêem uma idéia de ordem tes nucleares. O próton e o nêutron têm uma massa bem parecida, da
de grandeza quando ordem de 10 -24 g. Por exemplo, é muitas vezes conveniente expressar
comparamos a dimensões a massa em termos de seu equivalente em energia ou energia de re-
do nosso dia-a-dia, não 2
pouso usando a conhecida relação massa-energia E = mc , sendo c
são muito úteis na escala
nuclear. a velocidade da luz no vácuo. Daqui em diante usaremos os termos
“massa e energia de repouso” de forma indistinta. Desta forma, temos
os valores 939,566 MeV e 938, 272 MeV para as massas de repouso
respectivamente do nêutron e do próton. Uma outra forma comum
de expressar as massas do próton e do nêutron é através da unidade
Claro que esta é uma
estimativa bastante de massa atômica ( u.m.a. ou simplesmente u ), cujo equivalente em
grosseira, e cálculos mais energia é 1u = 931, 494 MeV . Estes valores podem ser empregados
elaborados mostram que para uma estimativa da velocidade de um núcleon dentro do núcleo,
a energia cinética média
ou seja:
de um núcleon dentro
do núcleo chega a ser de
2T 2Tc 2 2 ×1
aproximadamente v= = 2
=c ,
20 MeV. m mc 939
onde T = 1MeV é a energia cinética. Portanto,
v
≈ 0, 05 .
c

24
Isto significa que podemos, em primeira aproximação, tratar seu mo-
vimento sem fazer uso das chamadas correções relativísticas. Ainda
usando estes dados, pode-se calcular o chamado comprimento de
onda de de Broglie associado ao núcleon, o qual é dado por:
h hc
= = ,
mv 2mc 2T
onde h é a constante de Planck. Utilizamos acima a constan-
te hc = 1240MeV.fm. Tomando ainda nossa melhor estimativa para a
energia cinética do núcleon como sendo 20 MeV , temos finalmente Usamos unidades de MeV
para a energia e fm para
que  ≈ 6,5 fm . Mas este número é bastante próximo de um raio nu-
distância.
clear típico. Agora, sabemos que uma condição para que os efeitos
quânticos sejam importantes na descrição do movimento de um sis-
tema é que o comprimento de onda de de Broglie associado às partí-
culas que formam este sistema seja da mesma ordem que as dimen-
sões do mesmo. Assim, concluímos que o núcleo é um objeto cuja
estrutura deve ser obtida a partir dos princípios básicos estabelecidos
pela Mecânica Quântica.

A melhor oportunidade que temos de observar a estrutura de um ob-


jeto microscópico como o núcleo é através de experimentos de espa-
lhamento, do tipo utilizado no trabalho pioneiro de Rutherford. A idéia
consiste em preparar um feixe de partículas com energia conhecida,
as quais podem ser facilmente aceleradas se as mesmas possuírem
carga elétrica (como a partícula  ou um elétron). Tal feixe incide
sobre um alvo conhecido e mede-se, então, a razão entre o número
de partículas espalhadas por unidade de tempo em uma dada direção
e o fluxo de partículas incidentes. Isto é o que chamamos de secção Foi esta a técnica usada
por Rutherford e que o
de choque diferencial ou simplesmente secção de choque. A secção levou à conclusão da
de choque pode, por sua vez, ser calculada usando técnicas dadas existência do núcleo,
pela Mecânica Quântica, utilizando-se de algum tipo de modelo para já que ele sabia como
descrever o alvo (no caso, o núcleo) ou pode ser escrita em termos de obter a secção de choque
teórica a partir da colisão
alguns parâmetros fisicamente escolhidos, os quais são, então, ajus- entre duas partículas
tados para reproduzir a secção de choque experimental. eletricamente carregadas.

O Núcleo Atômico 25
Ver por exemplo Mecânica,

À
Curso de Física de Berkeley,
vol 1, em problemas do época de Rutherford, a secção de choque era cal-
Capítulo 15. culada usando Mecânica Clássica, porém os expe-
rimentos mais modernos precisam ser interpretados à
luz de cálculos usando os princípios da Mecânica Quân-
Obtida do espalhamento tica. Curiosamente, a chamada secção de choque de
entre duas partículas Rutherford fornece exatamente o mesmo resultado se
eletricamente carregadas e
que interagem através da usarmos Mecânica Clássica ou Quântica para obtê-la, e
força de Coulomb. assim a interpretação original de Rutherford estava rigo-
rosamente correta.

Naquele caso, a energia da era da ordem de alguns poucos MeV ,


ou seja, um comprimento de onda de de Broglie em torno de 6 a 7 fm .
Se queremos no entanto saber mais do que simplesmente a existência
ou tamanho aproximado do núcleo, devemos diminuir o comprimento
de de Broglie, ou seja, aumentar a energia do feixe incidente de forma
que  seja ainda menor que as dimensões do sistema estudado. Tudo
funciona como no caso de uma onda eletromagnética (luz visível, por
exemplo) incidindo sobre uma fenda. Se o comprimento de onda for
muito maior que as dimensões da fenda, os efeitos de difração (espa-
lhamento) serão imperceptíveis ao observador. Se tal comprimento de
onda, porém, tiver as dimensões da fenda, a difração será facilmente
observada, e, se diminuirmos ainda mais o comprimento de onda,
poderemos ser capazes de reconstruir os detalhes da fenda, como sua
forma por exemplo.

Exemplo 1: Qual deve ser a energia de um elétron se quisermos es-


tudar a estrutura interna de um próton através do espalhamento entre
ambos?

Para tentar responder esta pergunta, vamos reformulá-la: qual a ener-


Ver o site www.jlab.org gia a que um elétron pode ser acelerado com a tecnologia atual? Nos
para mais detalhes. Estados Unidos existe um acelerador conhecido como Jefferson Lab
que pode acelerar elétrons a uma energia final de até 4GeV , ou seja,
4 bilhões de elétron-volts ( 1GeV = 109 eV ). A esta energia o elétron,
que possui massa de repouso de aproximadamente 0,5 MeV , viaja à
velocidade v  c . Portanto devemos escrever para a relação entre sua
energia e o momento p :

E 2 = ( pc) 2 + me c 2 ,
de onde obtemos:
pc  4000 MeV .

26
Para o comprimento de onda de de Broglie associado do elétron tere-
mos então:
h hc 1240
= = =  0,3 fm .
p pc 4000

I sto significa que elétrons a esta energia são sensíveis


a estruturas tão pequenas quanto algo da ordem de
0,3 fm. Já desde meados da década de 1950 sabia-se que
o próton é um objeto de raio aproximadamente igual a
0,5 fm. De fato, como comentamos na Introdução, a es-
trutura de quarks do próton foi detectada pela primeira
vez em um experimento de espalhamento de elétrons.
Atualmente esta continua sendo uma técnica bastante
útil para aprendermos a respeito da estrutura interna
do núcleon e outras partículas com dimensões seme-
lhantes.

Entre as décadas de 1960 a 1980 foi realizada uma série de experi-


mentos em que elétrons eram acelerados até atingirem energias da
ordem de centenas de MeV e então eram postos a colidir com vários
tipos de alvos, do Hidrogênio até o Chumbo. Pelas razões acima ex-
postas, nesta faixa de energia os elétrons “sentem” exclusivamente a
estrutura interna do núcleo, e uma análise cuidadosa das secções de
choque medidas neste tipo de processo levou à conclusão de que, ao
longo de toda a tabela periódica, a densidade nuclear média pratica-
mente não varia de núcleo para núcleo. Em outras palavras, se ten-
tamos aumentar o número de núcleons dentro do núcleo, seu volume
aumenta na mesma proporção, o que significa que o núcleo tem uma
compressibilidade muito baixa, se não nula. O valor encontrado para
3
esta densidade média foi  ≈ 0,153nucleons / fm . Para se ter uma
idéia, lembrando da massa de um núcleon em g e do fator de trans-
formação de fm para cm , chegamos a uma densidade cuja ordem
14 3
de grandeza é 10 g / cm . Se lembrarmos que a densidade média de
3
nosso planeta é de aproximadamente 5 g / cm , vemos que o núcleo é
um objeto extremamente denso, contendo partículas que interagem
fortemente entre si e, por esta razão, um sistema bastante complexo.

Cada uma das espécies nucleares (ou tipos diferentes de núcleos) co-
nhecidas, seja ela natural ou artificialmente produzida, é caracterizada
pelo número de nêutrons N e número de prótons (ou número atômico)
Z . Na verdade, costuma-se caracterizar a espécie nuclear pelo seu nú-

O Núcleo Atômico 27
mero Z e pela soma A = Z + N , também conhecida como número de
massa ou simplesmente número de núcleons. É possível encontrarmos
espécies nucleares com mesmo A porém Z diferentes, cujos núcleos
correspondentes são chamados de núcleos isóbaros. Por outro lado,
núcleos com mesmo Z e valores de A diferentes são chamados de isó-
topos. Embora não seja a única empregada na literatura, usaremos aqui
A
a notação X Z para indicar um certo tipo de núcleo (ou espécie nucle-
X representa o símbolo do elemento químico correspondente.
ar), onde
Podemos ainda usar simplesmente o par de números ( Z , A ). A figura 1.3
mostra as espécies nucleares conhecidas em função dos seus números
de prótons e nêutrons. Observe que à medida que o número de núcleons
aumenta existe uma tendência do número de nêutrons ficar progressi-
vamente maior que o número de prótons. Este fato se deve ao aumento
da repulsão coulombiana dentro do núcleo (devido ao aumento do nú-
mero de prótons), que passa então a competir com a interação nucle-
ar atrativa. Aliás, esta competição é em grande parte responsável por
fenômenos de instabilidade nuclear, como a instabilidade  e a fissão
Corresponde ao
decaimento ou nuclear. No entanto, esta não é a única razão para que várias espécies
transformação em nucleares sejam instáveis, fenômeno do qual falaremos a seguir.
outras espécies através
da emissão de certas
partículas.

Figura 2.1 (Fonte: Figura retirada do site www.nndc.bnl.gov)

A figura 2.1 apresenta espécies nucleares conhecidas, onde Z cresce na


vertical (de baixo para cima) e N cresce na horizontal (da esquerda para
a direita). Os pontos em preto representam os núcleos considerados es-
táveis e as demais tonalidades aqueles que são instáveis, sendo cada
tonalidade atribuída a uma determinada faixa de instabilidade (tempo
médio de vida do núcleo).

28
2.2 Radioatividade A radioatividade consiste
em um fenômeno no
Pode-se dizer que o estudo do decaimento radioativo de alguns ele- qual o núcleo emite
mentos pesados (como o Urânio) corresponde ao nascimento da Física partículas provenientes
de sua estrutura original
Nuclear. Por razões históricas costuma-se classificar a radioatividade
ou que são criadas
em três tipos principais, conhecidos como radioatividade  ,  e  . por algum tipo de
No entanto, em muitos processos de decaimento radioativo importan- transformação ocorrida
tes ocorre emissão de outras partículas como prótons, nêutrons e até nesta estrutura.
mesmo partículas mais pesadas, como núcleos leves. Neste ponto, de-
ve-se distinguir o que se costuma chamar na literatura de núcleos leves
( A < 20 ), núcleos médios ( 20 < A < 70 ) e núcleos pesados ( A > 70 ).
Núcleos de elementos com Z > 92 são chamados de transurânicos,
tendo-se até o momento conhecimento de núcleos com Z ≈ 115 , al-
guns dos quais são produzidos artificialmente em laboratório.

A radioatividade é um fenômeno nuclear bastante es-


tudado e tem hoje em dia uma série de aplicações
(industriais, médicas, geração de energia etc..), porém não
é nosso objetivo aqui dar ênfase a tais aplicações e sim
dar uma idéia de como e por que ocorre o fenômeno.

Assim, seguiremos a ordem histórica e discutiremos os três tipos de


radiações citadas acima, até porque outros efeitos radioativos podem
ser compreendidos a partir destes três.

Radioatividade  : Como vimos, o núcleo é um sistema quântico, ou


seja, deve ser descrito pelas leis da Mecânica Quântica. Isto significa
que os estados ligados do sistema possuem um espectro discreto de
energia. Assim, se o núcleo sofrer algum tipo de perturbação externa
(com a energia “correta”), ele pode ser excitado a algum de seus es-
tados possíveis. No entanto, o tempo de vida do sistema neste estado
excitado é limitado e o mesmo acaba por decair para estados de me-
nor energia e eventualmente para seu estado fundamental. Ao fazer
isto, o núcleo pode emitir (ver figura 2.2) o excesso de energia adqui-
rida em forma de energia eletromagnética: isto é o que chamamos
de radiação  .

O Núcleo Atômico 29
N a verdade, é o mesmo processo que ocorre na emis-
são dos chamados raios X (energia na faixa de eV ),
no caso atômico. Só que agora, como as energias estão
na faixa de MeV, a freqüência da radiação é correspon-
dentemente muito maior.

Um determinado núcleo pode emitir radiação  indo desde algumas


poucas centenas de keV até dezenas de MeV . Os valores exatos das
energias emitidas dependem da estrutura interna do núcleo.
A estrutura interna do
núcleo, como dissemos
anteriormente, é um (raio gama)
intrincado sistema de
grande densidade de Decaimento fóton
prótons e nêutrons Gama
interagindo através de Dy
152 152
66
Dy
66
uma força forte.
Antes Depois

Figura 2.2: Emissão de radiação γ por um núcleo em um estado excitado.

Radioatividade  : Uma partícula  nada mais é do que um núcleo


4
de He2 , o qual é emitido por um núcleo mais pesado. O processo
pode ser genericamente representado pela reação nuclear:
A A− 4
XZ → YZ − 2 + 4 He2 .

Mas por que razão um determinado núcleo emite, muitas vezes de


forma espontânea, um núcleo de Hélio? Para respondermos comple-
tamente a esta pergunta temos que novamente nos reportar à es-
trutura interna detalhada dos núcleos X e Y . No entanto, podemos
entender como a emissão  deve ocorrer, usando um modelo simples
e que leva em conta as características básicas das forças nuclear e
eletromagnética.

(partícula alfa)

Decaimento 4
He
Alfa 2
263
106
Sg
259
104
Rf

Antes Depois

Figura 2.3: Exemplo de decaimento alfa no núcleo.

30
Antes de mais nada devemos definir o valor Q de uma reação
como sendo a diferença entre a massa total dos reagentes e a
massa total dos produtos da reação. Na verdade, devemos entender
esta diferença de massa (ou seu equivalente em energia) lembrando
sempre da relação massa-energia de Einstein. Se Q > 0 , uma parte da
massa das partículas iniciais do processo é transformada em energia,
a qual é em geral liberada em forma de energia cinética das partí-
culas finais. Se por outro lado Q < 0 , uma parte da massa é agora
transformada em energia que é então absorvida para a formação dos
produtos finais. Por esta razão, é preferível definir o valor Q em ter-
mos da energia de repouso dos participantes da reação. Desta forma,
na reação de decaimento  representada acima, o chamado valor Q
da mesma deve ser positivo para que o processo possa ocorrer espon-
taneamente, ou seja,
Q = ( M X − M Y − M a )c 2 ,
onde M a representa a massa nuclear correspondente. Podemos
agora pensar no núcleo X (também chamado de núcleo pai no
decaimento) como sendo originalmente formado por duas partes
que interagem entre si: o núcleo Y ( ou núcleo filho) e a partí-
cula  . Sabemos que a pequenas distâncias entre as duas par-
tes (alguns poucos fermis) a força nuclear domina, porém a partir
de distâncias pouco maiores a força forte vai rapidamente a zero
e apenas a repulsão coulombiana entre as partes existe. A figura
É importante
2.4 ilustra esquematicamente este comportamento para o poten-
estabelecermos aqui a
cial entre o núcleo Y e a  . Podemos pensar neste como sendo o diferença entre meia-vida
 sente na presença do núcleo filho. Su-
potencial que a partícula e vida-média. Imagine
ponha agora que a  tenha uma energia cinética igual a | Q + V0 |, que se queira acompanhar
um grupo de pessoas
onde V0 representa a profundidade do poço de potencial nuclear.
nascidas no mesmo dia.
Classicamente ela pode então estar nas regiões a ou c mostradas Diremos que a vida-média
na figura 2.4, mas não pode passar de uma região para outra. De do grupo corresponde
acordo com a Mecânica Quântica no entanto existe uma probabi- à média aritmética da
idade que estas pessoas
lidade de “vazamento” ou “tunelamento” através da região b . Na
atingem até sua morte.
verdade, esta possibilidade nos diz que, mesmo que a  tenha a Já a meia-vida é o tempo
energia cinética correta, ou seja, o valor Q seja positivo, a emissão que se passou para
da mesma por um núcleo não é imediata, e o quão rápida ou lenta que metade do número
inicial de pessoas no
vai ser a emissão vai então depender da estrutura detalhada dos
grupo tenha morrido.
núcleos pai e filho. Por exemplo, cálculos elaborados mostram que Naturalmente, os conceitos
238
no caso do U 92 , um núcleo  -instável, a partícula  precisa em de meia-vida e vida-
média de 1021 tentativas por segundo, ou seja, atingir a “parede” média podem ser usados
21 9 tanto no decaimento α
da barreira de potencial 10 vezes por segundo durante 10 anos
como em outros processos
para escapar. Na prática é mais conveniente definir uma meia-vida radioativos.
para o núcleo  -instável, ou seja, dada uma amostra do material
radioativo, a meia-vida é o tempo para que metade do material ori-

O Núcleo Atômico 31
ginal decaia. Quanto maior a probabilidade de tunelamento, por-
tanto, menor será a meia-vida do elemento. Assim, para o caso do
Th90 a meia-vida para emissão  é de 4 ×1017 s , enquanto que
232

220
para o Th90 é de apenas 10−5 segundos.

V(r) (MeV)
40
30
20 a c
b
Q 10

0
-10
-20
-30

Vo -40
-50
0 10 20 30 40
r (fm)

Figura 2.4: Modelo para o potencial entre o núcleo-filho e uma partícula α.

Na figura 2.4, o valor Q foi escolhido arbitrariamente em 10 MeV e


V0 = -40 MeV, o qual é um valor médio para a profundidade do poten-
cial nuclear dentro do núcleo.

