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Bibliografia:

Maha Yoga Who Editora Record

PPS elaborado por:


Osmir Clemente MST Loja Liberdade

Recomendo que adquiram o livro completo, neste trabalho apresento apenas pequeno resumo do livro
acima indicado. Leiam o livro completo, vale a pena cada página lida.

www.teosofia-liberdade.org.br
osmir.clemente@gmail.com
Blog: https://osmirclemente.wordpress.com/

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Exortação do Buda

Não acredite em algo simplesmente porque ouviu.


Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito.
Não acredite em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos.
Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade.
Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração.
Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que
conduz ao bem e beneficio de todos, aceite
aceite-o e viva-o.

Siddharta Gautama Buda

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Apresentação
A Libertação não está no alto do céu nem nas profundezas do mar nem na superfície da terra. Ela é
apenas a extinção da mente com todos os seus desejos.
Maha Yoga significa o grande Yoga, o caminho direto da Realização. Todas as outras Yogas são
somente etapas iniciais, que possibilitam a Realização final.
Esta obra expõe a doutrina, esclarece os preceitos, e delineia o método que foram ensinados por
Bhagavan Sri Ramana Maharshi, um dos maiores sábios e um dos mais perfeitos santos da Índia.
Ramana se mantinha em um estado de pura percepção do Ser Supremo, embora conservasse a
consciência comum do quotidiano, isto é, vivia interruptamente em Sahaja Samadhi.
Basta que possamos afastar o sentimento de ser um “ego”, alcançando o “estado sem ego”, o Atma (o
Ser) se desvela e vemos que nós “somos Aquilo”, alcançando a verdade Advaita, a do Uno sem
Segundo.
O Método de Ramana é o “caminho direto”, Atma Vichara, ou seja a busca do Ser.
Renúncia e Realização são a mesma coisa. Relegar o não-ser é renúncia. Voltar-se para o Ser é Jnana
ou Auto-realização. Um é o aspecto negativo e o outro o positivo da mesma verdade.
Bhakti, Yoga , Dhyana, são simples meios. Quando são mantidos sem esforço, é que já atingimos o
fim, a Meta.
Este livro foi escrito não por Ramana, mas por um de seus principais discípulos, que humildemente usou
o pseudônimo de Who. Ele é alguém indefinindo-se e em processo de eliminação do eu inferior.
Hermógenes
Este livro foi publicado pela distribuidora Record em 1950, em outra publicação mais recente pela
editora Satsang, é indicado que o nome de Who era K. Lakshmana Sarma.

Prefácio do autor
Maha Yoga é o método direto pelo qual podemos descobrir a Verdade de nós mesmos, e é
extremamente simples.
Maha Yoga liberta o discípulo de suas crenças, sem impor novos credos, mas sim para capacitá-lo a
empreender a busca do Verdadeiro Ser, que transcende quaisquer crenças.
Maha Yoga é na verdade um processo de desaprender. O discípulo tem que desaprender de todo o
conhecimento que possui, porque qualquer conhecimento sendo da relatividade, constitui ignorância.
Maha Yoga é o tema dos Upanishads, que de tempos em tempos é proclamada por testemunhas vivas.
Apenas um Mestre vivo pode dizer-nos a verdade dos Upanishads.
O Mestre vivo de nossos dias é o Sábio de Arunachala, Bhagavan Sri Ramana Maharshi.
Maha Yoga é conhecida como “A Sabedoria dos Upanishads à Luz dos Ensinamentos de Ramana
Maharshi”.

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Capítulo 1 – O Sábio de Arunachala.

Sobre a vida de Ramana, já falamos bastante no Workshop “Quem sou eu?”, e está disponível no meu
Blog a todos que quiserem conhecer a vida e ensinamentos de Ramana.

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Capítulo 2 – Somos Felizes?

Para a maioria de nós, este mundo representa um meio para atingirmos um objetivo. Outros afirmam
que estamos aqui para o bem do mundo, e não para o nosso próprio bem.
A verdade é que vivemos para nós em primeiro lugar, e para o mundo somente quando o bem do
mundo reverter em nosso próprio benefício.
A maioria pensa que podemos ter felicidade neste mundo. Tais pessoas nunca fizeram uma pausa
para meditar, não observam que suas esperanças de felicidade geralmente não se realizam.
Nenhuma religião ou filosofia pode fazer para nós o que devemos fazer por nós mesmos. O que dela
obtemos não passa de congestão mental.
Somente o que por nós mesmos descobrimos pode nos ser de real utilidade, e assim mesmo somente
se pararmos e pensarmos. As filosofias e religiões deveriam nos ensinar a parar e pensar.
Não paramos para pensar porque achamos que estamos conseguindo aquilo que queremos, ou seja, a
felicidade.
O que pode abalar essa crença é a experiência do lado trágico da vida, diz Ramana que este é o
meio usado pela natureza. Uma vida de tranquilo deleite é naturalmente contrária à reflexão sobre
assuntos sérios.
Seria bom que fizéssemos uma suposição, de vez em quando, que a vida é frustradora ou intolerável.
Quando fazemos isso, consultamos sacerdotes, astrólogos ou oramos a Deus.
Estes são os remédios populares para nossas aflições. Isso só adia a crise, e será sempre assim até
que aprendamos a parar e pensar.
Buscamos a felicidade por anos a fio, quase a conseguimos, mas todas as vezes somos logrados. Como
não paramos para pensar, continuamos sempre na mesma rota.
Se pararmos para pensar, compreenderemos a verdadeira natureza e real origem da felicidade.
Veremos que felicidade deveria ser algo constante. O que o mundo nos tem oferecido não é nada
disso, mas algo efêmero e inconstante. O nome adequado para isso não é felicidade, mas sim prazer.
Presumimos que se conseguirmos um fluxo contínuo de prazeres, teremos assegurado a felicidade.
Mas, é próprio da natureza a inconstância dos prazeres, pois o prazer é apenas nossa reação ao
impacto das coisas exteriores.
Certas coisas nos dão prazer, mas os mesmos objetos não causam sempre o mesmo prazer, às vezes
trazem até sofrimento. Prazer e sofrimento são companheiros inseparáveis.
Ramana adverte que o prazer real não advém de coisas materiais. O rico não é sempre feliz, e nem o
pobre é a rigor um infeliz. No entanto, todos se sentem muito felizes quando conseguem um sono
profundo e sem sonhos.
A insônia é um mal terrível, para acabar com ela, nos envenenamos com drogas. Isso mostra o tanto
que gostamos de dormir. Gostamos porque no sono profundo somos felizes.
Justifica-se assim nossa suspeita de que a verdadeira felicidade é algo que pertence à nossa natureza
interior, e não a coisas exteriores.

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O prazer é uma liberação de nossa própria felicidade natural, que está aprisionada nas
profundezas de nosso ser. Quando conseguimos algo que queremos, parte desta felicidade é liberada.
Pode-se dizer que o desejo é a causa de estarmos exilados da felicidade, a qual se encontra dentro
de nós, esperando por nós. Se refrearmos os desejos, poderemos provar um pouco desta felicidade.
Por estarmos a maioria das vezes desejosos de obter algo, ou de nos livrarmos de algo, é que somos
infelizes a maior parte do tempo. O desejo de nos livrarmos de algo é fruto do temor. Desejo e temor
são inimigos da felicidade.
Quanto mais intenso é o desejo ou o temor, mais profunda é a infelicidade. Somos infelizes porque
desejamos, mas na tentativa de obter, esquecemos a infelicidade.
Se não conseguimos o que desejamos, sofremos. Se conseguirmos, sofremos também porque o desejo
logo mostra outra coisa pela qual lutar. O desejo nos engana o tempo todo. É como um poço sem
fundo.
Tal qual o medo, o desejo não tem fim, porque intermináveis são as coisas que o medo nos manda
evitar. Enquanto o desejo e o medo tiverem domínio sobre nós, não alcançaremos a felicidade.
Infelizmente não podemos expulsar o desejo e o medo pela nossa força de vontade, exceto por curto
espaço de tempo, e acabamos por desistir.
Devemos procurar uma pessoa que já venceu o prazer e o medo, se decidirmos sinceramente livrar-nos
destes dois inimigos. Somente quem já os venceu realmente pode nos ajudar.
Já houve homens que no passado conquistaram a verdadeira felicidade. Mas as maiorias dos registros
destes Seres estão incompletos ou deturpados.
Tais ensinamentos foram ministrados oralmente, e só forma escritos muito tempo depois que os
Mestres já haviam falecido.
Por isso, precisamos de um Mestre vivo. Tal Mestre é Ramana Maharshi.

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Capítulo 3 – A Ignorância

A causa de nosso sofrimento está dentro de nós mesmos, e não fora. Ramana declarou que o mundo é
bom assim como está. Nós é que somos os culpados, em virtude do nosso modo errado de pensar.
O que temos que fazer é remontar ao erro inicial, que está no fundo de nossas mentes e extirpá-lo.
Todos os outros remédios não passam de paliativos. As crenças e práticas religiosas são apenas
paliativas.
Um indivíduo cético, sério e sincero está em melhores condições do que um crente fanático.
Os sábios não ministram da mesma forma a todos os conhecimentos que trazem dentro de si.
Escondem as verdades mais profundas daqueles cujas mentes não estão receptivas ou aptas. Uma
verdade mal compreendida é mais fatal do que uma simples ignorância.
Portanto, quem desejar ser totalmente instruído por um Sábio, deve estar preparado para por de
lado suas próprias crenças.
Um bom discípulo, com pouco conhecimento livresco, acha-se em melhor condição do que os letrados
cujas mentes estão escravizadas por suas crenças.
O Sábio afirma que somos escravos dos desejos e temores porque não nos conhecemos
corretamente, julgamos ser aquilo que não somos.
Não vemos como o conhecimento correto de nós mesmos pode ser-nos útil, e, além disso, estamos
convencidos de que nos conhecemos perfeitamente bem.
Acreditamos que o conhecimento é de grande valor, e procuramos acumular mais e mais
conhecimento. E todo esse conhecimento é sobre o mundo, e não sobre nós mesmos.
Se todo o conhecimento acumulado pelos seres humanos trouxesse a felicidade, o mundo teria que ser
melhor. Mas, este não é o caso. Tecnologicamente, é inegável o progresso. Mas, como seres humanos,
nada foi alterado, se é que não pioramos.
Na verdade, a ciência trouxe o mundo a um estado em que a própria sobrevivência da raça humana
está seriamente ameaçada.
O Sábio de Arunachala chega mesmo a caracterizar todo este conhecimento como ignorância.
Ramana replicou que a investigação do mundo exterior a nada nos poderá levar, exceto a ignorância.
Disse ele que quando procuramos conhecer alguma coisa que não seja nós mesmos, sem procurarmos
conhecer a verdade de nós mesmos, o conhecimento que obtemos nunca será exato.
Todo o conhecimento acumulado pelos homens é suspeito, porque deixou de promover a felicidade
humana.
A educação universal não teve êxito em aumentar o número de investigadores realmente competentes.
Diz o Sábio que quem deseja saber a Verdade seja do que for, deve primeiro conhecer-se a si mesmo
e com perfeição.
É necessário termos a mente muito adiantada e grandemente purificada para percebermos e
reconhecermos que não nos conhecemos a nós mesmos.

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O Sábio disse: até agora acreditamos piamente que somos o nosso corpo, esta é a “Ignorância
Primordial”. Porém, no sono profundo deixamos de ser o corpo, e continuamos a existir. Mesmo em
sonhos, o corpo fica dormindo, mas usamos outro veículo de manifestação.
A ignorância primordial se mantém pela escravidão aos desejos e os temores advindos da ignorância
sobre o nosso Ser Real, e a premissa falsa de que o corpo é o eu. Desejos e medos surgem em virtude
do corpo.
O Ser Real tem existência contínua em todos os três estados de consciência, vigília – Sonho – Sono
Profundo. O corpo existe apenas na vigília e nos sonhos. No Sono profundo o Ser Real existe sem
corpo.
Muitos devotos e filósofos declaram saber que o corpo não é o Ser, mas afirmam que a alma é um ser
extremamente sutil que habita o corpo, usando-o durante algum tempo, e deixando-o para habitar
outro corpo.
Com o devido tempo, se desiludem e vêm a compreender que seu conhecimento é puramente teórico,
e não prático. Eles ainda estão na fase de confundir o corpo – denso ou sutil – com o Ser Real, como
todos os outros fazem.
Estes devotos e filósofos tratam a mente como se fosse o Ser Real. A escravidão ao desejo e ao medo
não é menor do que antes. Talvez seja até maior em virtude da vaidade acrescida.
Os Sábios afirmam que só deixaremos de nos identificar com o nosso corpo apenas quando
alcançarmos a experiência direta do Ser Real. Assim como agora temos a experiência direta do
corpo físico.
Essa ignorância de nos identificar com o corpo é um hábito mental arraigado, engendrado na mente
durante longo tempo de ações e pensamentos errôneos. Daí surgiu os vários apegos às coisas.
Tais hábitos mentais formam a própria estrutura da mente. A mente sempre flui pelos mesmos canais
habituais, sempre sujeita às mesmas atrações e repulsões.
O filósofo livresco pode até sentir que ele não é o corpo, mas não consegue sentir que não é a sua
mente. Esta ignorância persistirá até conhecermos o Ser Real, não teórica, mas praticamente, pela
experiência real do Ser.
Até surgir esta compreensão, o filósofo não se descartou de sua ignorância, por mais que tenha
estudado.
O filósofo livresco está até mesmo em piores condições que os outros homens, pois eu coração é
assediado por novos apegos, que não lhe dão tempo para dedicar-se à procura do Ser Real.
Infere-se daí que quem conhece o Ser apenas por intermédio de livros, não o conhece mais do que as
pessoas mais simples.
Os livros não passam de sinais indicadores na estrada para a sabedoria. Essa sabedoria não pode
ser encontrada em livros. O Ser que precisamos conhecer está no interior, não no exterior.
Para quem o procure sinceramente, o Ser mostrar-se-á diretamente, sem qualquer agente
intermediário.
O estudo de livros, porém engendra a ideia de que o Ser é algo externo, que precisa ser conhecido
como um objeto, por intermédio da mente.

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Todos estão convencidos que as questões referentes ao mundo, à alma e a Deus podem ser resolvidas
pelas especulações intelectuais.
Filósofos e teólogos discutem sobre a causa primeira, modo da criação, tempo e espaço, determinismo
e livre-arbítrio, e nunca chegam a uma conclusão. Tal conclusão só será possível se o Ser Real for
alcançado.
Para aquele que atingiu o Ser Real, estas controvérsias chegam ao final. Para todos os outros, elas
continuarão, a menos que sigamos o conselho do Sábio e deixemos de lado todas elas, e nos
dediquemos à busca do Ser.
A verdade é que estas especulações não têm a menor importância e não precisam de respostas, e que
a única coisa realmente necessária é encontrar o Ser.
Todos os nossos sofrimentos são devidos à nossa ignorância sobre o Ser Real. A remoção desta
causa é a única forma de cura radical que existe.
E só poderemos ficar livres dessa ignorância, por meio da experiência direta com o Ser. Isso não
será fácil, pois o instrumento a ser usado nesse trabalho é a mente.
A mente tem que se desligar de tudo o mais e focar no Ser Real. Mas a mente não se desliga
facilmente de suas tarefas rotineiras. Se for forçada a isso, não se concentra, e retorna ao ponto de
partida.
Como a mente está cheia de ideias, frutos da ignorância, estas ideias rebelam-se para defender a vida
de sua geratriz que é a ignorância. Portanto, temos que liquidar todas essas ideias.
Devemos nos guiar pela absoluta devoção à Verdade. O Gita diz: “Aquele que ama a Verdade e submete
todo o seu ser ao amor da Verdade, A encontrará”. Não pode haver amor parcial pela Verdade.
Um amor à Verdade sendo limitado, implica também amor pela inverdade. O amor perfeito pela
Verdade significa uma total boa vontade para renunciar a tudo que se julgue ser falso.
Implica também a capacidade de submeter a exame completo e imparcial todas as crenças que temos
agora quanto ao mundo, à alma, e a Deus.
É a isenção de apego às suas próprias crenças que lhe permite fazer uma análise imparcial de sua
validade. Devemos ser devotos somente da Verdade, e livres de erros.
Devemos renunciar ao amor que devotamos às nossas crenças, de modo que a Verdade possa reinar
suprema em nossos corações quando a tivermos encontrado.
O que se conhece como filosofia é apenas este exame imparcial de todas as ideias, do conteúdo
inteiro de nossa mente. Somente isso é a verdadeira filosofia.

