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Expresso
Fundador: Francisco Pinto Balsemão 24 de outubro de 2020
2504 O €4

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

www.expresso.pt

24h COVID 19
72 concelhos com
PSD só
viabiliza
OE se
Costa pedir
Chega a hora
de inverno
1
Na noite de hoje
para amanhã, dia
risco de contágio desculpa

muito elevado
2 25, às 2h da ma-
nhã de Portugal Líder da bancada social-
continental, os -democrata explica voto
relógios devem ser contra, enquanto Bloco
atrasados para a 1h. também se prepara
para dizer ‘não’
Eleições no Benfica Adão Silva diz que Rio só
antecipadas
As eleições presidenciais no > Dispara número de zonas do país vistas como “preocupantes” deixaria passar o Orçamen-
to se o primeiro-ministro se
Benfica foram antecipadas
de 30 para 28 de outubro,
> Porto, Paços de Ferreira, Paredes e Penafiel em situação mais grave retratasse por ter dito que
o Governo acaba no dia em
na sequência da medida go- > Lisboa, Loures, Sintra e Cascais também entre os mais infetados P5 que depender do PSD. Mes-
vernamental que proibiu a mo com a abstenção do PCP,
circulação de pessoas entre o Bloco continua a entender
concelhos de 30 de outubro ‘FADIGA PANDÉMICA’ CADA VEZ MAIS MARCELO RECEBE que não tem condições para
a 3 de novembro.
FAZ AUMENTAR FESTAS ESCOLAS VOLTAM ÀS PRIVADOS E FRAGILIZA viabilizar o OE: os bastidores
que “deterioraram” a rela-
Bancada destoa
ILEGAIS P14 AULAS ONLINE P22 MINISTRA P6 ção com o Governo. P8eP10

de Rio na eutanásia
Rui Rio deu liberdade de
voto à bancada do PSD no
referendo sobre a eutanásia
e os deputados usaram-na.
Resultado: só nove (líder
incluído) estiveram contra
a consulta, todos os outros
votaram ‘sim’. A propos-
ta de referendo à morte
“Querem
medicamente assistida foi
chumbada na Assembleia
expulsar
da República devido aos Deus deste
votos contra dos nove soci-
ais-democratas, de PS, BE, país”
PCP, PAN, PEV e das duas
deputadas não inscritas. Reportagem de Pedro
CDS e Iniciativa Liberal es- Cordeiro, enviado
tiveram do lado oposto. especial aos EUA,
entre os apoiantes
de Donald Trump
Integram esta edição semanal, além deste P24
corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda MOBILIDADE Reportagem no Hospital
ELÉCTRICA E GESTÃO DE FROTAS
de São João, no Porto,
um dos mais saturados do país
Em Ohio, o
FOTO RUI DUARTE SILVA P16 estado que
acerta sempre,
o resultado é
QUEIXAS DE VIOLÊNCIA REVOLTA: VISITAS FÓRMULA 1 RECEBE imprevisível
P24
DOMÉSTICA DIMINUEM COM A HOSPITAIS PROIBIDAS 27 MIL NO PIOR MOMENTO
CRISE E COVID P23 HÁ OITO MESES P18 DA PANDEMIA P36 Polícia
‘vigia’ 250
portugueses
Nuno Melo adeptos
CTT admitem deixar Hilary Mantel:
“As pessoas do QAnon
serviço universal confundem poder
admite ÚLTIMA

com estatuto” candidatura

de correios R44
a líder do CDS
Competição
entre EUA
Reportagem no e China deixa
Portugal
Empresa quer mais dinheiro campo ‘proibido’ Eurodeputado desiludido
apertado
www.mantovani.pt
e menos regras para manter que acolhe 8 mil com abandono da agenda
da direita. Autárquicas R24

concessão, que termina este ano E9 refugiados P30 vistas como decisivas P12

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2 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 24 de outubro de 2020

João Vieira Duelo Esta semana, o Papa Francisco defendeu, pela primeira vez, que deve ser
criada uma lei civil que enquadre as uniões entre pessoas do mesmo sexo
Pereira
Anselmo José Maria
Elefantes Borges Brito

N
um frenético tiquetaque, no merecerá todos os elogios. Mas se
Padre e professor universitário Padre jesuíta
há algumas bombas-reló- a economia continuar a definhar, se a
gio que prometem explo- destruição for grande e prolongada, o
dir nos próximos tempos. elefante transforma-se em bolha pron-
O inverno está a chegar, ta a rebentar em cima dos bancos.
há cada vez mais casos
de infetados por covid a
A terceira bomba é a mais eviden-
te e ao mesmo tempo a mais escondi-
As declarações do Papa mudam a posição
precisar de internamento e, acima
de tudo, a inexistência de um confi-
da. A TAP vai custar ao contribuinte
1.200.000.000 de euros (mil e duzen-
da Igreja sobre a homossexualidade?
namento expõe muito mais o pessoal tos milhões de euros) só este ano. Para o

médico ao vírus, criando uma pressão
acrescida sobre a sua disponibilidade.
Ou seja, vão faltar recursos. A segunda
vaga da pandemia tem tudo para ser
pior e colocar a nu as fragilidades do
que não foi feito para reforçar efetiva-
mente o SNS no seu todo. A obsessão
pelo controlo político da situação leva
a falhas gritantes na coordenação en-
tre hospitais. Não há uma estratégia e
só ainda não se entrou na fase de “cada
um por si” porque os dirigentes hospi-
talares se conhecem todos e abusam
da capacidade de se ajudarem uns aos
outros. A obsessão chega ao controlo
absoluto da informação, escondendo
dados fundamentais para que cada um
avalie riscos e pondere ações quando
sai de casa. Investem-se milhões em
equipamentos e camas, mas a obses-
são de controlo financeiro deixa os
hospitais impossibilitados de contratar
enfermeiros que permitam às equipas
médicas funcionar. A obsessão ideoló-
gica da ministra da Saúde faz com que
não se olhe para a oferta de cuidados
de saúde de forma integrada, fingin-
do que o sector privado não existe no
combate à pandemia. O crescimento
algo exponencial dos casos de infeta-
dos vai deixar muitos sem cuidados de
saúde em geral. Os centros de saúde
até podem não estar fechados, mas é
como se estivessem, pela incapacida-
de de resposta à população. Morre-
-se do vírus mas também se morre do
medo de ir a um hospital ou de se adiar
sine die atos médicos. E não se vê uma
resposta integrada a este problema.
Isolado, cada um destes erros é grave,
juntos mostram o quanto Marta Temi-
do não serve para ministra.
Portugal detém hoje o monopólio de
moratórias no mundo. Enquanto ou-
tros países acabaram com o empurrar
das prestações dos créditos preferindo
apoiar as empresas com dinheiro ga-
rantido pelo Estado e assim impedir
incumprimentos e falências, por cá
insiste-se em adiar o problema até
setembro de 2021. No final de outubro
veremos quem tem razão. Se até lá a
economia estiver a recuperar, talvez
empresas e famílias possam pagar os
seus créditos e a estratégia do Gover-
SIM
ano vai custar mais 500 milhões. A em-
presa, que depois de uma perseguição
ideológica sem tréguas que durou cinco
anos é agora verdadeiramente pública,
diz que a sua atividade está reduzida a
30% do que era. Pedro Nuno Santos,
o ministro responsável pela naciona-
lização da TAP, dizia em junho deste
ano que os despedimentos não tinham
“de ser inevitáveis”. Há poucos dias, o
mesmo anunciou no Parlamento que a
TAP iria despedir 1600 trabalhadores
até ao final do ano, sendo que já tinham
saído da empresa 1200, afirmando:
“Não podemos manter artificialmente
Aqueles que se alvitram como
defensores dos interesses
públicos no Novo Banco pactuam
com despedimentos em empresas
públicas enquanto vociferam
contra os privados que o façam
uma dimensão que não tem adesão
ao mercado”. Isto quando qualquer
empresa privada que tenha aderido a
apoios para a manutenção do emprego
(a que a TAP também recorreu) está
proibida de avançar com despedimen-
tos durante um determinado período
de tempo. Mesmo os mecanismos que
a partir de agosto substituíram o lay-off
simplificado implicam essa proibição.
O silêncio político de Bloco e PCP
sobre o crime que está a ser cometido
na TAP é vergonhoso. Aqueles que se
alvitram como defensores dos inte-
resses públicos no Novo Banco (onde
na realidade não existem) pactuam
com despedimentos em empresas pú-
blicas enquanto vociferam contra os
privados que o façam. Para o Gover-
no e seus parceiros de esquerda não
parece haver qualquer problema em
terem desaparecido 2800 postos de
trabalho numa empresa que está a ser
suportada por dinheiro público. E as
perspetivas para o próximo ano não
são melhores. A aviação está em crise
extrema e João Leão já disse que pode
vir a ser necessário mais do que os 1,7
mil milhões que a TAP vai receber.
jvpereira@expresso.impresa.pt
NÃO
1. Dá que pensar: Francisco publicou Vendo as reações ao que o Papa disse
uma encíclica histórica, “Fratelli sobre as uniões civis homossexuais,
Tutti” (todos irmãos), com orienta- recordava o paradoxo do elixir da
ções proféticas para o futuro de uma Humanidade eterna juventude cantado por Sérgio Godinho: “Esse
ameaçada e desorientada, e ela passou quase desper- que quer que tudo mude para que tudo fique igual.”
cebida; veio agora declarar que os casais homosse- Pensava ainda que talvez se passe algo inverso com o
xuais têm direito a uma cobertura legal, e isso é uma elixir da tradição cristã, que entende que nada deve
das maiores notícias. Entre outras coisas, isto revela mudar para que nem tudo fique igual.
bem a obsessão sexual com que a Igreja tem vivido O que é que não muda? Não muda o pensamento do
e, por isso, a necessidade de pôr fim a essa obsessão, Papa Francisco, nem a doutrina da Igreja. Como arce-
para deixar de ser notícia fundamentalmente por bispo de Buenos Aires, Bergoglio admitiu que fossem
causa do sexo: o celibato (quando acaba essa lei que reguladas as “convivências civis”. Tal expressão foi
não vem de Jesus?), a misoginia (como se pode con- usada no contexto da discussão da lei do casamento
tinuar a negar a igualdade de direitos às mulheres?), entre pessoas do mesmo sexo e com o intuito de mar-
divorciados recasados (felizmente, Francisco abriu car uma diferença entre aquelas uniões e o casamento
já a porta à possibilidade da comunhão), pedofilia civil ou religioso, garantindo proteção a essas pessoas.
(como foi possível tolerar essa infâmia?). É claro Bergoglio era claro: o casamento deveria ficar reser-
que não vale tudo, mas, com o vado para a relação entre homem
fim desta obsessão, a Igreja ficará e mulher. Já como Papa reafirmou
liberta para o anúncio e prática do É um passo o mesmo numa entrevista ao soci-
essencial: o Evangelho, a maior gigantesco, quando ólogo Dominique Wolton publica-
mensagem de felicidade, liberta- da em livro (“Um Futuro de Fé”,
ção e dignificação.
se pensa na doutrina 2018). Francisco mostra-se tam-
2. Para mim, não foi notícia da Igreja e no que bém contrário à adoção por parte
inesperada esta defesa de prote- disseram Papas de uniões homossexuais.
ção legal da união civil de pessoas anteriores E o que é que não fica igual? Na
do mesmo sexo. Francisco quer entrevista a Wolton, Francisco
uma Igreja de inclusão, que não refere-se à forma como avança a
discrimina, mas acolhe e alivia no
Não muda o doutrina: “Na tradição dinâmica,
sofrimento. Aliás, trata-se de união pensamento do Papa o essencial permanece, não se al-
civil, não do sacramento católico do Francisco nem a tera, antes cresce. Cresce na expli-
matrimónio. E penso que Francis- doutrina da Igreja citação e na compreensão.” Para o
co não é, em princípio, favorável à Papa esse crescimento dá-se atra-
adoção por casais homossexuais, vés do diálogo. O diálogo tem pas-
muito menos, a ter filhos através de barrigas de aluguer. sado no seu pontificado por uma intencional atitude de
3. Não fiquei surpreendido, mas reconheço que foi acolhimento que não é mera simpatia. Acolher implica
uma notícia que trouxe grande alegria e felicidade expor a proposta da Igreja à realidade, deixando-se in-
a muitos com essa tendência, porque se sentiam terpelar por ela, promovendo em cada situação o bem
excluídos, sem lugar na Igreja. Também são filhos de possível. Não é um exercício teórico, é uma prática, um
Deus e muitos pais vão sentir-se mais confortados. modo de proceder que o Papa encarna nos seus gestos.
Trata-se de um passo gigantesco, quando se pensa na No documentário “Francesco” em que surgem as
doutrina oficial da Igreja, expressa no Catecismo e no declarações de Francisco, é dada a conhecer a história
Direito Canónico e no que disseram Papas anteriores, de Andrea Rubera que com o parceiro adotou três cri-
excluindo explicitamente a legalização das uniões anças. Numa carta entregue ao Papa, Andrea expôs o
homossexuais. É claro que as declarações de Fran- desejo de educar as crianças como católicas na paróquia
cisco mudam e ajudarão a mudar a posição da Igreja e o seu receio de não serem acolhidos. Francisco tele-
em relação a este tema, nomeadamente quando se fonou-lhe comovido pedindo que levassem as crianças
pensa em Conferências Episcopais que pretendem a à paróquia. Segundo a experiência de Rubera, não
cura homossexual com pseudoterapias ou em bispos, mudando a doutrina, o Papa convida a uma mudança
como na Polónia, duríssimos contra os homossexuais de olhar sobre os homossexuais, não os metendo numa
ou, pior, no Uganda, onde bispos estão ao lado de leis categoria. O Papa expõe assim a proposta da Igreja à
que penalizam a homossexualidade... realidade das pessoas, permitindo que a doutrina toque
Julgo que, com os bispos alemães, se deveria pensar essa realidade e seja tocada por ela. É neste diálogo que
numa bênção da Igreja para estas uniões civis. a doutrina cresce e nem tudo fica igual.

A Semana primeira-ministra da Nova

Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
ESPANHA
Apenas pela quinta vez na história
da democracia espanhola,
debateu-se uma moção de censura
ao Governo. Apresentada pela
extrema-direita do Vox. A direita
tradicional e moderada, de Casado,
distanciou-se claramente da
iniciativa, sem consequências para
o Executivo de Sánchez e Iglesias.
FRANÇA
O horror, a violência e a
intolerância religiosa voltaram a
França, com a terrível história de
Zelândia, muito elogiada pelo
papel no combate à pandemia,
conseguiu uma muito expressiva
vitória eleitoral no seu país, com
a primeira maioria absoluta dos
trabalhistas desde 1993.
AEROPORTOS
O último domingo registou o
primeiro dia desde o início da
pandemia em que os aeroportos
dos EUA tiveram mais de um
milhão de passageiros. Sinal do
O último debate
crescimento nas viagens de
avião (que se deseja seja
replicado por cá também).
BÉLGICA
Este país do centro da Europa
continua a ter dos níveis mais
preocupantes de infetados e
mortos por covid-19. Já
morreram mais de 10 mil
pessoas no país, um valor cerca
de cinco vezes superior ao nosso,
apesar de populações
semelhantes.
BOLÍVIA
Forçado a abandonar o país há um
ano, o poder e a influência de Evo
Morales na Bolívia não parecem ter
diminuído e as eleições gerais do
último fim de semana trouxeram
uma vitória eleitoral clara para o
MAS, agora liderado pelo antigo
ministro Luis Arce. Uma notícia
relevante para os equilíbrios “OS HOMOSSEXUAIS SÃO
políticos na América Latina. FILHOS DE DEUS E TÊM
LIBERDADE EM PERIGO DIREITO A UMA FAMÍLIA.
A liberdade de expressão global NINGUÉM DEVE SER
está “em declínio”, encontrando-se
no nível mais baixo numa década, EXPULSO OU TER UMA
alerta o Article 19, que coloca
Portugal em 11º lugar no ranking
VIDA MISERÁVEL POR
que avalia o estado atual deste CAUSA DISSO”
direito no mundo. Esta PAPA FRANCISCO
informação consta no relatório
divulgado pela organização