Partícula cuja existência Radioatividade  : Como dissemos na Introdução, a radioatividade 


foi proposta para “salvar” foi de extrema importância para a descoberta do neutrino. Esta idéia evo-
as principais leis de luiu posteriormente para uma teoria baseada na existência de uma quarta
conservação da Física. força fundamental da natureza, batizada de força fraca. Assim, a emissão
da radiação  pelo núcleo, embora ocorra com a participação de prótons
e nêutrons, não tem sua origem na mesma força que mantém os núcleons
ligados no núcleo. São três as principais reações neste caso:
n → p + e − + e , − − − −  −
p → n + e+ + e , − − − −  +
p + e − → n + e , − − − − CE


Assim, a chamada radiação  ocorre graças à transformação de
Você verificará mais um nêutron em um próton dentro do núcleo e a conseqüente emis-
adiante, que existem
são de um elétron e um antineutrino (antipartícula do neutrino  e ).
outros dois tipos de
neutrinos. Note que o sub-índice e está sendo usado para designar o neutrino
+
do elétron. Já a radiação  ocorre devido à transformação de um
próton em um nêutron com a emissão de um pósitron acompanhada

32
de um neutrino. Observe que do ponto de vista energético, o segundo
processo não é favorecido pois o nêutron tem uma massa ligeiramen- Lembre da definição do Q
te maior que o próton. No entanto, se o núcleo como um todo adquirir da reação.
uma configuração mais estável após o decaimento, o processo será
energeticamente possível. Finalmente, a terceira reação mostrada é o
que chamamos de captura de elétrons ( CE ), onde um elétron atômico
é capturado por um próton nuclear, transformando-se em um nêutron
através da interação fraca.

É importante observar aqui que o fato do elétron (pósitron) aparecer


como um produto do decaimento NÃO significa que existam elétrons
(pósitrons) dentro do núcleo! Na verdade eles são criados no processo
graças à intervenção da interação fraca, responsável pelo decaimen-
to. O mesmo ocorre com os neutrinos (antineutrinos). A possibilidade
de criação ou aniquilação de uma partícula (como ocorre com o elé-
tron na CE ), durante a interação entre partículas, é hoje um processo
bem estabelecido tanto teórica como experimentalmente.

Uma vez que no decaimento  sempre ocorre a transformação de um


próton em um nêutron ou vice-versa, pode-se observar uma série de
decaimentos deste tipo entre núcleos isóbaros entre si. Desta forma, Pois, embora Z mude no
decaimento, A permanece
dada uma certa família de isóbaros, apenas um ou dois deles em geral fixo.
serão estáveis contra decaimento  .

ve
14
C Beta - e-
6 14
7
N
(elétron)

ve
18
F Beta + e+
9 18
8O
(pósitron)

Antes Depois
Figura 2.5: Exemplos de decaimento beta no núcleo.

Novamente vale lembrar que também neste tipo de decaimento o nú-


cleo  instável apresenta uma meia-vida, a qual será mais ou menos
longa, dependendo de sua estrutura, embora o modelo usado no caso
do decaimento  não possa ser usado aqui, uma vez que o processo
agora decorre da interação fraca.

O Núcleo Atômico 33
135 135
Exemplo 2: Considere o par de núcleos isóbaros Cs55 e Ba56 .
Que tipo(s) de decaimento  pode(m) ocorrer entre eles?

Decaimento β entre dois isóbaros do tipo Z → Z + 1 corresponde ao


Tabelas de massa atômica decaimento  + , enquanto se for do tipo Z → Z − 1 , poderá ser  − ou
podem ser encontradas CE . Para decidir qual deles ocorre neste caso, temos que obter o Q
em alguns dos textos na
Bibliografia ou em vários do decaimento, ou seja, as massas atômicas dos elementos acima.
sites específicos (ver por Encontramos neste caso os valores 134,905977u e 134,905688u
135 135
exemplo www.nndc. respectivamente para o Cs55 e Ba56 . Desta forma vemos que o
bnl.gov). valor Q só poderá ser positivo e, assim, o decaimento ocorrer, se for
do tipo Z → Z + 1 . A reação pode, então, ser representada por:
Cs55 → 135 Ba56 + e − + e .
135

Note-se, no entanto, que esta é uma reação envolvendo dois núcleos,


e o que temos são as massas atômicas correspondentes. Poderíamos,
em primeira aproximação, simplesmente desconsiderar os elétrons, já
que sua massa é muito menor que a dos núcleons. Podemos, entre-
tanto, fazer uma aproximação um pouco melhor escrevendo:
M ( Z , A) = M A ( Z , A) − M e ( Z ) ,
onde M A ( Z , A), M e ( Z ) correspondem às massas atômica e dos elé-
trons no átomo respectivamente. Assim, obtemos para o valor Q da
reação acima:
Q = [M A (55,135) − M e (55) ]c 2 − [M A (56,135) − M e (56) + me ]c 2 ,
onde a massa do (anti) neutrino foi desprezada. Obtemos assim:
Q = [M A (55,135) ]c 2 − [M A (56,135) ]c 2
Q = [134,905977 − 134,905688]× 931, 479  0, 269 MeV ,
onde o fator de transformação 1u = 931, 479 MeV foi mais uma vez
usado.

S ugerimos agora que você procure no site da web


www.nndc.bnl.gov, o link “Q-value Calculator” para
obter o valor Q do decaimento acima e comparar com o
valor aqui obtido. Que aproximação foi feita no cálculo
acima?

34
2.3 Fissão e Fusão Nuclear

Se somarmos as massas de todos os núcleons constituintes de um


A
dado núcleo X Z , o valor obtido não será igual à massa medida para Podemos nesta discussão
este núcleo, ou seja: desprezar a massa
M ( Z , A) ≠ Z × m p + N × mn . dos elétrons que é
aproximadamente 2000
vezes menor que a massa
12
Por exemplo, considere o C6 . Por definição este elemento possui do núcleon.
12 , na chamada unidade de massa atômica (u). Nesta
massa igual a
mesma unidade m p = 1, 0078u e mn = 1, 0087u e assim a massa de Note que o equivalente em
energia a 1 u é
6 prótons mais 6 nêutrons é maior que a massa de um núcleo 931,494 MeV.
com este mesmo número de prótons e nêutrons. Para onde foi a
diferença?

A explicação está no princípio de equivalência massa-energia ( dado


2
pela equação E = mc ). Uma parte da massa dos constituintes é usada
para manter os núcleons dentro do núcleo, ou seja, o que chamamos
de energia de ligação do núcleo. Vamos então analisar o comporta-
mento médio da massa nuclear ao longo da tabela periódica. Isto está
mostrado na figura 2.6, onde temos a massa dividida pelo número
de núcleons A , como função de A . Observe que esta curva tem um
mínimo na região de A ≈ 60 , correspondente aos isótopos de ferro.
Agora, quanto menor a razão massa / núcleon , maior a quantidade de
massa que foi transformada em energia de ligação, o que significa que
o mínimo da curva corresponde a sistemas mais fortemente ligados
56
ou mais estáveis. De fato, o Fe26 é o elemento natural mais estável
que conhecemos.

56
Exemplo 3: Vamos obter a energia de ligação do núcleo de Fe26 .

Novamente consultamos uma tabela de massas atômicas e obtemos


M (26,56) = 55,934937 u . Como queremos calcular a energia de li-
gação do núcleo e não do átomo de ferro, gostaríamos de ter uma
relação entre a energia de ligação do núcleo e a massa do átomo.
Para isto podemos imaginar que nosso átomo seja composto por Z
átomos de Hidrogênio (e assim levamos em consideração os prótons
e os elétrons) além dos nêutrons, ou seja:
M ( Z , A)c 2 = Z × M (1,1)c 2 + ( A − Z ) × mn c 2 − B ( Z , A),
onde denotamos por B ( Z , A) a energia de ligação do núcleo com Z
prótons e ( A − Z ) nêutrons. Mas da tabela de massas sabemos que
M H = M (1,1) = 1,00782503u e mn = 1,00866491u . Transformando as
massas em seu equivalente em energia através do fator de transformação
já bem familiar e aplicando a fórmula acima para nosso caso, obtemos:

O Núcleo Atômico 35
B (26,56) = (−55,93494 + 26 ×1, 00782503 + 30 ×1, 00866491) × 931,479
B(26,56)=492,219MeV.

Se consultarmos novamente o site www.nndc.bnl.gov, encontraremos


56
uma tabela para as energias de ligação, e para o Fe26 encontraremos
o valor 492, 258 MeV . Na verdade, ao usar a fórmula anterior nossa
única aproximação foi supor que um átomo de Z elétrons equivale a
Z átomos de Hidrogênio, o que não é verdade, já que os elétrons inte-
ragem entre si, além de interagir com todos os prótons do núcleo. No
entanto, como a energia dos elétrons é da ordem de alguns elétrons-
volts apenas, este efeito é quase imperceptível na obtenção da energia
de ligação do núcleo, que é da ordem de milhões de elétron-volts!

É interessante observarmos o comportamento da razão entre a energia


de ligação e o número de núcleons no núcleo A . Embora este número
varie pouco para a maioria do núcleos (exceto núcleos leves), uma obser-
vação cuidadosa revela que este número é maior na região de A ≈ 60 ,
56
em particular, atingindo seu valor máximo para o núcleo de Fe26 .

A partir do mínimo da curva mostrada na figura 2.6, concluímos ain-


da que, quando nos movemos tanto para a região de núcleos mais
M ( Z , A)
leves quanto para núcleos mais pesados, a razão aumenta,
A
ou seja, os núcleos tornam-se menos estáveis. Desta forma, se dois
núcleos leves reagem para formar um núcleo mais pesado (cujo valor
de A não ultrapassa o mínimo da curva), este último tende a ser mais
estável e deve portanto ocorrer uma liberação de energia no proces-
so. Este é o princípio do que chamamos de Fusão Nuclear, a qual está
esquematizada na figura (2.7). Por outro lado, se um núcleo pesado,
na região de A ≈ 200 , se romper em dois fragmentos com A na faixa
de 100 aproximadamente (ver figura 2.7), também haverá uma libera-
ção de energia, pois os produtos estarão mais próximos do mínimo da
curva em 2.6. Neste caso, dizemos que houve uma Fissão Nuclear.

36
1,0030

1,0025

1,0020

1,0015
M/A (u)

1,0010

1,0005

1,0000

0,9995

0,9990
0 50 100 150 200 250
A

Figura 2.6: Comportamento da razão massa atômica


por núcleon ao longo da tabela periódica.

Observe que os pontos representam alguns valores experimentais es-


colhidos para ilustrar o comportamento.

Fissão Fusão

H
2 H
2

235
U

3
He
200 MeV 3.2 MeV
93
Rb
140
Cs

Nêutron Próton

Figura 2.7: Ilustração dos processos de fissão (figura à esquerda) e fusão nuclear.

O Núcleo Atômico 37
A pesar da simplicidade do raciocínio apresentado
para explicar tanto a fusão quanto a fissão, não
podemos achar que isto explica tudo, pois, se assim
fosse, rapidamente todos os núcleos leves se fundiriam
até se transformarem em ferro, assim como os pesados,
através de processos de fissão, também o fariam. No en-
tanto, estes dois tipos importantes de reações nucleares
são fortemente atenuados em condições normais (con-
dições na superfície de nosso planeta por exemplo).

Para entender melhor o problema, suponha que queremos fazer dois


núcleos colidirem entre si para formar um sistema composto e, assim,
20
um novo núcleo. Seja o exemplo de dois núcleos de Ne10 , cuja rea-
ção de fusão pode ser esquematizada como:
20
Ne10 + 20 Ne10 → 40Ca20 ,

Podemos calcular o valor Q desta reação, ou seja:


Q = 2 × M (10, 20)c − M (20, 40)c 2 = 20, 7 MeV ,
2

com o auxílio de uma tabela de massas atômicas e novamente do


princípio de equivalência massa-energia. Isto significa que esta rea-
ção, ao ocorrer, libera uma energia de pouco mais de 20 MeV ! O Ne
apresenta-se normalmente em forma de um gás, e para fazermos os
núcleos dos átomos que formam este gás se aproximarem (para que
a força nuclear entre eles se torne efetiva o suficiente para mantê-los
ligados) é necessário vencer primeiro a repulsão coulombiana entre
eles, a qual é dada por:
Z1Z 2 e 2
ER = ,
4 0 R
onde, no caso Z1 = Z 2 = 10 e podemos aproximar R por duas vezes o
raio do núcleo, ou seja, na situação em que ambos estão em “contato”
um com o outro. Usando os valores conhecidos das constantes e o
raio deste núcleo como sendo 3 fm , obtemos o valor ER = 21.2 MeV .
Agora, para se ter uma idéia do que esta energia de repulsão significa,
igualemos a energia cinética média por molécula do gás (no caso do
neônio, o próprio átomo) à energia correspondente à metade do valor
acima. Este, por sua vez, pode ser igualado à energia cinética média
por partícula de um gás à temperatura T , ou seja:
3 1
kT = × 21.2 MeV ,
2 2

38
o que nos dá kT ≈ 7 MeV . Por outro lado, à temperatura ambiente
sabemos que kTA = 0, 025eV e, assim, obtemos,
kT 7 ×106
= −2
⇒ T ≈ 1011 K ,
kTA 2.5 ×10
onde TA = 300 K . Para vencer a barreira coulombiana, então, o gás
de neônio deveria estar a uma temperatura altíssima. Na verdade, a
situação não é tão desanimadora quanto parece, uma vez que mesmo
não tendo uma energia cinética suficiente para ultrapassar a barreira,
existe uma probabilidade do sistema “tunelar” através dela de forma
equivalente ao que ocorre na emissão  , só que agora no sentido
contrário. Mesmo assim, se considerarmos a fusão de dois núcleos de
Hidrogênio (próton) para formar deutério abaixo da barreira (a altura
da barreira é bem menor nesse caso), a energia cinética média por
partícula deve ser da ordem de ≈ 10KeV ( 1KeV = 1000eV ), o que sig-
nifica uma temperatura aproximada de 80 milhões de graus Celsius .
A reação neste caso é a seguinte:
p + p → 2 H1 + e + +  .

Deve-se notar a importância da interação fraca na fusão acima. Em-


bora o processo se dê através de uma competição entre força forte
e força eletromagnética, um sistema de dois prótons não consegue
formar um estado ligado e assim um deles se transforma em nêu-
+
tron com a concomitante emissão de um pósitron (radiação  ) e
um neutrino. A reação acima é na verdade o início de uma cadeia de
reações de fusão que ocorre no interior de estrelas, como o Sol, a par-
tir da qual outras reações passam a ocorrer formando núcleos mais
8
pesados até o Be4 . Neste caso chamamos a cadeia de Ciclo Solar do
tipo p − p . Existem outras, como a do Ciclo do Carbono, a partir da
qual os elementos mais pesados vão se formando. Este fenômeno é
também conhecido como nucleossíntese.
Voltaremos a falar um
pouco mais sobre tais
cadeias (ou ciclos) no
último capítulo.

O Núcleo Atômico 39
A fusão nuclear é, na realidade, a grande fonte de
geração de energia de uma estrela. Vale também
ressaltar o papel dos neutrinos nas reações do tipo apre-
sentado anteriormente, uma vez que, ao ocorrerem no
interior das estrelas, o único dos seus produtos que tem
grande probabilidade de delas escapar é o neutrino já
Dizemos que a secção que ele interage muito fracamente com a matéria. Pode-
de choque do neutrino
se então, a partir da observação de neutrinos que che-
é muito pequena,
comparada à de outras gam ao nosso planeta, aprender muito do que ocorre em
partículas. uma estrela. No entanto, dada a dificuldade de detecção
do neutrino, são necessários detectores extremamente
sofisticados, montados em locais e sob condições mui-
to especiais, além de um tempo considerável de obser-
vação para que se tenha uma informação confiável. No
caso dos neutrinos solares, algumas observações im-
portantes foram feitas nessa linha, durante décadas.

Mas se a nucleossíntese ocorre na natureza a partir de núcleos de


H , passando por elementos mais pesados até isótopos do Fe (os
mais estáveis), como são formados os núcleos mais pesados que este
último? A principal reação neste caso é o que chamamos captura de
nêutrons, ilustrada abaixo para três isótopos do Fe , com a concomi-
tante emissão de radiação :
56 57
Fe + n → Fe + 
57
Fe + n → 58 Fe + 
58
Fe + n → 59 Fe + 

Chega o momento, no entanto, em que o número de nêutrons aumen-


ta muito dentro do núcleo e o sistema prefere (por balanço energético)

emitir radiação  , transformando nêutron em próton e, assim, au-
mentar o número atômico de uma unidade, como por exemplo:
59
Fe28 → 59Co29 + e − +  .

A qual ocorre
A seqüência de reações do tipo mostrado acima ilustra então a forma-
principalmente para
núcleos na região do ção dos núcleos mais pesados.
urânio (A » 200 ou
mais). Voltando agora ao caso da fissão, podemos usar um modelo seme-
lhante à emissão da partícula  , com a diferença de que agora os dois
fragmentos, após a emissão, têm mais ou menos o mesmo tamanho.
Ainda, enquanto na emissão  de um núcleo pesado é emitida uma

40
energia de alguns poucos MeV , na fissão de um núcleo na mesma re-
gião de A , a energia emitida por reação chega a centenas de MeV . A
fissão, por sua vez, pode ser induzida pela captura de nêutrons lentos
(nêutrons cuja energia cinética é de poucos KeV ), por um isótopo de
um dado elemento, o qual então se transforma em outro que se fissio-
na imediatamente. É o caso da reação de fissão induzida:
n + 235U → 236
U → 93 Rb + 141Cs + 2n .