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Capítulo 4 – Autoridade

Antes de empreendermos a Busca do Ser Real, temos que nos preparar para isso por meio de uma
análise de nossas ideias, e do alijamento daquelas que possam prejudicar tal busca.
Esse exame chama-se filosofia, que é um meio, e não um fim em si mesma. A filosofia certa é uma
crítica imparcial sobre três coisas: o mundo, a alma e Deus.
A filosofia para ser útil deve começar com um reconhecimento da ignorância primordial (acreditar
que somos o nosso corpo). Isso quer dizer que todas as nossas ideias atuais são suspeitas, e devem
ser submetidas a uma crítica completa.
A filosofia usa como prova a experiência humana vulgar, e tal experiência é resultado da ignorância
primordial. Por isso a filosofia granjeou fama pela futilidade. Precisamos procurar outras evidências.
Alguns dizem que o corpo é o Ser. Outros dizem que a mente é o Ser. Alguns admitem que o Ser não
é o corpo nem a mente, mas imaginam que existe uma mente superior que constitui o Ser Real.
Todas estas opiniões coincidem em reconhecer que o Ser Real é finito. Finitude é sinônimo de
escravidão. Devemos então dizer adeus a toda esperança de libertação.
Filosofias assim não nos ajudam a libertar-nos de nossa ignorância primordial. Quem quer
filosofar direito deve evitar o erro destes filósofos. Deve escolher provas mais adequadas.
Há pelo menos três classes de homens excepcionais que devemos considerar: os Iogues, os Santos e
os Sábios. Precisamos descobrir qual deles são as testemunhas adequadas.
As provas dos Iogues não são válidas, porque eles ainda não transcenderam o reino da ignorância. O
fato de eles diferirem entre si demonstra isso. O mesmo acontece com os Santos.
Os Sábios não diferem entre si, porque já transcenderam a ignorância. Nenhum Sábio jamais
contradiz outro Sábio. A Revelação nos ensina que todos os Sábios são um só.
As opiniões dos Santos diferem de acordo com o grau de sua maturidade. Quanto mais próximos
estão da condição de Sábios, mais judiciosas são as suas declarações.
As experiências dos Iogues são altamente complexas e exercem um fascínio irresistível sobre nós.
Eles não têm consciência de que são governados pela ignorância.
O objetivo dos Iogues não é acabar com a ignorância, mas o atingimento de um status glorioso,
dentro da ignorância. Os Iogues estão convencidos que a mente é por si só o Ser Real.
O Sábio Shankaracharya afirma que nem os Iogues nem os Santos podem ter uma visão exata da
verdade. A visão deles está sujeita à distorção pela interferência da mente, o que não ocorre com
os Sábios.
Os Sábios afirmam que essa mente glorificada dos Iogues é apenas um corpo mais sutil. É a
ignorância primordial sob uma forma mais perigosa. O homem comum está numa posição melhor do
que o Iogue, porque o iogue só se afundou mais na ignorância.
Portanto, devemos rejeitar as provas dos Iogues. Os Santos são dignos de reverência, mas por ora,
vamos por de lado suas provas também, e constituir nossa filosofia com base nas provas dos Sábios.

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Tem havido Sábios em todas as épocas. Seu testemunho chegou até nós em certos livros chamados
Upanishads ou Vedantas. Na verdade, é o Coração de toda a vida, o Ser Real que nos fala por
intermédio deles.
Mas, o discípulo fervoroso preferiria, ao invés desses livros, as palavras de um Sábio vivo, se puder
encontrá-lo. Se tiverem dúvidas, poderiam recorrer ao Sábio.
Os discípulos do Sábio de Arunachala estão numa situação muito melhor do que aqueles que confiam
nos livros antigos, ou nos pandits que estudaram estes livros. É necessário que o Guru ou Mestre que
nos ensine seja a encarnação da Sabedoria a ser transmitida.
Autoridade é apenas o testemunho dos Sábios, dando-nos uma ideia de sua própria experiência do
Ser Real, transcendendo a ignorância.
O intelecto não passa de um instrumento, ele deve ser usado somente para avaliar a diversidade,
ele não é você mesmo, nem algo independente de você.
Você é a Realidade Essencial, ao passo que o intelecto não passa de um fenômeno. Você deve
encontrar-se a si mesmo e assumir-se. Não há intelecto no sono sem sonhos, e nem nas crianças. O
intelecto se desenvolve com a idade.
A validade do intelecto é limitada por sua origem, isto é, pela ignorância primordial. O intelecto é um
instrumento excelente a serviço dessa ignorância. A maioria de nós está satisfeita conforme estamos.
Para transcender a ignorância primordial, o intelecto tem muito pouco valor. O máximo que o
intelecto pode fazer por nós é reconhecer suas limitações e deixar de ser um obstáculo na nossa
Busca pela Verdade.
O essencial dos ensinamentos dos Sábios não é o que nos dizem sobre o estado de libertação, mas sim
o que nos falam sobre o método pelo qual poderemos alcançar este Estado.
Devemos aceitar todos os seus ensinamentos como hipótese, de modo a podermos empreender a
Busca e prosseguir até alcançarmos êxito.
Toda sensação de conflito entre a razão e a fé no Guru desvanecer-se á à medida que prosseguirmos
no estudo dos ensinamentos.
Sobre a autoridade, infere-se que, no fim, cada um é sua própria autoridade. Antes de aceitar os
ensinamentos de um Sábio como autoridade, devemos decidir, por nós mesmos, se provém ou não de
um Sábio.
Devemos chegar à conclusão de que o Sábio em questão está no gozo de perfeita e permanente
felicidade, graças a estar liberto do desejo e do medo. O Sábio ao qual se confia, torna-se seu
Guru.
Aquele que está destinado a encontrar um Sábio, e tornar-se seu discípulo, não encontrará
dificuldade em reconhecê-lo. A Graça Divina tem um papel decisivo neste processo.
Os critérios principais são: Serenidade e felicidade imperturbável, Desinteresse por si mesmo,
Indiferença ao elogio ou censura.
Muitas religiões afirmam que suas escrituras sagradas são o máximo em termos de autoridade. Tais
livros podem ser fidedignos, mas este tipo de autoridade é uma espécie de ditadura espiritual
imposta do exterior.

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Esta noção é um dos muitos efeitos funestos das igrejas ou hierarquias. Ela é suficientemente boa
para o homem que está satisfeito em viver e morrer na ignorância. Até mesmo a sabedoria sagrada é
de valor relativo.
A razão explica que a autoridade da sabedoria antiga é o fato de conter trechos que são mais ou
menos os registros do testemunho dos Sábios que viveram no passado. E os Sábios são os mesmos em
todas as épocas.
A verdade é que o Sábio não é um indivíduo, mas uma encarnação da Divindade, o Gita diz “O Sábio
sou Eu Mesmo”.
Nunca podemos nos certificar completamente de que os livros atuais sejam um registro fiel do que os
Sábios disseram. Feliz de quem teve contato com um Sábio vivo.
Concluindo, devemos confiar primeiramente no testemunho do Sábio de Arunachala. Usaremos a
sabedoria antiga, como suplemento ou ilustração.

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Capítulo 5 – O Mundo

A verdade do Ser revelar-se-á quando a mente persistir na Busca do Ser, e não for desviada por
pensamentos alheios. Este tipo de mente é útil na Busca do Ser.
Diz Ramana: De que adiantam polêmicas a respeito do mundo dizendo que é real ou é irreal, feliz ou
miserável? Todos os homens gostam do estado sem ego, que é alcançado pelo afastamento do mundo
e pelo conhecimento do imaculado Ser Real.
É verdade que nem todos são amantes conscientes do Estado sem ego, mas mesmo sem o saberem,
muitos amam esse Estado, e demonstram isso pela predileção do estado do sono sem sonhos, que é
semelhante ao Estado sem ego.
O sono sem sonhos é muito inferior ao Estado sem ego, entretanto é muito similar por ser desprovido
de ego e do mundo.
Se pudéssemos saber o que realmente desejamos, seria inútil discutir sobre o mundo. É o Ser que
deve nos interessar, e não o não-Ser. É um absurdo investigar o não-Ser.
Todas as pesquisas sobre o não-Ser são vãs, se não daninhas, porque retardam a empresa principal, a
Busca do Ser.
A maioria dos seres, mesmo os que pretendem seriamente libertar-se do jugo, são atrapalhados na
Busca por pensamentos indesejáveis que surgem na mente.
O fluxo habitual da mente dirige-se para o mundo, e não para o Ser, porque acreditamos que o
mundo é real.
Se não fosse pela crença de que o mundo é real, seria muito mais fácil para nós obtermos a
Revelação do Ser. O maior assombro é que nós, apesar de sermos sempre o Ser Real, esforçamo-nos
para nos unir a Ele. Um dia, riremos desses esforços.
Não temos que nos transformar nesse Ser, nós somos Ele.
Atualmente, consideramos o mundo como Real num sentido em que ele não o é, por isso é impossível
para nós a compreensão do Ser, até que abandonemos a crença de que o mundo é real. É o próprio
mundo que obscurece o Ser para nós.
Só existe uma Realidade, que achamos ser o mundo, e que só aparecerá como realmente é – o Ser –
quando transcendermos a ignorância.
Descobriremos que este mundo de multiplicidade, de nomes e formas, no tempo e no espaço, não
passa do Ser Real, que é a indivisível Realidade, sem nome, sem forma, sem tempo, sem espaço e sem
mutações.
Enquanto o Ser nos parecer o mundo, não o reconheceremos como Ser. A aparência do mundo
oculta efetivamente o Ser. Devido a uma falsa crença, o Ser, está por enquanto perdido para nós.
Infelizmente, a ideia de um eu nos é inata, nem mesmo podemos duvidar de sua existência, seria uma
“alienação”. Ao percebermos o vazio devido ao obscurecimento do Eu real, nós o preenchemos com um
falso eu.

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Isso é feito pela identificação do Ser com o corpo. Como existem dois corpos o físico (denso) e o
mental (sutil), não podemos deixar de considerar um dos dois como o Ser Real. Em ambos os casos,
caímos na ignorância.
Somos incapazes de conceber um Ser Real que transcende tanto o corpo como a mente. Assim, ao
menos que desejemos renunciar à crença de que o mundo é real, nunca compreenderemos o Ser Real.
Portanto, para libertar-nos da ignorância primordial, devemos renunciar à crença de que o mundo é
real.
Ramana diz que o mudo é tanto real como irreal. O mundo é real porque o que aparece como mundo
é a Realidade que é o Ser Real. O mundo é irreal porque considerado como mundo é uma simples
aparência da Realidade.
Separado da Realidade, o mundo não tem existência. Mas a sua aparência como mundo não afeta a
Realidade, pois ela nunca se tornou verdadeiramente o mundo.
Portanto, o mundo não é totalmente irreal, porque existe algo, o Ser Real, por trás de sua aparência.
Afirma-se que o mundo é Maya, uma aparência ilusória da Realidade.
Maya é aquele poder misterioso que faz o Real parecer algo que não é. As coisas não são como
aparentam.
Enquanto a Realidade é Una, indivisível, imutável, imaculada, amorfa, sem tempo nem espaço, nossas
mentes A imaginam como sendo múltipla, fragmentada, num número infinito de partículas, mutável,
maculada pelos desejos, temores e tristezas, e limitada no tempo e espaço.
Tudo isso é Maya, e a escola da Vedanta que aceita este ensinamento se chama Advaita. Este
ensinamento só é oferecido àqueles que compreenderam que a causa da escravidão é a ignorância, e
desejam dela libertar-se.
Os que se determinam a crer que a Realidade se transforma verdadeiramente em toda essa
multiplicidade, não são chamados a aceitar a Advaita. Para essas pessoas, os Sábios proveram
outros meios para o progresso espiritual.
Mas se quisermos transcender a ignorância, não há outro meio senão aceitar este ensinamento,
porque se o mundo fosse real como tal, não haveria uma Realidade imutável, sem a qual não poderia
haver Libertação.
Os Sábios recomendam que se cultive a crença de que o mundo é irreal, embora não seja esta a
verdade total sobre o mundo.
Este será um método seguro, pois a alternativa para a tese da irrealidade do mundo, quase sempre, é
a de que o mundo é real como mundo.
A primeira razão de que o mundo é irreal, é o fato de que a ignorância é a raiz de toda a nossa
experiência.
Ramana disse: este mundo que você tenta provar ser real, está a toda hora zombando de você por
procurar conhecê-lo, sem primeiro conhecer a si próprio.
O ensino de que o mundo não é real como tal dispensará demonstração, logo que começarmos a sentir
que o desconhecimento do Ser é a única fonte de todo conhecimento do mundo.

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A segunda razão de que o mundo é irreal, é que a nossa crença de que o mundo é real não se baseia
em qualquer evidência fidedigna.
A obrigação de provar que o mundo é real compete àqueles que isso afirmam. A razão é que uma
negação é incapaz de ser provada, ao passo que uma afirmação é capaz de prova.
Antes de iniciar esta discussão, precisamos estabelecer um padrão de realidade, que será
rigorosamente aplicado.
Só é real aquilo que existe sem mutação e sem interrupção, este é o padrão de realidade definido
pelos Sábios. Isso quer dizer que as coisas cuja existência é limitada pelo tempo e espaço não são
reais.
Uma coisa não é real apenas porque pareça existir em determinado momento, porque uma coisa que
realmente exista nunca perde a sua existência.
Entretanto, essa continuidade constitui apenas a prova de transcendência no tempo e outros
elementos da relatividade.
Para os Sábios, a Realidade não está dentro do tempo nem do espaço, nem se relaciona a coisa
alguma como causa ou efeito.
A transcendência de causalidade é de grande importância, isto implica que a imutabilidade é uma
qualidade inalienável do Real.
O fato de qualquer coisa sofrer alguma modificação mostra que ela nunca foi real. As coisas que
existem no tempo e no espaço estão sujeitas à transformação porque podem ser divididas em partes.
Portanto, a indivisibilidade também constitui um critério de realidade.
Além disso, o Real é uma coisa que existe por si mesma, independentemente de outras coisas. Tudo
que tem existência dependente não é real.
Por exemplo, um vaso é feito de barro, portanto não tem existência independente. Antes de ser
feito era barro, e depois de quebrado será barro, e mesmo agora não passa de barro com o nome e
forma de vaso.
Mesmo a existência do barro é apenas relativa, porque o barro é divisível e mutável, e não tem
existência contínua dentro do tempo e do espaço.
O próprio mundo é uma aparência dentro do Real, não tendo existência própria independente do
Real. Portanto, o mundo é irreal como mundo, nada sendo todo o tempo senão o Real.
A irrealidade do mundo pode ser compreendida por meio de três analogias: A da corda julgada ser
uma serpente – O deserto onde aparece uma miragem – Os Sonhos. As três analogias são necessárias
e devem ser consideradas em conjunto.
Quando uma corda é confundida com uma serpente, e depois se reconhece que é uma corda, a
serpente deixa de existir.
Parece que o mesmo não acontece com o mundo, pois mesmo quando se sabe que o mundo é apenas
uma aparência do Ser Real, ele continua a ser visto.
A explicação é que o simples conhecimento teórico não desfaz a aparência do mundo, mas apenas a
Experiência Real do Ser o faz. Uma falsa aparência pode continuar a ser vista, mesmo depois que se
sabe que a coisa é falsa.