um professor decapitado depois
de ter mostrado aos alunos
caricaturas de Maomé.
AI WEIWEI
O artista dissidente chinês Ai
Weiwei, conhecido globalmente
pela oposição ao regime liderado
por Xi Jinping, anunciou a sua
primeira grande exposição em
Portugal, que estará patente ao
público entre junho e novembro
do ano que vem, em Lisboa.
NOVA ZELÂNDIA
Jacinda Ardern, a mediática
internacional Article 19. Nesta
classificação, a Dinamarca lidera,
seguida da Suíça e da Noruega, e a
Coreia do Norte é a última da lista.
ORÇAMENTO
Continua o bailado, pouco
recomendável, da negociação de
um Orçamento que ninguém
acha verdadeiramente que deve
ser chumbado. O PSD colocou-se
EUA Trump e Biden voltaram a encontrar-se para o segundo e últi- fora, o BE uns dias está mais
mo debate televisivo desta campanha, numa altura em que já falta dentro outros mais fora e o PCP
pouco mais de uma semana para as eleições e quando as sondagens anunciou uma abstenção mas
nos estados considerados decisivos continuam a dar uma tendência ainda faz depender o voto final de
forte de vitória ao candidato democrata. FOTO MICHAEL REYNOLDS/EPA mais negociações.
15
Depois de dezena e meia de dias
com a camisola rosa de líder da
Volta a Itália em ciclismo, João
Almeida cedeu na montanha e
passou a 5º da geral (a prova
termina amanhã). O que não
apaga uma prova brilhante e que
alimenta grandes esperanças
quanto ao seu futuro no ciclismo
mundial
Expresso, 24 de outubro de 2020
O Cartoon de António O egocêntrico homo dolar
A
justificação do comité
norueguês do Nobel
enaltece o Programa
Alimentar Mundial
(PAM) “pelos seus
esforços no combate
à fome, pela sua con-
tribuição em melhorar as condições
para a paz em áreas afetadas por
conflitos e por ser uma força im-
pulsionadora nos esforços para pre-
venir o uso da fome como arma de
guerra e conflito”. Dos meus quase
30 anos de trabalho nas Nações
Unidas, a maior parte deles foram
passados no PAM. Foi onde iniciei
a minha carreira internacional, em
1985, na resposta à crise do Sahel,
quando uma enorme seca afetava
todos os países da região. Reformei-
-me em 2015, depois de fazer parte
da equipa de resposta do PAM ao
surto de ébola nos países da África
Ocidental, que afetou com gravida-
de a Guiné-Conacri, a Serra Leoa e
a Libéria.
Momentos após o anúncio do No-
bel de 2020, começaram a chegar
as mensagens de antigos colegas
congratulando-se. Dos colegas ain-
da no ativo, foi sempre realçado que
este prémio era para todos os que
estavam ou tivessem trabalhado na
organização. Recordavam também
aqueles que tinham perdido a vida.
A mesma mensagem foi transmiti-
da por David Beasley, diretor exe-
cutivo do PAM, que se encontrava
em visita de trabalho no Níger. Com
manifesta surpresa, muita alegria
e incontida satisfação, reconheceu
que este era um prémio devido ao
empenho que o PAM sempre de-
monstrou no desenvolvimento da
sua atividade desde a sua fundação,
em 1961, e abrangia todos os que
tinham construído e mantido esta
agência especializada da ONU.
Na declaração sobre a atribui-
ção do Nobel da Paz 2020 ao PAM
António Guterres afirma: “Num
mundo de abundância, é inconce-
bível que centenas de milhões vão
para a cama cada noite com fome.”
Numa outra passagem realça: “As
mulheres e os homens do PAM
enfrentam perigos e percorrem
distâncias para entregar sustento
e, assim, salvar vidas àqueles de-
vastados pelo conflito, a pessoas
que sofrem por causa de desastres,
crianças e famílias que não sabem
quando será a próxima refeição.”
Uma das minhas gratas recorda-
ções é o forte “espírito de corpo”
do PAM, forjado na necessidade
de responder com celeridade, nas
situações mais adversas, à distribui-
ção de comida a pessoas com fome
ou subnutridas vítimas de conflitos
ou desastres naturais. Este espíri-
A crónica do convidado
É tempo de reforçar
o multilateralismo
Carlos
Veloso
Ex-funcionário e consultor do Programa Alimentar Mundial, reage à atribuição
àquela organização da ONU do Nobel da Paz 2020, falando do orgulho
de ter servido uma organização com tal mandato, capacidades e abnegação
to, construído ao longo dos anos,
é, sem dúvida, uma das chaves do
sucesso do PAM.
No mundo da assistência huma-
nitária, o PAM é conhecido pelas
suas capacidades logísticas, depar-
tamento do qual fiz parte. No início
da minha atividade no PAM, fui
um dos primeiros a ter o título de
“oficial de logística”. O outro, um
grande amigo e português também,
foi meu colega desde o primeiro dia
e desenvolveu toda a sua carreira
LOGO QUE FOI
ANUNCIADO
O NOBEL DA PAZ
2020, CHEGARAM
MENSAGENS DE
ANTIGOS COLEGAS
CONGRATULANDO-SE
Alma Grande
no PAM, tendo chegado a diretor
executivo assistente.
A logística do PAM tinha por
moto “We deliver”, o que reflete
bem o princípio de chegar a quem
precise de comida, esteja onde es-
tiver e em tempo útil. Consoante
as circunstâncias e cultura locais,
este princípio assumia várias for-
mulações. Uma coisa é certa, as
pessoas precisam de comida para
sobreviver, a fome mata. E esse
fluxo de fornecimento tem de ser
imediato e constante, enquanto as
necessidades perdurarem.
O PAM também desenvolveu ou-
tras valências, que potenciaram a
sua capacidade de melhorar o com-
bate à fome e subnutrição através
da assistência alimentar apoian-
do a comunidade humanitária em
situações de emergência. Em co-
laboração com universidades, ins-
titutos de investigação e entidades
privadas, o PAM desenvolveu uma
capacidade de resposta rápida de
IT em situações de emergência,
na utilização do GIS em situações
de catástrofe e planeamento de
operações em cenários complexos,
transferências monetárias para
beneficiários com total segurança
e nas metodologias de estudos de
vulnerabilidade, principalmente
alimentar, e no campo da nutrição.
Os muitos anos que passei
no PAM proporcionaram-me
experiências e vivências que me
acompanharão para o resto da
vida. Uma coisa que aprendi, da
forma mais dura e violenta, é que
a comida não é considerada por
NÃO ESQUEÇO AQUELA
CRIANÇA QUE CALÇOU
OS SAPATOS DE VERNIZ
PARA RECEBER OS
PRIMEIROS CAMIÕES
DO PAM APÓS NOVE
MESES DE CERCO
PRIMEIRO CADERNO 3
muitos e em muitos lugares um di-
reito, mas sim um privilégio. Prin-
cipalmente para quem só tem o
suficiente para uma magra refeição
por dia, quando a tem.
Passei os meus anos de PAM e
ONU principalmente em África.
Mas também tive base ou permane-
ci períodos longos em países como
a Coreia do Norte, Haiti, Myanmar
e Iraque. Em várias ocasiões fiz par-
te de equipas de resposta rápida,
que se deslocavam a zonas afetadas
por catástrofes naturais ou onde o
conflito se agudizara, piorando as
já precárias situações em que as
pessoas viviam, com o espectro da
fome a pairar sobre a destruição.
Há recordações que nunca se
apagarão da minha memória. Não
posso deixar de recordar aquele
menino, com talvez seis anos, que
calçou os seus bonitos sapatos de
verniz para receber os primeiros
camiões com comida que chega-
vam à aldeia depois de nove me-
ses de cerco e bombardeamentos.
Também o da senhora de idade que
cantava e dançava sem parar ao
ver que começavam a descarregar
os primeiros sacos de milho ao fim
de 12 meses de cerco. Dos gritos
dilacerantes que um jovem dava ao
ser-lhe amputada a perna, a sangue
frio, depois de ter pisado uma mina
e a perna ter ficado completamente
esfacelada. Da alegria com que fui
recebido na aldeia para inaugurar
um sistema de água canalizada,
construído através do sistema “co-
mida pelo trabalho”, o qual dotaria
cada casa de água a menos de 10
metros, evitando que as mulheres
tivessem de andar quatro horas du-
rante a noite para recolherem uns
parcos 20 litros de água. Da estrada
de mil metros, construída em “co-
mida pelo trabalho”, que reduziu
o percurso diário, a pé e através
das montanhas, das crianças para
a escola, de três horas para 40 mi-
nutos. Da alegria e sorriso daquela
mãe, que chegou com a criança es-
quelética e quase cadáver ao centro
de nutrição, quando, passadas três
semanas, já abria os olhos e sor-
ria. Das longas negociações, com
ameaças implícitas ou explícitas,
com senhores da guerra locais para
passar os camiões e chegar a quem
mais necessitava. E a quantidade
de vezes que o Figo e o Ronaldo,
e, em certa medida, o Eusébio, me
facilitaram as negociações com au-
toridades locais para distribuir, se-
gundo os nossos critérios, a comida
às pessoas carentes.
Guterres também disse: “Existe
também fome no nosso mundo da
cooperação internacional.” É tem-
po de reforçar o multilateralismo.
4 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
João
Almeida
Ciclista
O ciclista português andou 15 dias
com a camisola rosa no Giro ita-
liano e só a perdeu na mais dura
das etapas — onde conseguiu o sé-
timo lugar. João Almeida deu (es-
tá a dar) tudo. E com isto ganhou
um lugar na nossa alma.
Jerónimo
de Sousa
Secretário-geral do PCP
A exposição do Bloco deixou o
PCP numa posição central do OE-
2021 — com a vantagem da sua
permanente discrição e de já ter
votado contra o Orçamento Su-
plementar em julho, o que lhe deu
distanciamento. A abstenção na
generalidade, anunciada ontem,
reforça-lhe essa força negocial pa-
ra as etapas seguintes.
Pablo
Casado
Líder do PP espanhol
O líder do principal partido da di-
reita espanhola foi, finalmente,
muito claro: chumbou a moção
de censura ao Governo de Pedro
Sánchez, rejeitando o “ódio, fú-
ria e barulho” do Vox. A linha ver-
melha, definida a tempo, é caso
exemplar para outros líderes à di-
reita, de outros países, que se as-
sumem como moderados ou re-
formistas.
Papa
Francisco
Líder da Igreja Católica
Bastou uma frase, explicando que
“os homossexuais são filhos de
Deus e têm direito a uma família”,
para o Papa Francisco vincar uma
nova página na história da Igre-
ja — uma de tolerância perante a
diferença. E vale a pena deixar a
pergunta: agora, depois disto, o
tema já pode ser abordado sem
polémica nas aulas de Cidadania?
E BAIXOS
Marta
Temido
Ministra da Saúde
Marta Temido deixou que se ins-
talasse a perceção do seu isola-
mento, precisamente quando che-
ga o pior momento da pandemia:
com pouco diálogo com os profis-
sionais do setor, alvo de críticas
dos hospitais públicos e dispen-
sando ajuda extra do sector priva-
do, sobrou para Marcelo o diálogo
com o sector.
Carlos
Ramalho
Presidente do Sindepor
O presidente do Sindicato Demo-
crático dos Enfermeiros convo-
cou uma greve de cinco dias pa-
ra novembro, justificando-a com
o desgaste e a desmotivação des-
tes profissionais. Diz que os por-
tugueses perceberão. Não é mes-
mo nada provável.
David Dinis
ddinis@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Bispos consideram que palavras
do Papa não mudam doutrina
A Conferência Episcopal
Portuguesa não crê que alguma
vez a Igreja considere que uma
união gay seja um matrimónio
A Conferência Episcopal Portuguesa
considera que as declarações do Papa
sobre a necessidade de “uma lei civil”
que formalize as uniões homosse-
xuais e os apelos aos “direitos” dos
casais do mesmo sexo a “terem uma
família” “não afetam a doutrina da
Igreja sobre o Matrimónio, reservado
na Igreja Católica à união entre um
homem e uma mulher”. Ao Expresso,
o porta-voz dos bispos portugueses
garante mesmo que, no documentá-
rio de que foram retiradas as palavras
de Francisco — e que foi apresentado,
esta quarta-feira, no Festival de Cine-
ma de Roma — “há outro testemunho
em que se diz, explicitamente, que o
Papa não tem intenção de mudar a
doutrina da Igreja”.
A reação dos bispos portugueses
surge depois da ‘onda’ de choque pro-
vocada pelas declarações de Francis-
co, que foram lidas, um pouco por
todo o mundo, como um sinal de
maior abertura para a integração dos
casais homossexuais, não só na soci-
Papa Francisco com o Presidente da República FOTO JOÃO RELVAS/AFP/GETTY IMAGES
Precários
Serralves
e Casa da
Música na
mira do MP
Pandemia destapou dezenas
de falsos recibos verdes
nas duas instituições culturais.
Serralves resiste a acordos
Os 21 trabalhadores do Serviço Edu-
cativo de Serralves sinalizados pela
Autoridade para as Condições do
Trabalho (ACT) como prestadores
de “atividade aparentemente autó-
noma”, quando exerciam funções em
condições “de contrato de trabalho”,
já foram notificados de que os seus
processos transitaram para o MP.
O grupo de guias e orientadores de
oficinas, alguns a trabalhar a reci-
bo verde há mais de 10 anos, foram
notificados de que os seus processos
edade mas também na Igreja. Mas,
para o padre Manuel Barbosa, porta-
-voz da CEP, a intenção de Francisco
não foi essa, mas a de enviar um sinal
para a necessidade de os “Estados ofe-
recerem proteção legal para uniões
entre pessoas do mesmo sexo.”
As palavras de Francisco “revelam
a atenção constante do Papa às ne-
cessidades reais da vida concreta das
pessoas”, acrescenta a mesma fonte,
recusando, assim, a ideia de que se
pode estar perante uma revisão da
atual doutrina católica. Na mesma
linha, o bispo de Setúbal e presidente
da CEP também veio pôr água na fer-
vura canónica. Em entrevista à Rádio
Renascença, Dom José Ornelas foi
perentório: “Não creio que alguma
vez a Igreja Católica vá considerar
que uma união entre pessoas do mes-
mo sexo seja um matrimónio. Igual-
dade de direitos e de oportunidades
não significa fazer tudo igual.”
Respeitar todas as pessoas
Para o responsável da CEP, estas de-
clarações vêm na linha do que o Papa
tem vindo a afirmar, ao longo de todo
o seu pontificado, e da sua defesa in-
seguem para o Tribunal de Trabalho,
após o Conselho de Administração
(CA) ter deixado passar o prazo dado
pela ACT (8 de outubro) para efetu-
ar contratos com os falsos indepen-
dentes. Na Assembleia da República,
Ana Pinho, presidente da Fundação,
negou que a ACT tenha ouvido o CA
e alegou que os educadores desenvol-
viam funções com “autonomia”, sem
carga horária e que Serralves não
tem capacidade para os integrar. Pa-
trícia Vale, Sofia Santos, Inês Soares
e Santos, precárias com três a 10 anos
de casa, refutam o não cumprimento
de horários ou de agenda, e que “é
falso” que nunca tenham reivindica-
do contratos efetivos. “Nunca hou-
ve abertura”, diz Patrícia, 45 anos,
que viu o seu rendimento reduzido
a 10% desde março. Após uma ma-
nifestação em junho e a entrega no
Parlamento de um abaixo-assinado
com mais de dois mil subscritores, a
maioria dos Educadores nunca mais
foi escalada. “Na Fundação vive-se
um clima de medo e represálias, mas
vamos até ao fim”, afiançam.
CdM negoceia
Ao contrário de Serralves, o CA da
CdM já fechou contrato com uma
transigente do direito ao respeito de
todas “as pessoas, qualquer que seja
a sua orientação sexual”.
A frase: “Quem sou eu para julgar
a consciência de um gay perante
Deus?” marcou, de facto, o arranque
do Pontificado deste Papa. Foi profe-
rida por Francisco logo em 2013, na
sua primeira viagem apostólica ao
Brasil. Daí em diante, seguiram-se
várias outras declarações e atitudes
públicas de incentivo a um maior aco-
lhimento dos homossexuais na vida
da Igreja.
No entanto, o Papa nunca promo-
veu qualquer revisão do catecismo
que rege os católicos. Nele se lê que
os atos homossexuais “são contrários
à lei natural, fecham o ato sexual ao
dom da vida (...), não podem, em caso
algum, receber aprovação”. Daí que,
as reações da ala mais conservadora
da Igreja não se tenha feito esperar.
A Fraternidade São Pio X, sediada em
França, recusa dar “qualquer valor
oficial” às declarações do Papa, mas
classifica de “escândalo extremamen-
te grave” o impacto causado pelas pa-
lavras de Francisco a nível mundial.
Rosa Pedroso Lima
rlima@expresso.impresa.pt
parte dos falsos independentes, al-
guns na instituição a recibo verde
desde 2005. Após uma ação inspe-
tiva, a ACT notificou a CdM para
regularizar contratos de 37 presta-
dores de serviços. Um foi integrado
de imediato, tendo os restantes casos
sido participados ao MP. A 1 de ju-
nho, os precários, sem remuneração
desde março, fizeram uma vigília
de protesto. Desde então, os mani-
festantes (técnicos de palco, guias e
assistentes de salas) não voltaram a
ser chamados, em sinal de “represá-
lia”, refere José Vilela, precário há 20
anos, a subsistir com €438 do apoio
extraordinário à pandemia. Nuno
Magalhães, advogado de 17 precários,
avança que 13 dos seus representados
já assinaram contratos, no caso dos
guias a tempo parcial, com salários
que variam dos €105 a €316/mês.
“O modelo foi imposto pela CdM, tal
como o volume de horas”, diz, salien-
tando que a Fundação pode dizer que
“venceu a batalha porque subjugou
as pessoas ao obrigá-las a assinar
um mau acordo, derrotando-as pelo
medo e estado de necessidade”. Em
relação a retroativos, paga menos de
10% do que é devido.
Isabel Paulo
ipaulo@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020
Covid-19
Aumentam
mortes e
pressão nos
intensivos
Óbitos por coronavírus
aproximam-se do máximo
de abril e hospitais sobem
patamares nos planos
de contingência
Com 31 mortes por covid-19 na
quinta-feira, o número de víti-
mas duplicou face ao dia anterior
e atingiu um dos valores mais
altos desde o início da pandemia.
O máximo até agora registado
fora de 37, em abril. De acordo
com os dados da Direção-Geral
da Saúde (DGS), a grande maio-
ria das mortes ocorreu nas faixas
etárias mais elevadas: das 31 víti-
mas, 24 tinham mais de 80 anos,
quatro entre 70 e 79 e três entre
60 e 69. A taxa de letalidade está
agora nos 2%.
E este é apenas um dos indica-
dores que está a causar preocu-
pação. O número total de inter-
nados bateu um novo recorde
(1418 em enfermaria e 198 nos
intensivos), e aumentou a pres-
são sobre os serviços de saúde.
Os hospitais asseguram que o
crescimento de casos que lhes
chegam são imparáveis. Nuno
Germano, diretor dos cuidados
intensivos do Curry Cabral, em
Lisboa, confirmou ao Expresso
que esta semana, “os casos es-
tão a aumentar de forma signi-
ficativa” e no Santa Maria, João
Ribeiro, que dirige a unidade de
doentes críticos, diz que o au-
mento está a ser progressivo.
No São João, o maior hospital
do norte, a pressão mantém-se
elevada e o responsável pelos in-
tensivos, José Artur Paiva, reivin-
dica uma coordenação regional e
nacional, levando todos os hospi-
tais a subirem o nível dos planos
de contingência. Alexandre Lou-
renço, presidente da Associação
Portuguesa de Administradores
Hospitalares, defendeu posição
idêntica e criticou mesmo a atitu-
de “individualista” de alguns hos-
pitais, mas o Governo tarda em
avançar de forma coordenada.
Confrontadas pelo Expresso
com a urgência de colocar todas
as unidades hospitalares no mes-
mo ritmo de esforço, as ARS não
sinalizam uma mudança de ati-
tude. Em Lisboa e Vale do Tejo,
a mensagem é de tranquilidade,
embora Luís Pisco, presidente
desta autoridade, avance com
a necessidade de passar a curto
prazo para o segundo patamar.
A meio desta semana, a ARS de
Lisboa e Vale do Tejo tinha 86%
das 563 camas de enfermaria
ocupadas, apenas a oito do li-
mite deste nível. Das 102 camas
de cuidados intensivos, 76% já
estão ocupadas. Ou seja, na pró-
xima semana deverá ser ativado
o segundo patamar, com 738
camas de enfermaria e 148 de
intensivos.
A ARS Norte assume que “to-
dos os hospitais da região têm
ativos os seus planos de contin-
gência”, avançando ainda que
“durante o último mês, foram
duplicadas as camas de enfer-
maria (atualmente 590) e de UCI
(129) para covid”. Mas mesmo
com mais pressão, a região tem
menos camas disponíveis para a
pandemia do que Lisboa. Já no
Algarve, nenhum hospital se en-
contra em qualquer um dos dois
últimos níveis de contingência,
assim como na região centro. A
ARS do Alentejo foi a única que
não esclareceu a situação vivida
pelos hospitais da região.
Christiana Martins
cmartins@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020
Mais de 120 novos casos por 100 mil habitantes em duas semanas indicam grande vulnerabilidade
ao vírus. Peritos pedem divulgação de mapas de perigo à população mas o Governo resiste
72 concelhos com nível
“muito elevado” de contágio
Texto Raquel Albuquerque
e Vera Lúcia Arreigoso
O
Infografia Jaime Figueiredo
país tem pelo me-
nos 72 concelhos
com risco “muito
elevado” de infeção
pelo novo corona-
vírus. Em duas se-
manas, registaram
mais de 120 novos
casos por 100 mil
habitantes, valor a partir do qual os
especialistas afirmam entrar-se em
alerta vermelho de propagação do
SARS-CoV-2. Paços de Ferreira, Lou-
sada e Felgueiras, onde o Governo
impôs esta semana o “dever de per-
manência no domicílio” (ver pág. 17),
mas também os municípios contíguos
de Paredes ou Penafiel, além de Bra-
gança, Porto ou Lisboa, estão entre
os concelhos com maior incidência
entre 5 e 19 de outubro, segundo os
cálculos feitos pelo Expresso a partir
dos boletins da Direção-Geral da Saú-
de (DGS), que pecam por defeito, ao
não incluírem a totalidade de novas
infeções em cada município.
A esmagadora maioria dos 72 con-
celhos com uma incidência “preo-
cupante”, como classifica Manuel
Carmo Gomes, professor de Epide-
miologia da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, encontram-
-se no Norte (ver mapa). Com 1200
casos por 100 mil habitantes, Paços
de Ferreira é o concelho com a si-
tuação mais grave, mas há outros
locais contíguos, como Paredes
e Penafiel, com um número de
infeções semelhante, mas sem
restrições específicas. Há também
concelhos com muitos infetados na
região da capital, como Lisboa, Lou-
res, Sintra, Cascais ou Vila Franca de
Xira, todos com incidência acima dos
200 casos. Noutros municípios mais
pequenos, o número de novos casos
pode não ser muito alto mas é sufici-
ente para fazer disparar a incidência.
É o que acontece, por exemplo, em
Alcoutim, Alfândega da Fé, Alvaiá-
zere ou Mogadouro, com surtos re-
centes em lares ou escolas.
O número elevado de novas infe-
ções não define por si só o nível de
gravidade da situação epidemioló-
gica num município, mas faz soar
o alarme. Nas últimas semanas, in-
vestigadores académicos e peritos
do Instituto Ricardo Jorge e da DGS
desenvolveram mapas de risco por
concelho em que a incidência é con-
jugada com outros dois critérios para
definir localmente um dos quatro
níveis de risco. “Optámos por ter em
conta a tendência de evolução dos
casos, ou seja, se estão a aumentar ou
a diminuir, e a natureza dos surtos,
porque é diferente ter casos foca-
dos numa cadeia de transmissão, por
exemplo num lar, ou dispersos na
comunidade”, explica Carmo Gomes,
um dos investigadores envolvidos
no desenvolvimento dos mapas. “É
preciso fazer uma combinação destes
três critérios, porque um concelho
até pode ter uma incidência eleva-
da, mas uma situação menos grave
porque a tendência está a descer, ou
o inverso.”
Os níveis de risco estabelecidos ser-
viriam para fazer “recomendações
destinadas ao funcionamento dos
transportes públicos, escolas, lares,
cafés, restaurantes ou realização de
festas, e que possam ser postas em prá-
tica pelas autoridades de saúde locais”,
aponta Carmo Gomes. Os peritos têm
reclamado a divulgação pública dos
mapas de perigo, mas o Governo tem
recusado a sua publicação.
O Executivo garante que os mapas
de risco têm sido usados diariamente
nas análises feitas pelas autoridades
de saúde, mas a resistência à sua di-
vulgação irá manter-se, garan-
te fonte da equipa de António
Costa, que antes era favorável à
publicação. A posição do Governo
começou a mudar quando os surtos
aumentaram em freguesias e conce-
lhos mais pobres. Tornar públicos os
mapas de risco poderia acentuar as
desigualdades, defende o Executi-
vo. Quando o vírus está disseminado
pelo país centrar o foco em zonas es-
pecíficas poderia também dificultar
a mensagem que se quer passar: de
que a luta contra a pandemia é uma
responsabilidade de todos, indepen-
dentemente de onde vivem. Foi tam-
bém essa a lógica para não divulgar
a localização de pessoas infetadas. Os
autarcas queriam saber ao pormenor
para o publicitarem, mas o Governo
resistiu a prestar essa informação.
As manifestações na capital espa-
nhola contra o confinamento impos-
to em alguns bairros também contri-
buíram para a mudança de posição
do Executivo. Vendo o que se passou
no país vizinho, mais longe ficou a
ideia de tornar os mapas públicos,
bem como a ideia de ‘semáforos’,
defendida pelo PSD.
Mapas na gaveta
Filipe Froes, pneumologista e coor-
denador do Gabinete de Crise para
a Covid-19 da Ordem dos Médicos,
criou um semáforo para estratificar
o perigo de infeção no território na-
cional facilmente percetível pela po-
pulação, apresentou-o à ministra da
Saúde, mas Marta Temido colocou-o
de parte. “A ministra entendeu que a
informação seria estigmatizante para
as áreas que viessem a ser identifica-
das como tendo maior risco”, explica.
Os especialistas não concordam.
“Manifestam-se com frequência
pontos de vista no sentido de manter
uma abordagem prescritiva e geral
em detrimento daquilo que devia ser
uma diferenciação local apropriada
e a promoção da capacidade de de-
cisão informada de cada cidadão”,
afirma Constantino Sakellarides, an-
tigo diretor-geral da Saúde. Para o
professor, “os cidadãos têm o direito
de ter acesso a toda a informação que
lhes permita protegerem-se melhor
e uma boa comunicação de risco faz
com que as pessoas entendam me-
lhor a sua necessidade, evitando-se
MAIS DE 120 NOVOS CASOS POR 100 MIL HABITANTES disfunções comportamentais e estig-
CONCELHOS ORDENADOS DA MAIOR PARA A MENOR INCIDÊNCIA (5 A 19 DE OUTUBRO) matizações desnecessárias”. Além
disso, diz, “face às dimensões do país,
PAÇOS DE FERREIRA VILA POUCA ALENQUER não há nenhuma razão para não se
LOUSADA DE AGUIAR ODEMIRA fazerem mapas de risco”.
BRAGANÇA GUIMARÃES PENAMACOR Francisco George, ex-diretor-geral
ALVAIÁZERE VILA REAL ENTRONCAMENTO da Saúde, é outro dos críticos da não
PORTO ALFÂNDEGA DA FÉ ALMADA publicação. “Os riscos não são iguais
MONTALEGRE SANTO TIRSO PÓVOA DE VARZIM ao mesmo tempo em todos os municí-
ALCOUTIM RESENDE VILA NOVA DE GAIA pios, portanto, faz sentido existirem
MOGADOURO BORBA VILA DO CONDE mapas locais para alertar para a ado-
PAREDES VILA FRANCA ALBUFEIRA ção de medidas pela comunidade.”
PINHEL DE XIRA M. DE CAVALEIROS Com os casos a duplicar a cada dez
FELGUEIRAS BEJA FAFE dias, vai manter-se um crescimen-
VIZELA MATOSINHOS PÓVOA DE LANHOSO to exponencial do contágio. “Para
GÓIS RIBEIRA DE PENA SERNANCELHE meados de novembro já projetamos
M. DE CANAVESES ODIVELAS VALENÇA 5 mil casos/dia. E se nada de dife-
PENAFIEL LAGOS VINHAIS rente acontecer, podemos estar com
ARRUDA DOS VINHOS ALTER DO CHÃO GONDOMAR 6 mil em dezembro”, alerta Carmo
VALONGO CASTELO DE PAIVA ALCOCHETE Gomes. E enquanto o Governo dis-
CINFÃES MAIA VILA DO BISPO cute se a informação local é ou não
LISBOA VILA VERDE TABUAÇO estigmatizante, o Centro Europeu de
LOURES CASTRO MARIM CANTANHEDE Prevenção e Controlo das Doenças
VILA FLOR AMADORA VALPAÇOS já deu um passo em frente. Esta se-
SINTRA MAFRA GUARDA mana, atribuiu a todas as regiões de
AMARANTE MÊDA CONSTÂNCIA Portugal continental um risco eleva-
CASCAIS SEIXAL VILA NOVA do de infeção, pintando de vermelho
ESPOSENDE OEIRAS DE FAMALICÃO todo o país.
Com Liliana Valente
FONTE: CÁLCULOS EXPRESSO A PARTIR DE DADOS DA DGS E ESTIMATIVAS DE POPULAÇÃO DO INE ralbuquerque@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 5
P&R
O Parlamento aprovou esta sexta-
-feira a proposta do PSD que impõe
o uso obrigatório de máscara na
rua, devido à pandemia. O diploma
contou com os votos favoráveis de
PSD, PS, BE e CDS-PP. Iniciativa
Liberal votou contra. PCP, PAN,
PEV e a deputada Joacine Katar
Moreira abstiveram-se. Há, no en-
tanto, detalhes que é importante
ter em conta, como os seguintes:
Quando é que a medida
entra em vigor?
Ainda não é certo, uma vez que não
foi definido o início do período de
vigência. Ao Expresso, o PSD disse
ter pedido “a dispensa de redação
final do diploma, pelo que o texto
deverá seguir ainda hoje para análise
do Presidente da República”. A me-
dida pode entrar em vigor assim que
Marcelo Rebelo de Sousa promulgar
o texto (e tem sido rápido nestes ca-
sos relacionados com a pandemia).
Por quanto tempo?
Tudo indicava que a medida estaria
em vigor durante, pelo menos, três
meses (da proposta do PSD consta-
va precisamente esse prazo de 90
dias), mas durante a votação na
especialidade foram aprovadas al-
gumas alterações ao diploma dos
sociais-democratas, incluindo a di-
minuição desse prazo para 70 dias,
por proposta do Partido Socialista.
O que significa, assim, que será
obrigatório usar máscara na rua
durante um pouco mais de dois
meses — deixando para já de fora a
época do Natal. A medida, sabe-se
também, poderá ser renovada.
A medida abrange todas
as pessoas ou há exceções?
A hipótese certa é a segunda. Isto
é, crianças com 10 ou menos anos
não estão obrigadas a utilizar más-
cara em espaços públicos. As res-
tantes pessoas sim, mas não em
todas as circunstâncias.
Em que circunstâncias?
Segundo o diploma do PSD (que
surgiu na sequência da proposta de
lei apresentada pelo Governo, que
depois recuou, pelo menos em par-
te), o uso de máscara é obrigatório
no acesso, circulação ou permanên-
cia nos espaços e vias públicas,
“sempre que o distanciamento físi-
co recomendado pelas autoridades
de saúde se mostre impraticável”.
A máscara não pode ser substituída
por viseira.
Quem está dispensado
da utilização de máscara?
Além do grupo referido na resposta
anterior, estão dispensadas de uti-
lizar máscara no espaço público, de
acordo com o diploma do PSD, pes-
soas do mesmo agregado familiar,
“quando não se encontrem na pro-
ximidade de terceiros”, ou median-
te a apresentação de um atestado
médico de incapacidade multiusos,
ou declaração médica que ateste
que a condição clínica ou deficiên-
cia cognitiva não permitem o uso
de máscara. Também não é obriga-
tório o uso de máscara sempre que
isso “seja incompatível com a natu-
reza das atividades que as pessoas
se encontrem a realizar” — um pon-
to que não está concretizado no
diploma agora aprovado.
O que acontece a quem
desrespeitar a regra?
Estão previstas multas entre €100
e €500 para quem não respeitar a
nova regra. A fiscalização estará a
cargo das forças de segurança e das
polícias municipais, conforme de-
talha o diploma.
Helena Bento
hrbento@expresso.impresa.pt
6 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA GOVERNO
Desgaste O Governo tem só um ano,
mas os sinais de instabilidade e cansaço
preocupam o Presidente da República. Marcelo
espera pelas autárquicas. E pela remodelação
Um estranho
cheiro a fim
de ciclo
Ângela Silva
O
primeiro a ‘cheirar’
sinais de fim de ciclo
no atual Governo foi
Marcelo Rebelo de
Sousa. Após quatro
anos a puxar pela
estabilidade política
e depois de ter pres-
cindido de exigir ao
primeiro-ministro um acordo de Go-
verno estável no início da legislatura,
o Presidente da República fez soar as
campainhas apenas seis meses após
ter dado posse ao segundo Governo de
António Costa. “As pessoas não podem
começar uma legislatura com um esta-
do de espírito de fim de ciclo, quando,
já cansadas, gastas, nervosas, tensas,
encontram soluções caso a caso, em
cima da hora, no último segundo, so-
luções de improviso ou de remendo”,
afirmou Marcelo a 5 de março, numa
conferência do “Público” sobre “Portu-
gal... e agora?”. O tema ainda não era
a arriscada viabilização do Orçamento
do Estado (OE), nem o drama das ne-
gociações à esquerda, nem a aterra-
dora gestão política de uma pandemia
que na altura estava prestes a fechar
o país e que rapidamente se percebeu
ser um dos maiores desafios de que há
memória. Mas o que aí vinha não tran-
quilizava o Presidente/analista e o que
se seguiu não foi melhor.
Há uma semana, em Aljezur, Marce-
lo voltou à carga com o mantra de há
sete meses: “Ninguém pode planear
a sua vida assim. Estar sempre com o
coração na boca sobre se o Orçamento
passa ou não passa, se uma lei passa ou
não passa. Como é que é possível? Esse
é o problema que se vê em Portugal
hoje.” Agora, sim, o Presidente refere-
-se à folhetinesca negociação do OE.
Mas não só. A falta de um rumo estável
preocupa-o: “Gostaria que se pensasse
o país a prazo, e não andar todos os
dias a negociar. Se se quiser construir
um aeroporto, uma ponte, melhorar
escolas, investir a sério na saúde, fazer
investimentos para seis anos, como é
possível?”, perguntou. E a conjuntura
dá-lhe razões acrescidas: com os mi-
lhões que vão chegar de Bruxelas e os
planos de recuperação anunciados pelo
Governo, que rumo estratégico existe
para o país e que maioria será capaz de
o concretizar, conjugando energias e
não perdendo tempo?
“Não é fim de ciclo. É medo!”
A ausência de uma maioria absoluta não
é, só por si, um sinal de fim de ciclo, nem
torna impossível que António Costa con-
siga levar a legislatura até ao fim. Mas
Marcelo sabe que, se todos os Governos
minoritários são iguais, há uns que são
mais iguais do que outros, e o segundo
Executivo de Costa não só é mais instável
do que o primeiro como dá sinais de des-
gaste. Foi com surpresa que o Presidente
viu o primeiro-ministro regressar de
férias com ameaças de crises políticas,
chegando a dizer que se o OE chumbasse
era “simples”: o PR só teria que estudar
prazos para fazer “o inevitável”, ou seja,
convocar eleições. E na altura Marcelo
travou-o. Mas os ziguezagues que se se-
guiram — quer no que toca ao discurso
sobre a crise, que entretanto o PM lim-
pou do mapa, quer na ideia de tornar
a app StayAway Covid obrigatória, que
apanhou Belém de surpresa e que em
quatro dias Costa deixou cair dizendo-
-se contra soluções “autoritárias”, quer
na gestão da resposta à pandemia, em
que o PM passou, numa semana, de um
‘não’ a novas medidas de confinamento
para o decretar de um novo estado de
calamidade — têm nomes aos olhos de
Belém: “cansaço” e “desgaste”.
Foi precisamente isso — “cansaço,
esgotamento, falta de paciência, into-
lerância, impunidade” — que o conse-
lheiro de Estado e comentador Luís
Marques Mendes diagnosticou na SIC,
quando, há um mês, elencou uma série
de “erros” cometidos pelo primeiro-mi-
nistro. Mas esses sinais, somados por
António Costa desde o regresso de féri-
as, não são separáveis do contexto ‘de
guerra’ que o país vive com a pandemia,
sobretudo agora, que a segunda vaga
chegou. José Miguel Júdice discorda,
por isso, que se esteja perante um co-
meço de fim de ciclo tradicional. “O que
se está a passar é outra coisa. É medo!”,
afirmou ao Expresso. E medo de quê?
Medo de gerir “uma tragédia” sem ter
gente à altura. Na sua opinião, “o Go-
verno de António Costa é fraquíssimo”
— a 5 de maio, Júdice disse na SIC que
o primeiro-ministro devia substituir
as ministras da Saúde e da Segurança
Social — e reforçou que “o desafio que
estamos a viver não pode ser enfrenta-
do com ministros que foram nomeados
porque são mulheres ou porque se trata
de alguém que entra bem na esquerda”.
A prova de que o Ministério da Saú-
de está a ser posto em xeque está no
facto de o Presidente da República ter
decidido chamar seis ex-ministros da
pasta, além de agentes do sector, cujo
diálogo com o Governo estava bloquea-
do (ver texto ao lado). Em contexto
de pandemia, Marcelo não fará como