Note que 2 nêutrons são produzidos após a fissão, os quais podem


realimentar o processo se tivermos uma amostra do isótopo usado
235
para capturar o nêutron (no caso acima o U ). Uma reação seme-
238
lhante à mostrada acima poderia ser obtida com o isótopo U , po-
rém, nesse caso, o nêutron teria que ser o que chamamos de nêutron
rápido (energia cinética da ordem de alguns MeV ) para que a fissão
fosse alcançada. A razão para esta diferença entre os dois isótopos Para mais detalhes sobre
está nos detalhes da estrutura interna de cada um deles, cujo estudo alguns aspectos da fissão
foge dos objetivos deste texto e faz parte de um ramo da Física Nu- nuclear, recomendamos
clear conhecido como Estrutura Nuclear. Do ponto de vista de produ- o site http://www.ipen.
br/scs/ipen-cidadao/
ção de energia a partir da fissão, usando urânio como combustível, o perguntas-respostas/
235
isótopo U é preferível uma vez que a fissão induzida por nêutrons reatores.html.
238
requer menor energia do que no caso do U .
Alguns reatores de fusão
Os processos de fusão e de fissão nuclear têm grande interesse na já funcionam em fase
geração de energia em larga escala e para o consumo geral da popu- experimental (ver por
lação, porém somente a fissão é no momento economicamente viável exemplo os sites http://
astro.if.ufrgs.br/estrelas/
e utilizada como fonte de energia através da construção dos chama- node10.htm e http://www.
dos reatores de fissão. No caso da fusão, o grande problema é ainda ufsm.br/gef/FNfunu.htm).
como manter o combustível a uma temperatura altíssima por tempo
suficiente para gerar uma quantidade razoável de reações de fusão. Geralmente em forma de
gás.

Exemplo 4: Considere a energia liberada na fusão de 1g de deutério


e trítio. Por quanto tempo esta energia seria suficiente para manter
uma lâmpada de 100w de potência acesa? Qual o ganho de energia
se o processo de fusão só ocorre a uma temperatura aproximada de
100 milhões de graus Celsius ( 1×108 0C )?

Antes de mais nada, devemos calcular a energia liberada na reação de


fusão entre deutério e trítio, ou seja:
2
H1 + 3 H1 → 4 He2 + n .

Nesta reação, o deutério e o trítio se “fundem” para formar o núcleo


de Hélio (partícula  ), que é um núcleo bastante estável, liberando
ainda um nêutron. Usando novamente tabelas de massas atômicas e

O Núcleo Atômico 41
as mesmas aproximações utilizadas em exemplos anteriores, pode-se
calcular o valor Q para esta reação e obter-se o valor Q = 17,59 MeV
(Sugerimos que você encontre este valor).

Para simplificar, vamos supor que metade da massa na amostra de 1g


seja de deutério e a outra metade de trítio. Ou seja, para encontrar o
número de átomos de cada tipo que reage, fazemos:

2 0,5
23
= ⇒ x = 1,5 × 1023 átomos de 2 H1 ,
6 × 10 x
3 0,5
23
= ⇒ y = 1, 0 ×1023 átomos de 3 H1 ,
6 ×10 x
onde usamos o valor 6 ×1023 para o número de Avogadro. Assim, a
energia total liberada é:
Q total = y × Q = 1, 0 ×1023 ×17, 6 MeV = 17, 6 ×1023 ×1, 6 ×10−13 J = 28,16 ×1010 J ,
em que, no último passo, usamos a relação entre MeV e J ( Joule) .
Para uma potência de 100 W , a energia acima fornece o tempo total t :
28,16 ×1010
t= = 0, 2816 ×1010 s  89anos
102

Mas se quisermos ter uma idéia do que isto realmente representa em


termos de ganho de energia, temos que considerar a energia gasta
para “queimar” este combustível. Como o deutério e o trítio devem
estar a cerca de 100 milhões de graus Celsius, a energia do gás cor-
respondente deve ser da ordem de:
3 3
E= NkT = × (1, 0 ×1023 ) × (1,38 ×10−23 ) × (1, 0 ×108 )  2 ×108 J .
2 2

Portanto, a razão entre a energia produzida e a energia gasta é:


Qtotal 28,16 ×1010
=  1500 .
E 2 ×108

42
Resumo
A partir de algumas propriedades nucleares gerais e bem conhecidas
experimentalmente, mostramos que o núcleo, constituído por pró-
tons e nêutrons, deve ser tratado como um sistema quântico e que
correções devidas à Relatividade Restrita podem ser desprezadas em
primeira aproximação. Vimos ainda, qualitativamente, como o “tune-
lamento” quântico pode explicar o comportamento do decaimento  ,
assim como os fenômenos de fissão e fusão nuclear. Alguns exemplos
numéricos envolvendo a relação entre massas nucleares e massas
atômicas e sua importância para o balanço energético de reações e
decaimentos nucleares foram apresentados.

O Núcleo Atômico 43
3 Física das Partículas Elementares:
Modelo Padrão
3 Física das Partículas Elementares:
Modelo Padrão

Neste capítulo iremos introduzir as idéias essenciais da


Física das partículas elementares e mostrar que através
de um pequeno número delas podemos compreender a
estrutura de toda a matéria observada no universo. Tam-
bém discutiremos de modo qualitativo como o conceito
de força é compreendido no contexto da Física Moderna e
mostraremos como certas leis de conservação podem nos
auxiliar em prever se uma dada reação deve ocorrer ou
não. Além disso, apresentaremos os princípios básicos do
funcionamento dos aceleradores de partículas.

3.1 Introdução

O conceito de constituinte fundamental ou elementar da matéria teve


uma evolução extraordinária desde a idéia do átomo indivisível do
grego Demócrito, que viveu por volta do ano 400 aA.C.,
.C até os dias
de hoje. No início do século XX eram conhecidos cerca de 100 ti-
pos diferentes de átomos, que eram considerados elementares. Como
discutimos na introdução, à medida que as técnicas experimentais Que começaram a ser
foram progredindo, em particular com o advento dos aceleradores de usados no lugar dos raios
partículas, começou a surgir um número imenso de partículas e, com cósmicos a partir dos anos
1950.
isto, adicionou-se aos poucos ingredientes fundamentais mais algu-
mas centenas deles e, portanto, a idéia de que os tijolos da natureza
eram bem conhecidos foi por água abaixo.

Neste ponto, vamos fazer uma breve contextualização histórica da


evolução das partículas elementares. Até 1932 só eram conhecidas
quatro partículas, consideradas elementares: o fóton, o elétron, o
próton e o nêutron, sendo que neste mesmo ano o pósitron foi des-
coberto. A partir das pesquisas baseadas essencialmente no estudo
dos raios cósmicos, em 1947 o número de partículas elementares ha-
-
via saltado para 14 , consistindo então do p, n, e , neutrino, muon e
suas respectivas antipartículas além do fóton e dos mésons 0 , + ,- .
Aparentemente tudo se encaixava do ponto de vista das observações
e das teorias existentes. No ano de 1947 traços estranhos apareceram
nas fotografias dos raios cósmicos e, em 1952, com a entrada em ope-

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 47


ração do acelerador “cosmotron” no Laboratório Nacional Brookha-
ven, Estados Unidos, ficou claro que várias outras partículas existiam.
Logo ficou evidente que as novas partículas que iam surgindo po-
diam ser divididas em dois grupos: partículas de spin zero, que foram
+ - 0 0
chamadas de kaons ( K , K , K , K ) , e partículas de spin semi-in-
teiro, que foram chamadas de híperons (Λ 0 , Σ + , Σ0 , Σ- , Ξ 0 , Ξ - , Ω- ) ,
sendo que todas interagiam por meio da força forte. Devido ao seu
comportamento inesperado, os Kaons e híperons foram chamados de
“estranhos”. Após várias tentativas, os físicos mostraram que a clas-
sificação de todas as partículas existentes podia ser feita com base
em duas propriedades, a saber: o spin e a susceptibilidade quanto
à interação forte. As partículas foram então classificadas em quatro
famílias.

a) Bárions: partículas que interagem pela força forte e que pos-


suem spin semi-inteiro.

b) Mésons: partículas que interagem pela força forte e que pos-


suem spin inteiro.

c) Léptons: partículas que não interagem por interação forte e pos-


suem spin semi-inteiro.

d) Bósons intermediários: partículas que não interagem por intera-


ção forte e possuem spin inteiro.

Até o início dos anos 1960, novas partículas foram descobertas e, no


ano de 1961, um novo modelo (eightfold way) foi proposto por Murray
Gell-Mann e Yuval Ne’eman para classificá-las. Este modelo abando-
nava a idéia de que os hádrons eram os blocos elementares de tudo.
O modelo era baseado na idéia de que os hádrons se dividiam em
famílias ou super-multipletos, em que os vários membros de uma
mesma família eram conectados por certas propriedades, como dis-
cutiremos com mais detalhes neste capítulo. Este modelo permitiu a
classificação dos vários hádrons conhecidos até o início da década de
1960, além de prever a existência de outros hádrons, que foram logo
sendo observados experimentalmente. Com o sucesso deste modelo,
a analogia com a tabela periódica de Mendeleev é imediata. Do mes-
mo modo que a tabela periódica sugeriu que os átomos deveriam ser
formados por constituintes fundamentais, o modelo de Gell-Mann-
Ne’eman era uma indicação de que o mesmo poderia ocorrer com
os hádrons. Nos anos 1960-1970, com o desenvolvimento de novas
facilidades experimentais, o número de partículas cresceu de maneira
assustadora.

48
A existência de centenas de novas partículas reforçou a idéia de que
essas partículas não poderiam ser elementares e, sim, deveriam ter
uma subestrutura que passou a ser procurada pelos físicos. A respos-
ta final para esta confusão inicial foi o modelo padrão, desenvolvido
nos anos 1970 e, hoje em dia, a teoria oficial das partículas elementa-
res. Os seus ingredientes básicos são: seis quarks, seis leptons, as res-
pectivas antipartículas e os bósons de calibre (  (fóton), g ( gluons),
Z e W ), interagindo através das forças fraca e eletromagnética que,
neste modelo, são descritas de forma unificada através da teoria ele-
tro-fraca e da força forte, como discutiremos melhor na seção Intera-
ções Fundamentais. Os quarks e léptons e os bósons de calibre são Não podem ser
imaginados como fundamentais ou elementares, no entanto, sob subdivididos em partes
certas condições podem ser criados ou destruídos. Neste capítulo va- menores.
mos discutir de um modo um pouco mais detalhado algumas proprie-
dades dessas partículas, como elas interagem entre si, e dar uma idéia
de como funcionam os aceleradores de partícula onde elas são detec-
tadas. A idéia fundamental é mostrar que a infinidade de partículas
que foram sendo observadas nos aceleradores e, a priori, imaginadas
como fundamentais, são de fato compostas por um pequeno número
de partículas genuinamente fundamentais, indivisíveis.

A seguir mostramos de forma ilustrativa os ingredientes do modelo


padrão:
Transportadores de Força

u c t γ
Quarks

d s b g

ve vµ vτ Z
Léptons

e µ τ W

I II III
As Três Gerações da Matéria

Figura 3.1: Partículas elementares do modelo padrão.

A todos os quarks e léptons temos os seus correspondentes antiqua-


Os detalhes referentes à
rks e antileptons. As quatro interações fundamentais conhecidas da tabela 3.1 serão discutidos
natureza são apresentadas na tabela a seguir: ao longo deste capítulo.

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 49


Intensi-
Bósons de
Tipo dade da Alcance Importância
calibre
força
Núcleo atô-
Força nu- 8 Gluons
~ 20 Curto mico,
clear forte (sem massa) partículas
Longo (lei
Força do inverso Átomos,
Fótons
eletromag- ~1 do qua- telecomunica-
(sem massa)
nética drado da ções
distância)
Bósons
Força nu- massivos Desintegração
~ 10-7 Curto
clear fraca Z0 ,W + ,W - beta
(pesados)

Longo (lei
Corpos celes-
do inverso
Força gra- Graviton tes, planetas,
~ 10-36 do qua-
vitacional (massa ?) estrelas, bura-
drado da
cos negros
distância)

Tabela 3.1: As forças da Natureza.

Observe que a comparação entre as intensidades é feita para dois pró-


tons dentro do núcleo, tomando por referência a força eletromagnética.

Iniciaremos o nosso estudo das partículas elementares a partir do


modelo de quarks, que foi desenvolvido nos anos 1960.

3.2 Modelo de quarks

Apresentamos a seguir uma tabela com algumas das propriedades


das partículas elementares do modelo de quarks. No decorrer deste
capítulo faremos uma discussão pormenorizada da definição e do sig-
nificado dessas propriedades.

50
Energia de
Carga Numero Ba- Isospin Estranhe-
Nome Símbolo Repouso I3
(Q ) riônico ( B ) (I ) za ( S )
( MeV )

Up u 5 +2 / 3 e 1/ 3 1/ 2 1/ 2 0
Down d 8 -1/ 3 e 1/ 3 1/ 2 −1/ 2 0
Charm c 1500 +2 / 3 e 1/ 3 0 0 0
Strange s 160 -1/ 3 e 1/ 3 0 0 −1
Top t 174000 +2 / 3 e 1/ 3 0 0 0
Bottom b 4200 -1/ 3 e 1/ 3 0 0 0
Tabela 3.2: Propriedades dos quarks.

Os seis quarks foram batizados por letras associadas a palavras in-


glesas, u (up), d (down), c (charm), s (strange), t (top) e b (bot-
tom), em que esses rótulos são chamados de sabor. Como a carga
do elétron foi tomada como referência, a carga do quark possui va-
lor fracionário, isto difere completamente do que havia sido obser-
vado até então para a carga elétrica de todas as partículas conheci-
das, que invariavelmente possuíam um número inteiro. Assim, carga
fracionária é uma característica peculiar dessas novas partículas.
Outra propriedade é que todos os quarks possuem spin intrínseco
1 2  . A todo quark corresponde uma antipartícula com a mesma
massa, spin, mas com carga elétrica oposta. Representamos o an-
tiquark acrescentando uma barra ao símbolo do quark correspon-
dente. Por exemplo, u é a antipartícula correspondente ao quark u .
Na tabela 3.2 mostramos ainda as energias de repouso dos quarks
ao invés das massas. Note que existe uma grande diferença entre as
massas dos quarks e, por isto, os experimentos que procuravam evi-
dências para a existência dos quarks mais pesados exigiram vultosos
investimentos e, apenas em 1995, o quark top foi observado. A maior
parte das novas partículas, que proliferaram nos aceleradores, surgia
como resultado da ação da interação forte, formando aglomerados
de quarks que foram chamados de hádrons. No modelo de quarks os
hádrons são subdivididos em duas subfamílias: a) os bárions, que são
formados por combinações de três quarks; b) os mésons, formados
por um par quark-antiquark.

HÁDRONS

Bárions: (qqq)
Mésons: (q q)

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 51


Exemplos de bárions são o próton, anti-próton, nêutron, deltas etc. Já
exemplos de mésons são o píon, rho, eta etc.

De acordo com a regra de acoplamento de momento angular da me-


cânica quântica, que é discutida em detalhes em qualquer livro de
estrutura da matéria, os hádrons vão se dividir em dois tipos distintos
de partículas no que se refere à estatística quântica:

a) Bárions, formados por três férmions, vão ter spin semi-inteiro e


se comportar como férmions.

b) Mésons, formados por dois férmions, vão ter spin inteiro e se


comportar como bósons.

Bárions

O próton e o nêutron são obtidos a partir da combinação de três quarks:

O Nêutron O Próton

d u
d u

u
d

n = udd p = uud

Figura 3.2: O próton e o nêutron no modelo de quarks.

Q , é uma grandeza aditiva e, portanto:


A carga elétrica,
Q(n) = Q(u ) + Q(d ) + Q(d ) = 2 / 3e - 1/ 3e - 1/ 3e = 0e ,
Q( p ) = Q(u ) + Q(u ) + Q(d ) = 2 / 3e + 2 / 3e - 1/ 3e = 1e .

Número Bariônico, Estranheza, Hipercarga e Isospin

Esses números quânticos são especialmente importantes para a clas-


sificação das partículas elementares e serão definidos a seguir.

Numa colisão entre dois prótons, em um acelerador de partículas,


pode ser produzida uma enorme variedade de partículas, no entanto
algumas reações jamais foram observadas como, por exemplo,
p + p →  + +  + + 0 .

52
Essa reação, em princípio, não contradiz os princípios de conservação
de energia-momento e carga elétrica. Um outro exemplo consiste na
reação entre um próton e um anti-próton, em que, como resultado,
apenas observamos mésons. Esses fatos sugerem a existência de uma
lei de conservação, como a que existe no caso da carga elétrica, com
a qual estamos bem familiarizados. Através da postulação ad-hoc de
uma “lei de conservação” adequada, será proibida a ocorrência de
certas reações e, conseqüentemente, poderemos entender os resul-
tados experimentais. A seguir vamos definir o que se entende pela
grandeza aditiva que associamos às partículas e que denominamos
por número bariônico B , e que se conserva nas reações. A todo bá-
rion ( anti-bárion) associamos o número bariônico B = 1( B = -1) , e a
todo méson e demais partículas o número bariônico zero.

Quando os kaons ( K + , K - , K 0 , K 0 ) e os híperons


(Λ , Σ , Σ , Σ , Ξ 0 , Ξ - ) foram observados pela primeira vez, na dé-
0 + 0 -

cada de 1950, foram chamados de partículas estranhas. A palavra es-


tranha foi usada, uma vez que essas partículas não se comportavam
da maneira esperada, de acordo com as teorias existentes até o início
dos anos 1960. Por exemplo, quando essas partículas eram formadas
nos aceleradores, através de colisões próton-próton e próton-píon,
elas sempre surgiam aos pares:
p + p → p + Σ0 + Κ + ,
p + − → Κ 0 + Λ0 ,
p + − → Σ− + Κ + ,
p + − → Σ0 + Κ 0 .

Aqui outra vez pode ser usada a analogia com a conservação da carga
elétrica para a compreensão deste comportamento. Recordemos que,
a partir do decaimento de um fóton (neutro), só é possível a produção
de pares elétron-pósitron, de modo a garantir a conservação da carga
elétrica. Com o objetivo de compreender a criação de kaons e hípe-
rons apenas aos pares, M. Gell-Mann nos EUA e Nishijima no Japão, em
1952, prontamente associaram a estas partículas uma nova proprieda-
de, que foi batizada por Gell-Mann de estranheza, e que, mais uma vez
era uma grandeza conservada nas reações envolvendo a força forte.
Segundo Gell-Mann e Nishijima, os Kaons possuíam estranheza S = 1 ,
os sigmas e o lambda S = −1 , e os píons, prótons e nêutrons S = 0 .
Postergaremos uma discussão mais aprofundada do significado físico
da estranheza e do número bariônico para uma seção posterior.