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A miragem é uma falsa aparência, assim como a serpente, mas ela continua a ser vista, mesmo depois
de se saber que no local não existe água. Não se mata a sede com uma miragem.
Já as coisas vistas nos sonhos são úteis, o alimento ingerido no sonho sacia a fome do sonho. Nesse
aspecto o estado de vigília não é superior ao estado de sonho.
Um homem que acabou de fazer uma refeição vai dormir e sonha que está com fome. Alguém que
sonha que fez uma refeição acorda faminto.
Na analogia do sonho, uma coisa pode parecer satisfazer uma necessidade, e, no entanto ser uma
ilusão. A verdade é que a necessidade e a saciedade são ambas igualmente irreais.
Dessa forma, compreendemos que o mundo não é real como tal, por não satisfazer o critério de
realidade dado pelos sábios.
Diversas religiões tentam refutar o ensinamento de que o mundo não é real como tal, inventando graus
de realidade, isto foi condenado por todos os Sábios.
Mesmo assim, os Sábios fazem uma concessão à fraqueza humana. Do ponto de vista da Verdade
Absoluta, o mundo é irreal, mas enquanto a ignorância mantiver seu domínio sobre nossas mentes,
ele é tão bom como real.
A sabedoria antiga é dupla. Uma parte é dirigida aos que não estão conscientes de sua ignorância, e
nem querem dissipá-la. A outra parte da sabedoria antiga é destinada aos que estão conscientes da
ignorância, e desejam vencê-la.
Aqueles que persistem na ignorância são iguais a sonhadores que estão convencidos de que seus
sonhos são reais e não querem despertar.
Nós começamos a observar que esta vida material (estado de vigília) é apenas um sonho, conforme
dizem os Sábios. E desejamos acordar.
Ramana afirma que o mundo não tem existência própria nas seguintes palavras:
O mundo e a mente aparecem e desaparecem juntos como um só, mas, dos dois o mundo deve o seu
aparecimento apenas à mente. Só é real Aquilo onde esse par inseparável (mundo e mente) aparece
e desaparece. A Realidade que é a única infinita Consciência, que nem aparece nem desaparece.
O mundo começa a aparecer justamente quando a mente passa a existir, após ter estado imersa e
perdida no sono.
O mundo continua a aparecer somente enquanto a mente está em atividade, desaparece com a
mente quando esta volta a imergir no sono e é visto outra vez quando a mente ganha existência ao
despertar.
Quando a mente se perde no sono, o mundo não aparece. Daí se infere que nem a mente nem o
mundo são reais. Aqui, o padrão de realidade definido pelos Sábios antigos é claramente aceito e
aplicado.
É verdade que durante o sono a mente não existe, mas nós existimos.
O fato de não haver nem mente nem órgãos dos sentidos no sono, não é razão para que o mundo
não seja visto. O Ser Real não precisa de qualquer meio para ver o que é real. O Ser é o olho da
Consciência pelo qual a mente e os sentidos podem perceber alguma coisa.
Não vemos o mundo durante o sono, porque o mundo não existe. Ramana disse:

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O mundo não é outra coisa senão o corpo. O corpo não é outra coisa senão a mente. A mente não é
outra coisa senão a Consciência Primeira. A Consciência Primeira não é outra coisa senão a Realidade,
que existe imutável em Paz.
O mundo e a mente não podem aparecer e desaparecer sem algo real, em que possa imergir e de onde
possa emergir.
Temos dificuldade em aceitar este ensinamento porque estamos acostumados ao pensamento que o
mundo existe fora de nós e que nós mesmos somos o corpo, ou que somos a mente que está no
corpo.
Admitimos que a mente é algo infinitamente pequeno quando comparado com o mundo, e isto torna
difícil para nós concebermos como este vasto mundo pode estar dentro da mente ou ser uno com ela.
Os Sábios afirmam que o mundo existe apenas na mente. Ramana disse:
O mundo nada mais é do que as cinco sensações, visão, audição, etc. Dessa forma, o mundo consiste
dos objetos dos cinco órgãos dos sentidos, e a mente torna-se consciente dessas cinco sensações
através dos cinco sentidos. Assim, o mundo não pode ser outra coisa senão a mente.
Aquilo que percebemos não é o mundo, mas sim uma massa variável de sensações, isto é, sons,
contatos, formas, sabores e odores. Essas sensações não estão no exterior, mas apenas no interior,
isto é, dentro da mente. Elas são pensamentos que surgem na mente.
Junto com esses pensamentos aparece a ideia de que há um exterior no qual existem as coisas que
são a origem dessas sensações.
Uma convicção semelhante aparece durante os sonhos e persiste fortemente até que os sonhos
terminem.
Dizem que o mundo é real, alegam que enquanto uns dormem, outros estão acordados e estes vêem o
mundo, dessa forma o mundo sempre está sendo visto por um ou por outro.
Isso não prova nada, As “testemunhas” que não dormiram e afirmam que o mundo continuou a existir,
são por si mesmas parte do mundo cuja realidade está em dúvida.
Portanto a realidade da existência dessas pessoas é tão duvidosa quanto a existência do mundo como
um todo.
Outro argumento para a realidade do mundo, é que ele parece o mesmo para todos os observadores.
Na verdade, existem grandes diferenças entre os homens quanto a forma de verem o mundo.
Ramana diz que este argumento não é válido porque envolve a falsa hipótese de que há observadores
diferentes. A conformidade entre as diversas percepções é de que na realidade existe apenas um
único observador.
A verdade sobre o mundo é esta: A própria mente, por seu poder de auto-ilusão, cria um mundo
hipotético, correspondente às suas sensações. Simultaneamente cria o recipiente do mundo (algo
exterior) e projeta o mundo nesse exterior.
Essa criação e projeção são processos involuntários e inconscientes, e por isso, a mente nunca
contesta a existência de um exterior e de um mundo objetivo nesse exterior.
Se a mente criasse o mundo de forma consciente, poderia criar um mundo mais agradável. Não pode
fazer isso porque o processo de criação não é consciente.

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Observamos isso nos sonhos, lá a mente cria seu próprio mundo onírico, que não é mais agradável do
que o mundo do estado de vigília, às vezes é muito pior, como nos pesadelos.
A mente tem esse poder de auto-ilusão, criando um mundo e sendo enganada por ele. Esse poder é
a causa dos sonhos. O mundo dos sonhos parece real enquanto o sonho perdura.
Se no sonho o sonhador contesta a realidade do que se vê e tenta descobrir a verdade, conclui sempre
que não está sonhando, mas sim acordado. A natureza nunca permite que alguém continue sonhando e
pense ao mesmo tempo em que está sonhando.
Isso também ocorre na vigília. Pelo seu poder de abstração, a mente pode transmitir a tudo que
imaginar uma aparência de realidade, pela qual é iludida, como nos sonhos.
A sensação de realidade varia de acordo com a concentração da mente e a consequente clareza das
imagens mentais criadas.
Ao assistirmos um bom filme com bons atores, momentaneamente somos levados a crer que o que
vemos é real. Os personagens despertam em nós fortes emoções por causa da ilusão de realidade
criada pelos artistas.
Nossas criações involuntárias no mundo são dotadas de um grau de habilidade artística, maior do
que a dos melhores atores.
As crianças têm um poder de criação muito maior do que os adultos, porque ainda não foram
condicionadas. À medida que crescemos, nosso poder de “fantasiar” vai diminuindo.
Enquanto a ilusão do mundo não se desfaz, é natural não conseguirmos observar que estamos sendo
iludidos. A única forma para terminar com essa auto-ilusão é adquirir a experiência direta do Ser.
Não há outro modo.
De acordo com Einstein tempo e espaço não são duas realidades distintas, só há uma coisa denominada
espaço-tempo, que nunca é experienciado diretamente. É uma entidade hipotética. Ninguém que não
seja um físico matemático pode entendê-lo.
Assim, os próprios cientistas provaram-nos que tempo e espaço são ilusões que surgem numa coisa
chamada espaço-tempo.
Ramana diz que nem tempo nem espaço são reais: Onde é que o tempo e o espaço estão separados do
“eu”? Se fossemos corpos, poder-se-ia dizer que estamos dentro do tempo e do espaço. Mas somos
corpos?
Somos os mesmos em todas as épocas e em todos os lugares, somos, portanto aquela Realidade que
transcende tempo e espaço.
Tempo e espaço são formas mentais, surgindo subjetivamente após o sentido do ego. No sono, não
há nem tempo nem espaço. Ao despertarmos o ego surge e diz: “Eu sou o corpo”.
O ego cria o tempo e o espaço, colocando dentro deles o corpo e o mundo. Quando o ego adormece,
todas essas coisas deixam de existir.
Portanto, tempo e espaço não tem existência quando separados do ego, e o ego e a mente são
praticamente a mesma coisa. Tempo e espaço são mentais.
O Sábio nos diz que nem somos o corpo nem a mente, mas o eterno “Eu sou” que é imutável que corre
como um fio através da sucessão de pensamentos.

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Em todos os pensamentos há este “Eu sou”. Eu sou jovem, Eu sou adulto, Eu sou velho, Eu sou doente,
Eu sou sadio... Em todos estes pensamentos o “Eu sou” é o fator constante.
Este “Eu sou” nunca muda sua natureza, apenas aparenta fazê-lo pela confusão do Ser Real - que é
este “Eu sou” - com o corpo. Esta confusão dá origem ao sentido do ego. Tempo e espaço não afetam
o “Eu sou”. O “Eu sou” não é um produto da mente. É o Ser Real transcendendo tempo e espaço.
A Realidade é Aquilo que É no estado sem ego. (Eu sou Aquilo)
Uma vez que o tempo não existe realmente, não há passado nem futuro, nem mesmo presente. Nem
pode ter havido criação do mundo.
Por isso não tivemos nascimentos passados nem teremos novos no futuro. Nem estamos encarnados
atualmente. Nem a morte pode ser real.
Nem podem haver ações realizadas no passado cujos frutos agora colhemos. Nem estamos agora
realizando ações, cujos frutos colheremos no futuro.
Esta é a verdade absoluta, pura, experenciada por todos os Sábios. Contudo, isto não afeta a
validade relativa das crenças do leigo.
Uma vez que o espaço é uma ilusão, a distinção entre o interior e o exterior também se torna irreal.
Não havendo exterior, não existem objetos inanimados, nem pessoas vivas nesse exterior.
A ideia de multiplicidade é fruto do sentido do ego. Sendo o sentido do ego limitado ao corpo do
observador, este não pode deixar de imaginar que em cada corpo que observa exista uma pessoa.
Assim surgem as ideias de “você” e “ele”, que são meramente ignorância. Ramana disse:
Quando o sentido do “eu sou o corpo” surge, aparecem também as ideias “você” e “ele”. Mas quando,
pela busca da verdade fundamentando o “Eu”, o sentido desse “ego” terminar, e quando as noções de
“você” e “ele” também cessarem, Aquilo que então brilhará como Única Realidade é o verdadeiro Ser.
Ramana diz que a mente é que é vasta, e não o mundo. O conhecedor é sempre maior do que a coisa
conhecida, e o contemplador é maior do que a coisa contemplada. A coisa conhecida está dentro do
conhecedor e a coisa vista está dentro do contemplador.
A vasta imensidão do céu está dentro da mente, não no exterior. O universo infinito também está
na mente.
Até mesmo os grandes deuses e os respectivos céus estão apenas na mente. A divindade que é
concebida como sendo diferente do devoto, é apenas relativamente real.
A Verdadeira Divindade é a Realidade, na qual adorador e adorado são um só. A mente, que os faz
diversos, não tem lugar aí. Tudo que a mente pensa, ou pensa que vê, está no interior, não no
exterior.
A raiz de todas essas superstições é o erro inicial de admitir de que o nosso corpo seja o Ser, e
tudo o mais o não-Ser.
Em virtude dessa ignorância, nem mesmo pensamos em contestar a exatidão desta ou de qualquer
outra crença que nasce dessa ignorância.
Entre as cinco sensações, a forma merece uma consideração especial. Sem a sensação das formas não
podemos ficar sujeitos à ignorância primordial que é o sentido do ego. O ego surge ao apoderar-se
de uma forma, confundindo essa forma com o Ser Real, limitando esse Ser.

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Ramana disse: Se o eu tivesse forma então o mundo e Deus a teriam também. Mas se o eu não tiver
forma, então, como as formas serão vistas? A coisa vista é diferente do olho que a vê? O Olho real é
apenas o Ser Real. É a Consciência Infinita sem forma e sem mundo.
Nem o olho físico nem a mente têm qualquer poder de visão própria. O olho Verdadeiro é o Ser.
Como Ele não tem forma, sendo a Pura e Infinita Consciência, Ele não vê formas. As formas são
criadas pela própria ação de ver.
As formas só aparecem por causa da sensação do ego, a ignorância primordial.
Quando sonhamos, acreditamos piamente que estamos vendo um mundo composto de pessoas e coisas,
no tempo e no espaço, bem similares ao mudo de vigília, supostamente real. Essa crença persiste
durante todo o sonho.
Durante o sonho, não temos a menor dúvida de que o mundo onírico está fora de nós e é real. Na
verdade, a continuação do sonho depende da nossa crença que ele é real. Essa ilusão de realidade
persiste durante todo o sonho.
Somente ao acordarmos é que podemos observar que não passou de um sonho, que não havia mundo
externo algum, apenas uma imagem mental tão vívida que criou a ilusão de exterioridade e de
realidade.
Pode-se argumentar que ao acordarmos de um sonho podemos observar sua irrealidade, mas a nossa
experiência durante a vigília é infindável, não temos como constatar sua falsidade.
Mas os Sábios dizem que existe um despertar desse sonho chamado vigília, e que então o sonho
findará. Veremos isso posteriormente.
Se em sonho ou em vigília, nos afastássemos do mundo e tentássemos observar aquele que vê o
mundo, o mundo e quem o vê desapareceriam juntos, e só o Ser permaneceria.
Uma vez que o mundo não é nada a não ser a mente, sua verdade depende da verdade da mente.
Por isso, temos que observar se a mente é a criadora do mundo, tanto na vigília como no sonho, e se
a mente é real.
O Sábio afirma que a mente é descontínua. No sono sem sonhos não há mente e nem mundo.
A mente nada mais é do que a corrente de pensamentos que passa pela consciência. O primeiro
pensamento é “eu sou o corpo”. Este é um pensamento falso.
Mas, por ser considerado verdadeiro, torna possível que outros pensamentos surjam. Logo, a mente
não passa de fruto da ignorância primordial, e é, portanto, irreal.
Não somos a mente, a mente não é o Ser. A mente não existe durante o sono, mas nós continuamos
a existir durante o sono. O Ser existe no estado além dos três estados – vigília, sonho e sono.
Para podermos recuperar nossa verdadeira natureza – o Ser Real – devemos libertar-nos da
superstição de que o mundo é real.
O Advaita recomenda-nos a seguir um curso intermediário, ou seja, o mundo é indefinível como
verdadeiro ou falso, e isto está filosoficamente correto de acordo com as lições dos Sábios.
Devemos por o mundo de lado e parar de pensar nele, compreendendo que a verdade só pode ser
alcançada, com a completa e final abolição da ignorância primordial e pela revelação do Ser Real.

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Antes disso, precisamos atenuar o domínio da ignorância, lembrando-nos de que o mundo não passa
de uma fantasia de nossas mentes errantes, semelhante ao livro “Alice no país das maravilhas”.
Alice considerava este mundo perfeitamente real, até descobrir que este mundo não passava de um
monte de cartas de baralho.
Da mesma forma, aquele que se libertou, perceberá que este nosso mundo pretensamente sólido não
passa de um amontoado de pensamentos.
Este ensinamento de que o mundo é irreal, não é recomendado àqueles que não estejam ávidos de
obter a Revelação direta do autêntico Ser.
Um método é melhor ou pior em relação a um indivíduo e não em sentido geral. O método de que o
mundo é irreal não é o único método de libertação.
Aqueles a quem este método não convier, podem seguir a senda da devoção. Esses indivíduos
aprendem que o mundo é real porque a Realidade – chamada Deus – é a sua causa material e eficiente.

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Capítulo 6 – A Alma

A maioria de nós acredita que há uma alma, que percebe os objetos do sentido que constituem o
mundo exterior, e que é autora dos pensamentos que surgem na mente. Admitimos também que existe
uma alma distinta habitando cada corpo.
É essa alma que consideramos como sendo o eu, e com este eu se limita a um só corpo e à mente a
ele associada, consideramo-lo finito.
Também acreditamos que nós, estes pequeninos seres, somos limitados, sujeito às leis de espaço,
tempo e causalidade.
A maioria de nós acredita que este eu toma uma sucessão de corpos, não por vontade própria, mas
pela compulsão dos efeitos de ações. Há ainda o dogma de que as almas são diferentes de Deus.
Alguns crêem que essa distinção desaparecerá ao atingirem a libertação. Mas todos os outros
acreditam que a distinção é eterna, que a alma continuará diferente de Deus eternamente.
Todos esses crentes supõem que a mente seja o eu. Se estes crentes estivessem certos, o eu seria
uma pessoa, isto é, um indivíduo.
Diz Ramana: O corpo por si mesmo é inerte e não diz “eu”. A Consciência Real não aprece nem
desaparece. Mas, entre os dois surge algo espúrio, um eu, que assume o tamanho e a forma do corpo.
É a mente servindo de ligação entre a Consciência e o corpo. É a existência condicionada, o ego, o
cativeiro e o corpo sutil. Esta é a natureza da assim chamada alma.
A Consciência Real está além do tempo, nem aparece nem desaparece. O aparecer e desaparecer
do ego são atribuídos ao próprio ego. O sentir-se ser um ego é descontínuo. Aparece e desaparece.
Não existindo o sentido de ego, não existe alma individual. Ela brilha durante a vigília e o sonho, e
desaparece durante o sono. Não devemos identificar este pequenino ser com a Realidade.
Ramana diz que este pequenino ser é um ser hipotético, uma quimera da mente, feita da Luz da
Consciência e do corpo. Estas duas coisas se juntam, e o resultado é este ser incongruente chamado
alma individual que diz “eu sou fulano”.
É descrito como a ligação entre a Realidade (o Ser) e o corpo. O corpo assim identificado como o
eu nem sempre é o corpo físico, às vezes, a mente (um corpo mais sutil) toma o seu lugar.
Por isso, não podemos distinguir o ego da mente, na verdade, a mente não passa de uma forma mais
ampla que o eu. A mente e o corpo sutil são a mesma coisa que este hipotético e pequenino ser.
A chamada alma nada mais é do que este pequenino eu. O Ser Real nunca se tornou
verdadeiramente limitado, nunca se transformou numa alma ou num pequenino eu. A alma individual
não tem existência real.
Só há um único Ser Real, a Consciência pura, que está além do tempo.
Uma vez que a mente não tem existência separada dessa entidade espúria, o eu, todas as criações da
mente, inclusive a ignorância e a limitação, e a consequente existência condicionada, são frutos deste
eu, e participam de sua irreal irrealidade.