fez com a ministra da Administração
Interna, cuja demissão exigiu após os
fogos de 2017. Mas a sua intervenção
não disfarça, antes evidencia, a erosão
da imagem da ministra que tutela uma
das áreas-chave do momento e que já
está diagnosticada em Belém. Marcelo
espera, assim, para ver se haverá a tão
falada remodelação a seguir à presidên-
cia portuguesa da União Europeia para
relançar o Governo para uma nova fase
a seguir ao verão.
O desgaste da segunda legislatura de
António Costa tem, no entanto, matizes
próprias. Ao contrário do que marcou
as retas finais dos ciclos guterrista, ca-
vaquista, socratista ou passista, des-
ta vez os sinais não passam por haver
muitas fugas de informação, muitas
guerras dentro do Governo, divisões en-
tre Governo e partido ou sequer muita
contestação social. Episódios como o
‘buzinão’ na Ponte 25 de Abril, que aba-
nou o segundo Governo de Cavaco Silva,
quando as guerras pela sucessão entre
nogueiristas e barrosistas enchiam pá-
ginas de jornais e o próprio Cavaco se
queixava em público dos barões do PSD,
“que se servem do partido para benes-
ses pessoais”, não são hoje evidentes. Os
NOS FINS DE CICLO,
OS PM DEIXAM-SE
SEDUZIR POR LUGARES
INTERNACIONAIS. COSTA
JÁ COMEÇA A DAR
NAS VISTAS NA EUROPA
Expresso, 24 de outubro de 2020
avanços de Pedro Nuno Santos com os
olhos na sucessão de Costa são ainda en-
quadrados pelo líder e as parcerias com
o BE e o PCP têm permitido controlar
a contestação social. Nada comparável
ao que se viveu na reta final do Exe-
cutivo de António Guterres, quando o
então ministro da Administração Inter-
na, Fernando Gomes, teve os polícias a
deporem armas de norte a sul do país.
E nem as negociações para viabilizar
o OE atingem o burlesco das idas do
deputado do CDS Daniel Campelo a
casa de José Sócrates para salvar o OE
de 2001, num clima que acabaria, após
uma pesada derrota autárquica do PS,
por levar Guterres a abandonar o barco
e a falar de “um pântano”.
Sondagens e autárquicas
Pedro Magalhães, doutorado em Ciên-
cia Política e responsável pelas sonda-
gens do ICS/ISCTE para o Expresso,
acha, no entanto, “compreensível que
o tema [do fim de ciclo] surja”, porque,
“ao contrário do que sucedia na legisla-
tura anterior, não existe hoje um acor-
do que garanta uma maioria estável
para os temas principais, e o PS governa
sozinho, dependendo de acordos pon-
tuais e variáveis na sua base política”.
Na sua opinião, “é esta “pontualidade”
que alimenta constantes dúvidas sobre
o futuro, mas o investigador aconselha
prudência na antecipação de sinais.
“Não conheço indicadores objetivos de
‘fim de ciclo’ que não remetam para a
insatisfação dos eleitores [sondagens
ou eleições], para a falta de coesão do
Governo ou do partido de Governo, ou
indicações claras de que os partidos da
oposição se preparam para derrubar o
Governo”, afirmou ao Expresso. E se é
verdade que o Governo é hoje menos
popular do que no início do ano, o saldo,
sublinha, “ainda é positivo”. Os elei-
tores sentem a crise económica, mas
“não culpam diretamente o Governo
por ela”, e o PS nem regista quebras
significativas nas intenções de voto.
Pedro Adão e Silva, um comentador da
área socialista, é menos otimista. Num
artigo no Expresso, com o título de ‘Pan-
demia política’, escreveu: “Com o tem-
po, é provável que a queda na avaliação
política, agora circunscrita ao Governo,
acabe por contaminar a intenção de
voto no PS e a opinião sobre o primeiro-
-ministro.” Para um Governo que leva
Expresso, 24 de outubro de 2020
CENAS DE OUTROS FINAIS
Cavaquismo
Cavaco Silva ficou tão farto do PSD
que, em 1994 (saiu em 1995), numa
Festa do Pontal, criticou os “muitos
barões que se servem do partido
como um trampolim para benesses
pessoais”. Numa apresentação pública
de novos militantes, desabafou que
“às vezes é preciso uma paciência de
santo”. Os jornais enchiam páginas
sobre as guerras pela sucessão
entre barrosistas e nogueiristas.
Guterrismo
Em 2001, José Sócrates disse a
António Guterres e a Jorge Coelho,
em casa de Edite Estrela, que havia
“um homem disponível” para aprovar
o Orçamento do Estado em troca de
apoios para o queijo da sua terra. O
negócio passou por reuniões em casa
de Sócrates, onde Daniel Campelo
entrava pela garagem, sempre à noite.
O OE passou, mas o PS foi arrasado
nas autárquicas. Guterres disse
a Coelho: “Vou-me embora. Não
tenho condições.” Coelho concordou.
Barrosismo
Durão Barroso teve guerras
com ministros por só pensar no
défice. Martins da Cruz denunciou
a um jornal o “estado de falência”
do MNE. Isaltino Morais denunciou
a outro periódico que “os maiores
entraves vêm de dentro do Governo”.
Quando Tony Blair passou
por Lisboa, jantou com Durão
no Hotel D. Pedro e lhe acenou
com Bruxelas, o primeiro-ministro
nunca mais foi o mesmo.
FOTO NUNO FOX
apenas um ano de vida, isto é o avesso do
estado de graça que era suposto existir
após quatro anos fechados a chave de
ouro com um superávite orçamental
e com a classe média a viver melhor.
Mas, também vem nas atas da política à
portuguesa, os seis anos de vida são nor-
malmente uma curva crítica na vida dos
Governos socialistas, que não chegam
ao sétimo ano, e António Costa, com
cinco anos no poder e uma pandemia
em cima, aproxima-se do ponto crítico.
Dados mais seguros só depois de o país
assimilar o impacto da brutal crise eco-
nómica, no próximo ano. E é com isso
que o líder da oposição já conta.
Não por acaso, Rui Rio anunciou esta
semana que o PSD votará contra o OE,
e assim animou o xadrez do princípio
do fim. Sem haver uma alternativa,
não há fim de ciclo. E Rio agarrou o
pretexto que Costa lhe deu quando dis-
se ao Expresso que, se a esquerda lhe
faltasse no OE, o Governo acabava,
para se justificar: se o Governo não quer
contar com o PSD, o PSD só pode votar
contra. Comentário de Belém: “Como
era natural, o PSD distancia-se no OE
para poder no futuro assumir a sua
alternativa.” Para Marcelo, que tinha
pedido que Rio ficasse de reserva para,
se necessário, salvar o Orçamento, esta
posição não deixa de ser uma boa notí-
cia — a direita começa a demarcar-se.
O Presidente, sabe o Expresso, entende
que enquanto houver pandemia o medo
favorece a estabilidade, mas quando ela
passar a fatura da crise acabará por pe-
nalizar quem governa. As autárquicas
daqui a um ano serão a hora certa para
se perceber quanto cansaço acumulou
o eleitorado e quanto denunciará na
altura o próprio primeiro-ministro.
António Costa, que na entrevista que
deu ao Expresso pós-férias respondeu,
sobre se já pensa na sua saída de cena,
que “este é daqueles momentos em que
os primeiros-ministros têm que decidir
como se não houvesse amanhã” e con-
siderou “prematuro” fazer conjeturas.
Certo é que Costa já vê o seu nome co-
meçar a ser falado para a Europa (nos
fins de ciclo é comum os PM deixarem-
-se seduzir por lugares lá fora...) e na
semana passada, ao anunciar o estado
de calamidade, o primeiro-ministro
disse perceber as pessoas e deixou cair
uma frase sugestiva: “O tempo mói.”
Será válido para todos?
avsilva@expresso.impresa.pt
Os ziguezagues
de António Costa
Crise política sim,
crise política não
O mundo mudou em
menos de dois meses. No
final de agosto, o primeiro-
-ministro não tinha
dúvidas: sem a aprovação
do Orçamento do Estado,
não havia condições para
continuar. Dizia assim em
entrevista ao Expresso: “Se
não houver acordo, é
simples, não há Orçamento
e há uma crise política. Aí
estaremos a discutir qual é
a data em que o Presidente
terá de fazer o inevitável.”
O “inevitável” tornou-se
evitável a partir do
momento em que a
pandemia acelerou e
acentuou os efeitos da crise;
António Costa recuou na
sua conclusão. Esta
semana, em entrevista à
TVI, afastou o cenário de
demissão e disse que, não
querendo governar “aos
bochechos”, em duodéci-
mos, não abandona o
barco: “Não viro as costas
ao país neste momento de
crise e tudo farei para
poupar o país a qualquer
tipo de crise.”
App e autoritarismo
António Costa continua a
considerar que o uso da
aplicação StayAway Covid é
um “dever cívico”, mas
recuou na intenção de a
tornar obrigatória. No
Conselho de Ministros da
última semana saiu uma
proposta de lei, para ser
debatida pelo Parlamento,
que tornava obrigatório o
uso da aplicação. A
polémica estalou e Costa
defendeu a proposta,
apesar de dizer que preferia
não ter de a tomar: “Não
gosto destas soluções”,
referiu, “prefiro que
utilizassem de livre vontade
do que estar a impor” ou
ainda “odeio ser autoritá-
rio”. Quatro dias depois,
anunciava o recuo à TVI.
Informou que pediu para
que a proposta fosse
reagendada, sem data.
A contingência
da calamidade
Antes de entrar para o
Conselho de Ministros da
semana passada, a intenção
do Governo era uma: não
agravar as medidas de
gestão da pandemia,
fazendo mudanças
pontuais nas regras para
famílias e universidades,
mas mantendo o estado de
contingência. Horas depois,
o Conselho de Ministros
apertava o cerco e decreta-
va novo estado de calami-
dade. Aqui, Costa sempre
disse que daria um passo
atrás se fosse necessário.
Foi.
Só e abandonado
O primeiro-ministro
defendeu um consenso
alargado em torno do
Programa de Recuperação
e Resiliência: chamou os
partidos, levou o documen-
to a debate, pediu contribu-
tos. Acabou por acrescen-
tar mais apoios às empresas
para responder a críticas do
PSD. Insuficiente: “Ne-
nhum dos partidos mostrou
qualquer vontade de
negociar o programa de
recuperação. Ninguém quis
negociar connosco.” O
plano seguiria assim para
Bruxelas mesmo sem
qualquer consenso
declarado, como pretendia.
Liliana Valente
Marcelo puxa
Saúde para Belém e
“fragiliza” ministra
PR chama grupos privados
da Saúde e quer perceber
resposta integrada entre SNS
e privados. Socialistas temem
“desautorização” de Temido
A ministra da Saúde não queria ser
empurrada para integrar mais os pri-
vados na resposta à pandemia, mas o
Presidente da República — ao puxar a
discussão sobre o combate à covid-19
para Belém — está a dar um empur-
rão político a Marta Temido que está
a ser lido dentro do PS e na oposição
como uma “desautorização”. Marcelo
Rebelo de Sousa não se limitou a cha-
mar os players do sector, mas convocou
seis antigos ministros para os ouvir em
audiências públicas (podia fazê-lo dis-
cretamente, em privado), sobre o que
devia estar a ser feito na luta contra o
vírus, depois de ter passado hora e meia
a conversar com a própria responsá-
vel. E, sabe o Expresso, o Presidente
decidiu somar os administradores dos
grupos de saúde privados à lista dos que
também serão chamados a Belém nas
próximas duas semanas.
Ao contrário do que aconteceu com
os fogos em 2017, desta vez Marcelo não
fará um discurso demolidor para forçar
uma remodelação da ministra. Embora
esteja a dar palco aos maiores críticos
de Marta Temido como as Ordens dos
Médicos e dos Enfermeiros, os sindi-
catos e os grupos de saúde privados, o
Presidente não acha que este seja mo-
mento para a ministra ser substituída,
um cenário que no Governo é “impen-
sável”. Outra coisa é Marcelo querer
perceber porque é que os privados não
estão a ter um papel mais integrado na
resposta do sistema de saúde no seu
todo, aos doentes covid e aos doentes
não-covid. A razão é simples: O Ministé-
rio decidiu não avançar para um acordo
assinado global deixando a cada ARS a
possibilidade de contratações diretas. O
tema vai ser falado em Belém.
Os socialistas contactados pelo Ex-
presso (que não quiseram aparecer
a comentar a questão) são unânimes
em reconhecer que a iniciativa presi-
dencial “desautoriza” Marta Temido,
embora compreendam a necessidade
de Marcelo agarrar no dossiê perante
os sinais de deslaçamento no sector:
são múltiplas as fontes no partido que
apontam à ministra “teimosia” ideo-
lógica em relação aos privados, e falta
de contacto com o terreno, quando é
preciso união num combate tão crítico,
apesar de lhe reconhecerem o esforço
e a boa aceitação na opinião pública.
No Governo, mais do que uma desau-
torização ou uma ultrapassagem das
competências executivas do primeiro-
-ministro, a iniciativa de Marcelo está a
ser encarada como uma manobra para
AS CRÍTICAS
“A fragilização da
ministra da Saúde tem o
seu quê de anormal
numa pandemia em que
vários aspetos não foram
prevenidos”
Adão Silva
Líder parlamentar do PSD
“Temos de fazer um
pacto envolvendo o
conjunto do sistema,
porque é eticamente
insuportável haver
pessoas a chegar aos
serviços em piores
condições”
Adalberto Campos Fernandes
Ex-ministro da Saúde do PS
PRIMEIRO CADERNO 7
eleitor ver, conjugada com uma pressão
dos privados (a que Belém é sensível)
para fragilizar a ministra.
PSD quer consequências
“O Presidente da República está a fa-
zer aquilo que competia ao Governo
fazer”, diz Adão Silva, líder parlamentar
do PSD, ao Expresso. “A fragilização
da ministra da Saúde tem o seu quê de
anormal durante esta situação de pan-
demia, em que vários aspetos não foram
adequadamente prevenidos.” Para o
social-democrata, chamar seis antigos
ministros revela “completa falta de con-
fiança” em Temido: “O Presidente sente-
-se na obrigação de fazer aquilo que tem
de ser feito, que é olhar para a situação,
analisá-la, estudá-la e percebê-la através
dos vários agentes e dar uma resposta.
Esperamos que este processo não seja
inconsequente, isto é, que quando aca-
bar de ouvir as personalidades o Presi-
dente diga coisas importantes ao país, já
que o Governo não é capaz de as dizer.”
No CDS, onde se sublinha que Mar-
celo “podia ter feito uma magistratu-
ra de bastidores” à Cavaco em vez de
chamar os ex-ministros para audiência
públicas, a leitura é semelhante: “Pare-
ceu-me que o PR tomou em mãos um
assunto que lhe parecia estar demasi-
ado atrasado, por falta de comparência
do Governo, devido à pressão sobre o
SNS”, diz a deputada Ana Rita Bessa
ao Expresso. “Deixa a ministra mais
fragilizada porque tem como prova de
vida a autossuficiência do SNS.”
Se Marcelo assume este “protagonis-
mo exuberante”, “sem ser chefe do Exe-
cutivo nem o Presidente francês”, então
também deve ser responsabilizado pelos
resultados, aponta José Manuel Pureza,
do BE: “A responsabilidade da ministra
não se apagou, pois é a responsável ope-
racional e pela resposta do SNS”, apesar
da iniciativa presidencial. “Outra ques-
tão é saber se o protagonismo do Presi-
dente arrasta consigo uma responsabili-
zação política pelo sucesso ou insucesso
da resposta. Até agora, nada lhe tem sido
assacado”. Será esse o papel de Marisa
Matias na campanha presidencial?
“Eticamente insuportável”
“Não me admiro que o Presidente da
República queira ouvir várias pessoas,
com experiências passadas e encontrar
pontos de equilíbrio e de consenso”,
diz ao Expresso António Correia de
Campos, um dos ministros ouvidos on-
tem — os outros são Maria de Belém,
Adalberto Campos Fernandes, Ana
Jorge (todos do PS) e Paulo Macedo
e Luís Filipe Pereira (ex-ministros do
PSD). O único socialista do sector que
aceitou ser citado não entende que a
ministra fique fragilizada e defende o
posicionamento de Marta Temido em
relação aos privados: “Estão primeiro a
tentar melhorar a reputação que ficou
abalada no início da pandemia e, em se-
gundo lugar, a tentar ganhar dinheiro.”
Esta posição, porém, não reúne con-
senso entre os socialistas: Adalberto
Campos Fernandes, antecessor de Marta
Temido, deu uma entrevista à TVI cheia
de recados que certamente vão chegar a
Marcelo na reunião marcada para a se-
mana: “Temos de fazer um pacto envol-
vendo o conjunto do sistema — público,
social e privado — porque é eticamente
insuportável que haja pessoas que este-
jam a chegar aos serviços em piores con-
dições ou que não estejam a chegar aos
serviços.” Campos Fernandes sublinhou
o afastamento de Temido do pessoal da
linha da frente: “As autoridades têm de
pôr o ouvido no chão, ouvir quem está
no terreno”, disse o ex-ministro. “Há
muitos portugueses que não estão a ter
atendimento médico, que não estão a
conseguir chegar ao centro de saúde,
que estão a ficar para trás.” Até onde irá
Marcelo vai perceber-se em breve.
Vítor Matos e A.S.
com Octávio Lousada Oliveira e L.V.
vmatos@expresso.impresa.pt
8 PRIMEIRO CADERNO
OE-2021
António Costa sempre
deu a entender que o
parceiro preferencial era
o PCP, enquanto a relação
com o Bloco esfriava
FOTO NUNO BOTELHO
Desconfiado de “truques”,
BE prepara voto contra
Bloco de Esquerda saiu das últimas negociações sem garantias.
Agora, com abstenção do PCP, fica mais livre... ou menos relevante
Mariana Lima Cunha
e Liliana Valente
A noite já ia longa. As amplas
comitivas do Bloco de Esquerda
e do Governo partiam pedra há
horas, numa reunião marcada
depois de a relação entre as duas
partes atingir um pico de tensão.
O Governo iniciara o encontro
com uma novidade: estaria
disposto a deixar cair uma das
condições para aceder ao novo
apoio social, de forma a apro-
ximar-se do BE e permitir que
mais desempregados acedessem
à prestação. Uma cedência im-
portante, que pode vir a custar
mais 150 milhões de euros (a
juntar aos 450 milhões já pre-
vistos), para tentar apagar uma
linha vermelha de Catarina Mar-
tins. Foi então que os bloquistas
perguntaram: afinal, a condição
de acesso seria ou não aplicada
aos trabalhadores independen-
tes? Do lado do Governo, hesi-
tação: o ministro das Finanças,
João Leão, preferiu não respon-
der ali. Fazendo-se nova mexida
nessas condições, seria preciso
despejar ainda mais dinheiro.
A equipa negocial saiu da sala
sem mais esclarecimentos. E
o silêncio manteve-se durante
três dias, desde essa terça-feira
até ontem, quando o Governo
enviou uma resposta que... não
esclareceu o BE. As duas partes
voltaram a não se entender.
Esta sexta-feira, novo episó-
dio. No Parlamento, Mariana
Mortágua perguntou a João
Leão se, como parece, “não ti-
nha gasto um cêntimo” do Or-
çamento Suplementar. E ainda
se era verdade que o orçamento
para o SNS é 143,6 milhões infe-
rior ao previsto no mesmo Su-
plementar. Leão respondeu-lhe
que o OS estava a ser “execu-
tado até acima” do previsto na
Segurança Social (não se refe-
rindo à Saúde) e que para 2021
houve um aumento de “mais de
mil milhões” em relação a 2020.
Estas histórias podem pare-
cer pormenores técnicos, mas
explicam como a mexida numa
alínea pode significar uma al-
teração de milhões ou como
muda a forma como a esquerda
se identifica (ou não) com o do-
cumento. É também a história
de como, sem papéis escritos
que balizem as negociações, a
relação está “deteriorada”, des-
creve uma fonte envolvida nas
reuniões. Mesmo sobre os pa-
péis escritos, há dúvidas: Mor-
tágua dizia no Parlamento que
o relatório do Orçamento era
“pouco transparente, confuso”
de forma “propositada” e tinha
dados “errados”, baseando-se
nos técnicos do Parlamento.
Chegados a este ponto, e con-
frontados com a real hipótese
de partir a corda se não houver
nenhuma surpresa de última
hora, a inclinação do BE é votar
contra — mas a decisão final
só será tomada este domingo.
Já com um conforto... ou uma
armadilha: o PCP anunciou on-
tem que se abstém na primeira
votação, o que deverá facilitar a
viabilização sem o BE (ver cai-
xa). Por um lado, o partido de
Catarina Martins fica mais li-
vre para votar contra sem abrir
uma crise política; pelo mesmo
motivo, a sua decisão perde
peso nas contas finais e torna
mais difícil um recuo futuro
(seja na votação final global ou
mesmo na relação com o PS).
Aos olhos do Governo, que tem
acusado o BE de voltar ao pon-
to de partida mesmo quando
as reuniões trazem avanços, a
intenção será mesmo essa.
Uma alínea a mais,
um milhão a menos
O primeiro problema que pai-
ra sobre estas negociações é de
fundo: se a esquerda quer um
compromisso com investimen-
tos estruturais, o Governo vai
respondendo com medidas ex-
PCP ANTECIPA-SE E ANUNCIA ABSTENÇÃO
O PCP jogou na antecipação
e decidiu anunciar o seu
sentido de voto ontem,
a dois dias da reunião da
Mesa Nacional do BE. Com
a sua abstenção e a do PEV,
a viabilização do OE fica
mais fácil: neste cenário,
Costa pode depender apenas
do PAN, por exemplo.
Relevante é lembrar que este
primeiro voto não se traduz
automaticamente numa
abstenção no voto final (a 26
de novembro) — exemplo
disso é o Orçamento
suplementar, quando os
comunistas passaram de
traordinárias (ver texto ao lado).
É por isso que questões como
a da alínea da nova prestação
social não são de pormenor —
o problema é que os termos são
de tal forma técnicos que, para o
BE, se tornam difíceis de explicar
ao público. Do lado do Governo,
Bloco diz que
Governo “não
gastou um cêntimo”
do Suplementar e
que está a dar menos
dinheiro à Saúde
a conclusão dos encontros passa
por anunciar cedências em que
garante ter ido mais longe do
que noutros Orçamentos (mais
dinheiro para o SNS, criação de
uma nova prestação social, ou
nem um cêntimo para o Novo
Banco). Para o Bloco, a dificul-
dade é tentar esvaziar essas
medidas, mostrando que não
abrangem as pessoas para quem
foram desenhadas e classifican-
do-as como “fúteis” ou de “pro-
paganda”.
Por isso mesmo, na sema-
na passada, Catarina Martins
e José Soeiro (especialista na
área do Trabalho) marcaram
uma conferência de imprensa
na sede do Bloco. Objetivo: deta-
lhar, com recurso a um extenso
Powerpoint, todos os exemplos
de casos em que trabalhadores
desprotegidos ficariam de fora
do novo apoio. A “confiança ne-
uma abstenção para
um voto contra. A chave
estará nos avanços que
forem, ou não, feitos na
especialidade. Agora o
PCP aumenta a parada: os
comunistas não aceitarão
“meia dúzia de melhorias”
e voltam à carga com um
caderno de encargos que
vai do aumento geral dos
salários à alteração das leis
laborais ou suplementos
para trabalhadores da
Saúde. Na calha estão já
acordos como a antecipação
do aumento das pensões
para janeiro. M.L.C.
gocial”, como descreve uma fon-
te envolvida nas negociações,
estava esgotada: do lado dos blo-
quistas, a lista de promessas por
cumprir é longa e vai das con-
tratações no SNS ao estatuto de
cuidador informal, praticamen-
te por aplicar. Além das verbas
orçamentadas para o SNS, o BE
duvida dos 300 milhões para
despesas com pessoal da Saúde:
o aumento para 2020 foi de 400
milhões, agora é de menos 100
milhões. Onde entram as novas
contratações? A resposta pode,
para um dirigente do BE, reve-
lar um “truque” orçamental.
Uma relação “deteriorada”
Se a própria estratégia de res-
posta à crise é o problema de
base que separa a esquerda,
esta desconfiança — um pro-
blema de “credibilidade do pro-
cesso político”, classifica um
bloquista — pautou as últimas
semanas. Por isso, Governo e
PS, dedicando um tom mais
suave ao PCP, concentraram
esforços em atirar ao Bloco e
acusar o partido de se recusar
a ceder e até de “mentir”.
Os desentendimentos marca-
ram o processo inteiro: foi o que
aconteceu dias antes da entre-
ga da proposta do Orçamento
(dia 12), quando o Executivo
mandou um último e-mail ao
Bloco a dar nota dos avanços
nas negociações e a comunicar
que apresentaria a proposta tal
como estava. Para o Bloco, era
uma forma de encerrar unilate-
ralmente as negociações; para o
Governo, apenas um mal-enten-
dido que ficou sanado e que os
bloquistas também passaram a
desvalorizar: “Não há drama.” A
resposta a esse e-mail ficou por
dar, mas fonte do partido asse-
gura que isso aconteceu apenas
porque “a resposta tinha de ser
dada numa reunião, porque a
questão ali era perceber as con-
dições políticas que havia para
um acordo”. A falta de “confi-
ança negocial”, como a “dete-
rioração da relação”, voltava a
manifestar-se. A reunião acon-
teceu mesmo, na terça-feira; já o
acordo... ficou por alcançar. Do
lado do Governo, a convicção é
que o ex-parceiro poderá nem
sequer estar interessado em
chegar a entendimento. Sem
‘geringonça’ que os una, passa a
ser muito mais o que os separa.
mlcunha@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020
Não há (muita)
vida além
do défice futuro
Governo diz que OE
é “equilibrado”, mas
expansionista. O cuidado
com as contas explica a
frustração da esquerda
No princípio era o défice. E
também a dívida. Pelo meio
o estímulo orçamental, mas
com conta, peso e medida,
para não prejudicar as contas
do futuro próximo. Tudo mis-
turado na liquidificadora de
João Leão, saiu um Orçamen-
to que não deixa de olhar para
o controlo das contas públicas
como alfa e ómega ao mesmo
tempo que apregoa estímulos
à economia e investimento pú-
blico sem precedentes (mas
temporários). Uma posição
estratégica do Governo, que
joga sobretudo com medidas
extraordinárias, que encalha
nas pretensões e na visão da
esquerda, que pede medi-
das mais estruturais. Ponto
a notar: apesar do controlo
apertado, o défice do próxi-
mo ano seria mais elevado
se não caísse nas contas do
Estado em 2021 um jackpot
único de mais de mil milhões
de euros de juros pagos no
tempo da troika.
Do lado estrutural, a des-
pesa permanente sobe além
das despesas sociais, mas
estas contêm medidas de
grande impacto de natureza
extraordinária, como a nova
prestação social, que pode,
no seu novo desenho, chegar
aos 600 milhões de euros,
apurou o Expresso. O jogo de
Leão, mesmo nas conversas
à esquerda, passa por aqui:
aceita mexer no que é extra-
ordinário, com cuidado, pou-
co no que é estrutural, para
quando chegar o momento
de voltar às regras do Procedi-
mento por Défices Excessivos,
Portugal ter menos dificulda-
des em encaixar-se. É essa a
mensagem que tem passado
a investidores e fundos de in-
vestimento, em longas cha-
madas do seu secretário de
Estado das Finanças, João
Nuno Mendes. À esquerda,
não há dúvidas, Mário Cente-
no saiu das Finanças, mas os
orçamentos continuam a ser
a regra e esquadro, a pensar
no défice.
As conversas à esquerda
concentram-se mais em me-
O QUE PESA NAS CONTAS
1088
É o valor, em milhões
de euros, que o Estado
vai receber da Comissão
Europeia em 2021,
por juros pagos do
empréstimo da troika
600
A nova prestação social
engordou e poderá andar
na ordem dos 600 milhões
de euros. A medida pode
ficar para sempre, mas este
valor tenderá a reduzir-se
com a melhoria da economia,
que significa menos pessoas
a precisar dela
didas específicas (ver texto
ao lado), mas o espartilho das
“contas certas” tem sido a
chave no braço de ferro deste
Orçamento: Leão não quer
deixar descontrolar os nú-
meros, apesar das regras do
défice não se aplicarem para
o ano, com olhos postos no
momento em que elas passa-
rem novamente a contar (pre-
visivelmente em 2022). Mas a
esquerda insiste: é hora de ir
mais longe.
Olhando para os números
do Orçamento, o Governo
prevê um défice de 4,3% do
PIB, um dos mais baixos da
Europa, apesar de Portugal
ser um dos mais afetados pela
pandemia. Se o número em
causa for o saldo estrutural (o
défice corrigido do ciclo eco-
nómico e sem efeitos extraor-
dinários), esse dado passa de
3% para 3,1%. O que isto diz é
que Portugal tem um estímulo
orçamental contido, assente
sobretudo em medidas extra-
ordinárias (que podem ir além
dos 1500 milhões de euros).
Copo meio cheio
Nas Finanças, recusa-se a
ideia de expansionismo
contido, e diz-se que não se
pode olhar para a redução
do défice em si, mas para as
razões de isso acontecer. E
tal não sucede por haver me-
didas de austeridade ou con-
tenção no estímulo no curto
prazo, frisa-se no gabinete
de João Leão: primeiro, por-
que se parte de uma posição
orçamental melhor do que
noutros países (Portugal
teve um excedente em 2019)
e depois porque há medidas
one-off (que só contam em
2021) do lado da receita, que
ajudam a puxar as contas. A
conclusão até parece con-
traditória com o pregão das
contas certas do Governo: se
não houvesse a receita extra
dos juros da troika e a base
não fosse melhor, Portugal
deixava de estar na parte de
cima da tabela dos países
europeus que mais consoli-
dam o défice em 2021; esta-
ria nos piores.
Estes foram os argumen-
tos dados pelo ministro das
Finanças na reunião de ter-
ça-feira com o PCP, que pôs
em cima da mesa “por alto”
a estratégia orçamental. Mas
as contas mais lassas não con-
vencem a esquerda. E tam-
bém não convencem a direita,
por motivos diferentes.
No Governo diz-se que é
tudo uma questão de perspe-
tiva: se o Orçamento é critica-
do à esquerda (por ser curto)
e à direita por “distribuir o
que tem e o que não tem” —
como disse Rui Rio — é porque
é “equilibrado”. Mas entre os
próprios socialistas há fontes
a defender que, num ano espe-
cial, se deveria ir mais longe.
As contas de João Leão con-
tam com alguns imprevistos:
além de ter uma margem de
endividamento para fazer
face a medidas de resposta à
pandemia (que será altera-
da no Parlamento), o inves-
timento previsto (aumento
de 23% face à estimativa de
execução deste ano) é visto
como “importante” e que
“pode até vir a ser superior”,
caso se concretizem alguns
investimentos com fundos
europeus — o oxigénio por
que desesperam os próximos
orçamentos. L.V.
Expresso, 24 de outubro de 2020
620 mil dias
C
omo é óbvio, o país
inteiro não fala e não
pensa noutra coisa
que não nesta malfa-
dada pandemia que
veio para nos roubar
um ano de vida a
todos, desgraçando
a economia, as rela-
ções familiares e sociais e arruinando
cada projecto pessoal. Acordamos
com o sonho de uma vacina ou de uma
solução à vista e adormecemos para o
mesmo pesadelo sem fim. Mas, para-
lelamente e como se habitasse num
mundo à parte, a classe política — ou,
para ser mais preciso, a esquerda da
nossa classe política — entretém-se há
meses com um filme, visto e revisto,
ensaiado e repetido até à náusea, que
ameaça prolongar-se ainda por mais
um mês e de cujo fastio apenas ela
parece não se dar conta: o Orçamen-
to do Estado. Todos os dias, e várias
vezes ao dia, escutamos os mesmos
actores repetirem o mesmo texto,
tentando convocar-nos para o dra-
matismo de um filme que já ninguém
consegue acompanhar. Lá vem Jeró-
nimo de Sousa jurar que o Orçamen-
to serve o “grande capital” — onde
quer que essa mítica entidade hoje se
esconda entre nós; lá vem Catarina
Martins insistir em vírgulas e décimas
— que, todavia, podem valer milhares
de milhões lançados ao vento; lá vem
Inês Sousa Real, do PAN, exigir hos-
pitais veterinários públicos (enquanto
há hospitais públicos para humanos
que se mantêm fechados) e queixar-
-se, espantada, de que o Orçamento
é “marcadamente do PS” — como se
não fosse o PS que tivesse ganho as
eleições; e lá vem o infatigável Antó-
nio Costa, numa estratégia de polvo
— ora tentando assustar, ora fugindo,
ora espalhando tinta, ora torcendo-se
e retorcendo-se —, sem jamais largar
a rocha a que está agarrado. E, no
fim, dando a tudo isto o tom de filme
cómico, ainda vem o escudeiro socia-
lista José Luís Carneiro acusar Rui
Rio — escorraçado por Costa de todo
o processo — de esquecer o “interesse
nacional”, quando ele, logicamen-
te, anunciou o voto do PSD contra o
Orçamento. Os meninos brincam à
volta da fogueira, enquanto os velhos
morrem nos lares, a epidemia cresce
todos os dias e multiplicam-se os aler-
tas sobre a situação no SNS.
Justamente, uma das reivindicações
da extrema-esquerda para deixar pas-
sar o OE é o reforço do SNS, em di-
nheiro e em meios humanos. Parece
uma exigência consensual, sobretudo
nos tempos que correm. Consensual e
já garantida: vão ser mais 450 milhões
para o SNS e mais 4200 profissionais,
entre médicos, enfermeiros e auxilia-
res, fora os milhares que o Governo
diz já ter acrescentado nos quatro
anos anteriores. Não chega, diz o BE.
Mas será verdade? Num artigo publi-
cado no jornal “Público” do passado
sábado, António Barreto, socorrendo-
-se de dados oficiais da Pordata, INE
e Eurostat, diz: “Preparem-se para
algumas surpresas”, ao analisar os
números referentes ao corpo clínico
e ao corpo docente português, que
contrariam todo o discurso sindical
e corporativo, que a imprensa e a es-
querda adoptaram, sem questionar.
Eis alguns dados que cita, referentes
à situação na Saúde: na Europa a 27,
Portugal ocupa o 8º lugar em termos
de despesa com a Saúde relativamen-
te ao PIB — gastamos 8%, nem sequer
muito longe do país que mais gasta, a
Alemanha, com 9,5%; em número de
médicos, espantem-se, estamos em
3º lugar entre os 27 (e em 1º lugar em
médicos de clínica geral), sendo o 1º
lugar ocupado pela Grécia, o que pa-
rece indicar que não há uma relação
directa entre a quantidade de médicos
e a qualidade do serviço; e onde esta-
mos pior, em 20º lugar, é no número
de enfermeiros, porque os baixos sa-
lários os convidam à emigração.
Estes números, por si sós, deveriam
merecer uma reflexão séria e um mí-
nimo de coragem política. Alguém
— um partido, um deputado — deve-
ria erguer-se tranquilamente e dizer:
“Somos um país pobre e endividado
que não se pode dar ao luxo de pagar
necessidades que não tem. Não te-
mos falta de meios nem de dinheiro
na Saúde pública; temos, portanto,
falta de outras coisas que é preciso
enfrentar: organização, planeamento,
disciplina, empenho e dedicação.”
Mas quem se atreverá a dizer isto?
Durante meses, vivemos com a doce
fábula do notável êxito do SNS no
combate à pandemia na Primavera
passada, aquando do seu primeiro as-
salto. Hoje sabemos que esse suposto
êxito se ficou a dever a dois factores
essenciais: ao confinamento volun-
tário e maciço a que os portugueses
se entregaram muito antes de ele ser
obrigatório e ao abandono a que o
SNS votou os doentes não-covid. Esse
abandono, em parte, foi também vo-
luntário: houve doentes que tiveram
medo de ir aos hospitais ou Centros
de Saúde; mas os doentes graves não
podiam evitar ir. E a grande maioria,
que se sentia realmente doente, que
precisava de consultas urgentes, que
tinha cirurgias marcadas e algumas
inadiáveis sem graves riscos para a
sua saúde, não encontrou uma porta
aberta nem sequer quem lhe aten-
desse o telefone. Claro que eu sei de
médicos que deram tudo à luta contra
a covid, alguns até voluntariando-se;
mas também sei de outros que esti-
veram meses sem pôr um pé no hos-
pital e sei de serviços que fecharam
e mandaram os doentes para casa
a pretexto da covid, da qual nunca
viriam a ocupar-se. Uns, de facto, es-
tiveram lá para fazer frente ao novo
inimigo; outros fugiram. Foi assim
e foi por isto que 1 milhão e 200 mil
consultas e 230 mil cirurgias ficaram
por fazer entre Março e Agosto. Não
há volta a dar a esta verdade terrível,
não há palavrinhas mansas para sua-
vizar o que se passou: para atender a
uma minoria de doentes covid, o SNS
abandonou a esmagadora maioria dos
O que está errado no
discurso de Marta Temido,
o que lhe falta dizer —
a ela e a todos os políticos
que tenham coragem
para tal — é a outra parte
do discurso: que o SNS
tem de cumprir o seu
dever sem esperar pela
ajuda dos privados
Miguel Sousa Tavares
seus doentes, sem nenhuma justifi-
cação razoável para tal. E o balanço
final — que não se pode afirmar com
segurança absoluta que seja resultado
disso, mas cuja probabilidade de o ser
é imensa — são 6 mil mortos a mais do
que em igual período do ano passado.
Tudo isto é doloroso de dizer, mas
pior ainda é tentar escondê-lo ou fin-
gir que nada de grave se passou. Um
estudo encomendado pela Associação
Portuguesa de Administradores Hos-
pitalares (APAH) a uma consultora
externa e divulgado esta semana quis
