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11/07/2020 A virada descolonial da psicose: Frantz Fanon, inventor da esquizoanálise
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Seria possível seguir o caminho de sua reflexão a partir dos capítulos de Pele negra,
máscaras brancas (1952) sobre o “suposto complexo de dependência do colonizado” e a
psicopatologia do “Negro”, indo até as análises de O quinto ano da Revolução argelina
(1959) sobre a sobredeterminação da relação terapêutica com a situação colonial, e
chegando à desmontagem do estereótipo da “impulsividade criminal do norte‐
‑africano” que conclui as “notas psiquiátricas” coletadas no último capítulo de
Condenados da terra (1961).
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11/07/2020 A virada descolonial da psicose: Frantz Fanon, inventor da esquizoanálise
Esse último momento de seu trabalho, por investigar a relação entre psicanálise e
política, desperta um interesse específico, que se torna claro de antemão pela
singularidade de seu lugar de enunciação. No duplo epicentro clínico (o hospital de
Blida‑Joinville e a Escola de Alger) e político (a Argélia em guerra) da psiquiatria
colonial francesa, não estava mais na hora de uma “psicanálise interpretativa”, de
uma “aplicação” de conceitos psicanalíticos para interpretar uma situação política.
Era a hora de uma urgência prática, na qual a conjuntura política confronta a clínica
com o real do sintoma como tal.
Mas esse real não tem a estrutura de um impossível, mas de dois: em forma de double
bind. É, por um lado, a impossibilidade de qualquer enunciação clínica que seja na
situação colonial, a impossibilidade de um ponto de vista clínico, do acolhimento da
experiência singular que um sujeito tem de sua doença. A não ser que se perseverasse
na “aposta absurda”, escreve Fanon em sua carta de pedido de demissão dos encargos
de médico‑chefe do hospital de Blida‑Joinville já em dezembro de 1956, de querer
desalienar indivíduos em um país onde o autóctone é um “alienado permanente em
seu país [e] vive em um estado de despersonalização”, de querer tornar o indivíduo
menos estrangeiro a seu mundo em um mundo que organiza “uma desumanização
sistemática”.
Por outro lado, é a tentação, face a esse campo clínico barrado, de promover sua
foraclusão projetando‑o no campo político imediato, onde a preocupação clínica seria
pura e simplesmente suplantada pela luta de liberação. É, além disso, esse fantasma de
uma liquidação política dos sintomas que se quis por vezes ler nos aportes famosos do
primeiro capítulo de Condenados da terra (talvez os mais imprudentes, em todo caso os
mais “dialeticamente” idealizantes) sobre a transformação de economias psíquicas da
violência na passagem a uma luta ofensiva contra o sistema colonial, tendendo a fazer
desaparecer as formas mais virulentas de autoagressão, de prostração melancólica e
de condutas suicidas.
Mas algo devia vir cortar essa continuidade radicalmente suturada entre a situação
colonial (onde a clínica tende a ser impossível) e a situação de guerra de
descolonização (onde o projeto de uma clínica desalienante seria, no limite, realizado
pelo próprio movimento de liberação nacional): os “distúrbios mentais nascidos da
guerra de liberação nacional que dirige o povo argelino”, um trabalho do sintoma
diretamente articulado à luta política.
Farei uma breve observação voltando ao modo pelo qual Fanon investiga a
especificidade das formas traumáticas do sintoma na Argélia, em relação àquelas com
que se preocupou a clínica europeia na saída de duas guerras mundiais. Seu ponto de
partida toca o sentido que toma na colônia a categoria de “psicose reacional”, quando
se constata que o “evento disparador” do processo patológico – se pudermos, em
alguns casos, assim identificá‑lo –, confunde‑se frequentemente com a extrema
violência “atmosférica” que já organizava o regime colonial. As figuras extremas de
esfacelamento e de despersonalização psicóticas, a virulência das formas melancólicas
de culpabilização e de autoagressão, as produções sintomáticas mortíferas invadindo o
real do corpo, o deslocamento do material sociocultural das elaborações simbólicas,
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Dito de outro modo, essa patologia não é produzida pela exacerbação dos mecanismos
de defesa que poderia assimilá‑la ao que a nosologia europeia identificou como
neurose de defesa ou psico‑neurose narcísica. Ela é testemunha, ao contrário, da
impossibilidade dessa saída psicótica, ou da impossibilidade de toda reconstrução
narcísica suscetível de ser um patamar para o desmoronamento das estruturas
“egoicas”. Estaríamos tentados, assim, a qualificar a situação clínica “normal”,
naquele momento sem a sombra da “calma colônia”, como uma situação de
traumatismo permanente, quando as defesas falham até o ponto de tornar impossível
uma entrada na psicose, onde se indicaria, no mínimo, o investimento narcísico com o
qual um sujeito seria ainda capaz de “fazer com” seu sintoma.
Que Fanon lembre que “a colonização, em sua essência, se apresentava já como uma
grande fornecedora de hospitais psiquiátricos”, não quer dizer que ela cedia lugar
para a loucura. Lembramos como, ao se demitir de suas funções no hospital de Blida,
ele respondeu a esse esmagamento de toda acolhida da loucura como essa última
possibilidade da liberdade humana. Mas a recíproca é tal que a subjetivação da
resistência à opressão terá inevitavelmente a atitude de uma reconstrução de
mecanismos de defesa, ou seja, a reabertura de uma produtividade do sintoma
psicótico, fazendo entender que um vetor de psicotização redobra inevitavelmente, e
até suporta necessariamente a posição de uma consciência anticolonial. Tudo se passa
como se os mecanismos de defesa, no processo patológico que os exacerba,
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