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Se considerarmos os fatos sem preconceitos, este ensinamento nos parecerá correto, não podemos
encontrar a prova de uma alma individual que não seja o eu. O próprio eu é apenas a ignorância
primordial.
Assim, esta existência condicionada que chamamos de vida, baseia-se nessa quimera, a alma
individual. É natural, portanto, que a vida deva ser cheia de mentiras e repleta de desapontamentos.
Não poderemos ter uma compreensão perfeita da sabedoria antiga, se esta lição não for aceita.
Shankaracharya disse: Somente enquanto houver uma identificação (realizada pela mente) do Ser
Real com o intelecto, existirá uma aparência de individualidade e de existência condicionada para esse
Ser.
Mas, na realidade, não existe tal entidade como a alma individual, exceto a entidade espúria
imaginada pelo intelecto.
No Vedanta vemos: Não há um vidente, um audiente, um pensador, um conhecedor, que não seja o Ser
Real. Não existe ninguém senão Ele que vê, ouve, pensa ou sabe. Vós sois este Ser.
O eu é a única fonte de todas as nossas experiências na vida. Dizemos “sou fulano” “sou feliz” “sou
infeliz”. Em cada pensamento podemos encontrar este “Eu sou”.
Os Sábios dizem que este “Eu sou” não é propriedade da mente. Este “Eu sou” é a luz do Ser Real.
Como esse Ser é infinito e ilimitado, o “Eu sou” não é a pequena coisa que consideramos Ser.
O que obscurece o Ser Real é apenas a aceitação desse pequenino eu como nosso verdadeiro Ser.
Sendo a alma individual irreal, então não existe “algo” que perceba o mundo. Aquele que vê e a coisa
vista são inseparáveis. Cada percepção envolve os dois, quem vê e a coisa que é vista.
Os três, o vidente, o espetáculo e o ato de ver, formam uma tríade, da qual o ato de ver é o elemento
essencial, que só é possível graças à Luz da Consciência.
Pela Luz da Consciência, tanto aquele que vê como a coisa que é vista são manifestados.
Se aceitarmos o ponto de vista de que o mundo é irreal, então devemos aceitar o ponto de vista de
que aquele que vê também é irreal. O espectador é na verdade uma parte integral do mundo.
O eu é um impostor, não é o Ser Real nem o corpo. Enquanto não pesquisarmos isso, ele persiste e
goza da condição do Ser Real. Quando o pesquisamos, iniciando a Busca do Ser Real de forma
persistente, ele desaparece sem deixar vestígios.
Ramana disse: Este eu, que não passa de um fantasma sem uma forma de si mesmo, surge por
apoderar-se de uma forma. Mantendo-se sob tal forma, aumenta grandemente a sua força, porém,
quando se busca a verdade, ele foge.
Não há eu durante o sono, mas apenas na vigília e no sonho. Em ambos os casos ele se manifesta por
apoderar-se de um corpo dizendo “eu sou este corpo”. Esse corpo é tomado como o eu, ou como a
morada do eu.
Quando o sono sobrevém, tanto o corpo como o ego desaparecem, e com eles, também o mundo
cessa. O eu é simplesmente a ignorância que limita o Ser Real a um corpo exclusivo, destacado de uma
multidão de corpos, todos os quais de sua própria criação.
Esse mundo criado pelo ego é dividido por ele em duas partes: o eu e o não-eu. Daí surge as ideias
do “eu” e “meu”, que formam o nosso cativeiro.

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O cativeiro é o resultado da aplicação da noção do eu a um simples corpo. Se não fosse por causa do
eu, não haveria cativeiro. Os Sábios ensinam que o Ser Real é sempre livre, nunca restringido ou
subjugado pela ignorância, e não precisa ser libertado.
O Sábio, por não ter a noção de ser outra coisa a não ser o Ser Real, não é consciente do cativeiro.
Não tem nem mesmo consciência de se alguma vez já esteve sob jugo, porque transcendeu o próprio
tempo.
O cativeiro é apenas um pensamento, mas este pensamento tem utilidade, porque induz as pessoas
inteligentes a essa pesquisa, que através da Busca do Ser, nos leva a compreensão de que não há
cativeiro.
Como o cativeiro é inerente ao sentido do eu, não deixará de existir enquanto o eu em si mesmo
sobreviver. O eu é por si só é cativeiro bem como cativo. O eu está privado para sempre do gozo de
liberdade.
Aqueles que alimentam a esperança de conseguir a Libertação sem perder a individualidade estão
condenados ao desapontamento.
Na verdade, as regiões sagradas que esperam alcançar, e nas quais conservarão sua individualidade,
são tão irreais como esse mundo.
O próprio eu é a fonte de todo o mal que assedia a vida. Mas a maioria prefere sofrer todos os
males da vida a serem felizes sem este pequenino eu. Formulam-se perguntas, supondo a
imortalidade dessa alma que não existe.
O ensinamento da Vedanta “Vós Sois Aquilo”, outrora era secreto e transmitido apenas a discípulos
suficientemente provados. Mas, atualmente a sabedoria sagrada é acessível a todos, e as
consequências podem ser muito desagradáveis.
Quanto mais elevado é o ensinamento, maiores os males oriundos de sua aplicação indevida. Os
maiores erros são oriundos daqueles que não compreenderam nitidamente a verdade de que não existe
individualidade.
Essas pessoas supõem que o texto sagrado “Vós Sois Aquilo” (Tat tvam asi) está dizendo que a alma
individual é Deus. Isto além de absurdo é blasfemo.
Quem é ignorante? O Ser Real não se queixa de ignorância. É o eu dentro de você que se queixa, é
ele quem faz perguntas. O Ser Real nada pergunta. Esse eu não é o corpo nem o Ser Real, mas algo
que surge entre os dois.
O sentido correto de “Vós Sois Aquilo” é:
Vós não sois o corpo, nem os sentidos, nem a mente, nem a força vital, nem o eu. Vós sois Aquilo, que
brilhará como o puro “Eu Sou”, quando pela renúncia ao pecado original e pela Busca do Eu Real, a
mente completamente seja extinta no Coração, e o mundo deixa de ser visto.
O homem “religioso” é dominado pelo eu, assim como também o é seu irmão mais conveniente, o
cético. Mas o homem religioso raramente está sossegado, por ver tanta gente tendo crenças
diferentes das suas.
O homem religioso anseia ardentemente por uma época em que todos os homens venham a ter uma
só religião, desde que seja a sua religião. O apego que tem à sua religião é o mais puro egoísmo.

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Quanto mais intensamente religioso o homem for, mais desagradável é provável que ele seja, para
aqueles que abraçam outra religião.
Assim, compreendemos que o Sábio não tem religião própria, e assim é porque ele não tem “eu”.
Todos estão sujeitos ao eu, e satisfeitos em continuar assim. Na verdade, apenas a Experiência do
Ser é real, não as crenças sobre Ele, as quais implicam em que Ele possa tornar-se um objeto de
pensamento.
O simples conhecimento teórico do Ser é ignorância, bem como os dogmas dos devotos. O Sábio
quer dizer que a Realidade transcende a mente, enquanto os credos são puramente mentais.
Nenhum credo pode ser uma descrição fiel da Realidade. A Realidade não está nos credos nem nos
livros que a expõe. O crente é apenas o “eu”, cuja natureza é esconder ou deturpar a verdade.
Vemos assim que o eu é a fonte primordial de toda essa multiplicidade, tanto no mundo dos objetos
como no mundo das ideias. Concluímos que o mundo é mental.
Uma vez que a mente não tem existência separada do eu, conclui-se que o próprio eu tanto é a mente
como o mundo.
Ramana diz: Quando o eu surge, então o mundo passa a existir, quando não há eu, então nada existe.
Portanto, a Busca do Ser é o meio de libertar-se do mundo inteiro.
A pluralidade dos eus, que aparecem para nós na ignorância, é uma ilusão, e que essa pluralidade
deixa de ser vista quando o eu é dissipado pela Busca.
No estado de Libertação não há mundo, seja de pessoas e coisas seja de ideias, pois o mundo inteiro
está no eu, e nada mais é do que o eu.
Aquele que aceita as diferenças como reais, morrerá inúmeras vezes. Aquele que imagina a menor
diferença entre si mesmo e a Verdade será vítima do medo. Tudo que concebemos como diferente do
Ser tem o poder de nos enganar.
Compreendamos que quando o eu morre, o Ser Real é concebido como a Realidade Única, então resta
apenas o Ser Real, que é pura Consciência.
Vemos no Gita: Todas as criaturas estão em Mim, Eu não estou nelas, em verdade elas não estão em
Mim, assim é a minha divina Maya.
Os ocidentais costumam dizer que um moribundo “está entregando a alma”. Na realidade, deveríamos
dizer que “estamos entregando o corpo”, se estivéssemos livres da ilusão de que o corpo é o eu.
Embora o eu por si só seja ignorância e a origem de todo pecado e sofrimento, tem importância na
Busca, porque ele tem a chave da descoberta do Ser Real. O eu é a prova do Ser Real.
Ramana diz: Este corpo insensível não diz “Eu”. Ninguém jamais diz “no sono eu não existo“, mas tudo
isso passa a acontecer apenas depois que o eu surge. Procurai a Fonte donde o eu emana,
concentrando a mente na Busca.
O primeiro passo na Busca do Ser Real é compreender que esse Ser não é o corpo, seja físico ou
mental. Sabemos que o Ser, seja o que for, pode existir sem corpo ou mente. Isso ocorre no sono.
Não somos o eu. Somos Aquilo de que o eu se origina. Aquilo deve ser descoberto pela Busca da
Fonte do eu.

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Se encontrarmos aquela Fonte, acharemos não somente o Ser, mas também a Realidade que
sustenta a aparência do mundo. O Ser e a Realidade são uma e mesma coisa.
O eu é o arquiembusteiro, o verdadeiro Satanás. É o único inimigo de Deus e do homem. É o inimigo
do conhecimento verdadeiro. O inventor do homicídio e da mentira.
O eu é o Macbeth cósmico, que está constantemente assassinando a Paz, que é a verdadeira
Felicidade.
O eu é o impostor que usurpou o trono do Ser Real, portanto está privado de entrar no Estado de
Libertação, o Reino dos Céus, que está em todos nós, conforme ensinou Jesus.
O eu é todo o mal que existe, enquanto a ausência do eu é todo o bem que existe. Do eu, que é
ignorância, provém todos os males que apoquentam a vida.
Tudo que é bom e digno de reverente aperfeiçoamento é inerente a inexistência do eu. Fora do eu,
nem há morte nem renascimento.
Este círculo vicioso de mortes e renascimentos é sustentado apenas pela ignorância primordial, que é
o eu. O eu, é por si mesmo, a morte, por ser a negação da Verdade, que é Vida.
O eu, não somente deve ser destronado, como também ser condenado à extinção, pois não há
segurança, enquanto ele sobreviver.
O eu deve tornar-se consideravelmente minimizado para que os ensinamentos dos Sábios possam ser
compreendidos.
Após encontrar o Guru, o discípulo deve permanecer com ele durante longo tempo, servindo-o com
fidelidade, e a ele se doando, em renúncia total, e então o Guru lhe ensinaria o grande segredo, “Vós
Sois Aquilo”.
O verdadeiro significado da Auto-entrega é a completa extinção da sensação do eu, isto é, do
personalismo. Sem isso, o ensinamento de “Vós Sois Aquilo”, será mal interpretado.
O que não faria o ego (eu) se souber que ele próprio é aquele Grande Ser? Entenderia que este
pequenino Ser (a alma individual) seria o Grande Ser, e se tornaria extremamente soberbo. Daí a
necessidade da extinção do eu para acessarmos esta Realidade.
O verdadeiro significado é que embora a alma como tal não seja uma entidade, há nela um elemento
de realidade, isto é, a luz da consciência que procede do Ser Real, que é por nós experienciada como
o “Eu sou”.
Essa Luz não pertence à alma, pertence ao Ser Real, e deve pela renúncia ser entregue a Ele. Quando
esta auto-doação é completa, então só restará o Ser. E se a individualidade foi assim perdida,
está bem perdida.
Esta perda de individualidade não é uma perda. É a perda da maior de todas as perdas, a perda do
eu, e é na verdade o maior de todos os ganhos, porque é a Realização do Eu Real.
Assim como os rios que fluem para o oceano, perdendo nome e forma, tornam-se unos como o oceano,
o mesmo acontece com o Sábio que, perdendo nome e forma, torna-se uno com o Ser Supremo, que é
a Realidade transcendental.
Esta rendição do eu ao Ser Real, para ser final e perfeita, precisa ser efetuada através da Busca do
Ser Real. O método será mostrado em um capítulo mais adiante.

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Uma vez que a renúncia é o auge da devoção, o buscador da Libertação precisa devotar-se ao Ser
Real. Quando esta devoção se tornar perfeita, então será possível iniciar a Busca e nela persistir
até alcançar o êxito, até que o próprio Ser Real se revele.

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Capítulo 7 – Deus

Chegamos à conclusão que tanto o mundo como a alma são irreais como tal. Pesquisemos agora a
verdade do conceito de Deus.
O mundo, a alma e Deus são um único indivisível porque um envolve os outros dois. O mundo inclui os
outros dois.
O nome mundo significa a totalidade de todos os seres que não o pensamento. Inclui todos os objetos
inanimados, todas as criaturas sensíveis e a causa única deles.
O mundo das pessoas e das coisas é um efeito. Assim, o mundo, a alma e Deus constituem
praticamente um só.
Na filosofia Advaita, devemos rejeitar este conjunto ternário como irreal, ou então, aceitar esse
conjunto como real no sentido materialista ou teísta. Não há meio termo.
O mundo é o oposto de Deus por ser inerte e sem consciência, ao passo que Deus é dotado de infinita
consciência.
A alma é o oposto de Deus, por ser finita quando comparada com Deus, que é infinito.
Ramana disse: As trindades todas surgem, dependendo da sensação do eu, e assim também surgem
as dualidades (pares de opostos). Quem percebe a verdade, o Ser Real, as dualidades e trindades
desaparecem totalmente. Tal pessoa é um Sábio.
Os Sábios afirmam que, separado do Ser Real, não existe Deus. Não há Deus no estado sem ego.
Separatividade é própria essência da ideia de Deus como Deus. Onde não há separatividade não
pode haver ideias.
Deus, como Ele realmente é, não constitui objeto de pensamento. A verdade sobre Deus é que ele
não é outro senão o Ser Real, descrito como a Realidade e a Pura Consciência.
Deus não é uma pessoa, e não se relaciona de forma alguma com o mundo das pessoas e das coisas.
Shankaracharya e os Upanishads também afirmam que Deus e o Ser Real são um e o mesmo. Aquele
que serve a uma deidade separada, pensando que Ela é uma e eu sou outro, é um ignorante.
Quando alguém se torna firme em identidade, sem medo, com este Uno invisível, incorpóreo,
indefinível, sem localização, então alcança o destemor.
Aquele que julga haver diferença prossegue de morte em morte.
Deus como realmente É, É sem nome, sem forma e sem atributos de qualquer espécie. Se tivesse
atributos, estaria dentro da relatividade, e seria, portanto, irreal.
Shankaracharya faz uma distinção entre a Realidade em Sua verdadeira natureza e a origem do
mundo. A primeira é Para-Brahman e a segunda Apara-Brahman, ou Nirbija e Sabija, ou ainda
Nirguna e Saguna. A segunda é chamada também Ishvara ou o Deus Pessoal.
Há aqueles que confundem as duas concepções e alegam que o Absoluto se transformou em toda essa
multiplicidade. Ramana diz:
Até mesmo a declaração de que a dualidade é real enquanto alguém se esforça para atingir o objetivo,
mas que no objetivo já não há dualidade não é absolutamente correta.

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Há duas crenças então. A primeira é que a dualidade é sempre verdadeira, e persiste mesmo no
estado de Libertação. Esta é a crença dos dualistas.
A segunda crença é que a dualidade é verdadeira no presente, até que a não-dualidade seja alcançada
por algum método de esforço espiritual.
Ambas as crenças são incorretas. A segunda também é incorreta por causa da peculiar definição de
Realidade definida pelos Sábios. Se a dualidade fosse real, ela perduraria para sempre.
Se a não-dualidade do Estado Sem Ego fosse admitida como um efeito da Busca do Ser ou qualquer
outro meio, também seria irreal, pois teria um começo teria que ter um fim, e tendo fim não seria
real.
Os Upanishads afirmam que uma causa finita nunca pode produzir um efeito infinito.
Os dualistas caem num dilema: Se alegarem que a diferença é real enquanto a ignorância persistir,
teriam que dizer também que a Libertação tem um início, com a conseqüência de ter um fim.
Se os dualistas admitirem que a Libertação é tanto sem princípio como sem fim, seriam levados a
concluir que a diferença é de todo uma ilusão, como definido pela Advaita.
O Eu Real é a única Realidade, todo o tempo, tanto antes como depois da extinção da ignorância. A
verdade é que a ignorância não existe, assim como seus produtos ,o mundo, a alma e Deus. A
ignorância não existe para o Ser Real.
A ignorância não é outra senão o eu, o qual não tem existência em absoluto. O Ser Real é o único,
sem segundo, ímpar todo o tempo, até mesmo agora.
Está fora de cogitação mantermos a crença de que a Realidade sofreu uma mudança real, de que ela
se transformou em três (alma, mundo e Deus).
Se a Realidade pudesse ter sofrido uma transformação, Ela nunca nos salvaria do círculo vicioso da
transformação do qual queremos escapar.
Gautama Buda disse muito acertadamente que se não houver uma Realidade imutável e imóvel, não
poderá haver para nós libertação do samsara. Buda declarou que existe uma Realidade imutável, e que,
portanto, podemos obter a Libertação.
Se admitirmos que a Realidade é imutável, devemos também admitir que Ela não é a causa material
ou eficiente do mundo, que o Seu ser não sofre mudança de espécie alguma.
Esta é a verdade de Deus. O Deus concebido pelos devotos é apenas relativamente real. Aquele que
considera Deus como uma pessoa, considera a si mesmo uma pessoa.
Personalidade significa existência por si só, como um ser separado de todos os outros seres.
A mente-ego é consciente de si mesmo como consciente e inteligente. Essa consciência não é sua,
mas uma fração diminuta da Consciência que é o Ser.
A ideia de que a mente ou alma é uma entidade consciente é descrita pelo Sábio como uma ação de
furto. Esse furto deve ser desfeito mediante da rendição da mente à Realidade.
Diz o Gita na sua última linha: “Refugia-te em Mim, renunciando a todos os teus Dharmas”. Aqui,
Dharma significa tatus ou atributos.