perceber se havia uma relação directa
entre o número de consultas e cirur-
gias que ficaram por fazer e o absen-
tismo anormal verificado no mesmo
período (Março a Agosto) no SNS.
Os resultados foram avassaladores:
em seis meses de uma crise de Saú-
de pública, quando os portugueses
mais precisavam dos seus serviços,
os profissionais do SNS faltaram 64%
mais do que em igual período de 2019.
Todas as justificações tiveram um
acréscimo, incluindo as faltas não jus-
tificadas, mas o grosso dos motivos in-
vocados foi... doença. No total, foram
mais 467 mil dias de faltas por doença
ou 620 mil juntando todos os moti-
vos. Mas, ao mesmo tempo que dizia
que era preciso uma “investigação
aprofundada” para encontrar uma
“explicação para um aumento tão
significativo do absentismo por doen-
ça”, a APAH foi adiantando algumas
explicações habituais, tais como o
burnout ou “exaustão e sobrecarga”.
Exaustão e sobrecarga? Mas como, se
o horário no SNS, e em todo o funcio-
nalismo público, passou de 40 para 35
horas com este Governo? Como, se o
absentismo no sector já é dos maiores
em toda a Função Pública? Como, se
sobejam médicos? Como, se as faltas
ao serviço aumentaram 64%, deixan-
do mais de 1 milhão de consultas e
mais de 200 mil cirurgias por fazer?
Como, se, felizmente, nunca vivemos
nada que se parecesse com a situa-
ção dramática vivida nos hospitais de
PRIMEIRO CADERNO 9
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
Espanha, Itália, França, Inglaterra,
Brasil, Estados Unidos?
Na semana passada, ao escutar a
ministra da Saúde afastar veemente-
mente o recurso aos hospitais priva-
dos no tratamento de doenças não-
-covid, em caso de saturação do SNS,
julguei que a movia apenas um pre-
conceito ideológico contra a medicina
privada. E, embora eu também não
goste nada de ver dinheiros públicos
a financiar negócios privados, enten-
do que aqui se sobrepõe o dever do
Estado de assegurar a cobertura da
saúde a todos os portugueses. Mas
agora que li este estudo percebo a
resistência de Marta Temido. É que o
SNS não está saturado, nem exausto,
nem sobrecarregado. Com os meios e
o dinheiro (8 mil milhões de euros por
ano) que os contribuintes põem à sua
disposição, tem perfeita capacidade
e estrita obrigação de não deixar nin-
guém para trás. Portanto, o que está
errado no discurso de Marta Temido,
o que lhe falta dizer — a ela e a todos
os políticos que tenham coragem para
tal — é a outra parte do discurso: que
o SNS tem de cumprir o seu dever
sem esperar pela ajuda dos privados.
As proclamações grandiloquentes,
as juras de amor ao SNS, as palmas
às janelas... tudo isso é muito bonito,
mas não apaga o resto: as insuportá-
veis listas de espera por consultas e
cirurgias que podiam e deviam estar
em dia, as vergonhosas filas de ve-
lhinhos e doentes na rua para serem
atendidos ou vacinados, os telefo-
nemas que ninguém atende, as in-
dignas condições que perduram nos
hospitais civis, a soberba indiferença
perante o sofrimento com que tantos
são tratados. Tudo isso, apesar das
louváveis excepções, existe ainda no
nosso tão louvado SNS. E, 8 mil mi-
lhões depois, tudo isso é demasiado
feio e injustificável.
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
10 PRIMEIRO CADERNO
PSD
Rio só admite salvar Orçamento
do Estado se Costa pedir desculpa
Em entrevista, Adão Silva, líder parlamentar do PSD, admite acordos com BE e PCP
Octávio Lousada
Oliveira
Se dúvidas houvesse, ficam
arrumadas: Rui Rio não ten-
ciona dar o dito por não dito
nem salvar o Orçamento do
Estado (OE), mesmo que o
Governo não garanta a via-
bilização da proposta com os
apoios da esquerda e do PAN.
Adão Silva, líder do grupo par-
lamentar do PSD, é taxativo
sobre essa hipótese ao vincar
que “não há margem” para
entendimentos in extremis,
a menos que António Costa
venha a público fazer um ato
de contrição pela frase que lhe
ficou colada à pele.
“O primeiro-ministro foi
muito arrogante quando disse
que no dia em que precisasse
do PSD para sobreviver o Go-
verno caía. Ou ele se contradiz,
pede desculpas e diz que não
era assim — e aí talvez as coisas
pudessem ser reequacionadas
— ou, como ele não vai pedir
desculpas, se é assim o jogo, se
é assim a terminação, temos
uma linha vermelha”, garante
o chefe da bancada social-de-
mocrata ao Expresso.
Embora tenha encerrado as
jornadas parlamentares com
o mesmo raciocínio, empur-
rando para Catarina Martins
e Jerónimo de Sousa o ónus
da aprovação do diploma, Rio
não deixou claro o que faria
se Costa pedisse uma viabi-
lização de última hora à ver-
são final do OE. A incerteza
ficou a pairar até sobre a ca-
beça de alguns deputados, mas
Adão Silva descodifica agora a
mensagem do presidente do
partido. Sem retratação, nada
feito: “Votaremos contra esta
proposta de lei na votação na
generalidade, no dia 28 de ou-
tubro, e votaremos contra na
votação final global, no dia 26
de novembro.”
O dirigente social-democra-
ta decalca o argumentário do
líder — assinala os efeitos da
pandemia, lembra que a ‘ba-
zuca’ comunitária tem de ser
devidamente aplicada, recorda
que vem aí a presidência por-
tuguesa da União Europeia e
enfatiza que Marcelo Rebelo
de Sousa “não pode dissolver o
Plano de Recuperação
é um “emaranhado
de gente”
Joaquim Miranda
Sarmento, coordenador da
estratégia do PSD, propõe
uma estrutura como no
tempo de Passos Coelho
O Governo quer envolver cer-
ca de 60 pessoas na gestão do
envelope de €13.944 milhões
de subsídios europeus a aplicar
pelo país no âmbito do Plano
de Recuperação e Resiliência
(PRR) para 2021-2026. As con-
tas são do Expresso, tendo em
conta as declarações públicas
do primeiro-ministro e a versão
preliminar do PRR submetido
à Comissão Europeia. “O mais
incrível desse documento é o
esquema proposto na página
Ataque. Líder da bancada social-democrata critica “arrogância” do primeiro-ministro FOTO NUNO BOTELHO
Parlamento” — para condenar
a “pesporrência” com que Cos-
ta, ao Expresso, arredou o PSD
do arco da utilidade, mesmo
após vários momentos de cola-
boração com o Governo (como
quando ajudou a fazer passar
o Orçamento suplementar).
Por isso mostra-se cético sobre
qualquer solução que não pas-
se pelo agreement da esquerda
à proposta do Governo.
“Coligações negativas”
em “aberto”
Ainda que a proposta do Go-
verno seja arrasada pelos so-
ciais-democratas, o PSD não
exclui introduzir mudanças no
documento. Na especialidade,
revela o líder da bancada, vão
ser apresentadas “três ou qua-
tro propostas mais emblemáti-
cas”, que sejam “transversais”
ao território nacional, e ou-
tras, de maior pormenor, diri-
gidas a pontos específicos mais
atingidos pela crise económica
49. É um emaranhado de gente
sem explicação sobre como vai
funcionar”, critica Joaquim Mi-
randa Sarmento, presidente do
Conselho Estratégico Nacional
do PSD. “Não há uma pessoa no
Governo que fique responsável
pelo PRR e a quem possamos
pedir contas”, lamenta o coor-
denador da estratégia alternati-
va dos sociais-democratas para
os fundos europeus.
Nos seis parágrafos dedica-
dos ao modelo de governação,
o Governo propõe quatro ní-
veis de coordenação: política,
técnica e de gestão, controlo e
auditoria e acompanhamento.
Em alternativa, o PSD propõe
a identificação de um pivô. Foi
Adão Silva admite
que as chamadas
“coligações negativas”
com BE e PCP, na
especialidade, podem
voltar a acontecer
e social. O Algarve, os Açores e
a Madeira (que Adão Silva con-
sidera ser “muito maltratada”
no documento) deverão ter um
enfoque especial, devido aos
prejuízos decorrentes da que-
bra do turismo.
Sobre a Região Autónoma
chefiada por Miguel Albuquer-
que, o braço direito de Rio no
hemiciclo realça o aval ao em-
préstimo de €458 milhões que
não foi dado pelo Estado e que,
só em juros, custará mais €6
milhões por ano aos cofres re-
gionais. Além dessa compen-
sação, identifica a reequação
dos financiamentos ao hospi-
o que fez o primeiro-ministro
Pedro Passos Coelho quando
criou uma estrutura única na
sua dependência — a ESAME
— e nomeou Carlos Moedas
para coordenar a execução do
programa da troika em todas
as áreas do Governo. “O pro-
grama que temos pela frente
será ainda mais exigente que
o da troika”, lê-se na propos-
ta do PSD. “Daí que seja fun-
damental criar uma entidade
como a ESAME, dirigida por
um secretário de Estado (ad-
junto do primeiro-ministro),
apenas com esta competência
e com assento no Conselho de
Ministros.”
Pedro Nuno fora?
O primeiro nível da estrutura
para aplicar a “bazuca” de mi-
lhões prevê um steering commit-
tee com António Costa e os mi-
nistros Siza Vieira (Economia),
Mariana Vieira da Silva (Presi-
dência), João Leão (Finanças),
Nelson de Souza (Planeamento)
e Matos Fernandes (Ambiente),
tal do Funchal e aspetos que se
prendem com a Zona Franca.
Se as medidas de alcance
nacional, regional ou local
implicarem acordos à la carte
com BE, PCP ou outros par-
tidos, Adão Silva não se in-
comoda. “Não sei o que vai
acontecer. Apresentaremos
as nossas propostas e se o Blo-
co e o PCP acharem que são
boas, e oxalá que achem, não
há problema”, avisa desde já.
E se for ao contrário? Tudo
pode acontecer, mesmo que
haja perda de receita ou au-
mento da despesa. “Não temos
nenhuma espécie de sentido
negativo apriorístico sobre as
propostas dos outros grupos
parlamentares. Se elas forem
boas para os portugueses, po-
demos equacioná-las. Se isso
pode resultar em coligações
negativas, logo veremos. Está
tudo em aberto, não fechamos
portas”, remata. Ao cuidado
de João Leão.
ololiveira@expresso.impresa.pt
e o secretário de Estado do Pla-
neamento, José Mendes. “Tem
sete governantes, mas não Pe-
dro Nuno Santos, que é só o
responsável pelos grandes in-
vestimentos na ferrovia e na ha-
bitação. E relega Nelson de Sou-
za para segundo plano, quando
o ministro dos fundos europeus
devia era assumir a posição de
pivô”, critica Joaquim Miranda
Sarmento. “Porque não incluir,
já agora, a Ana Abrunhosa, que
tutela as CCDR? Ou a Alexandra
Leitão, que tem a modernização
da Administração Pública?”
Os 14 ministros que faltam
podem entrar nos “três grupos
de coordenação ministerial”
que serão criados. Os segundo e
terceiro níveis envolverão José
“Não há uma pessoa
no Governo que fique
responsável pelo PRR e
a quem possamos pedir
contas”, diz Miranda
Sarmento, do PSD
Expresso, 24 de outubro de 2020
PERFIL
Quem é? O novo líder
parlamentar do PSD, Adão Silva,
nasceu há 63 anos e é licenciado
em Línguas e Literaturas
Modernas/Estudos Portugueses
e Franceses pela Faculdade de
Letras do Porto. Aos 22 anos,
começou a dar aulas.
A política Em 1987, chegou ao
Parlamento, do qual só esteve
afastado durante uma
legislatura, e foi sempre eleito
pelo círculo de Bragança.
Esteve no Governo liderado
por Durão Barroso como
secretário de Estado adjunto
do ministro da Saúde.
Protagonismo Com a chegada
de Rui Rio à liderança, ganhou
relevância no PSD, primeiro na
vice-presidência da bancada e,
desde o mês passado, na
qualidade de líder.
Mendes como coordenador da
estrutura de missão Recupe-
rar Portugal e os dirigentes da
Agência para o Desenvolvimen-
to e Coesão e da Inspeção-Geral
de Finanças e o Gabinete de Es-
tratégia e Estudos do Ministério
das Finanças.
Resta saber quem serão as 10
personalidades independentes
que o Governo convidará para
o quarto nível. Sobretudo quem
presidirá à Comissão Nacional
de Acompanhamento, que, se-
gundo o primeiro-ministro, fis-
calizará e dará conta pública da
execução do PRR. Para esta co-
missão, Costa quer chamar “os
cinco presidentes das CCDR”,
“os membros não governamen-
tais do Conselho de Concertação
Territorial”, “os parceiros so-
ciais” (ou seja, as centrais sindi-
cais e as associações patronais).
E ainda representantes das
instituições de solidariedade,
das mutualidades, das Miseri-
córdias, das cooperativas, das
universidades e dos politécnicos.
Joana Nunes Mateus
politica@expresso.impresa.pt
CONCERTAÇÃO
Assis quer
Ordem
dos
Médicos
no CES
Francisco Assis convidou
o bastonário dos
médicos a integrar, pela
primeira vez, o Conselho
Económico e Social
O convite partiu do próprio pre-
sidente do Conselho Económi-
co e Social (CES) e foi dirigido
diretamente a Miguel Guima-
rães, bastonário da Ordem dos
Médicos. Francisco Assis justi-
fica esta entrada dos clínicos no
plenário do CES — inédita na
história do Conselho — com a
atual situação pandémica que o
país vive por causa da covid-19.
Este gesto não deixa de ter
uma leitura política, embora,
segundo fonte do seu gabinete,
Assis justifique o convite com
a necessidade de “auscultar
todas as opiniões existentes na
sociedade”. Tanto mais que o
presidente do CES fez questão
que a representação dos médi-
cos fosse assegurada, não por
qualquer dirigente da OM, mas
pelo próprio Miguel Guimarães,
conhecido como uma das vozes
mais críticas da estratégia segui-
da pelo Governo no combate à
pandemia.
Nomeado em julho, para
substituir Correia de Campos à
frente do CES, Francisco Assis
ainda não fechou o processo de
constituição do plenário daquele
conselho, que, de acordo com os
estatutos, deve reunir seis vezes
por ano, juntando centenas de
personalidades de diferentes
organizações da sociedade civil.
Fonte do gabinete do ex-euro-
deputado socialista garantiu ao
Expresso que a composição fi-
nal do plenário do CES deverá
“estar concluída em novembro”,
mas o presidente já avançou in-
ternamente com “uma menção
expressa da enorme importân-
cia que o CES poderá retirar
do contributo do Bastonário da
Ordem dos Médicos como seu
membro efetivo, no momento
atual da pandemia em que vi-
vemos”.
Até agora, nunca a Ordem dos
Médicos esteve representada no
CES, que no último mandato
chegou a contar com a presença
de responsáveis das Ordens dos
Dentistas, dos Economias e dos
Engenheiros Técnicos, enquan-
to representantes das profissões
liberais.
Adversário de António Costa
em vários dos últimos congres-
sos socialistas e crítico frontal
da chamada ‘geringonça’, Fran-
cisco Assis foi chamado pelo
primeiro-ministro para substi-
tuir Correia de Campos. Assis
assumiu este mandato à frente
do CES como “uma grande tare-
fa” e, no discurso de tomada de
posse, comprometeu-se a pro-
mover consensos e “o diálogo
entre os diferentes segmentos
da sociedade civil portuguesa”.
“O apelo ao consenso não é um
apelo a um país anestesiado”,
avisou na altura.
O bastonário da Ordem dos
Médicos, por seu lado, tem sido
um crítico permanente do com-
portamento do Governo mesmo
antes da pandemia. A guerra en-
tre Miguel Guimarães e António
Costa chegou ao rubro, no verão
passado, a propósito do surto da
covid-19 num lar de Reguengos,
altura em que o médico acusou
o primeiro-ministro de “popu-
lismo” e de fazer “declarações
inaceitáveis”.
Rosa Pedroso Lima
rlima@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 11
12 PRIMEIRO CADERNO
PRESIDENCIAIS
Portas abre caminho para 2026.
Passos não deve ser obstáculo
Portistas animados com hipótese Belém, mas no PSD ainda tem anticorpos
Textos Octávio Lousada
Oliveira
Paulo Portas sabe que as
palavras queimam. Por isso,
na semana passada, quan-
do explicou as razões de um
apoio convicto a Marcelo
Rebelo de Sousa — “está do
lado certo das coisas”, disse
—, deixou em aberto uma
candidatura à Presidência
da República em 2026, e não
o fez inocentemente. Num
raro momento em que fa-
lou de política nacional, em
entrevista ao “Público”, des-
pachou o assunto de forma
enigmática: “Essa pergunta
fica para daqui a uns anos.”
Evitou tiradas irrevogáveis
que pudessem minar-lhe o
caminho porque cinco anos
são uma eternidade política
e a decisão é apenas pesso-
al, mas aos portistas a mera
hipótese basta para leituras
prospetivas. Um deles é ca-
tegórico: “Se ele quisesse
fechar essa porta, tê-la-ia fe-
chado como fechou a da Câ-
mara de Lisboa.” Na direção
de Francisco Rodrigues dos
Santos o apoio é inequívoco:
se Portas quiser, terá “uma
passadeira estendida”.
Diogo Feio, antigo líder
parlamentar, quase que diz
keep calm, mas disfarça mal
a satisfação. “Estamos a
falar de uma realidade que
é daqui a cinco anos, Pau-
lo Portas tem-se afirmado
como um dos melhores da
política nacional e isso tem
impacto além das fronteiras
partidárias”, diz o ex-euro-
deputado, que usa palavras
do líder do PSD para con-
tornar a pergunta sobre a
candidatura: “A entrevista
confirma a frase de Rio de
que ele é das pessoas mais
preparadas da política portu-
guesa.” Mais efusivo é Nuno
Melo, que até vê parecenças
na estratégia com a de Mar-
celo. Para o eurodeputado,
vice-presidente do CDS com
Portas e Assunção Cristas,
TRANSPARÊNCIA
Nova entidade
não arranca
antes de 2022
Sem instalações
definidas, o organismo
não avança já e só
estará em pleno
funcionamento
dentro de dois anos
A base de dados da nova
Entidade da Transparência,
que irá fiscalizar os rendi-
mentos dos políticos e de
altos cargos públicos, só
deverá estar operacional no
início de 2022. A informação
foi transmitida pelo presi-
dente do Tribunal Consti-
tucional (TC) durante uma
reunião com a Comissão
da Transparência, que de-
Enigma, ex-líder do CDS excluiu candidatura a Lisboa, mas a presidência logo se verá
Cinco anos são
uma eternidade,
mas Portas volta
ao silêncio. Fica
marcado o lugar
na grelha
“se os méritos políticos e
intelectuais” do antigo vice-
-primeiro-ministro “já eram
reconhecidos”, “hoje são
ainda mais visíveis” devido
aos comentários dominicais,
“bem preparados e compe-
tentes”, na TVI. A conclusão
é imediata: “Transformam-
-no num ativo fundamental,
que encararia como um ex-
traordinário candidato de
todo o centro-direita.”
Num registo cauteloso,
Adolfo Mesquita Nunes,
principal rosto da ala liberal
do partido, que ponderou
uma candidatura alternativa
à de Marcelo, não lhe rega-
teia elogios, com remoques
implícitos aos atuais líderes
da direita: “Foi a entrevis-
ta de alguém que tem uma
visão própria do mundo, o
correu na quinta-feira, no
Palácio Ratton. Fonte ofi-
cial do TC confirmou ao
Expresso que foi explicado
aos deputados que “haverá
a necessidade de dois anos
económicos, a contar da dis-
ponibilização de instalações,
para que a entidade esteja
em pleno funcionamento”.
O organismo, que devia ter
começado a ser preparado
no início da legislatura, há
um ano, continua atrasado.
Neste momento estão ape-
nas a ser desenvolvidos os
procedimentos com vista à
criação da plataforma ele-
trónica para submeter as de-
que hoje é raro em política”,
observa o ex-secretário de
Estado do Turismo. “E de
alguém que vê além das in-
dignações momentâneas das
redes sociais.” Questionado
sobre o facto de Portas estar
a marcar terreno para o fu-
turo, Mesquita Nunes con-
trapõe: “Quem sou para falar
de candidaturas de outros a
Presidente da República?”
A contenção verbal é
acompanhada por Fran-
cisco Mendes da Silva (que
integrou as direções de Por-
tas), que não se furta a falar
do panorama em que estão
PSD e CDS: “Percebo que, de
cada vez que as pessoas ou-
vem falar do centro-direita
em Portugal é para ouvirem
falar da crise desse espaço
e das suas lideranças, haja
muita gente a ler a entrevis-
ta e a valorizar Paulo Portas
como uma das cabeças mais
inteligentes e preparadas da
nossa cena política.” Mate-
rial presidenciável? “Claro.”
Passos longe de Belém
No PSD, as reservas em
relação a Portas são me-
clarações de rendimentos de
titulares de cargos políticos
e de altos cargos do Estado.
Dúvidas sobre controlo
Até lá, enquanto não for ins-
talada a entidade, o regime
transitório prevê que as de-
clarações de rendimentos,
património e interesses dos
políticos continuem a ser
entregues em papel junto do
Constitucional e a ser escru-
tinadas “nos termos do regi-
me anterior”. “O Ministério
Público do Tribunal Cons-
titucional tem, como vinha
fazendo até aqui, efetuado o
controlo das declarações de
rendimentos”, garante ao Ex-
presso fonte oficial da Procu-
radoria-Geral da República.
No entanto, há dúvidas sobre
a eficácia do atual sistema de
controlo das declarações em
papel, que devem ultrapassar
um milhar, entre deputados,
autarcas e outros titulares de
cargos políticos. “A manter-
Melo pondera
candidatura
à liderança
Bastaram nove meses para
que Nuno Melo fizesse uma
análise ao estado de saúde
do CDS sob a chefia de
Francisco Rodrigues dos
Santos e o diagnóstico não é
famoso. Por isso, a hipótese
de se candidatar à liderança
após as autárquicas volta a
FOTO TIAGO MIRANDA
estar em cima da mesa.
Contactado pelo Expresso,
Nuno Melo — que esteve
para avançar contra
Assunção Cristas em 2016 e
que ficou fora da luta no
último Congresso — não
exclui essa possibilidade.
Afirma apenas que “não é
nores do em tempos idos tempo de discutir
— como quando era jor- lideranças”, mas de “o CDS
nalista e fazia tremer os estar unido em momentos
governos de Cavaco Silva eleitorais” que se avizinham.
—, mas o ceticismo sobre O próximo combate,
a sua capacidade de unir a assinala, são as regionais
direita subsiste. Um soci- dos Açores de amanhã, para
al-democrata apoiante de as quais deseja “toda a sorte
Pedro Passos Coelho acre- aos candidatos do CDS”. E
dita que o antigo chefe do não diz mais. Em circuito
parceiro de coligação seria restrito, o eurodeputado
o candidato “mais forte” tem confidenciado que a
que PSD e CDS poderiam eventual entrada em cena
apoiar, mas fonte próxima nunca esteve posta de parte
do antigo primeiro-minis- e continua sem estar. Melo
tro considera que o ex-lí- entende que “Chicão” tem
der do CDS tentou somen- sido incapaz de trilhar o
te “arranjar o seu espaço”. caminho de uma direita
Ainda para mais depois de mais conservadora e que
Luís Marques Mendes “ter não tem sido capaz de
feito um número” ao apre- marcar a agenda. A ausência
sentar o último livro de Ca- de Rodrigues dos Santos do
vaco, aparecendo como o palco parlamentar, tem
“herdeiro” dessa social-de- reconhecido Melo, será um
mocracia. Quanto a Pas- óbice adicional, mas a maior
sos, o Expresso sabe que crítica reside na forma
Belém está muito longe como evita os temas que
das suas cogitações. Pelo possam conduzir a
que depender do antigo conotações entre os
chefe do Governo, Portas, democratas-cristãos e o
que voltará a mergulhar Chega. Até ver, a reflexão
num profundo silêncio so- é individual. Não existe
bre política interna, tem o qualquer movimentação
caminho livre. concertada entre
ololiveira@expresso.impresa.pt portistas.
-se a atual situação, em que
existem duas ou três pessoas
no TC a receber as declara-
a entidade e alerta que com
as eleições autárquicas em
2021 haverá um “aumento
ções em papel, não há contro-
lo nenhum. Face ao volume
significativo” do número de
declarações para analisar. Su-
de declarações que deve ser
entregue, nem 1% devem ser
analisadas”, diz ao Expresso
sana Coroado, presidente da
associação Transparência e
Integridade, concorda que
Paulo Trigo Pereira, ex-de- há falta de vontade política
putado (do PS e depois não em avançar com a entidade,
inscrito). Para o economista, o que ficou patente na inde-
que acaba de lançar o livro finição em relação à sede ou
“Portugal em Democracia — na insuficiente verba previs-
como evitar o seu declínio”, ta no Orçamento: “Sincera-
onde foca estes temas, o atra- mente, são fait-divers, e é
so em todo o processo parece sinal de que não há interesse
indiciar que não há vontade nenhum.”
política para implementar a Esta semana, o PAN cri-
lei, defendendo que o Gover- ticou também a “inércia do
no devia dar um “sinal claro” Governo” por não respon-
de que será garantida a do- der há nove meses ao pedido
tação orçamental necessária de instalações do TC, tendo
para a criação da entidade, apresentado um projeto de
numa altura em que ainda se resolução no Parlamento
está a discutir o Orçamento que recomenda ao Execu-
do Estado para 2021. O depu- tivo que disponibilize ainda
tado do BE José Maria Cardo- este ano as instalações para
so considera “inadmissível” a entidade.
não estar previsto de novo no Liliana Coelho
OE a verba suficiente para lpcoelho@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020
Gente
Não há duas sem três Esta se-
mana, Portugal foi surpreendido
por uma notícia muito nova: o Go-
verno quer ligar Lisboa e Porto,
por comboio de alta velocidade, em
1h15. O assunto fez capa do “Públi-
co” e foi replicada um pouco por
todo o lado. Há 20 anos, o mesmo
jornal já tinha escrito a mesma no-
tícia em manchete. Há dois anos,
tinha sido o Expresso a revelar com
estrondo: o Governo queria a liga-
ção Porto-Lisboa em duas horas.
Não se trata de uma reciclagem
jornalística, que acontece tantas
vezes, mas da eterna sina lusitana
de discutir, discutir, discutir, pro-
por, propor, propor e não sair do
mesmo lugar. Bom, a avaliar pelas
notícias, Pedro Nuno Santos anda,
pelo menos no papel, 45 minutos
mais rápido do que Pedro Marques.
Resta saber se é suficiente para
chegar a algum lado.
PSD de bicicleta As Jornadas Par-
lamentares do PSD mobilizaram de
tal forma os deputados que a meio
de uma acesa discussão sobre refe-
rendar ou não a eutanásia um grupo
de deputados sociais-democratas
abandonou a sala para ir tirar fo-
tografias de t-shirt cor de rosa. A
ideia era dar força a João Almeida,
o ciclista português que brilhava no
Giro d’Itália. A etapa do dia era de-
cisiva e a torcida ‘laranja’ deu azar!
O forcing dos ‘laranjinhas’ estragou
tudo e, horas depois, o português
perdia a liderança. Será que quando
o PSD se mete dá asneira?
O bocejo de Sarmento Quando
as Jornadas Parlamentares davam
direito a viajar pelo país, a coisa
animava. Agora, com a pandemia a
fechar os deputados em São Bento,
nem Joaquim Miranda Sarmento,
o ministro das Finanças sombra
do PSD, resistiu a exibir um ar ab-
solutamente sonolento durante o
debate sobre o Orçamento do Es-
tado nas jornadas do partido. O ho-
mem forte do Conselho Estratégico
Nacional de Rui Rio não chegou a
adormecer, mas andou lá perto. Ou
anda a trabalhar demais a preparar
as propostas alternativas do PSD
ou é como aqueles alunos que não
aguentam as aulas da matéria que
já sabem de cor. Em tempos, maça-
dor era coisa que o PSD não era...
É o bicho, é o bicho Cristina Fer-
reira está confinada por causa da
covid. Recebeu a cantora Bárbara
Bandeira no Dia da Cristina, e como
Bárbara estava infetada a apresen-
tadora teve que se recolher. O bicho
é assim. Como canta o Iran Costa,
“é o bicho, é o bicho, vou-te devorar,
crocodilo eu sou”. Toca a todos!
Atlético, eu?
VACINA “Com um fato preto
nunca me comprometo”, diz o
povo. E Marcelo devia ter ouvido.
O Presidente foi levar a vacina da
gripe com uma clássica camisa
branca e, ao contrário do que
aconteceria com uma t-shirt,
a formalidade do camiseiro
obrigou-o a despir-se. A foto
mostrou-o menos atlético do
que os seus banhos de mar
fariam prever. E José Miguel
Júdice, na SIC, não perdoou:
“Ele faz muito exercício mas não
tem uma musculatura melhor
que a minha.” Azar?
FOTO ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 13
14 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE CONFINAMENTO
Covid-19 O cansaço causado pelas medidas anticovid leva muitos portugueses a esquecer as cautelas e a marcar
jantares com grupos de amigos ou a participar em festas em casas ou na rua, onde não há máscaras no rosto
“Fadiga pandémica” faz aumentar
festas ilegais e jantaradas
Bernardo Mendonça,
Hugo Franco
S
e Joana Ascensão
exta-feira, noite para
desanuviar e brindar.
Bárbara, chamemos-
-lhe assim, uma mu-
lher com cerca de 50
anos, encontrou-se
há uma semana com
um grupo de amigos
para uma jantarada
num restaurante-bar no centro de
Lisboa, nas imediações do Bairro Alto.
A conversa decorreu animada ao som
da DJ de serviço, que matava a fome
de outras danças, de momento proi-
bidas. Não havia nada a apontar nas
regras de segurança em tempos de
pandemia. Mesas com a distância que
manda a lei, desinfeção das mesmas
sempre que necessário, máscaras usa-
das quando cada pessoa se levantava.
O novo normal.
Quando chegou à uma da manhã, a
música parou. E chega o aviso de um
elemento do estabelecimento. “Quem
quiser continuar, terá de passar para
a sala ao lado.” Fecham-se as portas
do espaço. Correm-se as cortinas. E
começa ‘a festa’. Bárbara e os amigos,
entre muitas outras pessoas, foram
encaminhados para a zona do bar.
“Foi como entrar em 2019. Estáva-
mos cerca de 50 pessoas juntas num
espaço fechado, a fumar, a beber, sem
máscaras e sem distância social. E as-
sim ficámos até pelo menos às quatro
da manhã.” Bárbara não esconde que
a experiência lhe soube bem, para
escapar da realidade pandémica que
se prolonga há sete meses.
Este não é caso único. Há mais bares
em Lisboa e no Porto que fecham as
portas e desligam o som à 1h e depois
continuam abertos, furando todas as
regras de restrições. Mas também há
festas em casas particulares, algumas
até com DJ, que juntam dezenas de
pessoas. As autoridades admitem que
com o prolongamento da pandemia se
multiplique este tipo de eventos ilegais.
“Tanto tempo de restrições leva à ne-
cessidade de as pessoas, principalmen-
te os mais jovens, se juntarem e desva-
lorizarem as regras impostas”, explica
Paulo Rodrigues, agente principal na
PSP e dirigente de um dos maiores sin-
dicatos da Polícia, a ASPP/PSP. “Temo
que possa haver um aumento do confli-
to por parte dos mais jovens, cansados
de estar fechados, às ordens da polícia
para dispersar, e venha a ser necessária
uma intervenção mais musculada.” À
luz do que já aconteceu em algumas
festas ilegais nos últimos meses.
Em Lisboa, a preocupação das au-
toridades vai não só para as festas
ilegais, como também para os ajun-
tamentos de grupos numerosos de
jovens na rua, os chamados botellons,
onde impera o álcool comprado em
supermercados e lojas de conveniên-
cia. “Costuma haver ajuntamentos
nos jardins grandes, como o de São
Pedro de Alcântara, o Miradouro de
Santa Catarina e também no Largo de
São Paulo, na zona do Cais do Sodré.
Mas são sempre dispersados quando
a polícia tem conhecimento deles”,
garante outra fonte da PSP.
No Porto, três festas de alunos Eras-
mus foram diretamente associadas
pelas autoridades de saúde ao au-
mento do número de infetados no
ensino superior público, numa altura
em que há mais de 500 estudantes
com covid-19 e a maioria frequenta
a Universidade do Porto. O Expresso
sabe que alguns proprietários de res-
taurantes e bares têm aberto a porta
clandestinamente, para acolher es-
tes eventos, especialmente em zonas
da cidade associadas à vida noturna,
como as Galerias de Paris. Naquela
cidade, David McNeill estava a or-
ganizar um encontro para a passada
quarta-feira, que foi, à última hora,
cancelado pelo dono do bar. Havia 39
reservas de “bilhetes”. McNeill tem
sido promotor de alguns encontros
de jovens, na maioria estrangeiros.
“Procuram conectar-se a outras pes-
soas nesta altura, especialmente os
estrangeiros que se mudaram para
Portugal recentemente e não tiveram
oportunidade de fazer muitos amigos
durante a quarentena.”
Negação e alheamento
Vários psicólogos consideram que
estes comportamentos de risco pode-
rão estar a crescer devido à chamada
“fadiga pandémica”, uma saturação
do distanciamento social e de todas
as restrições impostas nos últimos
meses ao convívio, que tendem ago-
ra a aumentar à medida que sobe o
número de novas infeções. “Quando
estamos sujeitos a angústias profun-
das durante muito tempo, isso cria
sistemas defensivos. Um deles é a
negação, a recusa, o alheamento. O
pensamento de que ‘isto não está
a acontecer. Eu não acredito’. Isso
pode levar a um boicote das regras
e a comportamentos de maior risco.
Porque o bem-estar de uma pessoa
reside na pertença a grupos, e esse
bem-estar não existe agora. Recordo
que há hormonas que não são produ-
zidas com a ausência do outro e que
um abraço produz uma hormona de
bem-estar.” Quem o diz é o psicólogo
e terapeuta familiar Manuel Lemos
Peixoto.
Já o psicólogo Miguel Ricou lem-
bra que em março havia um gran-
de desconhecimento sobre o vírus e
um discurso global e homogéneo por
parte das autoridades de saúde. “E o
medo funcionou.” Só que muita coisa
mudou desde então: “O medo agora já
não funciona. Hoje, as pessoas já não
lidam com algo desconhecido. Há uma
FRASES
“Estávamos cerca de 50
pessoas juntas num
espaço fechado sem
máscaras e sem distância
social. E assim ficámos
até às 4h da manhã”
Bárbara (nome fictício)
Participante numa festa ilegal
“Temo que possa haver
um aumento do conflito
por parte dos mais
jovens, cansados de estar
fechados, às ordens da
polícia para dispersar”
Paulo Rodrigues
Presidente da ASPP/PSP
“Quando estamos
sujeitos a angústias
profundas durante muito
tempo, isso cria sistemas
defensivos. Um deles
é a negação”
Manuel Lemos Peixoto
Psicólogo e terapeuta familiar
Expresso, 24 de outubro de 2020
sensação de que se conhece já o vírus,
o que não assusta tanto.”
O presidente da comissão de ética da
Ordem dos Psicólogos acrescenta que
há também “uma maior dessensibili-
zação da população” com o aumento
dos casos de mortes causadas pela
covid-19. “Os jovens não têm medo da
morte. E as pessoas vão encontrando
as suas racionalizações: desculpam-
-se dizendo que é um pouco como a
gripe.”
“Não aguentamos mais”
Sara Ribeiro, 32 anos, repórter e pro-
dutora de conteúdos, está ciente dos
riscos que corre, mas diz-se extre-
mamente farta de não ter a espon-
taneidade como opção nem a cidade
disponível à sua vontade. “No outro
dia, recebi inesperadamente dois beiji-
nhos de um amigo na cara e soube-me
tão bem. Há muito que não acontecia.”
Sara conta que nos jantares que cos-
tuma dar em sua casa as regras de
combate à propagação do novo coro-
navírus ficam à porta. “Peço-lhes que
tirem os sapatos à entrada, lavem as
mãos, mas depois estamos à vontade.
Sem máscaras e distâncias. Nunca são
mais de sete à mesa. Por vezes acon-
tece pormos música e dançarmos. E
assim vou rodando os meus grupos
de amigos. É um risco que corremos,
bem sei, mas é a minha vida e a dessas
pessoas. Claro que se lidasse direta-
mente com pessoas de risco teria mais
cuidado.”
Apesar do cansaço deste estado pan-
démico, a que chama de “labirinto”
onde procura todos os dias uma saí-
da, Sara é a favor da proposta de lei
do Governo para o uso obrigatório
de máscaras na rua. “Tudo o que for
para acelerar o final disto tem o meu
apoio. Já ando a ver mais máscaras
bonitinhas para ter…”
Também João (nome fictício), 25
anos, vive na Grande Lisboa e sente
“uma necessidade urgente” de con-
fraternizar com frequência com os
antigos colegas da faculdade. Semana
sim, semana não, combina jantaradas
na casa de algum dos amigos. Até ao
momento ninguém foi infetado. “Às
vezes um de nós chega com máscara,
mas rapidamente a retira. Não dá jeito
entre a comida e a bebida.” O jovem
desempregado diz-se “farto e cansa-
do” de tanta restrição. “Tenho noção
dos perigos que corremos, mas já não
aguentamos mais ficar fechados e sepa-
rados, à espera do dia em que tudo volte
ao normal.” Quanto aos jantares com
os antigos colegas de faculdade, já tem
um marcado para a próxima semana.
bmendonca@expresso.impresa.pt
GETTY IMAGES
Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 15
16 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 24 de outubro de 2020