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 53


Número Bariônico e Estranheza no Modelo de Quarks

A grandeza aditiva conservada do número bariônico, B , é obtida no


modelo de quarks simplesmente associando a cada quark (antiquark)
presente na composição de um dado hádron o valor 1/ 3(-1/ 3) ao seu
número bariônico. Por exemplo, para o próton e antipróton temos:
B ( p ) = 1, B ( p ) = -1 . Como qualquer méson é formado por um par
quark-antiquark, B ( méson) = 0 . A grandeza aditiva conservada es-
tranheza, S , do ponto de vista do modelo de quarks, é obtida acres-
centando por convenção, sempre que tivermos um quark (antiqua-
rk) estranho na composição do bárion, -1( +1) à sua estranheza. Por
exemplo, o próton tem S = 0 , já o bárion formado pela combinação
de três quarks s ( sss ) vai ter S = -3 .
Uma grandeza que pode ser obtida a partir da estranheza e do núme-
ro bariônico é a hipercarga, que é definida como a soma do número
bariônico e da estranheza:
Y = B+S

O isospin, I , do ponto de vista formal é análogo ao spin na mecânica


quântica e, portanto, possui três componentes ( I1 , I 2 , I 3 ) . No capítulo
2, introduzimos a idéia de isospin. A carga elétrica da partícula está as-
sociada à componente do isospin na direção 3 através da expressão:
Q = I3 + Y 2 = I3 + ( B + S ) 2 .

O modelo de Gell-Mann-Ne’eman (eightfold way)

Este modelo é o precursor da teoria de quarks. A classificação das


partículas elementares (hádrons) baseia-se na idéia de identificar fa-
mílias de partículas através da realização de uma conexão entre os
seus vários membros. A partir da idéia de isospin, podemos classificar
os hádrons em multipletos, em que cada membro de um multipleto
possui partículas semelhantes que diferem apenas pela carga elétrica.
Esta divisão nos permite distinguir dois números quânticos que irão se
conservar em certas reações, isto é, o isospin I e a sua componente I 3 .
Nos diagramas apresentados nas figuras 3.3 e 3.4, as linhas horizon-
tais representam os multipletos, e a classificação dos hádrons consiste
em reunir em um mesmo diagrama um certo número de multipletos,
que têm o mesmo número bariônico, spin, paridade, formando assim
um supermultipleto. Por exemplo, o próton e o nêutron pertencem ao
- 0 +
mesmo multipleto I = 1/ 2 com I3 = -1/ 2, 1/2. Já as partículas ∆ , ∆ , ∆ ,
∆++ pertencem ao multipleto I = 3/2 com I3 = -3/2 , -1/2 , 1/2 , 3/2.

No diagrama a seguir mostramos famílias de bárions, em que no eixo


horizontal representamos I 3 e no eixo vertical a estranheza S .

54
n p
udd uud
S=0

Σ0
Σ+
S = -1 Σ −
dds -1 -½
0
uds ½ 1 uus I3
Λ

Ξ− Ξ0
S = -2 dss uss

Q = -1 Q=0 Q = +1

Figura 3.3: Octeto bariônico.

No diagrama da figura 3.3 todas as partículas possuem número bari-


ônico, B = 1 e spin 1 2 .

∆− ddu
∆0 duu ∆+ uuu ∆++
S=0 ddd -3/2 -1 -1/2 0 1/2 1 3/2 I3

S = -1 Σ∗− Σ∗0 uus


Σ∗+ Q=2
dds dus

S = -2 Ξ∗− Ξ∗0 uss


Q=1
dss

S = -3 Ω− Q=0
sss

Q = -1

Figura 3.4: decupleto bariônico.

É importante destacar que todas as partículas acima têm B = 1 e spin 3/2.

O modelo de Gell-Mann – Ne’eman teve um enorme sucesso, pois,


além de classificar todas as partículas conhecidas, ainda foi capaz de
prever novas partículas que posteriormente acabaram sendo obser-

vadas experimentalmente. Por o exemplo o Ω .

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 55


Quando o modelo de quarks surgiu, foi possível compreender de um
modo simples e direto a razão do sucesso do modelo Gell-Mann –
Ne’eman em classificar as partículas. Basta considerarmos que os bá-
rions são formadas por três quarks, com as propriedades que já men-
cionamos, para entender a estrutura de supermultipletos. Nas figuras
3.3 e 3.4 mostramos como esses diagramas podem ser entendidos
através da associação do conteúdo de quarks às várias partículas dos
supermultipletos.

Número quântico de Cor

Aqui surge um problema. Os quarks são férmions e, portanto, têm que


respeitar o princípio de exclusão de Pauli (PEP), que afirma que dois
férmions idênticos não podem ocupar o mesmo estado quântico. O
++
bárion ∆ é formado por uma combinação de três quarks u e, por-
tanto, vai violar o princípio de Pauli. Afinal, pensava-se que os quarks
eram idênticos, porém a existência de certos hadrons indicaram que,
ou eles não eram idênticos, e haveria uma propriedade física para
distingui-los, relacionada com uma das interações fundamentais, ou
o princípio de Pauli seria violado e os quarks não poderiam ser fér-
mions. Neste caso fez-se a hipótese conservadora da existência de
uma propriedade física que os distinguiria, a qual denominaram “cor”
ou carga de cor, associada à interação forte. As implicações desta
hipótese foram, então, sendo testadas e analisadas, e hoje acredita-
se que a cor é uma propriedade fundamental dos quarks. Os qua-
rks podem se apresentar na forma de três cores diferentes, r (red),
b (blue) e g (green). Com isto está resolvido o problema da violação
do PEP. Obviamente a cor do quark não tem nenhuma relação com o
sentido visual a que estamos habituados. Essa propriedade chamada
cor é apenas um novo grau de liberdade intrínseco, que foi postulado
pela necessidade e de forma completamente arbitrária. Aos antiqua-
rks associamos as anticores anti-red, anti-blue e anti-green e postu-
lamos, com base nos dados experimentais, que os hádrons só exis-
tem em combinações de cores neutras, como por exemplo, r + b + g ,
red+antired, antired+antiblue+antigreen são combinações neutras. A
aplicação do princípio de neutralidade de cor aos hádrons implica que
todos os três quarks de um bárion têm que ser de cores diferentes, de
modo a formarem uma combinação neutra de cor, que também é cha-
mada branca. Note que isto deve ocorrer mesmo quando o princípio
de Pauli não exige tal combinação e, assim, temos uma propriedade
que é característica da interação forte. De modo semelhante, pode-
mos concluir que o quark e o antiquark que formam um méson têm
que possuir cores opostas para formar um objeto neutro ou branco.
Uma vez que todas as partículas da natureza são neutras ou brancas,

56
o número quântico de cor não pode servir para classificar as partícu-
las ou apresentar uma influência direta na interação entre elas.

Mésons

Os mésons são obtidos a partir de combinações de pares quark-anti-


quark. Um exemplo é o méson pi:

Méson Pi

d
u

Figura 3.5: O Méson �+ no modelo de quarks.

Analogamente ao que mostramos para os bárions, os mésons po-


dem ser classificados de acordo com o modelo de Gell-Mann-Ne’eman
através do diagrama envolvendo a estranheza S e a componente I 3
do isospin:

K0 K+
S = +1 ds us

π− π0 π+ ud
S=0 Ι3
-1
dū 0
η0 +12 +1
-1 2

S = -1 sū sd Q = +1
K - -1 K0

Q = -1 Q=0

Figura 3.6: Octeto mesônico.

Na figura 3.6 mostramos algumas famílias de mésons que são clas-


sificadas de acordo com o modelo de Gell-Mann-Ne’eman, isto é, os
kaons (K), píons(  ) e o eta(  ). Nesta mesma figura mostramos como
essas partículas são compreendidas do ponto de vista do modelo de
quarks. Destacamos neste diagrama que todas as partículas têm o nú-
mero bariônico B = 0 e o spin = 0 .

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 57


Os quarks nos permitem recuperar o conceito de tijolos fundamen-
tais, indivisíveis, constituintes dos hádrons.

Exemplo: No estudo do octeto mesônico vimos que no modelo de


Gell-Mann-Ne’eman encontramos três mésons que foram associados
ao tripleto de isospin, correspondente a I = 1 . Neste exemplo vamos
discutir de um modo um pouco mais detalhado este tripleto, de modo
a entender o significado do isospin na teoria das partículas elemen-
tares. Do ponto de vista formal, o isospin é completamente análo-
go ao spin do elétron que já conhecemos dos modelos atômicos e,
agora, vamos explorar esta analogia com maior profundidade. Nos
livros de estrutura da matéria aprendemos que a função de onda de
um elétron atômico pode ser considerada como o produto de uma
parte associada aos graus de liberdade espaciais e uma parte asso-
ciada ao grau de liberdade de spin. A um dado elétron ocupando uma
dada função de onda espacial associamos dois estados de spin, um
com projeção na direção-3 igual a 1/ 2 (spin up) e outro com projeção
−1/ 2 (spin down), aqui vamos considerar o sistema de unidades onde
 = 1 . Neste ponto vamos recordar algumas propriedades essenciais
do momento angular na mecânica quântica, pois tanto o spin como
o isospin têm como substrato esta teoria. Os possíveis valores para o
módulo do momento angular, de acordo com a mecânica quântica,

J = J ( J + 1) , são dados pela regra: J = 0, 1 ,1, 3 , 2,... e a proje-
 2 2
ção de J na direção-3 por J 3 = - J , - J + 1,..., J -1, J . Por exemplo, no

caso do spin do elétron J =S= 1 e, portanto, só temos duas proje-


2
ções na direção 3 possíveis, SZ = 1 , -1 .
2 2

As funções de onda dos quarks, além das suas componentes espaciais


e de spin, também vão possuir uma componente de isospin, e vamos
afirmar que os quarks u e d correspondem a dois estados de uma

mesma partícula com módulo de isospin I= 1 . Os outros quarks são


2
considerados como possuindo isospin zero. Explicitamente o quark
u é associado ao estado |u > com projeção do isospin na direção-3,
I3 = + 1 (up), e o quark d ao estado |d > com I 3 = − 1 (down).
2 2
Portanto podemos usar, como no caso do spin, a seguinte representa-
ção matricial para as projeções (estados) de isospin:

1  0
| u >⇒   , | d >⇒   .
0 1 

58

Os operadores de isospin correspondem às matrizes, I = ( I1 , I 2 , I 3 )
onde:
1 0 1 1 0 −i 1 1 0
I1 = ( ) I2 = ( ) I3 = ( )
2 1 0 2 i 0 2 0 −1

A ação do operador I 3 é dada por:


1  1 0 1  1 1  1
I 3 | u >=    =   = |u > e
2  0 −1 0  2 0 2
1 1 0 0 1 0 1
I 3 | d >=    = −   = - | d >
2  0 −1 1  2 1  2

Na última expressão compreendemos de modo formal o que significa

o estado ter projeção 1 ou − 1 . A partir dos operadores que aca-


2 2
bamos de definir, podemos construir os operadores de levantamento
I + = I1 + i I 2 e abaixamento I − = I1 - i I 2 da componente de isospin
na direção -3. Portanto,
 0 1  1   0   0 1  0  1 
I + | u >=     =   = 0 e I + | d >=    =   =| u > .
0 00 0  0 0 1   0 

Analogamente podemos mostrar que I − | u >=| d > e I − | d >= 0 .


Neste ponto vamos definir os estados de isospin das antipartículas
associadas aos quarks u e d .
0 1 
|u >⇒   , |d >⇒ −   .
1  0

Com as definições que adotamos, é fácil mostrar que I + | u >= - | d > ,


I + | d >= 0 , I − | d >= −|u > , I − | u >= 0 .

Os píons são formados por um par quark-antiquark envolvendo os


quarks u e d e, portanto, o isospin de cada componente vai se adi-
cionar de acordo com a regra de adição de momento angular da
mecânica quântica, que vamos recordar aqui. O momento
  angular 
total de um sistema de duas partículas é dado por: J = J (1) + J (2)
e, portanto, J 3 = J 3 (1) + J 3 (2) . De acordo com o que se aprende
no curso de estrutura da matéria para o momento angular, se J1
e J 2 são as projeções máximas na direção-3 dos vetores momen-
to angular que vamos adicionar, os possíveis valores
 do módu-
lo do momento angular total são dados pela regra, J = J ( J + 1) ,
com J = J1 + J 2 , J1 + J 2 -1,..., J1 - J 2 e a projeção na direção -3,
J 3 = - J , - J + 1,.J -1, J .
Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 59
Por exemplo, em um sistema contendo dois elétrons, o spin total pode
assumir os valores S = 1 ou S = 0 . Como o isospin do ponto de vista
formal se comporta como um tipo de momento angular, o isospin
total das combinações de quarks u e d com os seus respectivos an-
tiquarks será obtido de forma análoga à adição de dois momentos
angulares com J1 =I1 = 1 e J 2 =I 2 = 1 e, de acordo com a regra que
2 2
discutimos, devemos ter como resultado o isospin total com I = 1 ou
0 . Vamos mostrar que o tripleto I = 1 corresponde aos estados do
0
píon. | + >=| ud >, |  >= 1/ 2 | ( dd − uu ) > , |  − >= - | du > .

Na última expressão adotamos a notação em que associamos ao qua-


rk o rótulo 1 e ao anti-quark o rótulo 2. Usando as propriedades que
definimos acima, podemos facilmente mostrar que:
I + |  + >= 0 ,

I + | 0 >= ( I + (1) + I + (2))1/ 2 | dd − uu >= 1/ 2 | ud − u (−d ) >= 2 | ud >= 2 |  + > .

Analogamente podemos mostrar que I + |  − >= 2 | 0 > e



I − |  >= 0 . Portanto os mésons  formam um estado tripleto (
I = 1, I 3 = 1, 0, −1 ) do octeto mesônico.

3.3 Léptons

No universo das partículas, ainda nos resta descrever uma pequena


classe contendo apenas seis partículas e seis antipartículas que, dife-
rentemente dos hádrons, não interagem por intermédio da força forte.
Na tabela 3.3 mostramos a família dos léptons junto com algumas de
suas propriedades. Os léptons são o elétron, o múon e o tau e os seus
correspondentes neutrinos.

A razão de usarmos as palavras bárion, méson e lép-


ton, que têm origem no Grego e significam respec-
tivamente pesado, médio e leve, deve-se ao fato de que
as primeiras partículas que foram classificadas possuí-
am massas de repouso que satisfaziam a seqüência aci-
ma (próton, méson, elétron). Hoje em dia esta nomencla-
tura continua sendo usada devido a razões meramente
históricas, pois existem léptons muito mais pesados que
hádrons, como pode ser observado na tabela 3.3.

60
Símbo- Energia de Re- Número
Nome Carga ( Q ) Spin(  ) Vida média
lo pouso ( MeV ) Leptônico

Elétron e- 0,511 −1 1 1 estável


2
Neutrino do 1
ve < 5,1×10−6 0 1 estável
elétron 2

Múon  105, 7 −1 1 1 2, 2 ×10−6 s


2
Neutrino do 1
v < 0, 27 0 1 estável
múon 2

Tau  1777 −1 1 1 3 ×10−13 s


2
Neutrino do 1
v < 31 0 1 estável
tau 2
Tabela 3.3: Família de Léptons.

A tabela 3.3 mostra que a carga elétrica é dada em função da unidade


de carga elementar (e). A vida média é o tempo médio de existência
da partícula.

Os léptons têm spin 1 2 e, portanto, são férmions. Vamos assumir


que os neutrinos têm massa nula. A todos os léptons temos os cor-
respondentes antiléptons. Aos neutrinos, mesmo não possuindo nem No capítulo 1 discutimos
que o neutrino, na
carga e nem massa, estão associados os seus respectivos antineutri-
verdade, pode ter uma
nos. Por exemplo, ao elétron corresponde o pósitron, com a mesma pequena massa, mas sua
massa e spin, mas com carga elétrica oposta. Os léptons têm a pro- determinação é um dos
priedade de só existirem sozinhos, comportamento exatamente problemas fundamentais
da física atual.
oposto ao dos quarks. Os quarks e os léptons formam a base do
conjunto de partículas elementares da matéria. O papel dos bósons de
calibre surge no momento em que consideramos as interações entre
as partículas elementares que vamos discutir a seguir.

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 61


3.4 Interações fundamentais

Já sabemos que na natureza existem quatro interações fundamentais,


das quais duas, as forças eletromagnética e gravitacional, são velhas
conhecidas. O modelo padrão descreve as partículas elementares
(léptons e quarks) interagindo através das forças forte, fraca e ele-
tromagnética. A teoria trata de forma unificada as forças fraca e ele-
tromagnética do mesmo modo que o eletromagnetismo de Maxwell
unifica as forças elétrica e magnética. A força forte é descrita através
da teoria chamada cromodinâmica quântica.

O s físicos propuseram algumas teorias, chamadas


de teorias de grande unificação, que procuram
tratar de um modo unificado as três interações do mode-
lo padrão, mas apesar de alguns resultados animadores,
ainda não têm comprovação experimental.

Ainda é um gigantesco desafio para a física atual incluir em um mes-


mo modelo e, em pé de igualdade, a força gravitacional junto com
as outras três interações. Usando os dados da tabela 3.1, podemos
comparar as intensidades relativas de cada uma das interações. E, é
evidente, a menos que haja situações extremas como, por exemplo,
no momento da criação do Universo, que a interação gravitacional é
desprezível no mundo das partículas elementares. A força eletromag-
nética age sobre todas as partículas carregadas e tem um compor-
tamento que é bem conhecido e, portanto, vamos apenas nos con-
centrar em domínios onde as forças forte e fraca são dominantes. Na
figura 3.7 mostramos como a matéria é vista de acordo com as dimen-
sões envolvidas. As forças forte e fraca só vão agir quando a distância
−14
entre as partículas for da ordem de 10 m ou menos, por exemplo,
no interior do núcleo atômico. No capítulo 2 mostramos que podemos
estimar de modo qualitativo as dimensões envolvidas na descrição
de um objeto microscópico através do comprimento de onda de De
Broglie. A matéria pode ser vista como formada por átomos e/ou mo-
léculas quando a ordem de grandeza das energias envolvidas é de
alguns poucos elétrons-volts. Para os graus de liberade de quarks se
manifestarem, as energias envolvidas devem ser da ordem de GeV ' s
( 1GeV = 109 eV ).