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A alma é um apanhado de atributos, o primeiro deles é a personalidade, ao qual temos de renunciar.
A forma de renúncia é a Busca do Ser.

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Capítulo 8 – O Estado Sem Ego

O Estado de Libertação é descrito como o Estado Sem Ego. É conhecido também como Estado de
Sabedoria, Iluminação, Bem-aventurança, Perfeição, Paz, Estado Natural. Este Estado transcende a
linguagem e o pensamento.
Dúvidas se este Estado realmente existe, quase sempre estão ligadas a ser um estado de
absolutamente nada, e da extinção do eu. Isto advém da crença de que o eu é a própria pessoa.
A resposta é que existe um Ser Real, que é algo diferente do eu e muito superior a ele, e que
sobrevive à sua morte, uma vez que é Real conforme definem os Sábios.
Outra dúvida que acontece é se este Estado é desejável. Ela vem da noção de que a felicidade
consiste de prazeres, para os quais não há finalidade num Estado de negação do mundo.
Aqueles que se sentaram aos pés do Sábio de Arunachala não são molestados por estas dúvidas. O
próprio Sábio é a melhor prova do Estado Sem Ego.
Eles sabem que este é o Estado de plenitude ou Perfeição, de eterna felicidade, que não é
diminuído pelos desejos e nem afetado pelo temor.
Ramana demonstra que o próprio eu, o arquiinimigo da Felicidade, é a geratriz de todas as dúvidas.
Ele as suscita como um meio de adiar a sua própria extinção.
A coisa certa não é continuar a formular perguntas e procurar respostas, mas sim prender o culpado
– o eu – e desfazer-se dele pela Busca do Ser Real, que o eu finge ser.
Todas as perguntas podem ser reduzidas a uma: “Quem Sou Eu?” Esta pergunta é a Busca do Ser, pela
qual se alcança o Estado Sem Ego.
Nesse Estado só existe o Ser e nada mais, daí não haver nem perguntas nem respostas, mas apenas
o Silêncio.
Está nos Upanishads: Quando se contempla o Ser Supremo, o vínculo dos desejos no Coração é
desfeito, todas as dúvidas são dissipadas, e todos os efeitos das ações são anulados.
Isto é uma advertência clara de que um interminável suscitar de dúvidas é apenas um truque do eu
que deseja um novo alento. É o maior dos vícios. Indica falta de seriedade e um oculto amor pelo
próprio cativeiro.
Mas, as dúvidas podem ajudar o inquiridor bem intencionado a ver que há resposta para todas as
perguntas possíveis, apenas deve haver um limite para o questionamento.
Aquele que se devota perfeitamente ao Ser Real está completamente pronto para renunciar à vida
de cativeiro, que é a existência dominada pelo Eu.
Ramana diz que o Ser Real é a Fonte do eu, e que o Ser deve ser procurado e encontrado, caso
queira gozar a plenitude da Vida.
O Estado sem Ego não constitui o nihilismo (nada, vazio), pois o Ser está lá em Sua Natureza Real,
como Ele verdadeiramente é, e não limitado pelo eu. Esse Sr Real é a Vida que agora mesmo nos
sustém.

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Mesmo agora, neste reino de ignorância, somos sustentados pelas correntes da Felicidade do Ser Real
em quantidade suficiente para defender-nos do desespero que sentimos neste mundo ignorante.
A felicidade que segue a realização de qualquer desejo, não somente é temporária, mas mesmo
enquanto perdura é reduzida pelos espectros dos outros desejos não realizados.
Tal não acontece com a Bem-Aventurança do Ser, desfrutada pelo Sábio. No Ser está a plenitude
da Bem-Aventurança, onde desejo não pode surgir.
O Sábio explica que a Bem-Aventurança pura, completa e infindável do Estado Sem Ego deve-se ao
fato de que o eu está morto de uma vez por todas.
O Sábio mostra que não há nihilismo no Estado Sem Ego, porque do nada só pode surgir o nada. Como
poderia o mundo nascer de um simples nada?
Disto aprendemos que a Infinita Consciência é a realidade que sustenta não apenas o mundo das
coisas, mas também o mundo das pessoas.
O Ser Real não é experienciado nos estados por nós conhecidos, vigília, sonho e sono profundo. Temos
a experiência do “Eu sou”, mas esta percepção do Ser Real é reduzida a um simples átomo pelas
limitações impostas pelo eu e suas criações.
Shankaracharya diz que a Luz do Ser é irremediavelmente obscurecida pela interferência da mente.
O Ser Real só brilha, como realmente é, no Estado Sem Ego que é a negação dos três estados.
Mas, mesmo antes de entrarmos no Estado Sem Ego encontramos vestígios do Ser no estado de
sono profundo.
No sono profundo não há corpo, nem mente, nem eu. Mas estamos relativamente seguros de que
continuamos a existir dentro do sono.
O estado de vigília é aquele em que vemos este mundo. Supõe-se que neste mundo há uma multidão
de seres, a todos os quais este mundo é comum. Supomos que o mundo é real, e entramos em contato
com ele pelos cinco sentidos.
Mas os sentidos só estão abertos no estado de vigília, não nos sonhos nem no sono. Mesmo assim
admitimos que o mundo é real. O juiz que decide tal questão é o intelecto, que é incompetente por
ser fruto do próprio eu, o embusteiro.
A Sabedoria Antiga nos diz que o Ser no estado de vigília não é uma entidade limitada como o
intelecto faz parecer. O Ser nunca está restrito a nenhum corpo. O Corpo do Ser é o universo
inteiro.
Ramana nos diz que este mundo de vigília é um todo indivisível, tanto que ou aceitamos o todo como
nós mesmos se pudermos, ou renunciamos ao todo por ser uma ilusão.
Uma vez que cada corpo do mundo constitui-se de cinco envoltórios, todos eles juntos respondem ao
nome de “corpo”. Sendo este o caso, como pode o mundo existir separado do corpo? O mundo já foi
visto alguma vez por alguém sem um corpo?
Quando se vê o mundo, vê-se também o próprio corpo. Isso acontece tanto na vigília como no sonho. O
corpo e o mundo são inseparáveis.
O Sábio diz: Se o mundo existe à parte do corpo, por que o mundo não nos aparece no sono profundo,
quando estamos sem corpo? A verdade é que o mundo não existe à parte do corpo.

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Dessa forma, o mundo inteiro é nosso corpo. O mundo é uma criação e projeção da mente egoica,
exatamente como acontece nos sonhos.
Pode-se objetar que não temos um corpo nos sonhos, e mesmo assim vemos um mundo de alguma
espécie. O mesmo ocorre quando morremos e abandonamos o corpo.
A resposta para isso é que a palavra “corpo” não significa apenas este corpo carnal, mas também
outros mais sutis. Há cinco corpos ou envoltórios cobrindo o Ser Interno e O ocultando.
Quando um ou mais destes envoltórios são abandonados, o “eu” não fica sem corpo, e pode ver um
mundo correspondente aos envoltórios restantes.
Quando sonhamos, o corpo mental ou sutil é deixado para o eu. É esse corpo que se expande e se torna
o mundo dos sonhos. Naturalmente, este mundo (dos sonhos) é criação de sua mente.
Em todos os casos, onde um mundo é visto, há também um corpo para o eu que vê. Por isso se diz que
corpo e mente são sempre vistos juntos.
O mundo que vemos quando acordados é muito similar aos mundos vistos nos sonhos. Tanto a vigília
como o sonho não passam de sonhos. O que chamamos despertar não é o verdadeiro despertar.
O autêntico despertar é o Estado Sem Ego, que é o acordar do sono da ignorância, no qual este sonho
chamado vigília se realiza. No Estado Sem Ego não aparecem ilusões.
Ramana disse: Nenhum homem diz que não existe durante o sono. Somente os Seres experientes têm
dúvidas quanto à continuidade de existência egoica. Mas todos os Sábios enfatizam que o Ser
sustenta os três estados.
Estamos enganados em nossa suposição de que o sono sem sonhos é totalmente destituído de
consciência. Você somente diz isso depois que acorda do sono. Você não o faz enquanto dorme.
É a sua mente quem agora diz que sono é inconsciência. Mas a mente não estava presente durante o
sono, e é natural que a mente ignore a consciência que existe no sono.
A mente não tendo experenciado o sono é incapaz de lembrar como o sono é. O estado de sono
profundo está além da mente.
Uma avaliação correta dos três estados só pode ser feita pelo Sábio que já transcendeu todos
eles.
Você toma o mundo como real, por ser ele uma criação da sua própria mente, assim como durante o
seu sonho acredita no mundo do sonho.
Você não vê o mundo durante o sono porque ele está envolto e imerso no Ser juntamente com o eu e
a mente, e existe em estado latente enquanto você dorme.
Com o despertar, o eu surge, identificando-se com o corpo e ao mesmo tempo vê o mundo. O seu
mundo na vigília é uma criação de sua mente, tanto quanto o seu mundo onírico.
Temos então fartas provas de que há continuidade do Ser durante o sono. Esse Ser não é a alma,
mas o Ser Real dos Upanishads.
O Ser Real pode existir sem o corpo e sem a mente. Não havendo corpo de qualquer espécie
durante o sono, não há sensação de ego. O sono é muito similar ao Estado Sem Ego.

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A ausência de individualidade e da mente no sono, não obsta a felicidade nele usufruída e recordada
ao despertar. A felicidade do sono se deve apenas à inexistência do eu.
Existem três corpos: Físico, Mental e o Causal. O corpo físico corresponde ao estado de vigília. O
corpo mental ou sutil relaciona-se aos sonhos, e o usamos também para ir a outros mundos e lá residir,
como os céus e infernos.
Há ainda outro corpo, chamado corpo causal que é o único que permanece no sono. Mesmo o corpo
causal não passa de ignorância, pois constitui o eu e a mente em forma germinal.
Para os três corpos, existem cinco envoltórios:
O corpo denso é o envoltório Annamaya kosha. (Anna=alimento, maya=ilusão, Kosha=envoltório)
O corpo mental ou sutil é composto por três envoltórios:
Prana-maya Kosha com a função de vida. É composto de prana, a energia que mantém o corpo vivo.
Mano-maya Kosha, sensações e pensamentos, feito de substância mental.
Vijnana-maya Kosha, intelecto e decisões.
O corpo causal é o envoltório Ananda-maya Kosha, que não deve ser confundido com Ananda que é o
Ser Real no Estado Sem Ego.
O Sábio diz que o corpo causal é apenas hipotético, inventado para fins didáticos. Esse envoltório
não tem utilidade para o Buscador do Ser.
Esses envoltórios ou corpos não devem ser considerados reais. O “Conhecimento Correto” nada
mais é do que a remoção desses envoltórios. O que resta é a Consciência real, pura, invariável e
infinita. O Ser.
O Eu Real, no Estado Sem Ego, não é outro senão a Realidade chamada Sat (Aquilo que é). Este Sat
é também Chit, a Consciência. Pois o que não existe por si só não é real.
O Ser é Consciência, e não consciente. A mente é consciente, mas de uma consciência paupérrima e
descontínua, que não existe totalmente no sono.
Deve haver uma Fonte de onde a mente receba consciência. Essa Fonte é a Consciência Original que
brilha constantemente, não como a mente que é intermitente.
O Ser Real é descrito nos Upanishads como “Infindável Consciência”.
A Consciência não deve ser compreendida como um simples atributo do Ser Real, mas como Sua
própria essência.
Essa Consciência se manifesta como o “Eu Sou”, o fator comum de todos os pensamentos e de todas
as percepções.
A Consciência não é uma qualidade, Ela é a própria substância da Realidade, e a Realidade é real,
somente porque é Consciência.
Só existe a Consciência e nada mais. Muitas vezes é chamada de Suprema Consciência para
diferenciá-La da mente e do intelecto.
Diz os Upanishads: Essa Consciência Suprema existiu apenas no princípio, quando este universo não
existia. Ela criou de Si mesma os corpos das criaturas e neles penetrou como alma.

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A finalidade dessas histórias da criação na sabedoria antiga é transmitir visualmente o ensinamento
de que o Ser dentro de nós é a Realidade, que não existe alma individual.
A Realidade não se fraciona, nem sofre limitação. Somente parece ser assim. É a mente que causa o
aparecimento de partes, por falsamente identificar a Realidade com corpos e envoltórios, e assim
limita a Realidade.
A mente imagina a Realidade como finita, por julgar-se a ela mesma finita. Essas limitações e
divisões só existem na mente. Mas a mente não tem existência separada do Ser.
A mente é apenas um poder misterioso do Ser (Maya), pelo qual o Ser Único parece ser muitos.
Somente quando a mente surge é que surgem os três – Deus, a alma e o mundo.
Essa é a verdade da não-transformação que se conhece na metafísica da Advaita.
Não há criação, nem destruição, não há ninguém limitado, nem existe ninguém que lute pela
Libertação, nem ninguém que tenha alcançado esse Estado.
Não há nem mente, nem corpo, nem mundo, nem alma. Só existe o Único, a pura, calma e imutável
Realidade, que não tem segundo, nem tornar-se.
A pessoa dominada pelo ego vê a multiplicidade e se torna curiosa de saber como ocorreu. Ouve dizer
que Deus fez tudo isso. Refletindo sobre isso, começa a observar que toda essa multiplicidade é uma
unidade em algo que se chama Deus.
Em seguida, quer aprender sobre Deus. Fica convencida de que Deus deve ser uma pessoa, embora
diferente em tamanho, poder e qualidades.
No começo, deve-se deixar que ela siga o seu próprio caminho. Mas chega a época em que ela já
pode ouvir dizer que Deus não é absolutamente uma pessoa.
Muitas pessoas querem ouvir que Deus habita algum lugar no céu. Para que os homens compreendam
que Deus habita seus próprios corações, é preciso tempo. Parece-lhes uma blasfêmia julgar que Deus
é o Ser.
A inexistência do ego constitui impessoalidade. Perguntemos: Qual é maior, a pessoalidade ou a
impessoalidade?
Pessoalidade é limitação a um corpo, ao passo que a impessoalidade é ausência de qualquer limitação.
Em ambas, existe a mesma Consciência.
Impessoalidade e pessoalidade são opostas como a luz e a escuridão. Impessoalidade – inexistência
de ego - é mais, pessoalidade é menos.
Ramana disse: A Existência mais multiplicidade é o mundo. A Existência mais individualidade é a
alma. Existência mais a noção de todo é Deus. Em todos os três a Existência é o único elemento de
realidade.
Multiplicidade, individualidade e totalidade são irreais. São criadas e impostas à Existência pela
mente. A Existência transcende todos os conceitos, inclusive o de Deus. Uma vez que o nome de
Deus seja usado, o conceito de Deus não pode ser verdadeiro.
A verdade sobre Deus é expressa mais fielmente como “EU SOU”. O nome hebraico de Deus
“Jehovah” significa “EU SOU”, o qual expressa a verdade de Deus perfeitamente.