PANDEMIA

Texto Joana Ascensão

e Christiana Martins
Foto Rui Duarte Silva

U
m cobertor enrola-
do junto a uma ba-
cia de metal e uns
lençóis de hospital
dobrados. Estão
sobre uma mesa,
posicionada em
cima de uma linha
vermelha no chão
que mais parece um aviso. Para lá
dela está uma maca com um senhor
despido, só de fralda, infetado. Se
não fosse a parafernália de fios li-
gados ao seu corpo, pareceria estar
serenamente a dormir.
Marta, enfermeira, anda masca-
rada pelo espaço que lhe é familiar.
Chega-se à maca ao lado, aponta
algo numa folha a caneta grossa de
tinta preta e usa fita-cola para colar
os apontamentos na vitrina que a
separa dos colegas da “zona limpa”.
É, em parte, assim que comunicam
na nova sala de cuidados intensivos
para covid-19 do Hospital de São
João, no Porto. Foi ativada há uma
semana, no piso 8, após ter sido ele-
vado para 3 o nível de contingência.
Tem capacidade para 10 pessoas e,
numa semana, já tem seis interna-
das, que, somadas com os doentes
das outras duas salas dedicadas à
covid, no piso 1 e no piso 6, perfazem
um total de 25 em estado crítico com
a doença.
O maior hospital da Zona Norte
está ainda confortável com as 70
camas dedicadas aos doentes da
pandemia, mas, com o número de
casos sempre a aumentar, é preciso
preparar os passos seguintes. Vai
ser necessário expandir a Medicina
Intensiva do piso 6, ocupando camas
de uma enfermaria de Cirurgia Ge-
ral, e automaticamente suspender
cirurgias programadas não urgentes
— o que ainda não aconteceu.
No momento de entrarem na zona
suja, as enfermeiras Marta e Carina
vestem o fato de proteção individual
Urgências Porto está pior, mas ainda acolhe doentes. Lisboa aguarda quando em causa estão doentes in-
fetados pelo novo coronavírus, e o
com a destreza e rapidez que não o embate. Reportagem nos pressionados hospitais de São João hospital acionou já o segundo de três
tinham em março. Conversam com níveis do plano de contingência. Dia-
os doentes, mesmo que estejam em e Amadora-Sintra. Ambos avisam: os próximos meses serão muito duros riamente são realizados mais de 200
coma induzido, ajudam-se a virá-los testes de diagnóstico à covid-19. Mas,

Hospitais já
quando é hora de lhes mudar a posi- apesar dos grandes números, na quar-
ção na cama. E, quando chega a vez ta-feira de manhã, o ambiente era de
da senhora consciente da cama 5, tranquilidade. Estavam internados 55
deitada de barriga para cima e com doentes infetados, dos quais quatro
máscara de oxigénio mas sem forças nos cuidados intensivos.
para se mover sozinha, posicionam- A média da idade dos doentes reflete

não esperam
-se uma de cada lado e deixam-na de- a estrutura social da área atendida: 53
cidir para onde se quer virar. “Para anos. Nos cuidados intensivos baixa
o lado esquerdo?”, pergunta Marta. para 42. Na primeira fase, os infetados
A senhora tosse e tosse, com algu- estavam distribuídos por três andares
ma falta de ar. Se a menor presença — agora estão reunidos no sexto piso,
de doentes em coma poderá levar à para reduzir o risco de contágio.
sensação de que ali os casos são me- “As nossas Urgências têm atendido

nos graves, Rosa Moreira, enfermei-
ra-chefe, logo ajuda a pôr de novo os
pés na terra. Têm ainda poucos dias
de internamento e, “infelizmente,
tudo indica que vão piorar”.
Os cálculos do xadrez
Os doentes mais graves são apenas
5% de todos os infetados. Mas, num
hospital com o número de camas limi-
tado, até esta percentagem pode ser
problemática. A capacidade de inter-
nar não estica. Mesmo que o hospital
tenha mil camas, como o São João,
está normalmente cheio no período
de outono e inverno. O xadrez faz-se
substituindo camas de doentes pro-
gramados, atrasando-lhes o tratamen-
to ou a cirurgia, por camas de doentes
agudos. “Quanto mais plasticidade
para responder à pandemia, melhor
o sucesso da resposta”, reconhece o
diretor do Serviço de Medicina Inten-
siva, José Artur Paiva.
Num momento em que o Norte do
país tem tido um crescimento de casos
superior ao do resto do país, a calma
ainda se mantém no Hospital de São
João, mas cresce a tensão nos corredo-
res. Os profissionais têm memória. Na
primeira ‘vaga’ “estivemos a uma unha
negra de entrar em rotura”, garante
Nelson Pereira, o diretor da Unidade
Autónoma de Gestão da Urgência e
de Medicina Intensiva no Hospital de
São João, que tem chamado “milagre”
milagres
Nas Urgências do hospital têm en-
trado por dia, em média, 200 doentes
com sintomas de covid, quatro vezes
mais do que em setembro. “As [pul-
seiras] laranja estão a aumentar dia
após dia”, evidencia Cristina Marujo,
diretora de serviço, que reconhece
que muitos doentes têm apenas sinto-
mas ligeiros, e pulseiras verdes, o que
complica as contas do atendimento.
NO SÃO JOÃO, O XADREZ
FAZ-SE SUBSTITUINDO
CAMAS DE DOENTES
PROGRAMADOS,
ATRASANDO-LHES
O TRATAMENTO OU
Por isso, o São João reativou, há 15
dias, a tenda “de campanha”, para
“doentes não doentes”, descreve o
enfermeiro-chefe Paulo Mota.
Logo antes de se chegar à porta da
Urgência é feita uma triagem, com
testes e procedimentos básicos. A
maioria dos utentes acaba por ir para
casa. A área das Urgências dedicada à
doença, dentro do edifício, fica assim
mais liberta para os casos preocu-
pantes. Na quarta-feira, quando o Ex-
presso visitou o hospital, estava uma
manhã calma. A sala tinha apenas
cinco doentes estáveis. Entre atendi-
mentos, os profissionais, com “fatos
de astronauta”, trocavam de luvas e de
avental com a agilidade e o engenho
de quem não mais viu o trabalho como
dantes. “É demasiado marcante”, as-
sume Paulo, que não aplica a mesma
crença fora dali, porque “o povo tem
memória curta”.
Amadora-Sintra: 90% de ocupação
entradas e saídas que o hospital se vai
equilibrando. Em plena pandemia, o
Amadora-Sintra — como a unidade
é conhecida por atender duas das re-
giões mais pressionadas do país pela
covid-19 — surge de forma recorrente
nos noticiários por estar no limite da
capacidade.
A taxa de ocupação geral esta se-
mana era de 85%, batendo nos 90%
NO AMADORA-SINTRA,
A MÉDIA DA IDADE
DOS DOENTES REFLETE
A ESTRUTURA SOCIAL
DA ÁREA ATENDIDA:
53 ANOS E APENAS 42
entre 300 e 400 pessoas diariamente,
mas no início da pandemia tivemos o
dobro e no inverno de 2019 houve dias
em que entraram mil pessoas. Aqui, a
doença parece ter hora marcada: aos
domingos, segundas e terças-feiras é
pior. Em dias de chuva ou de jogo do
Benfica, a afluência é bem menor”,
afirma Ana Valverde, diretora clínica.
Então, de onde vem a fama de caos
do hospital? “É verdade que há mo-
mentos de pico, muito difíceis, e que a
complexidade dos doentes covid tem
exigido mais profissionais para tratar
o mesmo número de pessoas”, explica
a médica.
Nesta segunda fase da pandemia,
apesar de alguns momentos duros, o
crescimento dos atendimentos tem
sido gradual, com o pico apontado
para dezembro, altura em que o hospi-
tal espera ter pronta uma nova unida-
de de cuidados intensivos e outra para
os casos críticos. “Temos uma relação
muito próxima com as Câmaras de
Sintra e da Amadora, e as informações
que nos passam é que o crescimento
da transmissão é muito alto na co-
munidade. Por isso, esperamos que
nos surjam mais casos nas próximas
semanas”, diz Ana Valverde.
Nos dias de maior tensão, os doentes
que chegam de ambulância nem dão
entrada e são logo transferidos para
outros hospitais. Outros dias há, mais
calmos, em que é o próprio Amado-
ra-Sintra a receber infetados de ou-

A CIRURGIA, POR CAMAS QUANDO SE FALA DOS

ao confinamento obrigatório. Agora, tras unidades — “Na semana passada
a progressão da doença é mais lenta Todos os dias são internados no Hos- vieram do Garcia de Orta”, conta a

DE DOENTES AGUDOS CUIDADOS INTENSIVOS

e há mais conhecimentos, “mas não pital Fernando Fonseca uma média diretora clínica.
há milagres”. de 86 doentes e têm alta 65. E é entre jascensao@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 17

Mais de 160 mil

que os autarcas locais não com-
preendam o semiconfinamen-
to agora imposto. “Não vejo
como é que o teletrabalho vá
abranger grande número de
Ferreira, que teve uma quebra
de quase 70% na faturação, a
contrastar com agosto, quan-
do “a esplanada tinha bastante
movimento”.