62
10-9 m 10-10 m 10-15 - 10-14 m
+ +
+
+
+ +
+
+
+

Molécula Átomo Núcleos

10-15 - 10-14 m 10-15 m menos que 10-18 m


+ +
+
+
+ +
+
+
+
Núcleos Nêutron (ou próton) Quark

Figura 3.7: A matéria do ponto de vista das dimensões envolvidas.

a) Força forte

A interação forte é de curto alcance, isto quer dizer que apenas a


−15
distâncias típicas do diâmetro nuclear, da ordem de 10 m , ela se
faz atuante. A interação forte só age entre os quarks. Os léptons não
a sentem, do mesmo modo que objetos neutros não sentem a força
eletromagnética. Esta é a razão para separarmos as partículas entre
quarks e léptons. Se os léptons pudessem interagir fortemente en-
tão eles poderiam se ligar formando outras partículas compostas. É
claro que tanto quarks quanto léptons sentem as outras três forças.
A força forte é tão intensa que é capaz de ligar os quarks, formando
partículas (hádrons). Os quarks têm a peculiaridade de não existirem
sozinhos, sempre aparecem em grupos, formando partículas maio-
res (estados ligados de quarks). A teoria da matéria hadrônica, que
consiste basicamente em 6 quarks(antiquaks) interagindo através
da mediação de glúons, que vamos discutir adiante, recebeu o nome
de cromodinâmica quântica, QCD (quantum cromodynamics, em
inglês). A teoria QCD considera que é impossível obtermos quarks
livres. Acredita-se que a interação forte entre os quarks seja atrativa e
aumente com a distância. Note que isto é uma característica peculiar
desta interação e completamente diferente das outras três. Portanto,
quanto mais tentamos separar um quark do outro, mais energia será
necessária para separar os dois quarks. Isto é conhecido como a pro-
priedade de confinamento dos quarks. A força forte não pode se es-
tender por distâncias muito longas devido exatamente ao fato de sua
intensidade aumentar com a distância. Se separarmos dois quarks,
estamos fornecendo energia ao sistema na forma de energia poten-
cial que, quando se torna muito grande, cria pares quarks-antiquarks.

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 63


Por outro lado, quando as distâncias entre os quarks são muito pe-
quenas, eles se comportam como se estivessem livres, sem interagir
entre si. Chamamos este comportamento de liberdade assintótica.
Há fortes evidências experimentais que sustentam tal hipótese. Por
exemplo, elétrons de altas energias colidindo com prótons são muito
pouco desviados quando passam pelo interior do próton. Além dis-
so, alguns elétrons são espalhados em ângulos grandes, fazendo-nos
lembrar do experimento de Rutherford. Essas são evidências de que os
quarks são pontuais e quase livres quando no interior dos hádrons.
Até o momento, todos os quarks foram observados em sistemas liga-
dos formando hádrons e, portanto, esta é mais uma confirmação da
hipótese do confinamento.

b) Força fraca

Esta força também é de curto alcance e está associada à transfor-


mação de partículas de um tipo em outro, como no decaimento beta.
A força fraca é sentida tanto por quarks quanto por léptons e tem
uma intensidade muito menor que a força forte. Por exemplo, sabe-
mos que um nêutron livre decai em um próton através do decaimento
beta. Se compararmos a vida média do nêutron, que é de cerca de
900segundos , com a vida média de processos envolvendo a interação
forte, como o decaimento do bárion ∆ , em que tipicamente o tempo
−23
de decaimento é da ordem de 10 segundos , podemos afirmar que o
nêutron é praticamente estável.

Aqui vamos apresentar de um modo simplificado a visão moderna


de força. Hoje entende-se que as forças que ligam os constituintes
da matéria surgem de campos de força que estão associados à troca
(emissão-absorção) de partículas, que são as mediadoras da intera-
ção. Tais partículas não são observadas e são chamadas de virtu-
ais. No modelo padrão, como vemos na tabela 3.1, os mediadores são
chamados de bósons de calibre. O fóton no eletromagnetismo é um
desses bósons, e como discutimos na Introdução, Yukawa imaginou
o méson como sendo o mediador da força nuclear.

Neste ponto vamos introduzir uma representação gráfica que é muito


utilizada na descrição dos processos que ocorrem na física de partí-
culas e que é chamado de diagrama de Feynman. Um exemplo deste
diagrama é dado na figura 3.8. Ao movimento livre das partículas, com
um dado momento relativo, associamos linhas retas; e à interação en-
tre as partículas, associamos vértices, simbolizando que a partícula
que se move livremente emite uma partícula virtual, que será trocada
e será responsável pela interação entre elas. Todos os diagramas que

64
satisfizerem as leis de conservação do processo que estivermos des-
crevendo, em princípio, podem contribuir. É fato que na maior parte
das vezes alguns poucos diagramas são dominantes, e um único ou
poucos diagramas podem representar a física envolvida. Apesar da
aparente simplicidade desses diagramas, não podemos esquecer que
a eles estão associadas complexas expressões matemáticas que vão
permitir o cálculo quantitativo das reações por eles representados, Não entraremos em
detalhes no que diz
isto é, a obtenção das seções de choque que podem ser confrontadas
respeito a esses cálculos,
com os dados experimentais. apenas utilizaremos
esses diagramas como
O diagrama da figura 3.8 corresponde ao espalhamento(colisão) de um recurso auxiliar na
discussão qualitativa
dois elétrons. A interação entre os elétrons(férmions) se dá através da
dos processos envolvidos
troca de fótons(bósons) que não têm carga. na física das partículas
elementares.
e- e-

e- e-
Figura 3.8: Diagrama de Feynman do espalhamento
de elétrons pela força eletromagnética.

Exemplo (Partícula Virtual): O conceito de partícula virtual é algo


complexo e fundamental no entendimento das interações da nature-
za. Vamos considerar a colisão de um par elétron-pósitron com ve-
locidades iguais e opostas. Primeiro temos o aniquilamento do par
e − e + com a emissão de um fóton virtual e o posterior reaparecimento
− +
do par e e . O momento do fóton tem que ser nulo devido à conser-
vação do momento na colisão e, portanto, o fóton não pode ser um
fóton ordinário, pois sua energia também seria nula. Ele tem que ser
virtual ou, como muitos gostam de chamar, “fora da camada de mas-
sa”. Podemos atribuir massa ao fóton virtual que foi criado. Note que
isto não deve ser considerado um grande problema, pois partículas
virtuais nunca são observadas. Uma maneira alternativa de visualizar
o que ocorre na criação de uma partícula virtual é invocar o princí-
pio de incerteza tempo-energia, ∆E ∆t ≅  . Esta relação nos diz que,
dentro de um intervalo de tempo ∆t , não podemos especificar a ener-
gia com uma precisão maior do que ∆E . Assim, podemos explicar a
criação de partículas virtuais, violando a conservação da energia por
intervalos de tempo bem curtos.

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 65


Os bósons de calibre que são os mediadores da interação entre os qua-
rks são chamados de gluons. Consistem em oito partículas, têm spin 1 ,
não têm carga elétrica, mas têm carga de cor. De acordo com a teoria
moderna das partículas elementares( QCD ), a carga de cor é a fonte
da força forte entre os quarks e, conseqüentemente, entre os hádrons.
Pode ser feita uma analogia direta entre a carga de cor na QCD e a
carga elétrica na teoria eletromagnética. Os gluons também têm carga
de cor e, diferentemente do fóton, podem exercer força uns nos outros.
Em cada processo de emissão ou absorção de um gluon, a cor do quark
pode se alterar, dependendo da cor e anti-cor carregada pelo gluon.
Existem seis gluons que mudam as cores ( Grb , Grg , Gbr , Gbg , Ggb , Ggr )
G 0 , G′0 , e a barra sobre o símbolo
além de duas combinações neutras
u azul pode se transformar
indica anti-cor. Por exemplo, um quark
em um quark u vermelho ( ub → ur + Gbr ). No entanto os gluons
nunca alteram o sabor dos quarks nos processos que envolvem a
força forte. Na figura 3.9 mostramos um exemplo de interação entre
quarks (férmions) mediada por gluons (bósons), e na figura 3.10 repre-
sentamos o decaimento da partícula ∆ .

q q

Figura 3.9: Interação entre quarks através da troca de gluons na


representação de Feynman.

p
u d u
u π−
d

u d d

∆0 τ = 0.6 x 10-23 s

Figura 3.10: Decaimento da partícula Δ no modelo de quarks.

66
As partículas mediadoras da interação fraca são os bósons massivos
W + e W − , que carregam carga elétrica e o neutro Z 0 . Os mediadores
da interação fraca podem alterar o sabor, isto é, transformar um qua-
rk de um sabor em outro. Por exemplo, no decaimento beta, que é um
processo devido à interação fraca, o nêutron ( udd ) se transforma no
próton( uud ). Na figura 3.11 representamos o processo de decaimento
beta no contexto do modelo padrão:
n → p + e − + ve (decaimento beta)

p ud u ve e-

w-

n ud d É claro que para


Figura 3.11: Decaimento beta.
realizarmos cálculos
para prever os resultados
A representação diagramática das reações entre partículas, desen- das reações temos que
volvida por Feynman, é útil para termos certeza de que todos os associar a cada diagrama
complexas expressões
processos possíveis foram levados em conta.
matemáticas que fogem
do escopo deste texto.

3.5 Leis de conservação

As forças fraca, forte e eletromagnética obedecem a certas leis de


conservação que são úteis para prevermos se algumas reações po-
dem ocorrer ou se são proibidas. A origem de algumas dessas leis se Por exemplo, conservação
baseia em simetrias fundamentais da natureza e são universais, al- de energia-momento.
gumas são simplesmente baseadas em evidências experimentais que
não as refutam. Por definição, grandezas conservadas são aque- Por exemplo, conservação
las que têm o mesmo valor antes e depois da reação. É impor- do número bariônico.
tante frisar que se, em princípio, um processo não é proibido ele deve
necessariamente acontecer em algum momento. Isto é um princípio
corriqueiro na física quântica. As leis de conservação que qualquer
processo físico, independentemente de envolver as forças fraca, forte
ou eletromagnética tem que respeitar são:

a)conservação de energia-momento.

b)conservação de momento angular

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 67


c)conservação da carga elétrica.

b)conservação do número bariônico.

e)conservação do número leptônico.

Recordemos que todos os bárions têm número bariônico B = 1, todos


os anti-bárions têm número bariônico B = −1e todas as outras partí-
culas têm B = 0 . Isto decorre do fato de que a todos os quarks asso-

ciamos o número bariônico, B = 1 , e a todos os antiquarks B = − 1 ,


3 3
portanto os mésons e léptons têm número bariônico zero. O número
leptônico, L , do elétron, muon, tau e dos neutrinos correspondentes é
L = 1 , como indicamos na tabela 3.3. As antipartículas ou antiléptons,
antielétron(pósitron), antimuon, antitau e antineutrinos têm L = −1 .
Todas as outras partículas têm número leptônico zero. A família de
léptons é subdividida em três gerações: ( e , ve ), ( , v  ), (  , v ). A lei

de conservação do número leptônico afirma que, em qualquer reação,


o número leptônico de qualquer geração se conserva.

Ainda temos grandezas que são conservadas em reações com rela-


ção a uma dada interação, mas violadas por outra. Por exemplo, a
estranheza se conserva nas reações fortes e eletromagnéticas, mas
pode ser violada nas interações fracas. Como já discutimos anterior-
mente, na interação forte, as partículas mediadoras, isto é, os gluons
apenas carregam carga de cor e não de sabor. Assim, um quark pode
mudar a sua cor com a emissão de um determinado gluon, mas não
pode alterar o seu sabor, isto é, vai continuar sendo o mesmo quark.
Por exemplo, se colidirmos duas partículas que não possuam quarks
estranhos, como resultado da reação, ou serão produzidos pares com
estranhezas opostas ou nenhum quark estranho. A isto se deve a con-
servação da estranheza nas reações fortes. Note que podemos definir
de modo semelhante ao caso da estranheza números quânticos aditi-
vos associados a qualquer outro sabor. Analogamente, o mecanismo
da interação eletromagnética é a emissão de um fóton por uma par-
tícula carregada. Como os fótons não carregam carga elétrica, temos
a conservação da carga elétrica. Como fótons também não carregam
cor, nas interações eletromagnéticas tanto sabor como cor são con-
servados.

68
Exemplos:

1) Decaimento beta
n → p + e − + ve

Na reação acima:

i) A carga elétrica se conserva, Q(n) = Q( p ) + Q(e − ) + Q (ve ) , isto


é, 0 = 0 .

ii) O número bariônico se conserva, B(n) = B( p ) + B(e − ) + B (ve ) ,


isto é, 1 = 1.

iii) O número leptônico eletrônico(1a geração) se conserva,


L(n) = L( p ) + L(e − ) + L (ve ) , isto é, 0 = 0 .

Portanto, do ponto de vista das três leis de conservação testadas, o


decaimento beta é permitido.

2) A reação p + n →  + +  − , conserva carga, número léptônico,


mas é proibida, pois não conserva o numero bariônico.

3) Podemos destacar como conseqüências da conservação da ener-


gia-momento:

i) O fato de que nenhuma partícula pode decair espontaneamente em


outras partículas cuja massa total exceda a sua própria massa.

ii) Uma partícula em movimento não pode transformar sua energia


cinética em massa.

iii) Uma partícula não pode decair espontaneamente em uma única


partícula mais leve que ela mesma.

4) Neste exemplo vamos explorar como a análise da conservação de


energia-momento no experimento do decaimento beta levou W.
Pauli a postular, em 1931, a existência de uma nova partícula, que
foi batizada de neutrino por Enrico Fermi. No decaimento:
3
H1 → 3 He2 + e − , Q = 19,5 KeV
é observado o seguinte resultado experimental,

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 69


N

β−

Ecin

Figura 3.12: número de elétrons por faixa de energia versus Energia cinética do
elétron emitido

A fim de entender o que está ocorrendo no decaimento do trítio, va-


mos analisar a conservação de energia-momento num processo em
que uma partícula de massa M decai em duas de massas m1 e m2
(unidades c = 1).

Conservação da energia: E = E1 + E2 onde E = p2 + M 2 ,


E1 = p12 + m12 , E2 = p2 2 + m2 2
  
Conservação do momento: p = p1 + p 2

Como a partícula que decaiu estava em repouso p = 0 e E = M e,
portanto, a conservação energia-momento se reduz a:

M = E1 + E2 = p12 + m12 + p2 2 + m2 2
    
0 = p1 + p2 ⇒ p1 = − p2
portanto,

( ) = p +m + p +m +2
2
M2 = p12 + m12 + p2 2 + m2 2 2
1
2
1
2
1
2
2 ( p12 + m12 )( p12 + m22 )

Da última expressão podemos obter p1 e, após a sua substituição nas


expressões das energias E1 e E2 , obtemos:
M m12 − m22 M m22 − m12
E1 = + e E2 = + .
2 2M 2 2M

Portanto, no decaimento de uma partícula em repouso, as duas par-


tículas emitidas devem ter energias determinadas de maneira única
pelas equações que acabamos de obter. No decaimento do trítio, cujo
resultado experimental mostramos na figura, o elétron é emitido em
uma larga faixa de energia, o que parece estar em desacordo com o
princípio de conservação de energia-momento. A saída para resol-
ver esta aparente violação desse princípio fundamental foi dada por
Pauli, sugerindo que no processo de decaimento deveria estar sendo
emitida uma partícula de difícil detecção, pois como a carga elétrica

70
no decaimento estava sendo conservada, a nova partícula não deve-
ria ter carga elétrica e sua massa deveria ser aproximadamente nula,
uma vez que as partículas beta(elétrons) mais energéticas possuíam
energia cinética igual a todo o valor Q do processo de decaimento.

A s regras de conservação de número bariônico, lep-


tônico, carga elétrica, e energia-momento nunca
foram violadas nos experimentos realizados até hoje.

3.6 Aceleradores de Partículas

No início, a maior parte das informações que tínhamos sobre as pro-


priedades das partículas e dos núcleos vinha do estudo do decaimento
de partículas instáveis, de núcleos e das reações entre os mesmos. Os
experimentos eram feitos usando-se núcleos radioativos, analisando-
se as partículas emitidas e os seus espectros de energia. A partir das
observações de raios cósmicos, foi possível um grande avanço na área
de física de partículas, no entanto, a grande desvantagem na utiliza-
ção de raios cósmicos é que os experimentos não podem ser contro-
lados. Hoje em dia, a maior fonte de informações sobre as proprieda-
des das partículas elementares e dos núcleos vem dos experimentos
realizados nos grandes aceleradores de partículas, que nos permitem
reproduzir as reações que ocorrem nos raios cósmicos no laboratório,
com a vantagem de podermos controlar todo o processo (energia, di-
reção etc). A importância e a necessidade desses equipamentos para
a física de partículas deve-se a várias razões, dentre elas:

1) Para testarmos pequenas distâncias, o comprimento de onda


de De Broglie,  DB = h p dever ser pequeno, o que exige que o
momento linear ( p = m ⋅ v ) ou, de modo equivalente, a energia
cinética das partículas seja grande.

2) A massa e a energia cinética das partículas que são artificial-


mente produzidas nos experimentos são obtidas a partir da
energia das partículas participantes das reações e, portanto,
quanto maior for a energia, maior o número e tipos de partículas
que podem ser criados.

3) Quanto maiores as energias envolvidas, mais nos aproximamos


do desconhecido e, assim, podemos explorar a possibilidade de

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 71


existirem novas partículas e novas interações e testar as previ-
sões feitas pelas teorias existentes. Nós estamos agora vivendo
num mundo onde a teoria da relatividade é dominante, a massa
de uma partícula M , criada no laboratório é dada pela relação
massa-energia de Einstein: M = E c2 .

N os grandes laboratórios, a comprovação experi-


mental da conversão de energia em matéria, pre-
vista pela teoria da relatividade restrita, é confirmada dia-
riamente através da criação de centenas de partículas.