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Na Bíblia está escrito que Moisés teve uma visão de uma luz, da qual saiu uma voz. A voz lhe disse “EU
SOU AQUILO QUE SOU”.
Nessa passagem, Deus revelou o segredo de Sua própria Natureza, que Ele é exatamente o “EU
SOU”, em outras palavras, Ele é o Ser.
O Ser, que é a Consciência, é a única realidade, e nada mais o é. Todo o assim chamado
conhecimento, que é multifário, não passa de ignorância.
O que aqui chamamos de “conhecimento” é o próprio mundo. O mundo não é outra coisa senão os
pensamentos que surgem na mente e por ela passam.
Esses pensamentos são chamados de conhecimento pelos ignorantes, porque pensam eles que haja um
mundo exterior que, através dos sentidos, a mente conhece.
Esse conhecimento não é somente ignorância, mas também é não-existente, porque a sensação do ego
é a origem de todo conhecimento.
A Realidade é igual a uma tela de cinema, na qual as imagens se movem. Somente o Infinito (a tela)
é real. Embora essas imagens sejam irreais, não são diferentes da Realidade.
Mas a Realidade é diferente delas porque existe sem elas no seu Estado de Unidade (Estado Sem
Ego).
Aquele que vê as aparências irreais não vê a Realidade. Aquele que vê a Realidade não vê aparências
irreais.
Ramana disse: Somente uma Consciência se distribui igualmente por toda parte. Através da ilusão,
você Lhe dá distribuição desigual.
Há duas falsidades: Uma é que o Ser é um objeto de conhecimento. Outra é que o Ser é
desconhecido e precisa ser conhecido.
O Ser sendo a Única Realidade, não pode se tornar objeto de conhecimento. Sendo também o
Ser, nunca é desconhecido. Ele nem é conhecido nem desconhecido.
Mas parece ser desconhecido e parece precisar ser conhecido, pois é obscurecido pelo mundo e
pelo ego. O que é preciso é remover o mundo e o ego. A mente egoica e suas criações precisam ser
eliminadas.
“Conhecimento do Ser” é na verdade estar sem ego, estar como o Ser. O Sábio não conhece o Ser,
ele é o Ser.
Todos sabem que a morte é certa, mas nós ignoramos este fato, e agimos sempre como se a morte
não existisse. Se levarmos em consideração que, como somos o Ser Real, somos imortais, portanto que
há de estranho nisso?
Isso é um indício de que o Ser nunca se tornou realmente limitado ou confinado. O Ser Real é
Existência e Consciência (Sat e Chit).
O Ser Real é impessoal e é Felicidade, e não alguém que é feliz. Aquele que é feliz não o é
perenemente.
O Ser Real no Estado Sem Ego não é absolutamente igual a esse homem feliz. A Felicidade faz parte
da essência da Sua natureza como Existência e Consciência.

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O Ser Real é a fonte de toda a felicidade, inclusive sob a forma de prazer que é experimentado
pela mente egoica.
Até mesmo os prazeres que desfrutamos na vigília, que supomos serem causados pelos objetos dos
sentidos, provêm do Ser Real. São gotículas da Felicidade que é o Ser.
Essas gotículas são via de regra amaldiçoadas pela ignorância primordial, pelos desejos, temores e
preocupações que compõem aquela coisa chamada mente.
Quando a mente deixa de obstruir, então surge em nossas vidas o que nos parece uma abundante
quantidade de felicidade. Nestes momentos, a mente se tornou uma com o Ser, como no sono
profundo.
Essa união ocasional com o Ser ocorre sempre que a agitação da mente se abranda. Essa felicidade é
transitória porque há outros desejos insatisfeitos, que logo se tornam ativos, e então a mente perde
o contato com o Ser.
Infelicidade é essa separação da mente do Ser, e felicidade é o retorno da mente a sua Fonte, o
Ser.
A mente é ativa quando separada do Ser. Tornar-se consciente de qualquer coisa é desligar a mente
do Ser, e isso é infelicidade. Não estar consciente das coisas ou dos pensamentos é felicidade, porque
então somos o Ser.
Isso não constitui ignorância. Vendo, Ele não vê. Mas não há outro objeto separado Dele para Ele
contemplar.
Concluindo, há um Ser Real que sustenta os três estados, imortal, e que sobrevive a redução do
irreal ao nada, o Ser. A Felicidade é a própria natureza desse Ser, e por isso o Estado Sem Ego é
desejável acima de qualquer coisa.
A maior dificuldade é que o intelecto exige um elo racional entre o mundo que conhece e o Ser ou
Realidade que lhe falam. Precisa de uma ponte entre os dois.
Tal ponte não existe e não pode ser construída nem pelo Sábio. A razão é que o mundo e a
Realidade negam-se mutuamente, ou seja, não podem ser vistos simultaneamente.
O mundo e a Realidade são negações um do outro, aquele que vê um não pode ver o outro ao mesmo
tempo. Não se pode experenciar os dois simultaneamente. Por isso só um deles pode ser real, nunca
ambos.
A ponte que o intelecto exige não existe e nem pode ser construída.
A verdadeira harmonia está somente na Libertação. O intelecto não pode conhecer essa harmonia,
pois não pode atingir este estado, se o atingir, o intelecto deixará de existir. O Estado de Libertação
transcende o intelecto.
Para o intelecto só é possível saber o que o Ser não é, e nunca o que Ele é. O conhecimento antigo
nos diz que devemos compreender o Ser como “Neti, Neti”, não é isto, não é isto. A linguagem do
Ser é o silêncio, não as palavras.
A instrução através do Silêncio foi conferida pelo próprio Deus, aparecendo como Dakshinamurti, a
quatro Sábios chamados Sanaka, Sanandana, Sanatana e Sanatkumara.

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Não devemos esperar qualquer descrição positiva do “Estado Sem Ego”, ou do Ser que é nesse
Estado. Mesmo o Sábio não pode nos dizer nada positivo quanto a esse Estado.
Aquele que fala sobre o Ser ainda não o viu, aquele que o viu, não fala. O Ser é Sat, Chit, Ananda.
Ele é Realidade, Consciência e Felicidade.
O Ser é chamado de Realidade para dissipar a noção de que Ele seja a não-existência.
O Ser é chamado de Consciência para mostrar que nem é insensível como os objetos inertes, nem
intermitentemente consciente como é a mente.
O Ser é chamado de Felicidade para demonstrar que Nele transcendemos esta relatividade que é
essencialmente infeliz.
Esse Estado não é um mundo nem um lugar de morada, ao qual os libertos estão destinados agora ou
após a morte.
A Libertação não está no cimo do céu, nem nas profundezas, nem na superfície da terra. Ela é apenas
a extinção da mente, com todos os seus desejos.
Quando todos os desejos que infestam o coração se extinguirem, então o mortal tornar-se-á
imortal, é nesse ponto que ele se transforma em Brahman.
O Ser deve ser procurado e encontrado pelo afastamento do mundo, através da introspecção. A
essa Fonte, deve a mente retornar, para que o reino da relatividade possa completar o seu ciclo e
cessar.
Quando a mente retorna à sua Fonte (o coração), não pode mais projetar sobre o Ser a aparência
mundanal, que oculta O ser. Depreende-se que o Sábio não vê o mundo, embora raramente afirme isso.
O Ser é Tudo, do qual os mundos e as criaturas são fragmentos. Aquilo que é Infinito é a Felicidade,
não há felicidade nas coisas finitas.
Que grande lucro nós temos, ao renunciar ao ego, alcançamos este Ser infinitamente grande. Mas
esse preço insignificante tem que ser pago.
Contudo, acontece que os homens têm medo desse Estado. Os homens não temem a existência
dominada pelo ego, que é a fonte de todos os temores, porque acreditam que tal ego é eles mesmo,
e desconhecem o Ser Real.
Temem que se perderem o ego, deixarão de existir. Temem o que não deveriam temer e não temem
o que deveriam temer. Isto é cômico, pois ninguém tem medo de dormir, e no sono não há ego.
Há dois tipos de Samadhi. Há o estado natural chamado de Sahaja Nirvikalpa Samadhi, onde a
mente se dilui e foi perdida no Ser, e assim perdida, não pode reviver, e assim, o cativeiro acaba.
O outro estado se chama Kevala Nirvikalpa Samadhi. Nesse estado, a mente não se dilui no Ser, ela
somente imerge na Luz da Consciência.
Durante esta imersão o Yogi está em Samadhi e desfruta de grande felicidade. Mas uma vez que
a mente permanece distinta do Ser, ela pode voltar a atividade.
Aquele que atingiu o estado Sahaja, o Estado Natural é o Sábio, e está livre de uma vez por todas,
e não pode se tornara escravo outra vez. É como um rio que se juntou ao oceano e se torna uno com
ele, não há volta.

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Já a mente do Yogi que está em Samadhi Yógico é como um balde descido por uma corda num poço,
onde fica submerso, pode ser puxado pela corda para cima outra vez.
A mente do Yogi no Samadhi é igual à mente de alguém que dorme, com a diferença de que a mente
de alguém que dorme está imersa na escuridão, e a mente do Yogi está imersa na Luz do Ser.
O Sábio é aquele cuja mente se diluiu no Ser, não é de modo algum afetado pelo mundo, embora
para todas as aparências externas, seu corpo e sua mente possam estar ativas no mundo.
Apenas aquele que alcançou o Estado Sahaja, ou seja, perdeu o ego, pode tornar-se Mestre da
Verdade sobre o Ser para outros, e não o simples Yogi que alcançou o Kevala Nirvikalpa. Enquanto a
mente sobreviver, não há libertação.
No Estado de Libertação não existe ego, o mesmo acontece no sono profundo. Por que quem dorme
não perde seu ego, se durante o sono não existe ego?
O sono, além de não ser a porta da Libertação, constitui também um obstáculo a Ela. Se o buscador
do Ser adormece enquanto empenhado na Busca, tem que recomeçar de novo ao despertar.
Somente se ele ficar bem desperto todo o tempo e persistir ativamente na Busca até que a Revelação
do Ser se realize, ele se libertará do cativeiro.
O Sábio entra no Estado sem Ego mediante a extinção irreversível e total do ego, esse ego é a
ignorância primordial. Inclusive o corpo causal é dissolvido, que é conhecido como o envoltório da
felicidade, que é justamente esta ignorância primordial.
O Sábio passa diretamente do estado de vigília ao Estado sem Ego, pela extinção total do ego, o
que inclui a dissolução do corpo causal.
É evidente que o Sábio se liberta do corpo causal. A não ser por esse corpo, não há nenhuma
espécie de ligação entre o Ser Real e os outros corpos. Portanto, o Sábio alijou corpo e mente.
O caso do homem comum que vai dormir é muito diferente, seu corpo causal – a ignorância primordial
– não se extingue. O ego e a mente imergem e lá permanecem de forma latente (semente) até a hora
do despertar.
Mas, como a mente se torna inativa no sono, reina felicidade no estado de sono.
Diz o Sábio: A felicidade do sono é como a luz fraca da lua que passa através de uma densa folhagem e
ilumina o chão, mas a felicidade do Sábio é como ao luar pleno que bate sem obstáculo em campo
aberto.
O homem comum entra em união com a Realidade no sono, cobrindo-se com o falso conhecimento
“eu sou o corpo”, por isso ele é um mentiroso, e assim rejeitado, volta ao cativeiro.
O “Estado sem Ego” é chamado de o quarto estado, e é o único estado Real (Turiya). Os outros três
são apenas falsas aparências. É o Estado Transcendente, que é pura Consciência.
O Sábio que mora no “Estado sem Ego” está desperto para Aquilo, que é a verdade única, isto é, o
Ser, o mundo é noite para Ele, porque por ser irreal, por Ele não é visto.
O que é dia para o Sábio, é noite para os ignorantes, e o que é noite para o Sábio, é dia para os
ignorantes.

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Os ignorantes, que acreditam em céus onde o ego deve perdurar para sempre, não desejam acordar,
mas apenas sonhar de forma mais agradável. Isso é devido ao apego invencível à existência
dominada pelo ego. Devido a esse apego, a perda do ego lhes parece a pior das mortes.
Esta existência dominada pelo ego é morte. Nascemos apenas para morrer, e morremos apenas para
nascer de novo. A realização do Estado Natural é o único e verdadeiro nascimento, porque então, a
morte está morta de uma vez por todas.
Ressaltamos que o próprio Sábio (Ramana) é a prova mais convincente da existência do Estado Natural.
O Ser é a realização de todos os desejos e a anulação de todos os medos.
O conhecimento sagrado não atrai em absoluto a maioria das mentes. Preferimos a aquisição de
poderes (Sidhis), esperando desfrutar de uma condição muito mais gloriosa no universo.
Alguns aspiram à imortalidade física, e até mesmo a supremacia sobre toda a criação. Homens assim
parecem sentir que Deus não demonstrou ter êxito como governador do universo.
Inclusive acham que podem executar a tarefa muito melhor após adquirirem a necessária igualdade
com Deus, e em seguida suplantarem-no. Prometem até um céu sobre a terra.
O Sábio disse inúmeras vezes que cuidar do mundo não é nossa missão, mas de Deus. O Sábio nos
diz que os poderes (Sidhis) estão no reino da ignorância e são irreais.
O verdadeiro Sidhi é o nosso próprio Estado Natural, no qual somos o Ser Real, e que é alcançado
pela conscientização desse Ser, que já somos. Os outros Sidhis são semelhantes aos ganhos num
sonho.
Os Sidhis são falsos porque são criações do ego. Aquele que consegue tais Sidhis aprofunda-se
mais na ignorância, isto é, no cativeiro.
Às vezes esses Sidhis aparecem para o genuíno buscador, antes que ele atinja o “Estado Sem Ego”,
nesse caso, não passam de uma armadilha. Deve-se renunciar a eles, e depois recomeçar tudo de
novo.
Se os Sidhis surgissem após ter alcançado o Estado Natural, não estaríamos conscientes deles, e eles
não o afetariam.
As ideias de nos tornarmos o Ser são por si só absurdas. Somos sempre o Ser. Nunca somos outra
coisa que não o Ser. Se o Ser fosse algo a ser alcançado, poderia ser perdido outra vez.
Os Sidhis não são nossa propriedade natural, portanto, não nos pertencerão para sempre. No tempo
devido, desaparecerão.
O verdadeiro Sidhi, que é o Estado Natural é único. Os Sidhis são muitos. Multiplicidade é
característica da irrealidade. A Unidade é sinal de realidade.
O Ser Real é a Única Realidade que transcende o tempo e o espaço, tudo o mais é irreal. O Estado
Natural não está dentro do tempo, portanto, nunca teve início nem fim. O Ser Real é Um, e sua
Unidade também não tem início.
O Sábio não tem consciência de sua libertação. Respondendo a isso, Ramana disse: “Nada aconteceu
comigo, sou o que sempre fui”.
A Libertação está aqui e agora, basta apenas que percamos o ego.

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Aqueles que quiserem compreender, por si mesmos, a realidade do Real, têm que se afastar do
mundo, aceitando o ensinamento de que ele é irreal, e procurar a Verdade interior, dentro do
Coração. A busca será o tema do próximo capítulo.

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Capítulo 9 – A Busca

Ramana disse: Onde o ego não surge, ali somos Aquilo. Mas como pode essa perfeita ausência do ego
ser alcançada, se a mente não imergir em sua fonte? E se o ego não se extinguir, como poderemos
alcançar o Estado Natural, onde somos Aquilo?
A fonte da qual a mente surge é o Coração, que deve ser considerado como a Morada do Ser. O
Ser é em si mesmo o Coração Real.
O alijamento do ego é o único ponto com o qual todas as religiões concordam. O ensinamento
essencial é o livra-nos do ego, tudo o mais é de menor importância.
Os diversos métodos para a Libertação são todos corretos, mas o método direto é o ensinado pelo
Sábio. Os outros métodos apenas preparam a mente para o método direto.
O ego não pode ser subjugado por alguém que o considera real. É como a nossa própria sombra.
Por mais que tentemos acabar com a nossa sombra, não o conseguimos.
Somente conseguimos livra-nos de nossa sombra desviando o olhar, e passando a contemplar-se a si
mesmo, o criador da sombra. Então, a sombra não mais nos perturba.
Os buscadores da Libertação não conseguem perceber que o ego não passa de uma sombra do Ser. O
que têm de fazer é evitarem o ego e se voltarem para o Ser, do qual o ego é a sombra.
Antes de iniciar a busca, devemos analisar a sensação do ego e separar sua parte real da irreal. O
ego tem um elemento de realidade em sua estrutura, que é a luz da Consciência, manifesta como “Eu
sou”.
Este “Eu sou” é real porque é a parte constante e imutável. Precisamos rejeitar a parte irreal que
são os envoltórios ou corpos, e ficar com o restante, o puro “Eu sou”.
O “Eu sou” é uma pista para a descoberta do Ser Real. O “Eu sou” é a única pista que o buscador
tem para encontrar o Ser. É como o cheiro do dono para um cão que o procura.
Devemos tomar esta pista, nela perseverar, e fixar nela a nossa mente, e excluir tudo o mais.
Mentalize: Eu não sou o corpo denso porque quando sonho outro corpo toma o seu lugar. Eu não sou a
mente, pois no sono profundo continuo a existir e a mente não. Como a mente e o corpo aparecem
intermitentemente, são irreais.
Como continuamente eu existo, sou real como o puro “Eu sou”. Posso rejeitar o corpo e a mente como
não sendo eu, uma vez que são objetos vistos por mim.
Não posso rejeitar este “Eu sou” porque constitui aquilo de onde o corpo e a mente são rejeitados.
Daí, o “Eu sou” é a minha Verdade. Tudo o mais não sou eu.
Dessa forma, não chegamos ainda à experiência prática do “Eu sou”. Chegamos apenas à compreensão
intelectual da verdade do Ser. O que precisamos de fato é a percepção concreta da presença do Ser.
Para isso, precisamos quebrar o círculo vicioso dos três estados de consciência (vigília, sonho e sono).
Este é o método de Busca do Ser ensinado por Ramana.
Vejamos agora o método tradicional:

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Primeiro o buscador aprende a verdade do Ser intelectualmente, como ensinado nos Upanishads.
Mostram que o Ser “não é isso” e “não é isso” (neti, neti), e assim por diante.
Dessa forma, o corpo denso, o princípio vital, a mente e o ego são rejeitados, e o que resta depois
que todos esses seres foram rejeitados, é o Ser Real, o Ser Supremo.
Diz ainda os Upanishads que esse Grande Ser a nada pode ser relacionado, sendo absoluto, isento
de forma e de nome, fora do tempo, é o único sem segundo, imutável, invariável, perfeito, é o princípio
da felicidade, e é a causa de todo o gozo que existe no mundo.
A etapa seguinte é para o discípulo refletir sobre essa lição, considerando as evidências favoráveis e
contrárias. Deve lembrar que o conhecimento sagrado é a única prova que ele pode ter da verdade do
Ser Real.
O conhecimento sagrado é fidedigno porque corporifica o ensinamento dos Sábios que encontraram a
Verdade. Por si só, este ensinamento tradicional não leva à experiência real.
O Discípulo deve confiar no conhecimento sagrado, e deve repetir esse processo até que se
convença firmemente de que a verdade do Ser está expressa na sentença “Eu sou Aquilo”.
A terceira etapa desse método tradicional é a meditação sobre esse ensinamento. Deve o discípulo
fixar sua mente no pensamento “Eu sou Aquilo”, excluindo todos os outros pensamentos, até atingir a
concentração perfeita.
Quando isso ocorrer, o Ser Real revelar-se-á, e a ignorância e o cativeiro deixarão de existir. Este é
o método tríplice.
Ramana admitiu que este método tem utilidade, disse que é bom para a purificação e o
fortalecimento da mente, de modo a transformar a mente num instrumento adequado para a Busca.
O método busca a concentração perfeita, para não se deixar distrair pela multiplicidade de
pensamentos. Mas, é preciso uma mente muito forte para atingir o objetivo. Uma mente fraca, não
terá êxito.
Ramana afirma: O método direto de alcançar o Ser Real é mergulhar no Coração em busca da Fonte
do “Eu sou”. A meditação “Eu não sou isto, eu sou Aquilo” é certamente útil, mas não é propriamente o
método para se descobrir o Ser.
Meditar sobre “Eu sou Aquilo” dá um novo alento de vida ao ego. Não adianta meditar sobre “Eu sou
Aquilo”, pois a meditação é realizada pela mente, e o Ser transcende a mente.
Na Busca de sua própria realidade, o ego perece por si mesmo, por isso, é o método direto. Em tudo
o mais, o ego permanece. Então, por que não enfrentar essa questão de uma vez, sem recorrer a outros
métodos?
A Busca do Ser Real consiste na reunião de todas as energias do corpo e da mente, alijando todos os
pensamentos impróprios, e dirigindo as energias para uma corrente única para achar resposta à
pergunta “Quem Sou Eu?”
“Quem sou Eu?” significa “Qual é a verdade de mim mesmo?” A Fonte nessa Busca não é um
ancestral remoto dentro da evolução, nem como um ser existente antes do nascimento do corpo, mas
sim como uma Fonte presente aqui e agora.
Por que se preocupar com nascimentos anteriores? Descubra primeiro se agora você já nasceu. Com
essas perguntas o ego se oculta e consegue desviar a Busca da Verdade.
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Realmente, o Ser nunca nasceu, assim a Fonte deve ser procurada não no passado, mas no presente.
Essa Busca é o único método seguro para romper o círculo vicioso dos três estados, pois não somente
aquieta a mente pensante, mas evita que ela adormeça e perca a consciência, por isso foi denominada
“sono-desperto”.
Nem na vigília quando a mente vagueia de pensamento em pensamento, nem no sono, quando a
consciência básica do “Eu sou” está apagada, esse círculo vicioso pode ser ultrapassado.
Mas por um breve instante, quando a mente passa da vigília para o sono, a consciência atinge sua
pureza como o estado sem forma, o “Eu sou”.
Por força da decisão nesta Busca, a consciência se reduz a esse estado sem forma e é nele
firmemente mantida, e por isso o círculo vicioso é rompido e o “Estado Sem Ego” é conseguido.
Assim como alguém mergulha em um lago, assim deve o Buscador mergulhar no Coração, determinado a
descobrir de onde surge a sensação do ego, prendendo a fala e o hálito vital. Isso revela o ato
devocional da Busca.
O Buscador deve devotar-se à descoberta do Ser Real, pela união de todas as energias vitais e
mentais, dirigindo-as ao Sacrário do Coração.
A determinação de encontrar o Ser é o elemento dinâmico na Busca, sem o qual não pode haver
mergulho no Coração. A pergunta “Quem sou Eu?” determina essa decisão.
Uma força misteriosa surge de dentro e se apossa de sua mente e a leva diretamente para o
Coração. Se o Buscador for puro de pensamentos e isento de apego egoístico, entregar-se-á sem
reservas a essa força, e obterá a maior de todas as recompensas.
Aquele que não possuir esta perfeita devoção precisará praticar a Busca repetidas vezes até que a
mente se torne pura e forte, ou realizar qualquer espécie de meditação ou devoção a Deus.
Devoção implica renúncia, que significa desapego pelo irreal. Aquele que se dedica ao Ser que está
dentro de si, é indiferente ao mundo, que lhe é exterior. A renúncia fortalece a mente e assegura o
êxito na Busca.
Renúncia é uma purificação da mente, uma harmoniosa e concentrada direção da mente para o
objetivo, e não simplesmente observância de formas exteriores de abnegação.
O Sábio explica que a respiração não precisa ser voluntariamente controlada se a decisão da Busca
for acentuada e persistente, porque então ela automaticamente para.
Essa união das energias vitais é essencial, pois enquanto estiverem a serviço do corpo, a mente não
pode afastar-se nem do corpo nem do mundo para mergulhar no Coração.
Quando a respiração cessa, por força da decisão da Busca, a mente já não mais está consciente do
corpo ou do mundo. O corpo então se torna quase um cadáver.
Se a devoção ainda não for forte para que a respiração pare por si mesma, aconselha-se promover a
suspensão respiratória pelo método de observar o processo respiratório.
A respiração então diminui e finalmente para, e então a mente se torna quieta, livre de pensamentos
que a distraiam.

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Também na Busca acontece que pensamentos variados podem surgir e distrair a mente. O Sábio nos
diz que esses pensamentos surgem apenas para serem reprimidos. Devemos ter perseverança e
paciência.
Cada pensamento estranho que surge na Busca e é dominado, aumenta a força da mente, e assim o
buscador dá mais um passo na direção do objetivo.
Quando o buscador persistiu o suficiente na Busca, o Coração é rapidamente acessado, e a mente se
reduz ao estado de pura Consciência. O Sábio chama essa Consciência sem forma o “Eu Sou Eu”,
diferente do ego que é “Eu sou este corpo”.
Isso implica a cessação da forma egóica. O ego finito é tragado pelo infinito Ser. Todas as
imperfeições e limitações cessam de existir.
O desejo e o temor cessam, assim como o pecado e a prestação de contas (Karma). O Ser Real nunca
foi sujeito a eles. Pertenciam ao ego e não sobrevivem ao ego.
O Sábio que, assim encontrou o Eu, tendo se desvencilhando do ego, já não é uma pessoa, embora
possa parecer uma pessoa aos discípulos imaturos e ao resto do mundo.
O Sábio recomenda também a meditação sobre o puro “Eu sou” ou “Eu” – “Aham” – como equivalente
da Busca.
Uma vez que seu nome é “Eu”, o aspirante que meditar sobre o “Eu” é levado para o Coração, o
Mundo do Ser Real.
Para conciliar a devoção ao Ser com a rotina diária, o Sábio dizia: “Por que pensa que você é ativo?”
Todas as atividades mundanas não são suas, são atividades de Deus.
O Sábio completava: À medida que realizamos que o Ser não é quem faz as ações, o buscador
zeloso já não mais precisa se afastar de suas atividades normais.
Pode deixar a mente e os sentidos executarem suas tarefas automaticamente, lembrando que ele
próprio não é quem as faz.
O tempo todo ele pode ativamente praticar a Busca, ou permanecer em meditação, assim como
pensamos enquanto caminhamos.
Não é necessário renunciar às atividades cotidianas para praticarmos a Busca, é até conveniente para
a maioria de nós continuarmos com essas atividades.
A extinção da mente no Ser é conseguida por cultivar firmemente o conhecimento de que a mente
não passa de um espectro do Ser, e isso pode ser feito durante nossas tarefas diárias.
Não é necessário nos tornamos ascetas. O Sábio diz que é a mente que tem de se harmonizar com a
Busca, e se não o pode fazer em casa, seria igualmente difícil em qualquer outro lugar, inclusive em
mosteiros, etc.
Um grande poder para o bem, que o discípulo deve aproveitar sempre que possível, é o convívio com os
Sábios.
Shankaracharya trouxe uma séria advertência: Devemos sempre refletir intimamente sobre a
verdade da Não-Dualidade, mas não devemos aplicar esse ensinamento em nossas ações. Isso é
devido ao ego que pode perverter toda a verdade, se vangloriando de ser o que ainda não é.

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A reflexão sobre a verdade da Advaita tende a dissolver o ego e desenvolver a devoção à Verdade.
Mas a ação do ponto de vista da Advaita é suicida, porque o inimigo (o ego) estaria encarregado de
tal ação.
Por não ter ego, somente o Sábio pode colocar a Advaita em ação.
O Sábio nos aconselha a restringir nossas atividades e não estendê-las, de modo a dar ao ego campo
de ação tão pequeno quanto possível na frustração de nossos esforços.
Lembremos que um conhecimento meramente teórico do Ser não destrói o ego, o inimigo dentro de
nós.
Até que nos tornemos sem ego, é desaconselhável tentar considerar o Guru como nós mesmos,
porque isso resultará na crença de que somos iguais ao Guru.
Ser realmente uno com o Guru é ser sem ego. Daí a advertência de que não imaginemos uma
igualdade com Ele.
Algumas advertências dadas por Ramana:
Esquecer o Ser em verdade é morte, portanto para aquele que quer vencer a morte através da
Busca, a única regra a seguir é não o esquecer.
Uma vez que nossas próprias atividades são as causas do esquecimento do Ser, é necessário dizer que
aquele que se engaja na Busca do Ser, não deve se envolver no trabalho dos outros.
A regra de alimentação cuidadosa é a única suficiente para o Buscador porque aumenta a qualidade
de Sattva.
Até que o ego morra definitivamente, a humildade só faz bem ao Buscador. Ele nunca deve aceitar
homenagem prestada pelos outros.
Devemos vencer as desgraças com fé, coragem e serenidade, lembrando que elas surgem pela Graça
de Deus, a fim de nos fortalecerem.
Indiferença total, com a mente serena, sem desejos e sem ódios, é o maravilhoso modo de vida
dos Buscadores.
O que se chama destino nada mais é do que ações por nós mesmos realizadas anteriormente.
Portanto, o destino pode ser mudado por meio do esforço adequado.
Estar desapegado e em paz, entregando toda a carga a Deus Todo-Poderoso, é o mais elevado
Tapas.
Aqueles que se refugiam em Deus não são afetados nem mesmo pelas grandes desgraças.
Para vencer a natureza caprichosa da mente, considere tudo que é percebido e Aquele que percebe
como sendo o Ser Real.
Um espinho usado para retirar outro espinho deve ser lançado fora. Da mesma forma, um pensamento
bom usado para afastar um pensamento mau, também deve ser desprezado.
A Busca do Ser Real é fundamentalmente diferente de todos os outros métodos de alcançar a
Libertação, conhecidos como as Yogas da ação, da devoção, do controle da mente e da reta
compreensão.
Uma vez o eu sendo extinto pela Busca, estas Yogas não tem mais lugar.

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Nas quatro Yogas o praticante considera o ego como sendo ele mesmo, e assim, falsamente, atribui ao
Ser um ou outro dos defeitos que nele aparecem.
O Yogin da ação vê o Ser como autor das ações, e assim condenado a sofrer os efeitos das ações, e
aspira neutralizar os efeitos com outras ações.
O Yogin da devoção convence-se de que é diferente de Deus e precisa unir-se a Ele por meio da
devoção.
O Yogin do controle mental pensa que o Ser é separado da Realidade e procura a união pelo controle
mental.
Estas são todas hipóteses errôneas porque não existe alma individual, e o mundo todo é uma ilusão.
Quando o Ser Real é procurado e encontrado, saber-se-á que esse Ser nunca foi limitado, e é sempre
perfeito.
O Sábio disse que a Busca é a Grande Yoga – Maha Yoga – e a razão é que todas as Yogas estão
incluídas na Busca.

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Capítulo 10 – O Sábio

O Sábio está além da relatividade e, simultaneamente dentro da relatividade embora apenas na


aparência, pois a relatividade e a Realidade são negações uma da outra.
Fala-se em duas espécies de Libertação, uma enquanto vivo na relatividade denominada Jivan-Mukti. A
outra é chamada Videha-Mukti e é a Libertação incorpórea.
Ramana diz que existe apenas um tipo de Libertação, o “Estado Sem Ego”. Com isso, entende-se que o
Sábio na verdade não tem corpo, seja o que for que ele pareça ser.
O corpo causal do Sábio, que é a ignorância primordial, dissolveu-se. O Sábio, que é o Ser Real e
nada mais, não está de forma alguma ligado aos corpos sutis e densos sobreviventes, como o ignorante
julga.
Para o Sábio, nada existe exceto o Ser. Não há nem corpo, nem mente, nem o mundo, nem as outras
pessoas.
Precisamos manter uma distinção entre o ponto de vista do discípulo semi-ignorante e o ponto de vista
do Sábio.
O Sábio enfatizou repetidas vezes que para ele não existem absolutamente problemas. Do ponto de
vista do Sábio, todos os três corpos são inexistentes.
A absoluta verdade da Libertação é que Ela é a inexistência do corpo e do mundo, porque a
Libertação é o Estado onde somente a Verdade brilha.
O Jivan Mukta, portanto não é uma pessoa, mas devido ao seu papel duplo, é-lhe atribuída uma
personalidade.
Nos Upanishads é dito que o corpo do Jivan Mukta ficará sujeito à lei da causalidade enquanto
sobreviver.
Por força dessa lei, seu corpo será afetado pelas consequencias agradáveis ou desagradáveis de ações
anteriores, que se chamam o Karma.
O Karma é dividido em três porções:
Há uma porção que passa a cumprir-se a partir do nascimento, que nos dá o presente corpo, e
continuará regulando o que acontece até esse corpo morrer. É chamado de Prarabdha Karma, porque
começou a dar frutos.
Existe outra porção do Karma chamado Agami, “Ações vindouras”. Trata-se do Karma que geramos na
atual existência, que pode ou não dar frutos na presente vida.
O Karma restante se chama Sanchita, a reserva, essa é uma porção enorme devido ao grande número
de vidas passadas.
Diz-se que somente a primeira porção (Prarabdha) retém o seu poder, e que as outras duas (Agami
e Sanchita) são saldadas quando alguém se torna um Sábio, isto é, perdeu seu “eu pessoal”.
O Sábio não terá mais reencarnações, nem irá para outros mundos, porém ainda colherá os frutos do
Karma atual (Prarabdha).

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O Sábio está sempre no Estado Natural, Sahaja Samadhi, este Estado não é refratário às funções
automáticas do corpo que são atribuídas ao corpo. Pode-se dizer então que o Sábio está desperto para
o Ser e para o mundo.
O Sábio parece comer, dormir e viver como outras pessoas, e por estar em Sahaja pode ouvir as
perguntas e respondê-las.
Se não houvesse o Estado Sahaja, não haveria quem transmitisse ensinamentos autênticos sobre o
Ser e o método de encontrá-Lo. Mas o Estado existe, e de vez em quando é alcançado por algum raro
Buscador.
Dentro das épocas históricas, houve os Sábios Gautama e Shankaracharya, quantos existiram não o
sabemos. Essa missão esteve recentemente cumprida pelo Sábio Ramana.
Até mesmo entre os discípulos de Ramana, alguns não entenderam a filosofia Advaita. Foram
dualistas na verdade, e opositores ao ensinamento da Advaita.
O Sábio sempre seguiu a regra de que não devemos perturbar quem quer que seja em sua fé, e ele
tratava todos os tipos de discípulos com ternura.
Portanto, o Sábio sempre teve muito cuidado com o que dizia quando dualistas ardorosos estavam
presentes, Ele não revelava realmente os ensinamentos da Advaita.
Logo que estes dualistas se retiravam, o Sábio voltava aos ensinamentos da Advaita, e explicava que
tivera que adaptar os ensinamentos para satisfazer os dualistas.
Mas o Sábio não deixou dúvida alguma de que o ensinamento Advaita é o mais elevado que existe.
Para podermos reconhecer um Sábio devemos ser um devoto genuíno do Ser Real. Isso implica
refinamento da compreensão, humildade de espírito e outras virtudes.
Os que amam o cativeiro não se sentem atraídos, prosperam nas coisas do mundo e se julgam
felizes, e talvez tenham medo de que se escutarem o Sábio, possam efetuar uma mudança em seus
pontos de vista.
Uma das características infalível em um Sábio é a não-percepção de diferença. Outra é a indiferença
ao elogio e à censura. Só alguém que é desprovido de ego não se deixa afetar pelo elogio ou censura.
A igualdade de visão do Sábio é exatamente o reconhecimento de que o Ser Único, que é a
Consciência, está presente em tudo que aparece. Isto é a ausência de ego.
O ensinamento não é igualdade, mas unidade, e isso pode ser realizado apenas por alguém que se torne
desprovido do ego.
Enquanto o ego sobreviver, apenas o conhecimento dedutivo ou teórico da Unidade é possível, e não a
Experiência da Unidade.
Vimos que o corpo sutil não é outra coisa senão o ego, e que este não passa de um hífen juntando
duas coisas que se negam mutuamente, o Ser Real e o corpo.
Não há distinção entre um Sábio e outro Sábio, e isso é verdade porque o Sábio não conhece o Ser,
ou Dele desfruta, mas sim, o Sábio é o Ser. Ramana disse:
É da ignorância que você diz “vi este Sábio e verei aquele outro”. Se você conhecer através da
experiência o Sábio que está dentro de você, então todos os Sábios serão considerados um só.