pessoas com dever trabalhadores nesta região”, al-

vitra Nuno Fonseca, presiden-
te da Câmara de Felgueiras,
explicando que no município
“Aqui está morto”
“As pessoas não estão a sair”,

de ficar em casa a indústria predominante é a

Na área covid do
Hospital de São João,
as enfermeiras Marta e
Carina conversam com
os doentes, mesmo que
estes estejam em coma
Indústria e famílias numerosas fizeram explodir
casos em Lousada, Felgueiras e Paços de Ferreira.
Autarcas e população criticam medidas
André Manuel
Correia, Isabel Paulo
e Joana Ascensão
Há duas semanas, havia menos
200 pessoas nas urgências do
Centro Hospitalar do Tâmega e
Sousa (CHTS), que serve as po-
pulações de Lousada, Paços de
Ferreira e Felgueiras, a quem
foi agora imposto o “dever de
ficar em casa”. Nos últimos
dias, a explosão do número de
casos de covid-19 naqueles con-
celhos fez disparar as urgênci-
as: só na quinta-feira chegaram
800 pessoas, um “recorde ab-
soluto”.
Há agora 100 infetados em
internamento — a maioria com
mais de 60 anos —, número de-
masiado grande para um pe-
queno hospital e mais alto do
que o registado até nas maiores
unidades do país, como os hos-
pitais de São João, no Porto,
ou de Santa Maria, em Lisboa.
Estes são “dias de grande pres-
do calçado, como é o têxtil em
Lousada ou o mobiliário em Pa-
ços de Ferreira. O autarca so-
cialista classifica as restrições
lamenta Marcos Abreu. “Se
não podem sair de casa, a não
ser para trabalhar ou ir à esco-
la, o que é que elas vêm fazer ao
meu restaurante?”, questiona
anunciadas esta semana como o gerente, que mesmo assim
“leoninas” e “desmedidas” e vai manter abertas as portas
assegura que causarão “graves do estabelecimento. “Não te-
sequelas económicas no comér- mos a possibilidade de fechar.
cio, restauração e indústrias”.
Nuno Higino, programador
Afinal de contas, aberto pode
dar pouco, mas fechado não dá
da Casa das Artes de Felguei- nada”, atira.
ras, também considera que as O empresário está a pensar
são”, desabafa Carlos Alberto Agrupamento de Centros de “medidas são um pouco inco- comprar uma moto ou uma
Silva, presidente do conselho Saúde do Vale do Sousa Nor- erentes” e estranha as restri- carrinha, “investimento drás-
de administração do CHTS. te, garante existir evidência de ções: “Os focos de infeção não tico e de alto risco” numa altu-
Para garantir espaço para do- que a fonte de contágio na zona vão ser afetados, porque as ra em que a realidade manda
entes covid-19, o CHTS cance- está associada a “festas e reuni- fábricas e as escolas não vão apertar o cinto, mas que pode
lou toda a atividade cirúrgica ões de família”. Nestes conce- fechar”, diz, o que o leva a te- ser a única salvação, agora que
programada não urgente (ex- lhos, “os agregados familiares mer que esta seja “mais uma a população está praticamen-
ceto a de ambulatório, porque são, em média, maiores do que forma para tapar os olhos às te impedida de ir à rua. “Se as
essa não exige camas) e está a noutras zonas do país”, explica pessoas”, as mesmas que no pessoas não podem vir, temos
encaminhar os doentes não-co- Raquel Lucas, investigadora concelho garante não estarem de ir nós até elas. Vamos apos-
vid para outros hospitais. da Faculdade de Medicina e “a agir com displicência” nas tar em entregas ao domicílio
O acelerado ritmo de contá- do Instituto de Saúde Públi- precauções. Nascido há 60 ou tentar recuperar o serviço
gio na região levou o Governo a ca da Universidade do Porto anos em Felgueiras, para onde de take-away que nunca foi o
determinar esta semana que os e membro de uma equipa que viaja com frequência desde nosso forte”.
mais de 160 mil habitantes dos tem seguido indicadores com- Matosinhos para exercer fun- Marcos critica a “falta de
três municípios ficam obriga- portamentais da população ções, Nuno Higino ainda não diálogo prévio” das autorida-
dos ao “dever de permanência durante a pandemia. percebeu como será a partir des com os proprietários, que
no domicílio”, de onde podem de agora, mas está certo de que diz terem sido apanhados de
sair apenas para estudar ou tra- “Medidas desmedidas” “esta é mais uma machadada surpresa: “Simplesmente foi-
balhar, e neste último caso só se no pouco que resta” da progra- -nos dito que a partir de ago-
não for possível fazê-lo a partir Algumas características ine- mação cultural da região, “já ra é assim e nem sabemos até
de casa. Além disso, estão pro- rentes aos três municípios muito debilitada”. quando.”
ibidos quaisquer eventos com propiciam uma mais rápida e Para os comerciantes, o mo- A reação da população ao
mais de cinco pessoas e todos fácil transmissão desta doen- mento é de incerteza e de luta anúncio do semiconfinamento
os estabelecimentos comerciais ça, “nomeadamente o tipo de pela sobrevivência. Marcos não se fez esperar e traduziu-se
e de prestação de serviços pas- tecido produtivo”, com grande Abreu, de 24 anos, cruzou o no ambiente vivido nas ruas:
sam a encerrar às 22h. peso da indústria, uma ativida- Atlântico há três meses e há “Aqui está morto”, descreve
Ao Expresso, Hugo de Sou- de muitas vezes incompatível dois que explora o Terra Bra- Marcos.
sa Lopes, diretor executivo do com o trabalho à distância. Daí silis, restaurante em Paços de amcorreia@expresso.impresa.pt

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A PARTIR DE 19 DE OUTUBRO
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Horário Ensino Básico 2020/2021

segunda-feira terça-feira quarta-feira quinta-feira sexta-feira
ESTUDO DO MEIO ESTUDO DO MEIO 1.º ano
09 : 00 - 09 : 30 E CIDADANIA
1.º ano PORTUGUÊS 1.º ano
E CIDADANIA
1.º ano PORTUGUÊS 1.º ano MATEMÁTICA

HORA DA LEITURA MATEMÁTICA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA ORIENTAÇÃO PARA

09 : 30 - 10 : 00 1.º ciclo EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 1.º ciclo 1.º ano 1.º ciclo
TRABALHO AUTÓNOMO
1.º ciclo

10 : 00 - 10 : 30 PORTUGUÊS 2.º ano MATEMÁTICA 2.º ano EDUCAÇÃO FÍSICA 1.º ciclo MATEMÁTICA 2.º ano EDUCAÇÃO FÍSICA 1.º ciclo

ESTUDO DO MEIO PORTUGUÊS ESTUDO DO MEIO ESTUDO DO MEIO

10 : 30 - 1 1 : 00 E CIDADANIA
2.º ano PORTUGUÊS 3.º e 4.º anos 2.º ano
E CIDADANIA
2.º ano
E CIDADANIA
3.º e 4.º anos

MATEMÁTICA 3.º e 4.º anos

ESTUDO DO MEIO 3.º e 4.º anos MATEMÁTICA 3.º e 4.º anos PORTUGUÊS 3.º e 4.º anos INGLÊS 3.º e 4.º anos
1 1 : 00 - 1 1 : 30 E CIDADANIA
CIDADANIA E HISTÓRIA E GEOGRAFIA PORTUGUÊS CIÊNCIAS NATURAIS
1 1 : 30 - 1 2 : 00 DESENVOLVIMENTO
5.º e 6.º anos 5.º e 6.º anos 5.º e 6.º anos
E CIDADANIA
5.º e 6.º anos MATEMÁTICA 5.º e 6.º anos
DE PORTUGAL

PORTUGUÊS INGLÊS LEITURA E ESCRITA HISTÓRIA E GEOGRAFIA

1 2 : 00 - 1 2 : 30 5.º e 6.º anos MATEMÁTICA 5.º e 6.º anos 5.º e 6.º anos 5.º e 6.º anos
DE PORTUGAL
5.º e 6.º anos

CIÊNCIAS NATURAIS EDUCAÇÃO ARTÍSTICA ORIENTAÇÃO PARA

1 2 : 30 - 1 3 : 00 E CIDADANIA
5.º e 6.º anos EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA 5.º e 6.º anos 2.º e 3.º ciclos EDUCAÇÃO FÍSICA 5.º e 6.º anos 5.º e 6.º anos
TRABALHO AUTÓNOMO

PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS

1 3 : 00 - 1 3 : 30 LÍNGUA NÃO MATERNA 1.º ao 9.º anos LÍNGUA NÃO MATERNA 1.º ao 9.º anos LÍNGUA NÃO MATERNA 1.º ao 9.º anos LÍNGUA NÃO MATERNA 1.º ao 9.º anos EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 2.º e 3.º ciclos
(INICIAÇÃO) (INTERMÉDIO) (INICIAÇÃO) (INTERMÉDIO)

MATEMÁTICA INGLÊS CIÊNCIAS NATURAIS

1 3 : 30 - 14 : 00 7.º e 8.º anos FÍSICO-QUÍMICA 7.º e 8.º anos 7.º e 8.º anos GEOGRAFIA 7.º e 8.º anos
E CIDADANIA
7.º e 8.º anos

1 4 : 00 - 14 : 30 INGLÊS 7.º e 8.º anos PORTUGUÊS 7.º e 8.º anos MATEMÁTICA 7.º e 8.º anos HISTÓRIA 7.º e 8.º anos PORTUGUÊS 7.º e 8.º anos

CIDADANIA E LÍNGUA ESTRANGEIRA II

LEITURA E ESCRITA LÍNGUA ESTRANGEIRA II
1 4 : 30 - 1 5 : 00 DESENVOLVIMENTO
3.º ciclo 3.º ciclo 3.º ciclo 3.º ciclo EDUCAÇÃO FÍSICA 3.º ciclo
FRANCÊS FRANCÊS
ORIENTAÇÃO PARA LÍNGUA ESTRANGEIRA II LINGUA ESTRANGEIRA II LÍNGUA ESTRANGEIRA II
1 5 : 00 - 1 5 : 30 TRABALHO AUTÓNOMO
3.º ciclo EDUCAÇÃO FÍSICA 3.º ciclo
ESPANHOL
3.º ciclo 3.º ciclo
ESPANHOL
3.º ciclo
ALEMÃO
LÍNGUA ESTRANGEIRA II 9.º ano
1 5 : 30 - 1 6 : 00 PORTUGUÊS 9.º ano 3.º ciclo GEOGRAFIA 9.º ano PORTUGUÊS 9.º ano MATEMÁTICA
ALEMÃO
CIÊNCIAS NATURAIS
1 6 : 00 - 1 6 : 30 HISTÓRIA 9.º ano EDUCAÇÃO FÍSICA 9.º ano
E CIDADANIA
9.º ano INGLÊS 9.º ano FÍSICO-QUÍMICA 9.º ano

COM O APOIO
18 PRIMEIRO CADERNO
INTERNAMENTOS HOSPITALARES
Visitas proibidas. Falta família, sobra dor
Há oito meses que estão interditados os encontros entre doentes internados e familiares. Cresce a revolta
Christiana Martins
A decisão é recente, mas os ido-
sos que vivem em lares já po-
dem ser visitados duas vezes por
semana. Também nas prisões,
as visitas são permitidas. Os do-
entes internados nos hospitais,
contudo, continuam sem poder
contar com o acompanhamento
dos familiares. Desde março que
a Direção-Geral da Saúde (DGS)
restringiu fortemente as visi-
tas aos hospitais. A 4 de junho,
Graça Freitas abriu uma fresta
de esperança: “Vamos esperar
mais uns dias para ver como
evolui a situação em Lisboa, se
vai ter ou não reflexos no resto
do país e depois, obviamente,
serão emitidas orientações para
permitir visitas a doentes inter-
nados.” Mais de quatro meses
passados, não houve alterações,
embora cresçam as informa-
ções de que as visitas voltarão a
ser permitidas. Ao Expresso, a
DGS não confirma.
“Eu falo porque é necessá-
rio reverter a situação, não é
sustentável manter este isola-
mento. A situação é indigna.
É desumana a forma como se
está a tratar as pessoas.” Luís
Lourenço, professor universi-
tário, não se contém: a morte
do pai, Rui, 85 anos, internado
no Hospital de São Bernardo,
em Setúbal, é uma ferida que
não se cura.
A doença pulmonar obstruti-
va crónica há muito que habi-
tuara o idoso a recorrentes in-
ternamentos. Desde o início da
pandemia, no entanto, os cui-
dados redobraram-se, a família
resguardou-se tal era o receio
de Rui ter de ir para o hospital.
Mas, a 25 de setembro, teve de
voltar a ser internado.
O testemunho de Luís Lou-
renço não esconde a revolta:
“Desde o início que nos avisa-
ram: ‘Não vale a pena ligar por-
que temos muitas chamadas e
não ter notícias é bom sinal.’
Disseram que nos informariam
a cada dois dias, mas nunca nos
ligaram. Quase uma semana
após ter sido internado, recebi
o telefonema de uma médica
para me dizer que ele tinha pi-
orado muito e que me deveria
preparar para o pior.”
Foram 11 dias de internamen-
to e afastamento da família. Rui
levou um telemóvel, mas nunca
atendeu as chamadas da famí-
lia, porque, os filhos vieram a
descobrir, o aparelho lhe foi
retirado. “O meu pai tinha o te-
Luís Lourenço não ultrapassa o sofrimento por não ter acompanhado a morte do pai no Hospital de Setúbal FOTO TIAGO MIRANDA
lemóvel há 20 anos, sabia como
o usar, poderíamos ter-lhe dado
apoio, mas o que nos disseram
é que ficou na secção covid do
hospital”, conta Luís Lourenço.
A notícia da morte de Rui
chegou à família 11 horas de-
pois de o óbito ter sido regista-
do. Meia hora antes do telefo-
nema oficial do hospital, Luís
Lourenço soube da morte do
pai através de um contacto in-
formal de uma amiga. “Quando
A regra foi proibir
as visitas, embora,
individualmente e de
acordo com a pressão,
os hospitais gerissem
a situação caso a caso
tocou o telefone, respondi logo:
‘Estão a ligar para dizer que o
meu pai morreu. Mas foi há 11
horas e ele estava sozinho.’”
E é este o ponto sem regres-
so: a solidão que acompanhou
Rui na morte. “Não sei o que ele
sentiu. O meu pai estava lúcido.
Se soubesse que ele ia morrer,
ninguém me teria impedido de
o ver”, desabafa. O sofrimento
não acabou com o fim. “Voltei
a estar com o meu pai mas num
caixão selado, por 20 minutos,
quando o carro funerário parou
e abriram a porta de vidro para
termos um momento com ele,
antes de se dirigirem ao forno
crematório”, conclui Luís.
‘Abandonada’, aos 90 anos
Autónoma, mas bastante casei-
ra devido às dores nos joelhos,
Maria Conceição, 90 anos, esta-
va bem até que caiu e partiu o
fémur. Vivia com o filho, a nora
e a neta, mas precisou de ser
internada no hospital de São
José, em Lisboa. O filho acom-
panhou-a e deixou um número
de contacto. No dia seguinte,
recebeu três mensagens: a pri-
meira dizendo que tinha sido
vista pelo médico e a segunda
com a situação clínica; a tercei-
ra revelava a confusão instalada
no sistema, ao dizer que Con-
ceição tinha sido transferida
para o hospital onde fora inter-
nada. “A partir daí, não rece-
bemos mais informações, mas
como não atendiam o telefone,
fomos pessoalmente saber o
que se passava”, conta Elisabe-
te Tavares, uma das netas.
Habituada a estar acompa-
nhada, a família queria garantir
que Maria Conceição não pen-
sasse que tinha sido abandona-
da. Como não usava telemóvel,
não levou nenhum. Elisabete
Tavares foi informada que
havia um número para onde
poderia ligar para combinar
uma videochamada. Cumpriu
as orientações, deixou todos os
contactos, marcou uma hora,
mas não recebeu a ligação de
retorno. Ansiosa, a família vol-
tou ao hospital e o filho de Ma-
ria Conceição chegou a trocar
algumas palavras com a mãe.
Mais tarde, preocupados com
a falta de informação e com a
aproximação da data da cirur-
gia, voltaram ao hospital, onde
Elisabete conseguiu por bre-
ves minutos ver a avó: “Estava
mais magra, medicada para a
ansiedade e amarrada à cama,
que, por favor, arrastaram até
à porta para que a víssemos.”
No total foram 25 dias de in-
ternamento, com os problemas
de comunicação a acentuarem-
-se quando Conceição foi trans-
ferida para o Hospital Curry
Cabral, sem que a família fosse
avisada. A alta veio de repente,
com a neta a receber a avó na
rua, vestida apenas com a bata
do hospital, “cheia de frio, tre-
mia por todos os lados, muito
Expresso, 24 de outubro de 2020
fragilizada, destruída por den-
tro, completamente dependen-
te, pensando que a tínhamos
abandonado”. Inconformada,
Elisabete Tavares não hesita
em classificar a situação: “O
que se está a passar é moral-
mente errado. A minha avó não
foi tratada como doente, mas
como prisioneira.”
A regra nos hospitais foi pro-
ibir as visitas, embora, indivi-
dualmente e de acordo com
Tudo serve para
combater a saudade.
Na Psiquiatria do
Hospital de Santa
Maria são bolachas,
tabaco e livros
a autonomia e a pressão da
covid-19, as unidades fossem
gerindo a situação caso a caso.
Algumas permitiram visitas a
doentes terminais ou com mar-
cação em períodos limitados.
Mas, de forma generalizada, a
palavra de ordem foi fechar as
portas para evitar contágios.
No início da pandemia, mui-
tos profissionais de saúde mo-
bilizaram-se à procura de equi-
pamentos que permitissem a
realização de videochamadas
para que familiares e doentes
pudessem simular um encontro.
Passados oito meses e com o re-
crudescimento dos números, os
profissionais estão cansados e os
familiares e doentes revoltados.
Tudo serve para combater
a saudade. Na Psiquiatria do
Hospital de Santa Maria são
sacos de plásticos, que todos os
dias ou mesmo duas vezes no
mesmo dia trazem bolachas, ta-
baco e livros. “É a forma de os
familiares dizerem aos doentes
que não se esqueceram deles”,
explica Pedro Levy, médico na-
quele serviço. Sem poderem
ter telemóveis, os internados
de longo termo estão há meses
afastados das famílias. A exce-
ção são os doentes com distúr-
bios alimentares, que, durante
os breves passeios terapêuticos
nos jardins do hospital, rece-
bem visitas fugazes. “Até ago-
ra, as pessoas têm cumprido as
orientações de forma compre-
ensiva, mas a situação prolon-
ga-se há demasiado tempo. E
os familiares pedem cada vez
mais informações, gerando
uma sobrecarga muito grande,
principalmente sobre os enfer-
meiros”, sublinha Levy.
Quem entra, não pode sair
O Hospital Dona Estefânia, em
Lisboa, permite a presença de
um dos progenitores das crian-
ças internadas, mas o acompa-
nhante só pode sair passados
15 dias. Andreia Filipa ficou
um mês e meio. A filha, Mar-
garida, de 13 anos, sentiu uma
dor no pescoço e acabou por
ser internada, operada duas
vezes e a tomar antibióticos in-
travenosos para combater uma
bactéria que se alojara numa
cárie. Do lado de fora ficaram
as irmãs gémeas, de seis anos,
inconsoláveis com a separação.
“Não consigo imaginar não
estar com a minha filha. Mas
ficar no hospital foi muito
difícil, estou com depressão,
medicada. No aniversário das
minhas filhas mais novas, o pai
trouxe-as ao jardim do hospital
para que eu as pudesse beijar”,
relata Andreia. Da experiência
traumática, agradece o carinho
da equipa: “Seremos amigos
para o resto da vida.” Um laço
estabelecido pela presença,
numa realidade marcada pela
ausência para a maioria dos
doentes internados.
camartins@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 19
20 PRIMEIRO CADERNO
PORTUGUESES
RECICLAM
POUCO E MAL
Há quem nos chame ‘ecopatetas’. Falhamos
por desconhecimento, por preguiça, mas não só — há uma
indústria paralela de reciclagem a prejudicar o país
J
Texto José Cedovim Pinto Infografia Carlos Esteves
á deixou caixas de pizza sujas
de gordura no contentor azul?
Não devia. E jarras ou pratos
partidos no vidrão? CD e DVD
no recipiente dos plásticos?
Tudo errado. Segundo os es-
pecialistas, estamos atrasados
cerca de 20 anos em relação
aos países que melhor reciclam,
como a Alemanha e a Áustria. Nos últimos me-
ses, o Expresso entrou num camião de recolha
e seguiu-o até à Estação de Tratamento de Re-
síduos Sólidos Urbanos, acompanhando todo
o processo até ao destino final, para perceber
o que acontece ao papel, ao vidro e ao plástico
que é separado e reciclado.
Com a pandemia disparou o uso de máscaras,
luvas e outros plásticos de utilização única, com
um peso na produção de lixo que só em 2021
será possível, de facto, avaliar. Para já, os dados
do relatório de resíduos urbanos de 2019 (últi-
mos disponíveis) mostram-nos que Portugal
produziu mais lixo, mas continuou a reciclar
pouco e a enviar mais de metade para aterros.
No ano passado reciclou-se apenas 13,1% do
plástico, papel, metal e vidro, e 8,4% de resíduos
orgânicos; 3,3% tiveram outras valorizações,
como o caso do óleo alimentar, que é transforma-
do para a produção de biodiesel (que não é con-
siderado reciclagem); 17,4% foram incinerados;
e a grande maioria (57,8%) seguiu para aterro.
No caso do plástico, os valores de reciclagem
não só não aumentaram como diminuíram
um ponto percentual face a 2018 (para os 11%).
Ainda assim, a manter-se o ritmo atual, o país
está longe de conseguir alcançar as metas que
a União Europeia traçou até 2035.
Para Carmen Lima, coordenadora do Centro
de Informação de Resíduos da Quercus, “a
reciclagem começa pela participação de todos:
de quem separa o lixo em casa, de quem o se-
para no Ecocentro, dos recicladores, de quem
incorpora a matéria-prima reciclada em novos
materiais e do consumidor final”. Em todas
estas fases, garante, há problemas.
Um dos primeiros obstáculos é, desde logo,
o financiamento. O processo de reciclagem é
custeado, em grande parte, pela taxa aplicada
por tonelada às empresas que produzem emba-
lagens (ecovalor), mas o montante é demasiado
baixo, o que faz com que o orçamento não seja
suficiente. “Não suporta os custos necessários
nem permite uma aposta maior em tecnologia
que facilitaria o aumento das percentagens de
reciclagem”, explica Rui Berkemeier, enge-
nheiro ambiental e colaborador da associação
ambientalista Zero na área dos resíduos.
Além de o valor ser baixo, nem sequer é pago
por muitas empresas. De 1 milhão e 250 mil to-
neladas de embalagens que aparecem no lixo,
apenas 700 mil pagam o devido imposto, o que
se traduz num “buraco” de dezenas de milhões
de euros, que diminui a eficácia da reciclagem.
O desconhecimento aliado à pouca cons-
ciencialização ambiental de muitos cidadãos
também não ajuda. “As pessoas pensam que
mandamos tudo junto para dentro do carro
do lixo. Isso é um mito. Cada circuito tem
dias específicos. Vejo mais gente com vontade
de fazer bem a reciclagem, mas fazem-na de
forma errada: colocam vidros de janelas e es-
pelhos no vidrão, caixas de pizza com gordura
no papelão e plástico que não é embalagem
no embalão”, afirma Bruno Lucas, motorista
de pesados e manobrador de grua da Cascais
Ambiente.
Nos Centros de Triagem é mais do mesmo:
“Continua a existir um conceito errado de
como reciclar. Chegam para-choques, esto-
res, computadores. Não é por estes materiais
terem componentes de plástico que devem
ir para o contentor amarelo”, refere Nuno
Simões, diretor do Ecoparque de Trajouce,
em Cascais. A culpa nem sempre é dos cida-
dãos. “Muitos destes materiais não cabem no
Ecoponto. Há muitos operadores de recolha a
fazer mal o seu trabalho”, diz.
O material indevidamente colocado nos Eco-
pontos é considerado ‘contaminante’ e prejudi-
ca a eficácia dos Centros de Triagem, pois estes
têm de calcular o rácio entre energia gasta e
mão de obra para poderem triar materiais sem
comprometerem o seu equilíbrio económico.
O problema, porém, está longe de se resumir
Expresso, 24 de o
ao desconhecimento. Por interesses econó-
micos, há materiais que não chegam sequer
aos Centros de Triagem, sobretudo no caso
do papel. “Há uma indústria paralela que ali-
cia os comerciantes para não depositarem
as embalagens nos Ecopontos, mas sim para
as venderem diretamente a ‘sucateiros’, que
também passaram a negociar e a operar neste
ramo. Sempre que o valor do papel está em alta
no mercado notamos que nos chega menos
material”, denuncia o diretor do Ecoparque
de Trajouce.
De granadas a animais mortos
A jusante do processo encontram-se os recicla-
dores. Compram a matéria-prima em leilões,
mas nunca sabem em que condições lhes chega
o material, daí todos terem um sistema de tria-
gem próprio. “Junto com o papel pode chegar
um bocadinho de tudo, desde plásticos a capas
de telemóvel ou embalagens de iogurte. Os
agentes poluentes obrigam a ter um sistema
de crivagem muito rigoroso, porque qualquer
partícula de plástico — ou de outro material —
misturado com a pasta reciclada traduz-se, na
fabricação do papel, num buraco”, explica Luís
Saramago, diretor de marketing da Renova.
Ricardo Diogo, administrador da Ambigroup,
empresa de reciclagem de metais, plástico e
tratamento de resíduos elétricos e eletrónicos,
assegura que “as embalagens que vêm da reco-
lha seletiva estão, regra geral, num estado acei-
tável de contaminação”. O problema está no
que chega pela via do lixo indiferenciado, que é
separado num Sistema de Triagem Mecânico e
Biológico. “Traz lixo orgânico agarrado, e nem
sempre esses centros possuem o equipamento
adequado.”
À Maltha, empresa que limpa o vidro para a
indústria vidreira, já chegou um pouco de tudo:
“Os camiões chegam cheios de vidro contami-
nado. Já aqui tivemos granadas, morteiros e
até animais mortos que nos param a fábrica”,
revela José Oliveira, gestor fabril.
Não é por acaso que o vidro é o resíduo que
aparece mais contaminado. A lógica economi-
outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 21