Os aceleradores de partículas são especialmente úteis para a pesquisa


das propriedades das partículas ou núcleos, pois produzem feixes de
partículas bem colimados, de intensidades muitos maiores que as de
fontes radioativas naturais ou raios cósmicos, e permitem aos físicos
experimentais escolher as propriedades das partículas do feixe, como
a carga, a massa, a energia, a polarização etc. Nós vamos discutir
brevemente os princípios gerais de funcionamento desses sofisticados
equipamentos. No que diz respeito ao alvo, geralmente os acelerado-
res são de dois tipos:

1) Aceleradores com alvo fixo, em que o feixe de partículas é dirigi-


do a um alvo com uma dada energia.

2) Colisores, isto é, aceleradores nos quais dois feixes de partículas


viajam em direções opostas até realizarem uma colisão frontal.

Um Acelerador de Partículas
Rudimentar
vácuo

Feixe de
Elétrons
Ânodo
Cátodo Bobinas Bobinas
Focalizadoras defletoras

Figura 3.13: Acelerador elementar (tubo de raios catódicos).

72
No caso em que colidimos partículas de mesma massa, os colisores
têm a grande vantagem de realizar a colisão no referencial de centro
de massa e, neste caso, toda a energia é disponível para a reação.

Em geral, nos aceleradores as partículas são aceleradas por campos


elétricos e são focalizadas e direcionadas através de campos magné-
ticos. Note que esses campos, como bem sabemos, só vão agir sobre
partículas carregadas. As partículas são produzidas por uma fonte e,
então, colimadas e injetadas em uma região onde existem campos
elétricos e magnéticos que vão mantê-las nessa região até que ob-
tenham a energia desejada. A fim de que não interajam com outras
partículas enquanto estão sendo aceleradas elas são mantidas em re-
giões onde é feito vácuo. Na figura 3.13 mostramos um acelerador de
elétrons rudimentar, isto é, um tubo de raios catódicos de um apare-
lho de televisão. A voltagem utilizada em um tubo de TV é da ordem
de 20 mil volts. Portanto a energia de cada elétron é da ordem de 20
keV. Isto pode ser comparado com a energia dos elétrons no acelera-
dor LEP-CERN, que atingem cerca de 60 GeV.

Os dois tipos de aceleradores mais populares são os lineares e os cir-


culares. Nos aceleradores lineares as partículas se movem em linha
reta através de uma série de cavidades aceleradoras. Tais acelerado- Por exemplo, o
res têm a óbvia desvantagem de precisar de um longo comprimen- SLAC(Stanford Linear
Acellerator Centre), nos
to para atingir altas energias. Os aceleradores circulares por sua vez EUA, tem um comprimento
aceleram as partículas através de campos elétricos e as curvam por de 3Km.
meio de campos magnéticos. A energia desejada é obtida aceleran-
do-se as partículas do feixe, forçando-a a dar várias voltas ao redor
da circunferência do acelerador. A grande desvantagem desse tipo
de acelerador é a radiação síncrotron. Sabemos do eletromagnetismo
que toda carga acelerada irradia e, portanto, a partícula vai ter uma
perda de energia devido a essa radiação, que terá de ser compensada
acelerando-se ainda mais a partícula. A intensidade dessa radiação é
inversamente proporcional à quarta potência da massa da partícula e
ao raio da trajetória. O exemplo de um moderno acelerador circular é
o chamado síncrotron. Neste acelerador as partículas se movem atra-
vés de câmaras onde é feito vácuo e são mantidas em órbita circular
através de imãs supercondutores. A aceleração é obtida por meio de
cavidades de radiofreqüência, RF , que a cada volta dão um pequeno
impulso à partícula, aumentando sua energia. O campo magnético,
B , é aumentado de maneira sincronizada à medida que a velocidade
da partícula aumenta de modo que a partícula seja mantida em uma
órbita circular fixa. Por exemplo, em um síncrotron, prótons dão cerca
de 5000 voltas e, em cada uma, recebem um incremento de energia
da ordem de 0,1 MeV da cavidade de RF até atingirem o pico de

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 73


energia desejado. Na figura 3.14 mostramos um digrama esquemático
desse tipo de acelerador.

Acelerador Circular

CAVIDADE
ACELERADORA

e+

COLISÕES
INJEÇÃO
e-

ÍMÃS
FOCALIZADORES
ÍMÃS
DEFLETORES
Figura 3.14: Diagrama esquemático de um sincrotron.

Alguns conceitos físicos envolvidos nos aceleradores

As partículas nos aceleradores são mantidas em órbitas circulares de-


vido ao campo magnético B , que representamos na figura 3.15.
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+

F v
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+

B entrando
no papel
+
+
+
+
+

B⊥v ⊥F

Figura 3.15: Carga elétrica em movimento circular devido ao campo B.

Para o caso de uma carga positiva e campo entrando no  papel, aacele-



ração centrípeta, acp , será devida à força de Lorentz, F = q ( E + v × B ) .
Com campo elétrico nulo, temos em módulo:

74
mv 2
F = macp = =| q | vB ,
R
onde q é a carga da partícula, v o módulo da sua velocidade, B a
intensidade do campo magnético e R o raio da órbita circular. Como
o momento da partícula é p = m ⋅ v ,podemos reescrever a equação
acima como:
p = q BR (i).

Portanto, quanto maior a energia da partícula, para mantê-la em uma


órbita circular fixa precisamos de campos magnéticos mais intensos,
o que exige imãs supercondutores grandes e caros. Para termos idéia
da dimensão de um acelerador, vamos imaginar que desejamos ace-
lerar um próton até atingirmos a energia cinética de 1000GeV e, que
temos à disposição imãs supercondutores de 5 Teslas (o campo mag-
-4
nético terrestre é da ordem de 0,5 × 10 Teslas ).

Podemos obter uma estimativa do raio, R , a partir da equação (i):


R = pc (ii)
( q Bc)

As energias envolvidas aqui necessitam de um tratamento relativísti-


co. A energia cinética na teoria da relatividade restrita é definida por:
1
Ecin = E − mc 2 = ( p 2 c 2 + m 2 c 4 ) 2 − mc 2 ,
onde m é a massa de repouso da partícula. Na equação acima pode-
mos obter pc ,
1
pc = ( Ecin 2 + 2 mc 2 Ecin ) 2 (iii).

O raio para mantermos um próton em órbita circular com a energia


cinética típica dos experimentos atuais, de 1000GeV , pode ser obtido
das equações (ii) e (iii). Substituindo a massa de repouso do próton
mc 2 = 938,3 MeV , e a energia cinética desejada, nas equações ii e iii
obtemos o raio R = 670m .

O raio do acelerador sincrotron TEVATRON no labo-


ratório FERMILAB, nos EUA, que acelera prótons e
antiprótons até energias da ordem de 1TeV = 1000Gev, é
de aproximadamente 1Km.

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 75


Referencial do laboratório e do centro-de-massa

Nos aceleradores, duas partículas de massa M podem colidir quan-


do uma delas se encontra em repouso no referencial do laboratório,
como ocorre nos aceleradores lineares ou, alternativamente, podem
colidir de maneira frontal com momentos iguais em módulo, mas com
direções opostas. Isto ocorre nos colisores e, neste caso, dizemos que
a colisão ocorreu no referencial de centro de massa. Vamos obter a
Na verdade o nome mais relação entre as energias nos dois referencias que acabamos de dis-
apropriado seria centro de cutir e analisar qual é o mais vantajoso. A teoria da relatividade res-
momento.
trita nos mostra que, quando temos dois referenciais S e S ′ que se
movem com velocidade relativa, v , a energia, E , e momento p no
referencial S se relaciona com a energia, E ′ , e o momento p′ no
referencial S ′ pelas relações:

v
E ' = (v)( E − pc)
c
v 1
p ' = (v)( p − E ) ,  (v ) = ,
c2 v2
1− 2
c
onde nos restringimos ao movimento em uma dada direção espacial,
digamos a direção x ( v = vx ). Se considerarmos duas partículas com
Um invariante energias e momentos ( E1 , p1 ) e ( E2 , p2 ), a partir das relações acima po-
2
relativístico é uma demos definir o invariante relativístico, s :
grandeza que tem
o mesmo valor em s 2 = ( E1′ + E2′ ) 2 − c 2 ( p1′ + p2′ ) 2 = ( E1 + E2 ) 2 − c 2 ( p1 + p2 ) 2
qualquer referencial
No referencial do centro-de-massa ( CM ) para partículas de massas
iguais, o momento total é
P = p1 + p2 = p1 + (- p1 ) = 0
E CM = E1 + E2 = p12 + M 2c 4 + p22 + M 2c 4 = 2 E1 , E1 = E2 .
s 2 = ( E1 + E2 ) 2 − c 2 ( p1 + p2 ) 2 = (2 E1 ) 2 = ( E CM ) 2 (a)

Já no referencial do laboratório, usando p1′ = p e p2′ = 0 obtemos,


E LAB ≡ E1′ = p 2 + M 2 c 4 e E2′ = Mc 2 ,
s 2 = ( E1′ + E2′ ) 2 − c 2 ( p1′ + p2′ ) 2 = ( E LAB + Mc 2 ) 2 − c 2 p 2 . (b)

Comparando as equações (a) e (b) obtemos:


( E CM ) 2 = ( E LAB + Mc 2 ) 2 − c 2 p 2 .

A expressão acima pode ser facilmente reescrita como:

76
( E CM ) 2
E LAB = 2
− Mc 2 .
2 Mc
A expressão acima mostra que, se acelerarmos prótons com uma ener-
gia de 200GeV no laboratório, teremos no referencial do centro-de-
massa apenas uma energia de aproximadamente 20GeV disponível
para a reação. Por exemplo, numa aniquilação próton-antipróton, toda
a energia das partículas no referencial do CM é convertida em novas
partículas, sendo este tipo de reação especialmente interessante, uma
vez que todos os números quânticos das partículas que colidem de-
saparecem e, assim, partículas completamente diferentes podem ser
formadas. Os colisores, portanto, levam uma enorme vantagem em
comparação com aceleradores com alvo fixo. Um exemplo onde esta
vantagem ainda é maior ocorre na aniquilação elétron-pósitron, onde
CM
elétrons e pósitrons acelerados com energia de 1GeV ( E = 2GeV )
vão corresponder a uma energia de 4000GeV no laboratório, isto é,
4000 vezes mais energia.

Detectores

Uma vez criadas nos aceleradores, através de colisões, as partículas


são observadas nos detectores. Nestes, elas são identificadas através
das medidas de suas propriedades, tais como, carga elétrica, spin, pa-
ridade, massa etc. Uma técnica que foi muito utilizada para detectar
as partículas é a chamada câmara de bolhas, idealizada por D. A. Os quais receberam
Glaser e L. Alvarez em 1952. Uma câmara de bolhas consiste em o prêmio Nobel de
um recipiente preenchido por um líquido superaquecido, isto é, um Física em 1960 e 1968
respectivamente.
líquido à temperatura maior do que seu ponto de ebulição. O líquido
pode ser hidrogênio ou hélio a temperaturas muito baixas, ou o freon
ou propano à temperatura ambiente. Quando uma partícula ionizante
passa através do líquido da câmara, ela deixa um rastro de bolhas de
gás marcando a sua trajetória com uma linha que pode ser fotografa-
da. Na figura 3.16 mostramos a fotografia obtida no CERN da reação:

K - + p → ∑- + +
∑ − → Λ 0 + e − + e

O movimento espiralado do elétron se deve à presença de um


campo magnético. Pelo estudo deste movimento podemos descobrir
o sinal da carga e o momento da partícula.

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 77


ve

e-

∑−
π-
π+

p

K-

Figura 3.16. Fotografia de uma reação


K- +obtida
p na∑−câmara
π+; ∑−de bolhas
º e
-do CERN.
^ v, CERN ` 62

Na figura 3.16 também é mostrado um diagrama simplificado da rea-


ção onde as partículas envolvidas são identificadas.
O nome destes
equipamentos é uma
Hoje em dia a técnica de câmara de bolhas não é mais utilizada nos
generalização da palavra
usada em dispositivos que experimentos de altas energias. Atualmente utilizam-se, entre outras
medem calor. técnicas, os chamados calorímetros. O sentido de calorímetro neste
caso é de um dispositivo que mede a energia total depositada pela
partícula ou chuveiro de partículas. Após a absorção da partícula
Entende-se por chuveiro
de partículas o conjunto incidente, ocorre a formação de um grande número de partículas se-
de eventos que ocorrem cundárias, posteriormente terciárias, e assim por diante. No final, a
devido à interação da maior parte da energia da partícula incidente foi transferida ao meio,
partícula relativística com
o que justifica a denominação calorímetro. Os calorímetros são deno-
as moléculas ou átomos
do detector. minados de acordo com o tipo de partícula que se deseja medir. Por
exemplo, o calorímetro eletromagnético é o que mede a energia de
fótons e léptons, e o calorímetro hadrônico, o que mede a energia dos
hadrons. Um calorímetro típico pode ser feito de placas absorvedoras
passivas ( Pb ou Fe ) com um material cintilador ativo entre elas, com
a finalidade de medir a energia das partículas. Os materiais cintilado-
res são certos materiais que emitem luz visível quando são atingidos
por partículas carregadas ou fótons. Nos calorímetros, as partículas

78
ou chuveiros de partículas dissipam uma fração de sua energia, que
surge como luz cintilante, que é acoplada a um detector de luz, tal
como um tubo fotomultiplicador, e a um contador. Através da medida
dessa energia dissipada, podemos inferir a energia da partícula, que é
o que nos interessa.

Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão 79


Resumo
Neste capítulo discutimos, do ponto de vista da Física Moderna, quais
são as partículas fundamentais ou tijolos, a partir dos quais é forma-
da toda a matéria do universo. Apresentamos os elementos do mo-
delo padrão, que é a teoria oficial das partículas elementares, a qual
é obtida através da combinação da cromodinâmica quântica com a
teoria eletro-fraca, isto é, das teorias da interação forte com a das
interações eletromagnética e fraca. Mostramos que, de acordo com
este modelo, as partículas elementares são: 6 quarks, 6 anti-
quarks, 6 léptons, 6 anti-léptons, 8 gluons, 3 bósons massi-
0 + -
vos ( Z , W e W ) e o fóton. O conceito de interação foi discutido
do ponto de vista da troca de partículas virtuais. A idéia de grandeza
conservada bem como do seu uso na Física de partículas foram ex-
ploradas. Por fim, os conceitos essenciais relacionados com o funcio-
namento dos aceleradores e detectores, onde a pesquisa da física de
partículas é realizada, foram discutidos.

80
4 Noções sobre Astrofísica Nuclear
4 Noções sobre Astrofísica Nuclear

Neste capítulo apresentaremos de forma concisa a teoria


da grande explosão, enfatizando a importância dos con-
ceitos de Física de partículas e nuclear necessários para a
sua compreensão. Mostraremos como pode ser entendida
a formação dos elementos químicos encontrados no Uni-
verso. Por fim, apresentaremos uma breve discussão so-
bre a evolução estelar e as condições para que uma estrela
de nêutrons possa se formar.

4.1 Introdução Que corresponde ao


universo das partículas
Existe uma enorme inter-relação entre as propriedades do extrema- elementares.
mente pequeno, com o extremamente grande. A fim de compreender
como se entrelaçam estes dois universos, que parecem ser totalmente Que corresponde ao
Universo Sideral, sendo
distintos, vamos começar pelo ramo da física que estuda a origem, a
este último constituído
evolução e a estrutura do Universo como um todo, chamado de cos- pelas galáxias, estrelas,
mologia. Apresentaremos de maneira bem simplificada e concisa a planetas etc.
teoria da grande explosão (em inglês, big bang) que na atualidade
é a teoria cosmológica mais bem aceita. Ao mesmo tempo vamos
mostrar que, sem o total domínio dos conceitos da física nuclear e de
partículas elementares, é impossível compreender a teoria da grande
explosão e, no contexto desta teoria, vamos introduzir alguns tópicos
relacionados com a astrofísica nuclear, cujo objeto de estudo é a
produção de energia nas estrelas e a nucleossíntese, isto é, o proces-
so de formação dos elementos químicos do Universo, cuja discussão
iniciamos no capítulo 2.

4.2 Teoria da Grande Explosão

Acredita-se que o Universo surgiu há cerca de 15 bilhões de anos,


quando tudo se resumia a um único ponto onde a matéria era com-
primida a uma densidade e temperatura inacreditavelmente grandes
e, em certo momento, ocorreu uma grande explosão. Uma evidência
desta grande explosão pode ser obtida observando-se o movimento

Noções sobre Astrofísica Nuclear 83


de expansão das galáxias. O cenário logo após a explosão é o Univer-
so com temperaturas da ordem de inacreditáveis 1030 K e ocupando
Nem mesmo nos grandes um volume muito inferior ao da Terra.
laboratórios atuais
chegamos perto de obter
tais temperaturas ou
energias.
N esta temperatura não existe matéria na forma com
a qual estamos habituados, na verdade, temos so-
mente partículas elementares reagindo entre si a altíssi-
mas energias.

Para termos uma idéia de ordem de grandeza, a energia cinética de


uma única partícula seria superior a de um avião a jato. Aqui perce-
bemos que a física das partículas elementares é a chave para enten-
dermos de onde viemos e como surgimos. A partir de experimentos
realizados em vários laboratórios, e hoje em dia especialmente nos
grandes laboratórios tais como o CERN na Suíça e o FERMILAB nos
Estados Unidos, podemos compreender as regras e leis que governam
o mundo das partículas elementares e, com isso, o nosso passado
remoto, nossa criação e, talvez, nosso presente e futuro. Obviamen-
te respostas para as questões “o que causou a grande explosão?”
ou “o que havia antes?” não temos, e provavelmente nunca tere-
mos. No entanto, com o que já sabemos até agora sobre as partículas,
muito podemos afirmar sobre o que provavelmente ocorreu após um
-43
intervalo de tempo da ordem de 10 segundos após a grande explo-
são. Em intervalos menores do que este, as teorias atuais ainda não
funcionam, pois isto corresponderia à situação em que as reações
entre as partículas ocorrem quando elas estão tão próximas umas
das outras que a força da gravidade tem um papel tão importante
quanto qualquer uma das outras três forças. Para explicar isto, ne-
cessitamos de uma teoria unificada das quatro forças fundamentais.
Essas teorias procuram mostrar que, neste cenário, as quatro forças
se unem em uma única força. Mas, apesar dos esforços de muitos físi-
cos e do próprio Einstein, esta teoria ainda não existe, pois, nesta fase
os efeitos quânticos são importantes em conjunção com a interação
gravitacional e, até agora, não temos uma teoria quântica definitiva
para a gravidade. Isto não deve nos desanimar, pois, a menos de in-
-43
significantes 10 segundos, temos muito a dizer sobre nosso passado
como veremos.