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A verdade é que é nossa mente que cria o corpo e a mente do Sábio. Vemos o Sábio como uma pessoa
em nosso sonho de relatividade, ocorrendo no sono da ignorância.
Os discípulos não devem conceber a ideia de que o Sábio seja corporificado. Como poderia o discípulo
atingir a incorporeidade, como puro Espírito, se considera seu Guru como ainda tendo corpo?
Mesmo que o Sábio pareça uma pessoa no mundo, Ele é na verdade a pura Consciência, que não pode
nem mesmo ser considerado testemunha das atividades da mente e do corpo.
A verdade é que o Sábio não vê o mundo como os outros vêem. Ramana disse:
O mundo é real tanto para o ignorante como para o Sábio. O ignorante julga que o Real tenha a
amplitude do mundo. Para o Sábio, o Real é algo sem forma, a Substância básica na qual o mundo
aparece (como a tela de um cinema).
O Sábio rejeita a parte irreal do mundo, e aceita como real apenas o Substratum, a Pura
Consciência sem forma, o Ser, que não é afetado pelas falsas aparências.
Devemos concluir que o Sábio não vê o mundo, e não participa dele. O que nos parece ser suas
atividades, não é realmente seu. Ele não deseja essas ações.
O Sábio age automaticamente como uma criança que dorme, come, ao ser despertada e alimentado pela
mãe. Se a ação deve ser atribuída a alguém, é melhor que a atribuamos a Deus e não ao Sábio.
Enquanto Deus é um ponto de vista, o regente do mundo, o Sábio nada tem a ver com o mundo. Na
verdade, no Estado Sem Ego, ambos são idênticos, nenhum é agente, porque nenhum é outro senão o
Ser Real, inclusive Deus.
O Ser Real nunca é agente. A ação é-lhe atribuída apenas pela ignorância. Se o Ser fosse o próprio
autor das ações, então colheria os frutos dessas ações. Mas a autoria da ação se perde na
Experiência do Infinito Ser. O Sábio conhece isso como Libertação Infinita.
Com isso, devemos compreender que a responsabilidade de colher os frutos do Prarabdha Karma, é
apenas aparente e não real. Ramana disse:
A afirmação de que as ações no futuro (Agami) e a reserva Karmica (Sanchita) pertencentes ao Sábio
certamente se perdem, mas que o Karma atual (Prarabdha) não se mantém, é apenas para o ignorante.
Assim, todas as três divisões do karma se perdem quando o autor, o ego, desaparece.
“Eu sou o autor” é um pensamento, portanto não pode sobreviver ao ego.
Ramana disse que a chamada mente de um Sábio, não é na verdade mente, mas a Pura Consciência.
Uma vez que o Sábio não tem mente, não se relaciona absolutamente com o mundo e seus negócios.
Essa é a essência de sua liberdade. Não se sente na obrigação de fazer ou não fazer isto ou
aquilo.
Tudo o que o Sábio faz é espontânea e automaticamente, sem premeditação. Para o Sábio, as
palavras dever e direito não tem qualquer significado.
Naturalmente, tendo o Sábio uma missão divina a cumprir, ele não é inativo, mas não deseja as ações
que executa. O Sábio é um não-agente e um grande agente simultaneamente.
O Sábio não pode ser realmente ativo, porque se assim fosse, teria consciência das pessoas
diferentes do Ser. Ele não tem desejos porque é feliz no Ser.

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O Sábio não tem vínculos com as pessoas no mundo. Referindo-se a ideia de que seria egoísmo
alcançar a Liberdade para si mesmo, deixando todo o mundo no cativeiro, Ramana disse:
É como se um sonhador dissesse: “Não acordarei até que todas essas pessoas do meu sonho
acordem”.
O Estado Sem Ego não é de indolência, mas da mais intensa atividade. Em Samadhi, os sentidos
não estão desligados, a cabeça não pende, fica ereta, já no sono, os sentidos estão desligados e
por isso a cabeça inclina se a pessoa estiver sentada.
O Sábio está desperto no Ser Real que é Pura Consciência. Esta Consciência nunca pode se tornar
inconsciente, portanto, o Sábio nunca dorme, essa é Sua atividade, que é toda a atividade que existe.
Tudo o mais é Maya. O Sábio nunca dorme, mesmo quando o corpo dorme, Ele está sempre alerta
pronto para qualquer atividade.
Isso ocorre porque o Sábio está sempre no Estado Natural, que nem é transe nem a vigília do
ignorante.
Apenas um Sábio pode ser um Guru, porque somente Ele pode estar ativo tanto interna como
externamente.
O Verdadeiro Guru impele a mente do discípulo de fora para dentro, e a puxa de lá para o íntimo do
Ser, dando-lhe assim a Experiência do Ser, que o libertará.
Para que essa obra de misericórdia divina possa ser consumida, o discípulo deve devotar-se ao Sábio
como se fosse a Deus.
Aquele que medita sobre a verdadeira Natureza do Sábio, que habita no Coração, despojado da mente,
como o Ser Abençoado, o Ser de todos, obtém a Experiência do Ser.

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Capítulo 11 – Devoção

O Sábio diz que há quatro tipos de discípulos: O primeiro precisa de apenas uma palavra para
consumir sua ignorância de uma só vez. O segundo precisa de algum ensinamento e de esforço
pessoal.
O terceiro necessita de um longo curso de instrução, treinamento e prática. O quarto tem que
adaptar-se à condição de discípulo através de práticas adequadas à sua condição.
Portanto, a maioria dos discípulos precisaria perseverar na Busca por longo tempo antes que possa
confiar na obtenção do êxito final.
Que devem esses discípulos fazer a fim de que possam progredir na direção do objetivo? A resposta
é que devem praticar a devoção a Deus.
Já vimos que o que aprendemos dos santos não é a pura verdade, mas a verdade dentro da
relatividade. Mas o caminho seguido pelos santos também conduz ao “Estado Sem Ego”, e os Sábios
aprovam esse caminho, embora poucos santos transcendem o sectarismo.
Portanto, quem seguir o caminho da devoção precisa discriminar entre santo e santo, e evitar aqueles
que têm muitas crenças sectárias. Todas as crenças terão que futuramente ser consumidas no fogo da
Experiência do Ser.
O Sábio diz que atribuir nome e forma à Realidade, dando-Lhe personalidade e transformando-A no
que chamamos Deus é perfeitamente adequado e necessário como meio de purificação mental. Mas
é errado aceitar que só uma determinada religião é sagrada (sectarismo).
O Gita nos diz sobre a devoção, que até os homens de vida dedicada ao mal se beneficiam com a
devoção, e logo se tornam bons, e no final alcançam o Estado Sem Ego.
Mas, como regra geral, apenas os homens de mente pura e boa conduta se sentem atraídos à
devoção a Deus, porque certo grau de inexistência do ego está implícito na devoção. Por isso, devemos
melhorar o nosso caráter.
Quem quiser encontrar a Verdade deve abster-se do mal, vencer suas paixões e alcançar a
harmonia mental. Verdade e bondade são essencialmente a mesma coisa. A bondade não é uma posse, é
o possuidor.
A devoção já existe em todos os homens, só precisa ser refinada e dirigida a objetos adequados.
Quando dirigida a objetos ignóbeis chama-se apego, mas quando é dirigida a objetos sagrados
chama-se devoção.
A virtude da devoção não é forçada, é espontânea e natural. Deus não determina que O amemos.
Amamo-Lo por ser inevitável.
Na verdade, Devoção e Busca são a mesma coisa. O Sábio disse: “Deus é tão real quanto você”.
Contudo, por ser Deus na verdade o Ser Real que habita o íntimo do devoto, Ele é a fonte do que
se chama “Graça”.
Se não houvesse a Graça, a Libertação nunca seria possível, pois mesmo os esforços máximos, por
serem finitos, nunca produzirão um resultado infinito.

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Quando alguém julga que não está à altura da empresa de encontrar o Ser, tem uma vantagem enorme
se acreditar em Deus, e se inspirar com devoção em Deus.
No início, a devoção implica distinção, o devoto considera Deus uma pessoa distinta de si mesmo. Por
isso, muitos adeptos da Advaita consideram-na algo inferior. Os Sábios não aprovam isso.
O Sábio diz que não existem métodos superiores e inferiores. Se você meditar sobre Deus com forma,
como uma pessoa, isto também te levará ao objetivo.
Um conhecimento teórico da Verdade da Advaita não é um empecilho à devoção, e sim um grande
auxílio. Grandes santos tiveram a experiência da Unidade de Deus e do Ser, e isso não destrói sua
devoção.
A Unidade está no Estado transcendental, enquanto a devoção está na relatividade. O Advaiti ou o
adepto do não dualismo dedica a Deus todo o seu amor, enquanto o Dvaiti ou dualista dedica-lhe
apenas uma parte.
Quando os dois são tomados como dois, então necessariamente o amor é dividido. Quando os dois são
um, o amor é indiviso. Por isso o Sábio e o Gita dizem que os Sábios são os melhores devotos.
A grandeza de Deus como Deus está na relatividade, em Maya, mas a Natureza de Deus como Ser é a
Verdade Absoluta, além de Maya.
O devoto que professa a fé da Advaita considera Deus como o consumidor do ego.
Devoção consiste num espontâneo dirigir a mente para Deus. Tal só pode acontecer quando
encontramos felicidade ao pensar em Deus, que às vezes toma a forma de êxtase.
Aquele que já sentiu o êxtase da devoção, torna-se um Santo e sua mente perde o hábito
completamente dos objetos dos sentidos.
A devoção é uma forma de emoção, um modo de sentir. Tem diferentes níveis, das depressões às
euforias. Os Santos, como uma classe, são poetas. Sri Krishna Chaitanya disse:
Mais despretensiosa do que a humilde folha de relva, mais paciente do que a árvore, nunca exigindo
honras alheias, mas livremente prestando honra a todos , tal pessoa deve usar sempre o nome de
Deus.
O devoto está muito mais perto do Ser Real e é mais acessível a Seu ensinamento do que seu irmão
menos afortunado, o filósofo.
As religiões de devoção são constituídas principalmente de erros dos devotos incipientes. O fanático
geralmente maneja para deturpar as intuições mais sábias dos devotos amadurecidos, e assim as
religiões são desfiguradas e tendem a dividir em vez de unir os homens.
O Santo ainda tem um ego a perder, enquanto o Sábio é desprovido de ego. O Santo tem mente e se
agarra a um credo. O Sábio é desprovido de mente e de credo.
O Santo pode, por sua religião, tornar-se um perseguidor. O Sábio, nunca. É claro que o Sábio
também pode ser um Santo, e tem havido Santos com características de Sábios.
Seria interessante para todos se o devoto não se limitasse a crenças definidas, pois crenças devem
mudar de tempos em tempos, à medida que a mente se torna mais refinada.
O Sábio pode ser um santo, mas não é fácil a um Santo ser também um Sábio, já que aquele que
ainda retém o ego é necessariamente imperfeito.

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A devoção em alguns casos amadurece e se transforma em sentimento místico de amor, que se
distingue muito pouco do Estado Sem Ego. Basta ver a obra de Sri Ramakrishna. Quando o amor é
perfeito, o Santo transforma-se em um Sábio.
As mentes menos desenvolvidas não podem assimilar, mesmo teoricamente, que em última análise, Deus
deve ser compreendido como sendo o Ser Real, eles tem devoção a Deus, com a sensação de que são
diferentes de Deus e sujeitos a Ele.
Sua ideia de Deus, sendo antropomórfica, julgam-No uma espécie muito superior de homem. Tentam
praticar virtudes porque pensam que Deus espera isso deles.
Naturalmente essa devoção é egoísta, pois o devoto aguarda uma recompensa pessoal acreditando na
continuação eterna de sua personalidade. Tal tipo de devoção dá ao ego um novo alento de vida.
O devoto preparado vem a observar que isso é antropomorfismo, e que não pode ser a verdade, pois
deixou de ansiar por conservar a sua individualidade pessoal, e assim aproxima-se do Estado Sem Ego.
Neste caso, o fluxo da Graça é mais abundante, já que o ego é a única coisa que fecha ou interrompe
o fluxo da Graça.
O objetivo do devoto é estabelecer uma relação pessoal com Deus, vê-Lo em visões, dialogar com
Ele. Quando realiza seu desejo, fica eufórico, mas quando as visões desaparecem, fica deprimido.
Ramana diz que as formas de Deus contempladas nessas visões são puramente mentais, portanto não
são reais e não perduram.
Ramana ainda diz que enquanto restar um só vestígio de egoísmo, não há visão de Deus como Ele
realmente é. A visão real só é possível no Estado Sem Ego, que é alcançado pela Graça de Deus.
O objetivo alcançado através da Busca é atingido pelo devoto através da autodoação, que decorre da
compreensão que surge por obra do que se chama a Graça, o poder pelo qual Deus atrai as almas para
Si Mesmo.
O devoto compreende que a alma é nada mais do que nada, e que só Deus existe. Observa também
que Só Deus vale a pena ser alcançado, e que o mudo estaria bem caso se perdesse em Seu Amor. Isso
leva ao sentimento de autodoação.
A Graça tem três estágios. No primeiro a Verdade surge como Deus, distante e inacessível. No
segundo estágio, Deus se aproxima como Guru, então a devoção ao Guru toma o lugar da devoção a
Deus.
A devoção ao Guru conduz a mais elevada Graça, a Experiência do Ser Real no Estado Sem Ego, que
é o terceiro e último estágio da Graça.
A autodoação é a condição para que a Graça atue perfeitamente. Pode ser parcial ou total, mas em
qualquer caso tende para a ausência do ego. O devoto renunciante não precisa se preocupar com as
ações boas e más que praticou no passado.
A função da Graça é a eliminação dos envoltórios, após a qual só restará o Eu Real.
A Graça não é algo especial, é realmente universal. É o único poder para o bem que existe, mas o
ego interfere e reduz sua ação.
Por meio da autodoação essa interferência se torna cada vez menor, e a ação da Graça torna-se cada
vez mais eficaz.

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A Graça Divina está no princípio, no meio e no fim, pois ela é o Ser, mas devido ao desconhecimento
do Ser, esperamos que ela surja de algum lugar do exterior.
Tudo o que precisamos fazer é entregarmo-nos, pela renúncia, à Fonte de nós mesmos. A nossa Fonte
está dentro de nós mesmos.
Se o ego imergir na sua Fonte, então não mais existe ego, nem a alma individual, isto é, o Buscador
torna-se Uno com a Fonte.
Essa perda de individualidade pessoal, que nunca existiu realmente, é devoção, sabedoria e a Busca.
A verdadeira devoção é conhecer-se a si mesmo corretamente.
Alegam os Vaishnavas que se a alma tornar-se Deus, não haverá mais o desfrutar, assim como não
poderemos saborear o açúcar se nós mesmos nos tornarmos o açúcar. Portanto, querem ser diferentes
de Deus e gozar Dele. Isso não deixa de ser egoísmo.
Pergunta-se: Deus é inerte como o açúcar?
Os Vaishnavas acreditam que ficando separados em seu Céu, devem servir e adorar Vishnu. Deus se
deixa enganar com essa conversa de serviço?
Os Vaishnavas dizem que se a alma individual se entregar a Deus, permanece como um corpo de Deus, e
este é o Ser desse corpo-alma. A alma individual é chamada o pequeno eu e Deus o grande Eu.
Neste caso, o que ocorre é que o processo de eliminação do ego não foi realizado até o fim, como
deveria ser.
O verso do Gita “Eu sou o Ser que habita em todos os corações” torna evidente que Deus é Ele
Mesmo o Ser Real dentro de nós. O verso não diz que Ele é o Eu do eu.
Julgar você mesmo como sendo algo separado da Fonte, isto é, de Deus, é em si mesmo um furto, pois
agindo assim você se apropria do que pertence a Deus.
Se você quiser ficar separado mesmo após a purificação, e desfrutar de Deus, constitui furto por
atacado. Deus não conhece tudo isso?
Aquele que quiser conservar-se separado individualmente, não pode entregar-se pela renúncia real.
Será uma renúncia com reserva, e muito grande reserva por sinal.
Se a renúncia for real, quem restará para contestar as ações de Deus? A autoentrega deve ser sem
reservas e incondicional, não há margem para transações.

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