AMBIENTE
INVESTIGAÇÃO

cista subjacente à reciclagem prevê a atribuição

Como fazer a reciclagem de valor à recuperação de cada material. Os cál-
do lixo de casa corretamente culos fazem-se ao peso por tonelada: €21 para
o vidro, €29 o alumínio, €120 o papel e cartão,
€201 o aço e €203 o plástico. “É na não atribu-
ição de valor aos materiais que reside a incons-
tância da forma como são geridos e tratados”,
diz o responsável da Ambigroup Reciclagem.
Nuno Simões, diretor do Ecoparque de Trajou-
ce, confirma: “O vidro é um fluxo que segue de
uma forma muito crua para o reciclador. Se o
produto tivesse um valor superior financiado
pelo Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos,
VIDRO PLÁSTICO E METAL PAPEL E CARTÃO seria possível ser triado. Assim não nos restam
muitas opções.”
3 Garrafas 3 Embalagens de plástico 3 Caixa de cartão
3 Frascos 3 Pacotes de bebidas 3 Revista
3 Boiões 3 Latas 3 Jornais Nós, os ‘ecopatetas’
3 Sacos de plástico 3 Papel de escrita e impressão Ao não reciclar, cada cidadão está a contribuir
NÃO DEPOSITAR 3 Tabuleiros em esferovite 3 Embalagens de cartão para o aumento da percentagem de resíduos
3 Embalagens de detergentes de bolachas
7 Loiças e cerâmicas encaminhados para incineração e aterro, obri-
3 Copos de iogurte gando o município correspondente a ter de
7 Sacos de plástico
3 Garrafas de azeite NÃO DEPOSITAR pagar uma taxa. “O dinheiro que poderia ser
7 Vidro plano e janelas
7 Cristais e espelhos 7 Papel vegetal canalizado para ações de sensibilização ambien-
NÃO DEPOSITAR 7 Papel sujo tal é gasto assim. Acabamos todos por pagar na
7 Lâmpadas
7 Frascos de medicamentos 7 Papel e cartão 7 Produtos tóxicos fatura da água a nossa inconsciência coletiva”,
7 Pilhas 7 Papel plastificado afirma Carmen Lima, coordenadora do centro
7 Eletrodomésticos 7 Copos de papel de informação de resíduos da Quercus.
7 Outros plásticos 7 Sacos de plásticos No mês passado, as penalizações no envio de
que não embalagens 7 Fraldas lixo para incineradoras ou aterros duplicaram,
7 Autocolantes mas os valores continuam a ser muito baixos:
por tonelada, é cobrado apenas €5,5 no pri-
meiro caso e €22 no segundo. “Ao existirem
taxas mais elevadas nestes destinos, deixará de
RECICLAGEM POR TIPO DE RESÍDUO QUANTIDADE DE LIXO existir o fomento destas soluções”, defende o
Em % PRODUZIDO POR PESSOA/ANO engenheiro ambiental Rui Berkemeier.
O maior risco nos aterros sanitários é a de-
2018 2019 composição dos resíduos orgânicos. Caso não
sejam retirados à cabeça, libertam gás metano
48 e de efeitos de estufa para a atmosfera 21 vezes
45 superior ao dióxido de carbono. Na incineração,
os resíduos são queimados e transformados em
33 energia. Porém, desperdiçam-se materiais reci-
29 511 KG cláveis, e queimar plástico liberta CO2 fóssil. É o
mesmo que queimar petróleo ou carvão.
(1,4 KG DIÁRIOS)
“Somos ‘ecopatetas’. Andamos a contribuir
14 para a criação de fluxos alternativos de lixo que
11 acabam queimados em lixeiras a céu aberto ou
a boiar em rios e mares. A única forma de levar
VALOR TOTAL DO água ao moinho de toda a gente envolvida na re-
NEGÓCIO DO LIXO ciclagem é atribuir valor à matéria-prima”, expli-
PLÁSTICO VIDRO PAPEL Resíduos urbanos
E METAL E CARTÃO ca o administrador da Ambigroup Reciclagem.
Num contexto de alterações climáticas, ainda
se aguarda a fórmula mágica: soluções perfeitas
não existem e, segundo Inês dos Santos Costa,
O QUE PORTUGAL RECICLOU secretária de Estado do Ambiente, “eram para
EM RESÍDUOS URBANOS terem sido tomadas há 20 anos”.
Em % MAIS DE A associação ambientalista Zero enviou, no
início de maio, para o Ministério do Ambiente
58,3
61,1*
2018
(21,3% da totalidade)
500 MILHÕES uma proposta com medidas que permitirão
DE EUROS POR ANO criar nos próximos anos mais de 5 mil pos-
2019 (RECOLHA E TRATAMENTO) tos de trabalho diretos e permanentes neste
(21,5% da totalidade) sector. Para isso, é necessário investimento
para que a indústria absorva mais matéria re-
METAS EUROPEIAS PARA 2025 ciclada com o mínimo de energia dispensada e
16 17,4 não tanta matéria em estado virgem. O futuro
2025 2030 2035 passa pelo sistema de recolha porta a porta, já
com resultados positivos em algumas cidades,
ATERRO INCINERAÇÃO 55% 60% 65% e por premiar comportamentos corretos. Só
assim, dizem os especialistas, deixaremos de
* 57,8% do aterro e 3,3% da “valorização” ser ‘ecopatetas’.
FONTES: AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE; RELATÓRIO ANUAL DE RESÍDUOS URBANOS 2018/2019; FICHAS INDIVIDUAIS POR SGRU jcpinto@expresso.impresa.pt