A fim de compreender a evolução do Universo a partir da teoria da


grande explosão, podemos imaginar que, logo após a explosão, temos
uma pequena porção de matéria extremamente quente e densa, que
pode ser chamada de bola-de-fogo primordial, e que originou todo

84
o Universo. Nestes momentos iniciais a temperatura era gigantesca,
e conseqüentemente também era gigante a energia cinética média
das partículas. Nessa situação o Universo estava em expansão, au-
mentando de tamanho com as partículas movendo-se a velocidades
imensas. À medida que o Universo se expande, ele se esfria. Neste
ponto foi fundamental a descoberta feita por Edwin Hubble, em 1929,
de que o espectro de luz emitido por galáxias distantes sistematica-
mente se desviava para o vermelho quando comparado ao espectro
de galáxias próximas e, além disso, quanto mais distante a galáxia, A explicação para o
desvio ao vermelho foi
maior era o desvio. O físico russo A. Friedmann obteve uma solução
possível através da teoria
para as equações de Einstein que mostrava que o Universo deveria da relatividade geral de
estar alterando a sua forma. Uma das possíveis soluções consiste em Einstein.
assumir que o Universo está em expansão e, portanto, todos os obje-
tos passam a ficar cada vez mais distantes uns dos outros, inclusive
o espaço vazio pelo qual a luz se propaga. Isto explica a razão para
que haja um aumento no comprimento de onda da luz vinda de to-
Desvio ao vermelho.
das as galáxias distantes. A energia de um fóton é dada pela relação

de Einstein E = hv = hc . Como o desvio ao vermelho significa que



o comprimento de onda do fóton vai sistematicamente aumentando,
isto quer dizer que sua energia vai diminuindo com o tempo e, con-
seqüentemente, a temperatura diminui. O desvio ao vermelho é uma
outra evidência experimental para a existência da grande explosão,
pois se o Universo está em expansão, isto quer dizer que em algum
momento tudo deveria estar junto em algum lugar.

Exemplo: Uma estimativa da idade do Universo pode ser feita a


partir da lei de Hubble, que afirma que o desvio ao vermelho da luz
emitida por galáxias distantes satisfaz aproximadamente a equação:
 − ′
z= = Hd ,

onde  é o comprimento de onda no referencial da galáxia, ′ é o
comprimento de onda no referencial fixo na terra, d é a distância da
galáxia à terra e H é a constante de Hubble. Considerando a expressão
para o efeito Doppler relativístico, no caso da fonte se afastando com
velocidade aparente v , na aproximação onde  = v << 1 , obtemos:
c
1 1−  1 1
= ≅ (1 − ) .
 1 +  ′ ′

Substituindo a equação acima na Lei de Hubble obtemos:


v
= Hd .
c

Noções sobre Astrofísica Nuclear 85


Assumindo que a velocidade de expansão do Universo tenha se man-
tido constante desde a grande explosão, podemos estimar a idade

do Universo como sendo t=1 ≅ 15 bilhões de anos . A estimativa


Hc
que fizemos deve ser encarada como uma aproximação da realidade,
uma vez que as teorias cosmológicas modernas consideram que essa
velocidade e, conseqüentemente, o parâmetro H vem se alterando
com o tempo.

É o valor da temperatura que determina quais partículas são os cons-


O papel da temperatura é tituintes dominantes do Universo. Por exemplo, enquanto a tempera-
essencial na compreensão
tura for superior a um dado valor limiar, as seguintes reações podem
dos fenômenos que
ocorreram a partir da ocorrer:
grande explosão. Partícula + anti - partícula →  +  (aniquilação)
 +  → Partícula+anti-partícula → (materialização)
e, portanto, enquanto as reações acima ocorrerem, partículas e anti-
partículas serão constituintes ativos do Universo. A energia cinética
média dos fótons está associada à temperatura, assim podemos es-
timar a temperatura limiar para que as reações acima ocorram, no
caso de prótons e antiprótons:
E 2
E ≅ kT → T ≅ = mp ⋅ c ,
k k
e, portanto, T ∼ 1013 K . Quando o Universo se resfriou abaixo des-
ta temperatura, os prótons e anti-prótons se aniquilaram e restaram
muito poucos, se comparados com o número de fótons.

Temperatura

A temperatura do Universo pode ser estimada através da expressão,


válida para um gás ideal, que relaciona a temperatura, T , com a ener-
gia cinética média de suas partículas:

< Ec >= 3 kT ≅ kT ,
2
onde k é a constante de Boltzmann.

Através da fórmula acima, obtemos para T = 1010 Kelvin que a ener-


gia < Ec > é da ordem de 1 MeV por partícula. Em um núcleo atômi-
co, a energia de ligação por núcleon é da ordem de 8 MeV .

Neste ponto será útil dividir os primeiros momentos desde a criação


do Universo em fases para entendermos a física envolvida em cada
uma delas.

86
1) O primeiro nanosegundo (10 -9s)

Nesta fase o Universo expandiu-se e resfriou-se rapidamente e, em


algum momento, foi quebrada a simetria entre matéria e antimatéria.
A quebra da simetria é necessária para explicar a razão de só ter
restado matéria na composição do Universo. As teorias que procu-
ram explicar o que ocorreu imediatamente após a grande explosão
supõem que havia o mesmo número de quarks e antiquarks, leptons
e antileptons. Hoje, acreditamos que, ao final do seu primeiro nanose-
gundo, o Universo era constituído por uma espécie de “sopa” de qua-
rks, antiquarks e, em número ligeiramente menor, léptons e bósons
de calibre (gluons, fótons e bósons massivos). Estas são as partículas
que formam o modelo padrão das partículas elementares.

2) O primeiro microsegundo (10 -6s)

Após o primeiro nanosegundo, a matéria em expansão esfria-se sufi-


cientemente para poder formar os hádrons. Nesta fase, três quarks se
ligam de modo a criar os bárions (prótons, nêutrons etc) e pares de
quarks e antiquarks se unem para criar os mésons (píons, kaons etc).
A expansão do Universo continua, e todas as partículas constituintes
desta fase, isto é, os bárions, mésons e léptons, colidem entre si, e
algumas decaem, até que no final restam apenas as partículas mais
estáveis: a saber, entre os léptons e bósons de calibre, sobrevivem
os elétrons, os neutrinos e os fótons; e entre os hádrons sobrevivem
apenas os prótons e os nêutrons, que ainda estão em números aproxi-
madamente iguais devido às suas interações com os neutrinos.

3) O Primeiro segundo

O Universo ainda se encontra em processo de expansão com a corres-


pondente diminuição de sua temperatura, que no final deste período
cai para um valor da ordem de 10 bilhões de graus Kelvin . Aqui o
número de prótons deixa de ser aproximadamente o mesmo que o nú-
mero de nêutrons, pois a temperatura não é mais suficiente para que
os neutrinos mantenham esse equilíbrio e, gradualmente, o número
de prótons vai aumentando.

4) Os primeiros 25 minutos

Nesta fase, a temperatura do Universo cai para valores onde a energia


associada ao movimento térmico das partículas passa a ser inferior
à energia de ligação que mantém os núcleons confinados dentro dos
núcleos. Neste momento, os núcleons passam a se grudar uns juntos

Noções sobre Astrofísica Nuclear 87


aos outros, formando pequenos aglomerados, em especial, deuterons
Núcleos do átomo deutério e partículas alfa. Aqui nos encontramos no que é chamada de era da
formados por um próton e
nucleossíntese primordial, que será responsável pela abundância de
um nêutron.
elementos leves, tais como o deutério e o hélio. No entanto ainda nos
encontramos em uma fase em que átomos e moléculas não existem.

5) O primeiro milhão de anos

O contínuo processo de expansão e resfriamento do Universo nos


leva a uma situação em que os elétrons se juntam aos núcleos para
formar os átomos e moléculas. A energia térmica agora é tal que não
consegue superar as forças que são responsáveis pela coesão de áto-
mos e moléculas e que têm origem nas interações eletromagnéticas.
A matéria passa a ser constituída de átomos neutros que, diferente-
mente do caso em que tínhamos elétrons livres, torna-se transparen-
te à radiação e, então, os fótons são abundantemente emitidos em
todas as direções do Universo. Esses fótons formam o que é conhe-
cido por radiação de fundo, possuem comprimento de onda na fai-
xa do milímetro (microondas), nunca sofreram absorção e são parte
significativa do ruído de fundo das telecomunicações e radar usando
microondas.

Primeira Evidência Experimental da Grande Explosão

No ano de 1964, os físicos Robert Wilson e Arno Penzias dos Labora-


tórios Bell nos Estados Unidos, quando trabalhavam em uma antena
de radiocomunicações por satélite e estudavam as emissões de rádio
Normalmente uma fonte de
vindas do espaço, acidentalmente descobriram um sinal de baixa in-
ondas de rádio tem origem
em uma parte localizada tensidade na faixa de microondas do espectro eletromagnético, que
do céu. vinha de todas as direções, em qualquer hora do dia e da noite, e com
a mesma intensidade. A medida desta radiação em vários compri-
mentos de onda distintos mostrou que ela tinha um espectro caracte-
rístico da radiação do corpo negro e foi possível associá-la a um corpo
negro com a temperatura de 2, 7 K . Imediatamente, esta radiação foi
reconhecida como a radiação cósmica gerada pela grande explosão.
Por esta descoberta, seus autores receberam o premio Nobel de Física
em 1978.

6) O primeiro bilhão de anos

A partir desta idade, a interação gravitacional passa a exercer um


papel ainda mais fundamental na evolução do Universo. Os átomos
e moléculas formados a partir da grande explosão dão início à cria-
ção de aglomerados devido à atração mútua da força gravitacional.

88
Em certos casos essa atração é suficiente para que os aglomerados
adquiram uma massa adequada a se transformarem em embriões
de estrelas, isto é, nas protoestrelas. A atração gravitacional leva a
protoestrela a se contrair, causando o aumento de sua temperatura
e, assim, evoluindo para a fase de pré-seqüência principal, quando
atinge uma temperatura suficiente para dar início a uma seqüência de
reações nucleares (reações termonucleares), que vão ser responsáveis
por grande parte dos elementos mais leves que o ferro. A duração
desta fase pode ser de bilhões de anos.

Até este ponto, discutimos de forma esquemática as várias fases da Por definição uma
evolução do Universo segundo a teoria da grande explosão, em que estrela é um objeto
destacamos a importância da física de partículas e nuclear. A seguir, astronômico composto
por gás ionizado,
vamos discutir como as estrelas evoluem, que elementos químicos são confinado através da
formados nas estrelas e como a energia é produzida numa estrela. força gravitacional, e
que emite radiação
eletromagnética como
resultado das reações
nucleares que ocorrem
4.3 Energia Nuclear e Nucleossíntese no seu interior.

Nucleossíntese primordial

Inicialmente vamos discutir o processo de síntese de elementos que


denominamos de nucleossíntese primordial. No momento em que a
temperatura caiu a um valor tal, em que os fótons não tinham ener- Como citamos
anteriormente, inicia-se
gia suficiente para quebrar qualquer núcleo que pudesse se formar, a
dentro dos primeiros 25
síntese de prótons e nêutrons em núcleos se tornou possível. O núcleo minutos de formação do
mais leve que pode ser formado é o deuteron, d , que tem energia de Universo e dura cerca de
2, 225 MeV e é obtido pela reação de fusão:
ligação de um bilhão de anos.
p + n → d + 

Uma vez que o deuteron é formado, outros núcleos podem ser obtidos
a partir das reações seguintes:
d + n → 3H + 
d + p → 3 He + 
d + d → 3H + p
d + d → 3 He + n
3
H + p → 4 He + 
3
He + n → 4 He + 

Todos os núcleos leves produzidos nas reações anteriores têm energia


de ligação superior à do deuteron e, portanto, se os fótons forem sufi-
cientemente frios para permitir a formação do deuteron, todos esses

Noções sobre Astrofísica Nuclear 89


outros núcleos também poderão ser formados. Nesta fase, a tempera-
tura (energia) não é suficiente para permitir que dois núcleos, que aca-
baram de ser formados, vençam a barreira Coulombiana e se fundam
para formar núcleos mais pesados. A cadeia de reações que acabamos
de descrever termina quando todos os nêutrons passam a fazer parte

dos núcleos formados ou sofrem decaimento beta ( n → p + e + e ).
O resultado deste processo de síntese é um Universo com uma nu-
4
vem de prótons, He , fótons e uma pequena quantidade de núcle-
os mais leves. Os processos aqui descritos duraram cerca de um
bilhão de anos até chegarmos à formação da fase de protoestrela,
4
que consiste no embrião de estrelas. Note que a quantidade de He
produzida nas reações que acabamos de descrever corresponde,
4
aproximadamente, à abundância (proporção relativa) de He que
observamos atualmente no Universo. Se considerarmos a massa de
todos os elementos químicos que observamos em nosso Universo, va-
mos encontrar hidrogênio na proporção de aproximadamente 75% ,
hélio 24% e os outros elementos 1% . Isto está de acordo com as
previsões da teoria da grande explosão e é uma das grandes evidên-
cias experimentais que dão suporte a esta teoria.

Evolução Estelar e Diagrama HR

Vamos aqui de forma breve discutir a evolução estelar e sua relação


com um método de classificação de estrelas que foi introduzida pelo
astrônomo dinamarquês E. Hertzsprung e pelo astrônomo americano
H. Russel em 1911, conhecido como diagrama HR , e que mostramos
na figura 4.1.

90
106
Super gigantes

104

Gigantes
102
sequência vermelhas
principal
L (Lsol)

(anãs)
1
Sol

10-2 Anãs brancas

10-4

40000 20000 10000 5000 2500

T (K)
O B A F G K M
azul tipo espectral vermelho
Figura 4.1: Diagrama HR

Neste diagrama, o eixo vertical corresponde à luminosidade estelar, e o


eixo horizontal à temperatura estelar. A luminosidade é definida como
a potência total necessária para sustentar o fluxo de energia emitido a
partir da superfície estelar. Assim, este observável nos dá indicações da
energia emitida pela estrela e, portanto, sobre sua massa. Vamos ado-
tar a definição para a temperatura estelar como sendo a temperatura
de um corpo negro que tem a mesma potência irradiada por unidade de
área que a estrela. A uma dada temperatura corresponde uma certa cor
ou tipo espectral, como é indicado na figura, e isto será a base para a
classificação das estrelas. A relação entre temperatura e espectro pode
ser entendida a partir da lei de Wien, que relaciona o comprimento de
onda m para o qual a emissão do corpo negro é máxima, e a tempe-
ratura através da expressão mT = 2,898 ×10−3 mK . O diagrama HR
nos mostra que as estrelas não se distribuem uniformemente, isto é,
concentram-se em certas regiões do diagrama, em particular ao longo
da linha, que é chamada de seqüência principal, e em certas ilhas acima
e abaixo da seqüência principal. A localização da estrela na seqüência
O sol é uma estrela de tipo
principal é determinada por sua massa e todas as estrelas da seqüência anã e se encontra sobre a
principal são chamadas de anãs. seqüência principal.

Noções sobre Astrofísica Nuclear 91


A partir da análise desse diagrama, notamos que estrelas de uma
mesma cor podem ser divididas em luminosas, e neste caso são cha-
madas de gigantes ou supergigantes, e estrelas de pouca luminosida-
de, que se encontram sobre ou abaixo da linha da seqüência principal
e agora são chamadas de anãs. No diagrama da fig. 3.1 destacamos
as regiões onde ocorre uma grande concentração de estrelas, que são
denominadas de gigantes vermelhas, supergigantes vermelhas e anãs
brancas, em que estas últimas, apesar do nome, cobrem uma ampla
faixa de cores e temperaturas.

Exemplo (Temperatura do Sol): Vamos assumir, como fazem os


astrônomos na maioria das vezes, que o sol se comporta como um
corpo negro ideal. Neste caso, a potência irradiada por unidade de
área, I , satisfaz a lei de Stefan-Boltzmann:
I = T 4 onde  = 5, 67 × 10−8 W m 2 K 4 .

Sabendo-se que a luminosidade do sol, L = 3,85 × 1026 W , e o raio


do sol, R = 6,96 x 108 m , obtemos a temperatura efetiva da super-
fície do sol,
L
I =  T4 = .
4 R2

Da equação acima, obtemos T = 5800 K .

Aplicando a lei de Wien sabemos que o comprimento de onda para o


qual a energia emitida pelo sol é máxima:
m = (2,898 ×10−3 5800)m = 499, 7 nm .

E ste comprimento de onda pode ser comparado com


o intervalo correspondente ao espectro visível, que
varia aproximadamente de 400 – 700 nm, isto é, da cor
violeta à cor vermelha.

A evolução de uma estrela vai depender essencialmente de sua massa


no início do processo de fusão nuclear e, para manter a nossa discus-
são o mais simples possível, não vamos considerar sistemas binários,
pois neste caso também teríamos uma dependência com a distân-
cia entre as estrelas. Quanto mais massiva for a estrela, maior será a
As alterações pela qual a
estrela passará ao longo sua emissão de energia e, conseqüentemente, mais rápida será a sua
de sua vida. evolução. A evolução estelar é o resultado da reação da estrela a um

92
desbalanceamento entre a pressão e a gravidade. A estrela reage de
modo a encontrar uma nova fonte de energia que a estabilize contra
a força da gravidade que tende a contraí-la. Assim, os vários estágios
da evolução estelar são caracterizados pelos diferentes mecanismos
de geração de energia. Todas as estrelas iniciam seu ciclo de vida
como uma estrela da seqüência principal, obtendo sua energia através
da queima do hidrogênio (isto é, da fusão do hidrogênio em hélio
no seu núcleo). Com isto, a estrela adquire um núcleo composto por
hélio e, como resultado da contração, o núcleo vai se tornando mais
quente até o momento em que, eventualmente, o hélio pode iniciar
reações de fusão que terão como resultado oxigênio e carbono. O
hidrogênio ainda continuará sendo queimado nas camadas que cir-
cundam o núcleo. Como resultado, temos uma geração de energia
pela estrela muito maior (mais brilho) do que no caso da queima de
hidrogênio e, além disso, ocorrerá uma grande emissão de energia na
direção da superfície da estrela, que é mais fria, com o conseqüente
aumento do tamanho da estrela. Neste caso, a estrela deixará de fazer
parte da seqüência principal do diagrama HR . Estrelas que iniciaram
sua vida com menos do que cerca de 10 massas solares vão parar Nebulosa Planetária:
a sua geração de energia na queima do hélio e evoluir para a fase é uma camada de gás
de gigante vermelha, supergigante vermelha para, por fim, atingir o em expansão ejetada
por uma estrela gigante
momento em que ejetarão uma nebulosa planetária e terminarão
vermelha no fim de sua
as suas vidas como anãs brancas. Já uma estrela que iniciar a sua vida. Apesar do nome,
vida com mais do que cerca de 10 massas solares continuará o pro- não tem nenhuma
cesso de fusão no seu núcleo além da queima do hélio até obter um relação com planetas.
núcleo de ferro e, então, evoluirá para a fase de supergigante, quando
ejetará a maior parte de sua massa em uma explosão de supernova,
terminando a sua vida ou como uma estrela de nêutrons ou como um
buraco negro. A queima de hélio em uma estrela de pouca massa ( < 3
massas solares) se inicia de maneira espetacular. O hélio começa a se
fundir de forma abrupta e explosiva. Este processo de ignição rápida
do hélio é chamado de “flash de hélio”, dura poucos minutos e tem um
11
pico de luminosidade da ordem de fantásticos 10 L . A rapidez com
que os processos ocorrem depende da massa inicial da estrela, estre-
las de massas muito baixas ( < 0, 08M  ) nunca irão além da queima
do hidrogênio e permanecerão para sempre na seqüência principal e
terminarão sua vida como anã marrom.

No diagrama a seguir, mostramos de modo esquemático a evolução es-


telar em função da massa, tomando por unidade a massa do sol, M  .

Noções sobre Astrofísica Nuclear 93


Estrela da Sequência Principal

Gigante

Flash de He Fusão de Elementos Pesados

Nebulosa Planetária Supernova

Estrela de
Anã Branca Buraco Negro
Nêutrons

0.1 1 10 100

Massa/ massa solar (M‫)סּ‬

Figura 4.2 Diagrama esquemático de evolução estelar. No eixo horizontal está indi-
cado a massa da estrela da sequência principal em unidades de massas solares. Note
o uso da escala logarítmica.

Nucleossíntese

Após o primeiro bilhão de anos, as estrelas e galáxias começaram


a se formar a partir da protoestrela devido à atração gravitacional.
A primeira geração de estrelas foi formada inicialmente a partir de
nuvens de gás hidrogênio, H , e hélio, He . À medida que a nuvem
gasosa se contrai, a energia cinética dos átomos individuais aumenta,
devido ao gasto da energia potencial gravitacional e, como conse-
qüência disto, a temperatura da nuvem aumenta. No momento em
que a temperatura no núcleo atinge valores suficientemente altos, a
estrela inicia reações nucleares no núcleo estelar, tornando-se uma
estrela da seqüência principal e transformando hidrogênio em hélio.
Isto corresponde ao nascimento de uma estrela.

Agora vamos procurar responder à questão de como são formados


os elementos químicos. Imaginemos que partimos de uma protoes-
trela formada por uma nuvem composta de gases hidrogênio e hélio

94
primordiais em processo de colapso. Quando a temperatura alcança
7
cerca de 10 K , a fusão do hidrogênio se torna possível, e o ciclo do
próton, determinado pelas cadeias de reações pp , inicia-se, dando
origem a uma estrela da seqüência principal e transformando hidro-
gênio em hélio no seu núcleo. Este é o processo dominante para es-
trelas com massas menores que 1,2M  . Por exemplo, 98% da energia
do Sol é obtida a partir deste ciclo. A seguir, apresentamos as 3 pos-
síveis reações pp :

Cadeia pp -I
p + p → d + e − + e ( Q = 1, 44 MeV , Ee ≤ 0, 42 MeV )
d + p → 3 He +  ( Q = 5, 49 MeV )
3
He + 3 He → 4 He + 2 p

A cadeia envolvendo as três reações acima resulta na transformação:


4 p → 4 He + 2 e + + 2 e + 24, 7 MeV .

A posterior aniquilação de dois pósitrons com os dois elétrons livres


faz com que a energia total produzida passe a ser 26, 7MeV . Desta
energia, no máximo 0,84MeV é transportado pelos neutrinos, que
devido ao fato de interagirem muito pouco, deixam a estrela imedia-
tamente.

Cadeia pp - II
3
He + 4 He → 7 Be +  ( Q=1,59 MeV)
7
Be + e − → 7 Li + e (Q = 0,86 MeV )
7
Li + p → 2 4 He (Q = 17,35 MeV )

Cadeia pp - III
7
Be + p → 8 B +  ( Q = 0,13 MeV )
8
B → 8 Be + e − + e ( Q = 17, 05 MeV )
8
Be → 2 4 He

As reações acima ocorrem no núcleo da estrela, com probabilidades


relativas de cerca de 86% para a pp − I , 14% para a pp − II e
0, 02% para pp − 3 , e prosseguem até que quase todo o hidrogênio
tenha sido consumido (queimado). No momento em que isto ocorre,
a pressão gravitacional deixa de ser equilibrada pela pressão gerada
por estas reações de fusão e a estrela volta a se contrair, com o subse-

Noções sobre Astrofísica Nuclear 95


qüente aumento da temperatura de seu núcleo até atingir o momento
em que se torna possível a fusão do hélio produzindo carbono, sendo
que o hidrogênio ainda continua sendo queimado nas camadas ex-
teriores da estrela. No caso de estrelas com massas maiores do que
1,2M  , que na sua composição possuam misturas de elementos mais
pesados (estrelas de segunda geração), o ciclo CNO , que apresenta-
mos a seguir, é favorecido com relação ao ciclo do próton e passa a ter
um papel predominante.

Ciclo CNO
12
C + p → 13 N + 
13
N →13 C + e + + ve
13
C + p → 14 N + 
14
N + p → 15 O + 
15
O → 15 N + e + + ve
15
N + p → 12C + 4 He .

Nas reações acima, o carbono e o nitrogênio agem como um catali-


sador e o efeito líquido dessa cadeia é, analogamente à “cadeia” pp,
transformar 4p → 4He. A partir deste ponto, se a massa da estrela for
maior do que cerca de 10 massas solares, são gerados o neônio e o
silício e se caminha para o ciclo final da nucleossíntese dos elemen-
tos químicos através do processo de fusão. Os núcleos se fundem até
produzir os núcleos do ferro, e, então, este processo cessa, uma vez
que a fusão para produzir elementos mais pesados requer energia ao
invés de produzi-la.

Se a estrela for pouco massiva, a sua contração vai parar antes do nú-
cleo de ferro se formar. Quando a fusão termina, uma estrela pequena
vai encolhendo vagarosamente até que os elétrons sob alta pressão
impeçam o processo de contração. Quando isto ocorre, o núcleo de
ferro ainda não foi formado, e as camadas externas que haviam sido
parcialmente queimadas explodem, deixando ao final de todo o pro-
cesso um núcleo de elementos mais leves que o ferro. A estrela se
torna uma anã branca.

As estrelas de maior massa acabam tendo um núcleo formado por


ferro circundado por camadas de silício e enxofre e, à medida que nos
aproximamos das camadas mais externas, passamos a ter oxigênio,
carbono e hélio até atingirmos a camada mais externa onde encon-
tramos hidrogênio.

96
H He

He C, O
C Ne, Mg
O SI, S
SI, S Fe
Fe
Núcleo

Figura 4.3: Composição de uma estrela massiva e altamente evoluída.

As setas da figura 4.3 indicam os elementos que ainda queimam nas


várias camadas da estrela.
Para termos uma idéia
O ciclo de reações de fusão é mais rápido em estrelas mais massivas disto, de acordo com as
devido à maior pressão gravitacional e temperatura interna e, portan- teorias atuais, estima-se
que o sol tenha uma vida
to, queimam mais rápido. de cerca de 1010 anos,
enquanto uma estrela
Estrelas massivas ( M > 10 M  ) com uma massa dez vezes
maior deve durar 1000
vezes menos.
Vamos discutir com mais detalhes o caso de estrelas com massa inicial
maior que 10 massas solares. Neste caso, a temperatura do núcleo
pode atingir o valor de 5 ×109 K , que é o valor necessário para for-
mar o núcleo de ferro. A formação de ferro no núcleo não cessa no
momento em que a fusão nuclear no núcleo da estrela termina, pois a
Tipos de Supernova: as
camada de silício que circunda o núcleo continua produzindo ferro e, supernovas podem ser
assim, aumentando a massa de seu núcleo até o instante em que o gás classificadas em tipos I e II.
de elétrons, que produz uma pressão que resiste à contração da estrela, As do tipo I são formadas
a partir de populações
não é mais capaz de sustentar o seu peso e, então, ocorre o colapso da
de estrelas mais velhas
estrela. Após um processo complexo, o núcleo se transforma em um (chamadas populações de
gás, cuja pressão resiste à atração gravitacional. Essa resistência gera estrelas do tipo II) e menos
ondas de choque que causam o colapso da estrela em uma explosão massivas. Já as supernovas
do tipo II são formadas
catastrófica. Toda a matéria da estrela além de um certo raio é, então,
a partir de estrelas mais
ejetada através de uma violenta explosão. Isto é conhecido como a ex- jovens (populações do tipo
plosão de supernova do tipo II, durante a qual a luminosidade da I) e mais massivas.
estrela é tão intensa a ponto de exceder a luminosidade da galáxia.

Noções sobre Astrofísica Nuclear 97


Estrela de Neutrons e Buracos Negros

Se o núcleo remanescente de uma explosão de supernova está no


Massa de
Chandrasekhar (Mch ): intervalo de 1, 4 a 3 massas solares, a pressão dos elétrons dege-
É a massa limite nerados não é forte o suficiente para suportar a estrela. Esta irá se
para que a pressão contrair, e os elétrons se combinar com os prótons de modo a formar
do gás de elétrons
nêutrons (captura de elétrons). A pressão de nêutrons degenerados
relativísticos degenerados
possa suportar a pode ser suficiente para parar a contração da estrela e, então, está
atração gravitacional formada uma estrela de nêutrons.
(Mch~1,4M  ).
Pressão de Degenerescência

Para compreendermos como uma estrela pode fazer frente à sua pró-
pria atração gravitacional, que produz uma enorme pressão que tende
a levá-la ao colapso, vamos discutir brevemente o que ocorre com o gás
de partículas do qual é constituído o seu interior. Em geral, estaremos
interessados em descrever o interior de estrelas formado por gases de
partículas fermiônicas (elétrons, nêutrons, prótons etc). Neste caso, o
gás consiste em um típico sistema onde os efeitos quânticos são impor-
tantes e apenas certas energias são permitidas para tais sistemas con-
finados. As partículas são arranjadas em níveis de energias. Quando a
temperatura é próxima de zero e, por conseqüência, todos os níveis de
menor energia estão ocupados, o gás é chamado de degenerado e a sua
correspondente pressão, que se deve ao princípio de exclusão de Pauli,
é chamada de pressão de degenerescência. No caso das estrelas anãs
brancas, as partículas degeneradas são os elétrons, e nas estrelas de
nêutrons são os nêutrons. Seja qual for o caso, o gás resiste fortemente
à compressão, pois a única maneira de uma nova partícula ser absor-
vida pelo sistema é ocupando um nível com energia alta e desocupado,
o que exigirá muita energia. É a pressão de degenerescência originada
do gás de partículas fermiônicas, a baixa temperatura, que irá impedir
o colapso da estrela devido à gravidade.

N ote que este é um comportamento totalmente dife-


rente de um gás ideal, a pressão é diferente de zero
mesmo à T = 0.

Uma estrela de nêutrons tem em sua composição de 95 − 99% de


nêutrons, mas também contém, em menor proporção, elétrons e pró-
tons. O tamanho típico é de 8 − 16 Km de raio, massa da ordem de

98
1,4 M  e densidade da ordem de 1014 g/cm3 . Acredita-se que uma es-
trela de nêutrons é formada por uma crosta sólida de núcleos pesados Note que esta densidade
é gigantesca. Corresponde
de cerca de 1Km de raio. Abaixo desta crosta deve haver uma camada
a concentrarmos a massa
grossa de nêutrons num estado semelhante a um líquido e, por fim, de 100 milhões de carros
um pequeno núcleo sólido, que não é ainda bem conhecido, talvez populares num volume
composto por quarks. Sob certas condições, a estrela de nêutrons não equivalente à cabeça de
um alfinete.
é capaz de resistir a um posterior colapso, gerando o que é conheci-
do como buraco negro. Acredita-se que um buraco negro deve ter se
originado do resfriamento de uma estrela de nêutrons, devido à emis-
são de neutrinos. A detecção dos mesmos é uma possível maneira
de descobrirmos o que aconteceu nesses últimos estágios da vida de
uma estrela.

Crosta Sólida

“Líquido” de Nêutrons

Núcleo Sólido

Figura 4.4 Estrela de Nêutrons

Como os elementos mais pesados foram formados?

N o capítulo 2 os processos responsáveis pela forma-


ção dos elementos mais pesados foram discutidos.

Como vimos, o processo de fusão termonuclear não pode ser o res-


ponsável pela criação de qualquer elemento que seja mais pesado que
o ferro, pois, como a energia de ligação do ferro é máxima, neste caso
as reações de fusão consumiriam energia ao invés de liberá-la. No
entanto, outros processos que envolvem uma seqüência de captura de
nêutrons e decaimentos beta são dominantes na formação de núcleos
mais pesados.

Noções sobre Astrofísica Nuclear 99


Vamos terminar esta seção fazendo uma breve síntese do processo
envolvido na formação dos elementos químicos do Universo. Uma
estrela evolui até o momento em que acaba o seu combustível e ela
morre. No caso de estrelas pouco massivas, é ejetada uma nebulosa
Todos os elementos
químicos que estão planetária, e no caso oposto ocorre uma explosão de supernova. As-
presentes em nosso meio sim, os elementos químicos que acabaram de se formar são lançados
ambiente, desde os que ao meio interestelar, isto é, ao espaço onde havia gás e poeira. Este
constituem o nosso corpo, meio, que agora vai possuir elementos pesados, servirá de matéria
os metais, os gases do ar
etc. foram formados no prima para a formação de novas estrelas, e o ciclo continua, gerando
interior de estrelas. novas gerações de estrelas.

100
Resumo
Apresentamos a teoria da grande explosão bem como algumas das
evidências experimentais que dão sustentação a esta teoria. Em cada
fase da evolução do Universo discutimos os conceitos da Física de
partículas elementares e nuclear envolvidos. A partir do diagrama
H - R , falamos sobre a evolução estelar e, com isto, discutimos as
condições para uma estrela de nêutrons se formar. Mostramos como
os elementos químicos se formaram através da nucleossíntese.

Noções sobre Astrofísica Nuclear 101


Referências
Capítulos 1 e 2

1) KRANE, K.S. Introductory Nuclear Physics. New York: John


Wiley, 1988.

2) CHUNG, K.C. Introdução à Física Nuclear. Rio de Janeiro: Ed.


Uerj, 2001.

3) COHEN, B.L. Concepts of Nuclear Physics. New York: Mc-


Graw-Hill, 1971.

4) GRIFFITHS, D. Introduction to Elementary Particles. New


York: Ed. John Wiley, 1987.

5) COHEN, B.L. Concepts of Nuclear Physics. New York: Mc-


Graw-Hill, 1971.

6) CRUZ, F. Firmo de Souza; MARINELLI, J.R.; MORAES, M.M. Wa-


tanabe de. Fusão Nuclear em Plasma. Caderno Catarinense
de Ensino de Física, v. 6, n. 1, p. 59, 1989.

Capítulo 3

7) TIPLER, P. A.; LEWELLYN, R. A. Física Moderna. 3. Rio de Ja-


neiro: LTC Editora, 2001.

8) ALLDAY, J. Quarks, Leptons and The Big Bang. Bristol, In-


glaterra: IOP Publishing, 1998.

9) BERNSTEIN, J.; FISHBANE, P. M.; GASIOROWICZ, S. Modern


Physics. New Jersey, Estados Unidos: Prentice Hall, 2000.

10) PERKINS, D. H. Introduction to High Energy Physics. Esta-


dos Unidos: Addison-Wesley Publishing Inc., 1987.

11) MENEZES, D. P. Introdução à Física Nuclear e de Partícu-


las Elementares. Florianópolis: EDUFSC, 2002.

102
Capítulo 4

12) CHUNG, K. C. Vamos Falar de Estrelas?. Rio de Janeiro: Ed.


UERJ, 2000.

13) OLIVEIRA FILHO, K. de S.; SARAIVA, M. F. O. Astronomia e


Astrofísica. 2. ed. São Paulo: Ed. Livraria da Física, 2004.

14) HODGSON, P. E.; GADIOLI, E.; ERBA, E. Gadioli. Introductory


Nuclear Physics. Oxford, Inglaterra: Oxford Science Publica-
tions, 2000.

Sites da Internet

15) NATIONAL NUCLEAR DATA CENTER. Disponível em:


<http://www.nndc.bnl.gov>.

16) THOMAS JEFFERSON LAB NATIONAL ACCELERATOR


FACILITY. Disponível em: <http://www.jlab.org>.

17) FUSÃO TERMO-NUCLEAR. Disponível em:


<http://astro.if.ufrgs.br/estrelas/node10.htm>.

18) IMAGINE THE UNIVERSE SCIENCE. Disponível em:


<http://imagine.gsfc.nasa.gov/docs/science/>.

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