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PT/RECICLAGEM2020
22 PRIMEIRO CADERNO
EDUCAÇÃO
Com cada vez mais turmas em
isolamento voltam as aulas online
Experiência do passado ano letivo ajudou a preparar soluções de ensino à distância
Texto Isabel Leiria
Foto Tiago Miranda
Numa escola onde as turmas
estão no limite máximo e as
carteiras têm mesmo de aco-
lher dois alunos — sem o re-
comendado afastamento de
metro e meio —, a sala onde
Deolinda Marques dá aulas é
das poucas onde a falta de espa-
ço não é um problema por estes
dias. Sentada na sua secretária
na Secundária da Portela, em
Loures, tem à sua frente 14 me-
sas vazias e ao lado um quadro
em branco. Os alunos daquela
turma do 11º ano estão desde o
dia anterior em casa, a cumprir
isolamento por ter surgido um
caso positivo no grupo.
Nas próximas duas semanas
será assim que Deolinda Mar-
ques vai dar Matemática Apli-
cada às Ciências Sociais. Numa
sala vazia, debruçada sobre o
tablet onde vai escrevendo os
exercícios e a ver os alunos em
janelas do Zoom. “Quem tem,
ligue as câmaras”, vai pedindo
ao aperceber-se de que há de-
masiados quadrados a negro.
Ao fim de um mês de aulas, foi
como se a professora regressas-
se ao passado ano letivo, quando
o ensino passou a ser à distân-
cia. Com duas diferenças. De-
olinda está na escola, porque é
também lá que estão as suas ou-
tras turmas. E as permanências
em casa estão agora reduzidas
a períodos de 14 dias, ao fim dos
quais, se tudo correr bem, os
alunos regressam. Ainda assim,
avisa, este também não vai ser
um ano em pleno, provavelmen-
te para a maioria dos alunos. Ao
fim de poucas semanas, já há
estudantes que perderam vá-
rias aulas presenciais. Uns por
terem indicação para isolamen-
to, outros porque ficaram em
casa por precaução, por esta-
rem simplesmente constipados
numa altura em que todos os
cuidados são necessários. “Os
desfasamentos que vai haver,
sobretudo em disciplinas com
exames, preocupam-me”, diz.
Noutra sala, António Cara-
pinha prepara-se igualmente
para dar um novo modelo de
aula. À sua frente, o professor de
Geometria Descritiva terá nove
alunos de uma turma e no ecrã
do computador mais dez de ou-
tra que está em isolamento. “Tu
ficas aí confinado entre o qua-
dro e a mesa (onde foi colocada
uma câmara que filma a aula e
transmite para casa)”, brinca a
subdiretora, enquanto ajuda a
fazer os testes de som e imagem.
De norte a sul, em cada vez
mais escolas é esta a nova ro-
tina, com idas para casa, à vez,
de alunos, turmas, professores,
funcionários. Tenta-se evitar ao
máximo o fecho da escola e tudo
o que correu mal no ano passa-
do, desde o acentuar das desi-
gualdades entre quem tem e não
tem computador, internet de
alta velocidade e pais a ajudar,
até às dificuldades de garantir
a aprendizagem e motivação de
quem está à distância. Mas, em
última instância, é a evolução
da epidemia que é decisiva. Na
sexta-feira e devido ao cresci-
mento de surtos em Vila Viçosa
e Borba, as autoridades de saúde
determinaram o fecho temporá-
rio de todas as escolas dos dois
concelhos. Os alunos passam
todos para o ensino à distância.
Ainda faltam computadores
“Claro que não é a mesma coi-
sa ensinar alunos que estão à
nossa frente ou que estão em
casa. No meu caso, só posso
usar os desenhos projetados.
Se todos estivessem aqui podia
simular com um objeto real na
mão”, exemplifica o professor
de Geometria Descritiva, an-
tes de dar ordem de entrada.
Uns entram pela porta; outros
pelo ecrã do computador. “Pes-
soal aí de casa, há dúvidas?”,
vai perguntando. “O objetivo
é tentar que todos tenham as
mesmas condições.”
Com 2700 alunos em todo o
Agrupamento e alguns a não
terem acesso aos equipamen-
tos necessários ao ensino à
distância, foi a associação de
pais a lançar uma campanha de
angariação de fundos e a con-
seguir em dias €14 mil para a
compra de mais de 100 tablets
e computadores. A autarquia
ajudou na compra de acessos
de internet e câmaras para usar
nos computadores, conta o di-
retor, Nuno Reis.
Quanto à entrega de equipa-
mentos a todos os alunos do
país, que chegou a ser prome-
tida pelo Governo para setem-
bro, está agora previsto que
os primeiros computadores,
para alunos mais carenciados,
cheguem na primeira quinzena
de novembro.
Pais e diretores em stresse
Na Secundária Manuel Car-
galeiro, no Seixal, foi necessá-
rio recorrer ao orçamento da
escola para comprar câmaras
para acoplar aos computadores
velhinhos da escola e transmitir
assim as aulas para casa. “Fe-
lizmente, até agora apenas um
ou dois professores tiveram ne-
cessidade de o fazer. E damos o
apoio necessário com recurso
às plataformas que já usámos
no ano passado, colocando lá
10 OU 14 DIAS?
Caso positivo
Os infetados sem sintomas
ou com sintomas ligeiros
podem deixar o isolamento
ao fim de 10 dias, sem
necessidade de realizar novo
teste, desde que não tenham
febre durante três dias
consecutivos. Antes só
tinham alta ao fim de 14 dias,
mas a DGS atualizou a
norma, que vale para todas
as situações, incluindo para a
comunidade escolar.
Contactos de casos
Uma pessoa que tenha tido
uma exposição de alto risco
materiais e fichas para irem re-
alizando”, descreve a diretora,
Maria de Lurdes Ribeiro.
Se o último ano letivo teve
alguma coisa de positivo foi o
facto de ter permitido aos pro-
fessores treinarem métodos
de ensino à distância e famili-
arizarem-se com aulas online.
Quanto aos alunos, voltaram
este ano a mostrar a sua capa-
cidade de adaptação: às novas
regras em sala de aula, nos re-
creios, à entrada e saída ou à
hora da refeição. “Aqui dentro,
a maioria cumpre as regras. O
problema é que quando saem
começam logo a tirar as másca-
ras”, lamenta a diretora.
Já para muitos pais, o regres-
so dos filhos à escola tem sido
mais complicado. “Estão muitos
ansiosos e que querem esclare-
cimentos. É natural”, reconhece
Maria de Lurdes Ribeiro. A ex-
periência é partilhada pelo dire-
tor do Agrupamento da Portela,
que fala num ano a correr razo-
avelmente bem até agora, mas
com doses acrescidas de stresse
diário: “São muitos telefone-
mas, muitos e-mails dos pais
com dúvidas e também muitos
boatos a correr.” Ali, optou-se
por fazer uma informação se-
a um infetado tem de ficar
em isolamento durante 14
dias. A necessidade de fazer
teste “pode ser considerada”
pelas autoridades de saúde”,
sobretudo em casos de
exposição prolongada e
“espaços fechados e pouco
ventilados”.
Número de surtos
Segundo a DGS, quarta-feira
havia 49 surtos em
estabelecimentos de ensino,
com um total de 449 casos,
num universo de oito mil
escolas e 1,6 milhões de alunos
do pré-escolar ao secundário.
Expresso, 24 de outubro de 2020
Na Secundária da Portela,
uma turma entrou em
isolamento esta semana
e os professores vão
ter de voltar a dar as
aulas por computador
manal para os encarregados de
educação ficarem a saber quan-
tos professores e funcionários
faltam e ainda uma espécie de
balanço epidemiológico. “Neste
agrupamento, há cerca de 70
alunos em isolamento, dos quais
15 por terem testado positivo
ou terem familiares infetados
e os restantes por integrarem
turmas em que houve um caso
positivo. Temos o compromisso
da delegada de saúde de que
todos serão testados”, refere a
informação desta semana.
“Nada de sair à rua!”
A questão da comunicação en-
tre a escola e os pais tem sido
uma das preocupações neste
início de ano letivo. No Agru-
pamento Rainha Dona Leonor,
em Lisboa, registaram-se já ca-
sos nas várias escolas, originan-
do queixas e dúvidas entre os
encarregados de educação. Ou
por demora nas orientações das
autoridades de saúde ou por-
que as alternativas de ensino
não foram logo garantidas ou
foram diferentes entre escolas.
Uma turma do 3º ano foi para
isolamento por haver um caso
positivo entre os alunos, mas
quando terminou esse período
algumas crianças mantiveram-
-se em casa, ao aperceberem-se
que a professora tinha adiado
o regresso por estar com sinto-
mas. Os que voltaram tiveram
aulas com os docentes de apoio;
os que não voltaram continua-
ram com as aulas online com a
sua professora. “As escolas têm
de ser capazes de garantir um
sistema misto, em que uns alu-
nos aprendem em casa, outros
na escola, mas acedendo aos
mesmos conteúdos”, argumen-
ta uma mãe. A direção garante,
por seu turno, que a todos os
estudantes é garantido apoio.
Na Portela e enquanto a turma
ainda em isolamento aguarda
autorização para voltar, fica a
despedida e o aviso da professo-
ra Deolinda: “Beijinhos, até se-
gunda-feira e nada de sair à rua.”
ileiria@expresso.impresa.pt
BREVES
TELESCOLA VISTA POR
DUAS MIL PESSOAS
RTP MEMÓRIA As aulas voltaram
este ano letivo à televisão, com
conteúdos novos (Cidadania e
Desenvolvimento) e uma equi-
pa de 40 professores em full
time. Mas com as escolas aber-
tas e uma minoria de alunos a
irem para casa em isolamento,
por infeção ou contacto com
casos positivos, as audiências
não são comparáveis com as de
2019/20 (superaram mesmo os
100 mil telespetadores diários).
Esta semana, uma média diária
de 2 mil pessoas viram a RTP
Memória (share de 0,1%).
9
anos de prisão para
Sara Furtado, a mãe que
abandonou o recém-nascido
num ecoponto em Santa
Apolónia (Lisboa), em
novembro de 2019. O tribunal
considerou que a mulher agiu
de forma premeditada para
causar a morte do bebé e
condenou-a por homicídio
qualificado na forma tentada.
No julgamento, Sara
confessou que deitou o bebé
no lixo não para se desfazer
dele, mas com a intenção
de que fosse encontrado.
POPULAÇÃO DE
LINCES A CRESCER
BIODIVERSIDADE A reprodução
de lince-ibérico no vale do Gua-
diana vai de vento em popa.
Segundo o censo de 2019 do
Instituto de Conservação da Na-
tureza e das Florestas, deambu-
lam pelos montes alentejanos
107 exemplares da espécie,
dos quais 46 crias nascidas na
primavera de 2019. Os dados
indicam também que a taxa de
reprodução está a ter mais su-
cesso em Portugal do que em
Espanha, fruto da abundância
de alimento e da tranquilidade
do habitat.
PRÉMIO O projeto “FLAW-
4LIFE — Espalhar a fruta feia
contra o desperdício alimen-
tar” venceu o prémio Life Am-
biente da União Europeia e
o da votação do público. Em
meia dúzia de anos, a coope-
rativa Fruta Feia conseguiu
evitar que 2500 toneladas de
fruta e legumes acabassem
no lixo e poupar, por sema-
na, 16.054 m3 de água, 20.975
kW/h de energia e a emissão
de 13.021 kg de CO2.
CARRILHO VOLTA
A SER ABSOLVIDO
JUSTIÇA Manuel Maria Carri-
lho voltou a ser absolvido do
crime de violência doméstica
contra a apresentadora Bárba-
ra Guimarães. Os factos foram
dados como “não provados”
pelo Tribunal Criminal de Lis-
boa. “Fui três vezes acusado e
três vezes absolvido”, declarou
o ex-ministro da Cultura. Em
dezembro de 2019, o Tribunal
da Relação de Lisboa mandou
reabrir o caso, aceitando um
recurso do Ministério Público.
A apresentadora vai recorrer.
Expresso, 24 de outubro de 2020
SEGURANÇA
Covid-19 e crise
travam queixas de
violência doméstica
PSP e GNR registam menos um milhar de denúncias.
APAV diz que vítimas estão a adiar rutura por medo
Hugo Franco
e Raquel Moleiro
As queixas por violência domés-
tica começaram o ano acima da
média, como se o alerta de 2019,
especialmente negro em homi-
cídios e alarme social, tivesse
transitado de calendário. Mas
a pandemia depressa travou as
denúncias, reduzindo-as a mí-
nimos históricos (quase menos
25% em março e abril), e nem o
fim do confinamento incentivou
as vítimas a pedir ajuda. Os nú-
meros subiram em ‘liberdade’,
mas sem o esperado boom de
casos que os colocasse ao nível
ou acima dos anos anteriores.
Segundo os dados fornecidos ao
Expresso pela PSP e GNR, até
ao fim de agosto foram recebi-
das menos 977 queixas (-4,8%),
num total de 19037. No ano
passado, por esta altura, já se ti-
nham ultrapassado as vinte mil.
“É um ano completamente atí-
pico, sem paralelo. Mas nunca
podemos dizer que a violência
doméstica diminuiu. Acredito
até que a cifra negra, os casos
que nunca chegam às autorida-
des, é muito elevada este ano”,
revela Daniel Cotrim, psicólo-
go e porta-voz da Associação
de Apoio à Vítima (APAV). E a
explicação está no medo, na en-
trada das vítimas em modo de
sobrevivência. “Esta não é uma
altura para avançar com ruturas:
além da incerteza da covid-19,
do medo de expor por exemplo
os filhos ao vírus, há uma crise
económica, com desemprego,
lay-off, e as mulheres, que são
a maioria das vítimas, ficam
especialmente vulneráveis em
períodos de recessão. Por isso re-
traem-se na altura de denunciar
o agressor, adiam, não seguem
em frente, perdem prioridade
face ao resto”, explica.
Para esta diminuição anual
das queixas contribuíram prin-
cipalmente os meses do confina-
mento. Os dados conjuntos da
PSP e GNR revelam uma queda
abrupta de 24% dos casos re-
portados às autoridades pelas
vítimas durante os três períodos
do estado de emergência, entre
22 de março a 2 de maio: foram
menos 1213 denúncias.
O intendente Hugo Guinote,
coordenador nacional do poli-
ciamento de proximidade da
PSP, acredita que houve de facto
menos casos de violência do-
méstica no período do estado de
emergência, e não só um menor
número de queixas por incapaci-
dade das vítimas em pedir ajuda.
No seu entender, o confinamen-
to facilitou o controlo do agres-
sor sobre a vítima — a mulher
não ia trabalhar nem sair com
amigas, como acontecia noutras
alturas —, reduzindo os conflitos.
“Estes agressores vivem num
ambiente mental de profunda
insegurança, exercendo grande
domínio em relação à vítima. E
este período permitiu-lhes am-
pliar esse controlo”, explica.
Menos casos nos hospitais
A sua crença na diminuição
das agressões assenta também
nos números dos meses pós-
-emergência. “Ao contrário
da possibilidade considerada
de o confinamento poder ter
servido para dissimular prá-
ticas de violência, o regresso
192 8219 290
armas de fogo apreendidas
cautelarmente pela PSP
em contexto de
violência doméstica, após
avaliação de risco
à (quase) normalidade não se
materializou num acréscimo de
denúncias”, frisa a PSP. Aliás,
junho foi o único mês em que
esta autoridade recebeu mais
queixas do que no ano anteri-
or. Julho, agosto e setembro já
foram de quebra. Outro fator
que, na opinião de Hugo Gui-
note, comprova a diminuição
de casos é a “descida em 60%”
nos internamentos hospitalares
relacionados com a violência
doméstica, mesmo sabendo que
parte não terá ido às urgências
por medo da covid-19.
menores sinalizados pela
PSP à CPCJ (30 por dia),
de janeiro a setembro. Até
agosto, a GNR identificou
268 vítimas menores
Há porém uma disparidade
entre os dados das duas forças,
sendo o decréscimo das quei-
xas bastante mais acentuado
na zona de intervenção da PSP
(menos 944) — mais citadina
— do que da GNR (33), que ape-
nas viu descer as denúncias em
março e abril. A PSP refere que
na sua área de jurisdição caí-
ram sobretudo as ocorrências
de violência conjugal (entre
cônjuges e ex-cônjuges) e de
violência psicológica, habitu-
almente relacionadas com a
regulação do poder paternal.
PRIMEIRO CADERNO 23
agressores detidos pela
PSP entre março e outubro,
menos 32% em relação a
2019. A GNR deteve até
agosto 131 pessoas (-37%)
Com o número de infeções
diárias a bater recordes, a cri-
se a agudizar-se e as primei-
ras limitações à circulação a
ressurgirem, não é de esperar
uma inversão dos números no
último trimestre do ano. “Mais
uma vez apelamos à responsa-
bilidade dos vizinhos para que
denunciem as situações de vio-
lência”, pede a APAV. Com as
redes laborais e familiares cada
vez mais partidas, é deles a voz
de socorro que pode substituir
a da vítima.
hfranco@expresso.impresa.pt
24 PRIMEIRO CADERNO
EUA
2020
“Querem
expulsar Deus
deste país!”
O Expresso acompanhou o último debate das
presidenciais em Nashville, entre apoiantes de Donald
Trump. O tom foi mais cordato do que no anterior,
o conteúdo não forçosamente estimulante
Pedro Cordeiro
Enviado aos EUA
“Correu bem.” O veredicto de
Herbie, apoiante de Donald
Trump, é emitido com iguais do-
ses de alívio e entusiasmo, após
o último debate das presiden-
ciais em Nashville, Tennessee.
Durante hora e meia o jovem
afro-americano e dezenas de
outros apoiantes viram o candi-
dato republicano discutir com o
democrata Joe Biden um rol de
assuntos que ia das alterações
climáticas ao salário mínimo,
passando pelo desemprego ou
pela omnipresente pandemia.
“Trump esteve melhor e, sendo
certo que podemos gostar ou não
da sua pessoa, é quem vai dar-
-nos mais oportunidades”, diz ao
Expresso, no recinto Rockefest.
Herbie nasceu “em meios difí-
ceis”, pelo que aprecia o discur-
so da “lei e ordem” que o chefe
de Estado adotou em meses re-
centes, enquanto brotavam pelo
país protestos contra a violência
racista. E assegura ao Expres-
so que, embora reconhecendo
os feitos de Barack Obama, o
anterior Presidente “foi mais
esperança do que ação”. “Foi
bom ele ter sido o primeiro Pre-
sidente negro, mas eu queria
era que tivesse criado hipóteses
de algum outro rapazinho preto
chegar à Casa Branca, e não foi
o que aconteceu”, conclui.
É um dos mais aguerridos
trumpistas esta noite, numa sala
de eventos a poucos quarteirões
da Universidade de Belmont,
onde se realiza o debate. O pú-
blico desfaz-se em aplausos e ur-
ros a cada ataque presidencial a
Biden e em trejeitos indignados
quando esse diz algo mais cáus-
tico para o chefe de Estado. Há
quem se levante e lance impro-
périos. Antes do debate propri-
amente dito falam convidados,
vários deles presença assídua na
Fox New, que é o único órgão de
comunicação social autorizado a
entrar no recinto Rockefest, no
centro da capital do Tennessee.
Pretende-se uma assistência pa-
cífica mas excitada.
Pouca diferença faz, para o
efeito, que a organização de de-
bate tenha decidido desligar o
microfone de cada candidato
durante os dois minutos iniciais
exclusivos de cada um, em cada
assunto. Isso impede as inter-
rupções constantes que torna-
ram o primeiro debate dificil-
mente suportável, mas só em
palco. Na plateia do Rocketown
pululam as interjeições.
Via para o comunismo
“Odeiam estar de máscara? Se
Biden ganhar isso nunca volta
atrás. É Biden e depois Kamala, o
socialismo como via para o comu-
nismo. E quando se entra nessa
via nunca se sai”, dizia, do palco,
a jornalista Tomi Lahren, da Fox
News, antes do debate. “Todas as
más ideias deste país vieram da
Califórnia”, garante, referindo o
estado de onde vem a senadora
Kamala Harris. “Foi lá que come-
çaram com os confinamentos.”
Sobre o antigo vice-presidente
de Barack Obama, Lahren insi-
nua sem base que este tem um
auricular para lhe ditarem as res-
postas do debate. Fala ainda, em
tom messiânico o músico John
Rich, estrela do country, género
de que Nashville é uma espécie de
capital: “Querem expulsar Deus
deste país!” E ainda um branco,
um chinês “que já viveu num país
socialista” e uma jurista negra
que “não precisou de discrimina-
ção positiva para subir na vida”.
O presidente aposta na vacina
contra a covid-19, que, promete,
estará pronta “dentro de sema-
nas”. Refere a medicação expe-
rimental que lhe terá sido admi-
nistrada, diz-se imune e exorta
os americanos a aprenderem
a viver com o coronavírus. Vai
intercalando com autoelogios.
Biden não crê que a generali-
dade dos concidadãos possa
Expresso, 24 de outubro de 2020
FOTO JONATHAN ERNST/REUTERS
ser imunizada antes de meio de
2022 mas Trump dá a volta ao
Reportagem No Ohio pergunta-se o que mais
tema, o mais tóxico para as suas poderá acontecer, depois do definhamento económico
metas eleitorais, ao alegar que
Biden se prepara para instituir e social de décadas. O Expresso acompanha várias famílias
mais fechos obrigatórios, lesivos
para a economia. Igual tática no
no leste daquele estado desde 2016, ano em que chocaram
tocante ao ambiente: os planos a América, oscilando de Obama para Trump.
verdes de Trump farão afundar
empresas em estados como Te-
Hoje, mais uma vez, são um eleitorado decisivo
xas, Carolina do Norte e Ohio,
Quando a
industriais ou dependentes de
energias fósseis, que por acaso
são estados disputados e de peso
nas eleições de 3 de novembro.
pandemia
Ainda o filho de Biden
No recinto onde o Expresso as-
sistiu ao debate a parafernália
de campanha era abundante.
Crachás, cartazes e autocolan-
tes gratuitos, a comparar quem
apoia o controlo das armas a
ditadores como Kim Jong-un,
Fidel Castro ou Mao Tsé-Tung.
Para os trumpistas, impostos
é “só mais uma
dor de cabeça”
são extorsão. Há um rapaz com
uma camisola da campanha de
Ronald Reagan e George H. W.
Bush de 1984, mas tem ar de
quem nasceu bem depois disso.
Aqueles a quem é passado o
microfone zurzem no politica-
mente correto. Zurzem tam-
bém em Biden. O Presidente diz
que este ganhou milhões russos
e chineses, coisa que o ex-vice
nega, devolvendo a insinuação.
Trump fala dos negócios de
Hunter Biden (filho de Joe) e de
mais uns parentes. Quando tais
ânimos despertam o encontro
perde interesse e pouco ou nada
esclarece.
Moderado com disciplina por
Kristen Welker (NBC News),
este debate pode não mudar
umas eleições em que milhões
já votaram, mas se há regra de-
mocrática a não perder de vista
é que o que contam são boletins
e não impressões. Restam dez
dias para enfiá-los na urna com
a cruz no lado certo, esperando
que sejam contados.
pcordeiro@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020
Ricardo Lourenço
U
Correspondente nos EUA
ma camioneta preta
de caixa aberta, com
insígnia do Exército,
atravessa em veloci-
dade moderada o cen-
tro da cidade de War-
ren, Ohio. A buzina
rouca mal funciona,
a ver pelo esforço do
condutor da relíquia, que lidera uma
caravana de apoio ao Presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump.
Com a chegada da multidão, exorta-se
o candidato republicano às presidenciais
de 3 de novembro e insulta-se os que
circulam nos passeios com máscara no
rosto. “O Governo não me manda tapar
a cara”, avisa Daniel Sell, passageiro do
último veículo.
Sentado no lugar do pendura, ostenta
um boné vermelho com o slogan “Make
America Great Again” e uma metralha-
dora semiautomática, cujo cano repousa
na janela semiaberta. “Comboio Trump
a passar! Comboio Trump a passar!”,
anuncia.
Dan Moore, um democrata que votou
em Trump em 2016 e promete fazê-
-lo de novo, ignora-os. “São os Sell e os
amigos”, diz ao Expresso num tom de
voz abafado pela máscara de pano, que a
mulher, Lisa, fabrica em série. “É gente
difícil de aturar.”
A rebelião de Dan e de muitos outros
locais contra os partidos políticos —
Trump ainda é visto como antissistema
— torna-se autoexplicativa quando se
circula por aquelas paragens. Os “brown
fields”, campos extensos outrora ocupa-
dos pela indústria pesada, permanecem
impróprios para cultivo dada a contami-
nação em massa dos solos, enquanto os
esventrados complexos fabris continu-
am ao abandono. As pequenas cidades,
como Newton Falls, Niles, Lordstown a
até mesmo Warren, que formam uma
teia de humanidade no meio do nada,
minguam com a passagem do tempo.
Bill Almashy, outro daqueles revol-
tosos, repete a cronologia da agonia:
“Reagan destruiu os sindicatos. Clinton
firmou o acordo de comércio NAFTA
que ditou a deslocalização das empresas
americanas. George W. Bush gastou cin-
co biliões de dólares em guerras. Obama
prometeu mudança, mas nada.”
Tamanho ressentimento permanece
uma incógnita para as metrópoles cos-
teiras, quatro anos depois da eleição de
Trump. Sinal da indiferença, o centro
da América ganhou o rótulo de “terra
de passagem” (“fly by country”). Porém,
recorrendo a outra expressão típica, o
miolo do país “é tão americano como a
tarte de maçã” (“as american as apple
pie”). “O seu desconhecimento é fatal”,
explica Kyle Kondik, professor de Ciên-
cia Política, na Universidade estadual
do Ohio. “Aliena as populações nativas
e propaga a ignorância no resto do país,
cavando um fosso cada vez mais profun-
do entre as duas Américas.”
O fundador do Facebook, Mark Zuc-
kerberg, mantém-se atento a esta rea-
lidade desde que visitou há três anos a
casa dos Moore, em Newton Falls. “Via
assessores, pergunta como estamos e
preocupa-se com as nossas queixas”,
revela Lisa. “Talvez esteja a pensar em
concorrer em 2024.”
A chegada da pandemia agudizou o
trauma socioeconómico e espicaçou a
polarização política, ilustrada pelo corso
da família Sell. Desde março, no Ohio,
um em cada cinco trabalhadores caiu
no desemprego.
Dan foi um deles. Diabético, admite
cuidados redobrados devido ao novo
coronavírus, mas a perda de rendimento
preocupa-o tanto ou mais, pois a miséria
aperta o cerco — um terço da população
do condado onde reside, Thurnbull, vive
abaixo do limiar da pobreza. “A nos-
“OS ÚLTIMOS QUATRO
ANOS FORAM
DESTRUTIVOS PARA AS
FAMÍLIAS. FARTEI-ME
DE DISCUTIR”, DIZ DAN,
UM DEMOCRATA QUE
VOTOU EM TRUMP
sa comida vem do banco alimentar e o
dinheiro das nossas poupanças que se
destinariam à reforma. A pandemia é
só mais uma dor de cabeça”, desabafa.
Reconhecendo que a realidade piorou
nos últimos quatro anos, leva as mãos à
cabeça quando lhe perguntamos por-
que é que insiste no apoio a Trump. “A
pergunta é justa. Responderei depois
de mais umas voltas pela região (risos).”
“Trumplândia até morrer”
Na terça-feira de manhã, o Expresso
cruzou-se com Daniel Sell perto da sua
casa, onde existem seis placares com o
rosto do líder americano à entrada. Mal-
-encarado, declara apenas que “Trump
trará os empregos de volta”, o mesmo
argumento ouvido na campanha de
2016. “Aqui é Trumplândia até morrer.”
Um dos vizinhos, Matthew Moorhead,
mal acredita no que ouve. “É como se
voltassem aqueles arrepios no corpo
sempre que ouvia Trump”, recorda o
antigo operário da fábrica da General
Motors (GM) em Lordstown, encerrada
em agosto de 2019.
“Tenho 47 anos e o corpo rebentado
pelo trabalho repetitivo. Pensei em vol-
tar para a universidade, mas acabei por
convencer-me de que ninguém me con-
trataria”, acrescenta Matthew, que, até
final do ano passado, vivia de biscates.
A razão porque deixou de o fazer re-
laciona-se com a metamorfose da in-
dústria automóvel, espécie de alavanca
que poderá remover a região do buraco.
As instalações da GM foram vendidas
à Lordstown Motors, um fabricante de
pick-ups elétricas, veículos que estarão
na base da revolução do transporte fami-
liar americano. A luxuosa Tesla prevê o
lançamento da sua Cibertruck em finais
de 2021, altura em que os rivais de De-
troit, Rivian e Bollinger, já terão veículos
a circular.
No passado mês de agosto, o vice-pre-
sidente dos EUA, Mike Pence, visitou as
instalações e elogiou o projeto, nome-
adamente a criação de 300 empregos.
“Agradeço a deus a minha nova opor-
tunidade, mas Pence esqueceu-se de
que, aqui ao lado, desapareceram 5000
postos de trabalho só no último ano.”
Matthew refere-se à cidade de Niles,
onde, ao fim de semana, trabalha como
Apoiantes aguardam a chegada
do Presidente ao aeroporto
de Cleveland, no Ohio
FOTO JIM WATSON/AFP VIA GETTY IMAGES
voluntário para a campanha do candida-
to democrata, Joe Biden. Sabendo que
está em minoria, reconhece que “Biden
gera pouco entusiasmo”, mas lembra
que a razão da mobilização tem de ser
outra. “Sou um clássico moderado do
Midwest. O meu voto é anti-Trump.
Quero vê-lo fora da Casa Branca.”
Anti-Biden
Dan Moore compreende as razões de
queixa e, tal como prometeu, fundamen-
ta o apoio a Trump. “Biden votou a favor
do NAFTA, que destruiu o nosso modo
de vida. Depois disso, defendeu o TPP
(Acordo Transpacífico de Cooperação
Económica) que ameaçava ser pior. E
porque não falar da sua proposta para
acabar com o fracking (técnica de ex-
ploração de gás natural generalizada no
interior do país)?”
Tal como Hillary Clinton há quatro
anos, Biden também é olhado com des-
confiança — à hora de fecho desta edição,
os candidatos republicano e democrata
surgiam empatados no Ohio, segundo
a maioria das sondagens. “Se o voto do
Moorhead é um voto anti-Trump, o meu
é um voto anti-establishment e Biden é
um dos rostos desse mesmo grupo que
vive em Washington há décadas sem se
preocupar connosco.”
Seja qual for o resultado das presi-
denciais, Matthew, Dan e tantos outros
que conversaram com o Expresso ao
longo desta reportagem partilham a
esperança de que poderão suspirar de
alívio depois de 3 de novembro.
“Finda a campanha, teremos o re-
“BIDEN É UM
DOS ROSTOS
DESSE MESMO
GRUPO QUE VIVE
EM WASHINGTON
HÁ DÉCADAS”,
AFIRMA DAN MOORE
PRIMEIRO CADERNO 25
OHIO
O CAMINHO PARA A CASA
BRANCA PASSA PELO OHIO
^ Desde 1944 que os eleitores do
Ohio escolhem o candidato
vencedor, com apenas uma exceção,
Richard Nixon, que, em 1960,
perdeu para John F. Kennedy.
^ “Swing state” por excelência, o
estado muda de sentido de voto
dependendo do ciclo eleitoral.
Muitos dos que votaram Obama em
2012, optaram por Trump quatro
anos depois (ver exemplos
na reportagem).
^ Em 2016, Trump venceu com uma
vantagem de oito pontos
percentuais em relação à rival,
Hillary Clinton. Analistas e peritos
em sondagens acreditaram que o
território deixara de poder ser
disputado por democratas. Dois
anos depois, as eleições intercalares
provaram o contrário.
^ A taxa de popularidade de Trump
no Ohio (43%) assemelha-se à
nacional (42%). Porém, provando-
-se, mais uma vez, que o eleitorado
feminino mudou de ideias em
relação a 2016, 54% das locais
desaprovam o trabalho
do magnata.
gresso ao período pré-pandemónio po-
lítico. Precisamos de respirar”, anseia
Dan. “Sinto-me assoberbado. Os últimos
quatro anos foram destrutivos para as
famílias. Fartei-me de discutir. A minha
enteada (Kelly), que criei desde os três
anos, e o marido (Josh) quase que nos
deixaram de falar. Pelo meio cortaram
a amizade no Facebook.”
Recentemente, Dan e Lisa tentaram
uma reaproximação e visitaram Kelly
e Josh em Columbus, capital e cidade
mais populosa do Ohio. A saudade dos
netos pesou na decisão.
A viagem de duas horas de carro é
uma travessia entre dois universos com
mentalidades distintas. Kelly reconhece
que o meio condiciona a perspetiva da
vida. “Eu e o meu marido crescemos no
noroeste do Ohio. Há muitos racistas
por ali. Aqui em Columbus temos gente
de todos os lados. São pessoas iguais a
nós. É difícil entender isto quando vive-
mos isolados e a referência é a Fox News
(canal de notícias associado à agenda do
magnata nova-iorquino).”
Dan confirma que os dias passados
em Columbus fizeram bem à família.
“Vimos coisas educativas, como o filme
‘Just Mercy’ (drama sobre o racismo
endémico no Sul) e o documentário ‘13’
no Netflix. Aquilo do sistema privado
de prisões é uma vergonha. Não fazia
ideia.”
Kelly, uma engenheira química que
por esta altura investe a maioria do tem-
po no apoio aos dois filhos, de 5 e 8 anos,
por força do ensino virtual, solta uma
gargalhada quando lhe perguntamos
se pretende, igualmente, educar o pai.
“Vale a pena tentar...”
Depois de várias décadas de crise, eis
que este pedaço da América encontra-
-se de novo numa encruzilhada. Desta
vez, o desfecho poderá ser outro. A tal
retoma do sector automóvel a reboque
do investimento em veículos elétricos,
como o testemunhado em Lordstown,
e o regresso ao diálogo de famílias de-
savindas auguram um horizonte mais
luminoso.
À despedida, Dan confessa ter fé. “Da
próxima vez prometo que não sinto-
nizarei as três televisões na Fox News.
Aquelas coisas educativas da Kelly pu-
seram-me a pensar.”
rlourenco@expresso.impresa.pt
26 PRIMEIRO CADERNO
EUA
2020
Opinião
Politólogo escreve sobre as eleições
presidenciais nos EUA
Salamandras
Pedro
Magalhães
N
uma sondagem
da Gallup do ano
passado nos pa-
íses da OCDE,
59% dos america-
nos não tinham
confiança na ho-
nestidade das eleições. Na Fin-
lândia eram apenas 10%. Na
Turquia, 52%. Muitos estarão a
pensar que isto se deve à inter-
ferência russa nas eleições de
2016. Contudo, uma maioria
consistente dos americanos já
tem esta opinião pelo menos
desde 2012. A América não
é propriamente a Bielorrús-
sia. O que explica, numa das
democracias mais antigas do
mundo, o ceticismo da maioria
dos cidadãos em relação à inte-
gridade das suas eleições? Para
sabermos a resposta temos de
esquecer Trump e Biden por
uns momentos e olhar para ou-
tro nível da política americana:
os estados.
Ao contrário do que se su-
cede em muitas democracias,
onde a administração elei-
toral é feita por organismos
independentes ou com com-
posições politicamente equi-
libradas, a Federal Election
Commission americana tem
poderes limitados. São os “se-
cretários de Estado”, escolhi-
dos em eleições partidárias ou
designados pelo governador,
que controlam o recenseamen-
to e organizam as eleições, apli-
cando regras aprovadas pelas
câmaras dos representantes
e senados estaduais. Nalguns
casos, o governador, também
eleito diretamente, pode vetar
essas regras. Mas hoje em dia,
em 36 dos 50 estados norte-
-americanos, o governador e
as maiorias nas câmaras baixa
e alta são todos do mesmo par-
tido: Republicano em 21 casos
e Democrata em 15.
A consequência é que os
partidos dominantes em cada
estado aprovam e aplicam re-
gras eleitorais de acordo com
a sua conveniência. As filas
intermináveis de pessoas que
procuram votar antecipada-
mente ou no próprio dia que
vemos nas notícias não acon-
tecem só porque os eleitores
estão muito entusiasmados.
Acontecem também porque o
número de horas e locais dis-
poníveis para votar são estrate-
gicamente reduzidos nas zonas
onde há eleitores que tenderão
a votar contra quem está no
poder. E na ausência de recen-
seamento automático e de car-
tões de identificação emitidos
gratuitamente, as exigências
colocadas para que se possam
recensear e votar acabam por
depender também daquilo que
mais convém a quem manda.
Quanto maiores os requisitos
de identificação dos eleitores,
menor a participação dos mais
pobres e das minorias étnicas.
A tendência para o reforço des-
sas exigências acentuou-se nos
últimos anos em estados domi-
nados pelo Partido Republica-
no, com o previsível impacto
negativo nos resultados dos
democratas.
Depois temos o desenho dos
círculos eleitorais. Após cada
recenseamento da população,
é preciso determinar quantos
representantes são eleitos em
cada estado e as novas frontei-
ras dos círculos eleitorais que
vigorarão durante a década se-
guinte. Na maior parte dos ca-
sos, essa tarefa cabe aos órgãos
legislativos estaduais. O resul-
tado previsível é conhecido
pelo nome de gerrymandering.
Com a ajuda de dados políti-
cos e demográficos e sistemas
de informação geográfica, os
partidos no poder conseguem
fazer com que os eleitores do
partido da oposição sejam con-
centrados no menor número
possível de círculos, ao passo
que quem governa tenha maio-
rias, mesmo que apertadas, no
maior número possível de cír-
culos. O efeito pode ser estron-
doso. Nas últimas eleições para
a Câmara dos Representantes
em Maryland, o Partido Re-
publicano teve 32% dos votos
mas elegeu apenas 13% dos re-
presentantes. E no Wisconsin,
os democratas tiveram 53%
dos votos mas apenas 38% dos
representantes. Para combater
o fenómeno, uma minoria de
estados criou comissões inde-
pendentes encarregadas de re-
desenhar os círculos, mas nem
todas elas têm uma composi-
ção politicamente paritária ou
genuinamente independente.
O resultado é que, de dez em
dez anos, em vez de serem os
eleitores a escolherem os elei-
tos, “são os que governam e
os seus agentes políticos que
escolhem os seus eleitores”.
É certo que o termo gerry-
mandering foi criado em 1812,
em honra do governador El-
bridge Gerry, que desenhou
um círculo eleitoral com a
forma de uma salamandra (na
verdade, mais parecido com
um dragão). Apesar de esta-
rem mais limitados tecnologi-
camente, os políticos ameri-
canos dos séculos XIX e XX já
praticavam a coisa com alguma
eficácia. É também verdade
que o consenso académico, até
há pouco tempo, era o de que
estas maquinações de uns e de
outros acabavam, globalmente,
por se cancelar umas às outras.
Contudo, em contraste com o
papel decisivo que desempe-
nhou nos anos 60 para travar
as maiores distorções, o Su-
premo Tribunal Federal ame-
ricano tem, desde o início deste
século, devolvido estas ques-
tões aos estados. O resultado,
a partir do ciclo de 2010, foi a
aceleração dramática das dis-
torções na relação entre votos
e mandatos, em claro desfavor
dos democratas, dado dispo-
rem de controlo unificado dos
órgãos de governo em menos
estados. E as consequências
não foram apenas para a distri-
buição de poder entre partidos,
mas também para o processo
político como um todo: nos es-
tados onde os enviesamentos
criados pelo gerrymandering
são maiores, as políticas pú-
blicas acabaram também elas
por se desviar de forma mais
acentuada das preferências dos
eleitores, e a competitividade
eleitoral e a qualidade dos can-
didatos diminuiu.
A América não é a Bielor-
rússia. Mas importa não so-
brestimar a “normalidade” da
política americana.
Instituto de Ciências
Sociais — ULisboa
Dez altos e baixos da política
externa de Donald Trump
Três analistas comentam a diplomacia do 45º Presidente. Do braço de
ferro com a China à ambiguidade em relação às alterações climáticas
Margarida Mota
1
Pandemia A covid-19 to-
mou o mundo de assalto
e os EUA em particular,
tornando-os o país mais
castigado. Donald Trump des-
valorizou o problema, descre-
dibilizou a Organização Mun-
dial da Saúde e, mesmo após
ter sido infetado, ignorou o
perigo promovendo comícios
de multidões. “É a primeira
vez desde o pós-guerra que os
EUA não estão na primeira
linha de uma resposta a uma
crise internacional relevan-
te”, diz Carlos Gaspar, investi-
gador do Instituto Português
de Relações Internacionais.
“É uma mudança profunda.
A principal potência interna-
cional abdica da sua posição
como garante da ordem e da
estabilidade internacional.”
2
China Com origem em
Wuhan, a pandemia
acentuou a ‘guerra fria’
entre EUA e China, le-
vando Trump a encher a boca
com “o vírus chinês”. “Barack
Obama defendia que era im-
possível uma estratégia de
contenção da ascensão da
China por causa da interde-
pendência entre as economias
americana e chinesa”, diz Car-
los Gaspar. “Trump decidiu
ou foi levado a alinhar com
uma estratégia de contenção
da China cujo primeiro passo
decisivo é o desacoplamento
tecnológico e comercial entre
as duas maiores economias
mundiais. Está a pôr em causa
a dinâmica de globalização.”
3 10
Coreia do Norte Quan-
do Trump chegou à Casa
Branca, a Península da
Coreia, e o mundo por
arrasto, estava em polvorosa
perante sucessivos ensaios
nucleares norte-coreanos.
Trump fez tábua rasa da prá-
tica presidencial que o pre-
cedeu e tornou-se o primeiro
Presidente a pisar a Coreia do
Norte. Esteve três vezes com
Kim Jong-un, mas o diálogo
não deu frutos: Pyongyang não
desnuclearizou, e Washington
não levantou as sanções. “O
que se vê a esta distância é que
o Presidente dos EUA ofere-
ceu uma gigantesca photo op
a um ditador cruel, que não
é de confiar, a troco de quase
nada”, diz Germano Almeida,
autor de quatro livros sobre
presidências americanas.
4
Israel-Palestina Trump
fez uma escolha clara
quando, a 6 de dezem-
bro de 2017, reconhe-
ceu Jerusalém como capital de
Israel. Acentuou esse alinha-
mento pelo Estado judaico a 15
de setembro passado ao surgir
como o anfitrião da assinatura
dos Acordos de Abraão, pelos
quais duas monarquias árabes
sunitas (Emirados Árabes Uni-
dos e Bahrein) reconheceram
Israel. “São o culminar de qua-
tro anos de política pró-Israel,
de diabolização do Irão [persa
xiita] e sobretudo o ponto de
chegada da preferência cla-
ra pela Arábia Saudita [árabe
sunita]”, diz Germano Almei-
da. “É bom ver Israel assinar
a paz, mas é preciso ver o que
se perdeu à conta disso.” Os
palestinianos foram ignorados
e o Irão espicaçado.
5
Irão Trump deu total
prioridade ao isolamen-
to do Irão e isso ficou
patente a 8 de maio de
2018 quando retirou os EUA
do acordo internacional sobre
o programa nuclear de Tee-
rão. “A diabolização do Irão foi
energizada pela necessidade
de querer destruir tudo o que
Obama fez”, diz Germano Al-
meida. Ao rasgar o acordo dis-
tanciou os EUA dos europeus,
que mantiveram o compro-
misso, e desbravou caminho
“a uma política para o Médio
Oriente baseada em dois ‘pi-
vôs’ por procuração: Israel e a
Arábia Saudita”. O assassínio
por um drone americano, a 3
de janeiro de 2020, do general
Qasem Soleimani, o cérebro
das intervenções iranianas na
região, insere-se nessa guerra.
Expresso, 24 de outubro de 2020
Trump e Kim, num dos vários
encontros ao longo destes quatro
anos entre o Presidente dos EUA e
6
Rússia Trump chegou à
Casa Branca sob a sus-
peita de ter beneficiado
de uma interferência
russa nas eleições. Mas não
evitou que a relação EUA-Rús-
sia se degradasse. “A retórica
utilizada em Washington re-
lativamente à Rússia assumiu
contornos nunca vistos”, diz
o major-general Carlos Bran-
co, autor do livro “Do fim da
Guerra Fria a Trump e à Co-
vid-19” (2020). “O secretário
de Estado, Mike Pompeo, foi
ao ponto de afirmar que a Rús-
sia é um perigo para os EUA. O
encerramento dos consulados
russos em São Francisco, Nova
Iorque e Washington foram
precedentes perigosos. A clas-
sificação da Rússia pela Estra-
tégia Nacional de Segurança,
aprovada em 2017, como uma
potência revisionista, colocan-
do-a ao nível de ‘Estados pári-
as’ como a Coreia do Norte,
indica ao ponto a que chegou
a relação.”
7
Afeganistão Com tro-
pas neste país desde 11
de setembro de 2001, os
EUA celebraram, a 29 de
fevereiro deste ano, a paz com
os talibãs que abre as portas ao
regresso a casa. “Este acordo
insere-se no cumprimento da
promessa eleitoral de termi-
nar com as ‘guerras interminá-
veis’”, diz o major-general Car-
los Branco, antigo porta-voz do
comandante da força da NATO
no Afeganistão. “Os soldados
americanos iniciarão uma reti-
rada progressiva, pendente da
evolução das negociações entre
o Governo de Cabul e os tali-
bãs, que não estão a ser fáceis.”
Ao negociar diretamente com
os talibãs, Trump contornou as
dificuldades do diálogo intra-
-afegão. “Este acordo completa
a estratégia de retraimento dos
EUA, que decidiram pôr fim ao
ciclo de intervenções militares
no ‘arco islâmico’”, acrescen-
ta Carlos Gaspar. “Quiseram
impor a paz e sair com honra,
mas este acordo não garante a
paz aos afegãos, nem a honra
dos norte-americanos e põe em
o líder norte-coreano
FOTO KEVIN LAMARQUE/REUTERS
causa tudo aquilo pelo qual os
militares norte-americanos e
os seus aliados combateram no
Afeganistão.”
8
Multilateralismo Um
cunho da Administração
Trump foi a denúncia de
compromissos internaci-
onais: Parceria Transpacífico,
NAFTA, Acordo de Paris, Nu-
clear do Irão, UNESCO, Con-
selho dos Direitos Humanos...
“Trump não simpatiza com o
multilateralismo, sobretudo
quando não é vantajoso para
os interesses americanos. Mas
é preciso avaliar com cautela
as questões relativas à NATO”,
alerta Carlos Branco. “As di-
ficuldades de diálogo com os
aliados europeus prendem-se,
acima de tudo, com a sua re-
duzida contribuição financeira
para o orçamento da organiza-
ção. Contudo, nunca a NATO
teve uma atividade tão intensa
desde o fim da Guerra Fria.”
9
Alterações climáticas
A 1 de junho de 2017,
Trump chocou o mun-
do ao retirar os EUA do
Acordo de Paris sobre as alte-
rações climáticas, criando po-
lémica num assunto consensu-
al nos corredores científicos e
políticos. “É o momento mais
vergonhoso dos anos Trump”,
diz Germano Almeida. “Dá
mau nome à América e coloca
os EUA como ‘Estado pária’
num assunto fundamental
para esta e as próximas gera-
ções.” O Presidente nunca se
assumiu totalmente como um
negacionista, mas foi ambíguo
para agradar aos empresários.
Terrorismo Ge-
o r g e W. B u s h
executou Saddam
Hussein, Barack
Obama eliminou Osama bin
Laden e Trump o líder do Da-
esh, Abu Bakr al-Baghdadi.
Como os antecessores, pode
dizer que tem “um troféu de
caça” que, de forma mais sim-
bólica do que real, identifica
a derrota da ameaça islamita.
mmota@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020
FRANÇA
Na última semana sucederam-se as manifestações e homenagens ao professor morto FOTO GONZALO FUENTES/REUTERS
11 dias que chocaram um país
Professor Samuel Paty foi degolado depois de exibir caricaturas
Daniel Ribeiro
Correspondente em França
Tudo se passou muito rapida-
mente, em apenas 11 dias, até
à sexta-feira, 16 de outubro,
quando o professor de história,
geografia e de instrução cívica,
Samuel Paty, de 47 anos, foi bar-
baramente decapitado por um
jovem refugiado tchetcheno de
18 anos, em Conflans-Sainte-Ho-
norine, no departamento das
Yvelines, nos arredores de Paris.
O procurador especializado
em terrorismo Jean-François
Richard já definiu a cronologia
dos acontecimentos e confir-
mou na passada quinta-feira
que o assassino, Abdouallakh
Anzorov, nascido em Mosco-
vo, nem sequer conhecia a cara
nem o aspeto do professor até
cerca de duas horas antes de o
matar de forma atroz.
Anzorov vivia em Évreux, a
80 quilómetros de Conflans, e
até pouco antes de o degolar só
sabia o seu nome e a morada do
colégio. Apenas o identificou
graças a dois estudantes de 15 e
16 anos da escola secundária de
Bois-d’Aulne, onde o docente
dera uma aula, a 5 de outubro,
sobre a liberdade de expressão
e tinha mostrado as caricatu-
ras de Maomé publicadas em
França pelo semanário satírico
“Charlie Hebdo”, o que está na
origem da morte do docente e
de diversos outros atentados
neste país.
Os dois alunos, certamente
sem se darem conta das con-
sequências do que aceitaram
fazer, foram aliciados com cer-
ca de 350 euros e indicaram-
-lhe quem era o professor. De-
pois, foi o que se sabe: Samuel
Paty foi seguido por Anzorov e
este degolou-o na rua gritan-
do “Deus é grande”, em árabe.
Antes de ser abatido pela po-
lícia com nove tiros, Anzorov
ainda teve tempo de divulgar
uma foto do corpo decapitado
e uma mensagem com ameaças
diretas ao Presidente Emmanu-
el Macron, que foi por ele quali-
ficado como “chefe dos infiéis”.
O horroroso crime abalou a
França, onde têm decorrido
desde há uma semana home-
nagens oficiais ao professor e
emotivas manifestações e mar-
chas pela liberdade de expres-
são e contra o terrorismo.
A gestação e desfecho deste
atentado em Conflans-Sainte-
-Honorine foi extraordinaria-
mente acelerada e eficaz.
A 5 de outubro, Samuel Paty
exibe as caricaturas do profe-
ta e dois dias depois, no dia 7,
Brahim C., pai de uma aluna,
publica uma mensagem no Fa-
cebook contra o docente. Logo
a seguir, acompanhado por Ab-
delhakim Sefrioui, um militan-
te islâmico e pregador radical
franco-marroquino conhecido
da polícia francesa, encontra-se
com a diretora da escola para
protestar contra o docente. Não
fica satisfeito com a reunião e,
no dia 8, apresenta queixa con-
tra ele por “difusão de imagens
pornográficas”. Samuel Paty
defende-se e apresenta também
queixa contra Brahim C. por
“difamação”.
No dia 12, aparece no YouTube
um vídeo contra o professor, em
cuja produção e difusão partici-
pa igualmente Sefrioui. Quatro
dias depois, Abdouallakh Anzo-
rov degola-o, na tarde do dia 16.
A França inteira fica estarre-
cida com o novo atentado e, no
dia 17 e 18, decorrem grandes
manifestações e marchas reu-
nindo milhares de pessoas.
A 19, o ministro da Adminis-
tração Interna, Gérald Dar-
manin, acusa o pai da aluna e
Sefrioui de terem lançado uma
fatwa contra Samuel Paty.
Forças especiais de seguran-
ça e da polícia lançam opera-
ções de envergadura nos meios
No dia 12, aparece
no YouTube um vídeo
contra o professor.
Quatro dias depois,
Anzorov degola-o
islâmicos radicais já referen-
ciados antes deste atentado
pelos serviços de informação
franceses. Buscas e rusgas su-
cedem-se, associações, mesqui-
tas e imãs são particularmente
visados e alguns estrangeiros
considerados islamitas próxi-
mos do fundamentalismo são
expulsos do país.
Neste caso de Conflans-Sainte-
-Honorine, sete pessoas, incluin-
do os dois estudantes menores,
foram indiciadas por alegada
cumplicidade em “crime terro-
rista”. A família de Anzorov, que,
tal como acontecia com ele, tem
o estatuto oficial de refugiado e
vive em França desde há 12 anos,
foi interrogada pelas autorida-
des, mas não foi envolvida no
ataque terrorista.
Além de Brahim C., Sefrioui
e os dois alunos de Paty, foram
acusados de cumplicidade mais
três jovens amigos do assassino
por o terem ajudado na viagem
de Évreux até Conflans ou de o
terem acompanhado na prepa-
ração, precipitada, mas terrivel-
mente eficiente, do atentado.
Anzorov não tinha qualquer
ficha na polícia, que nunca o re-
ferenciara como perigoso ou li-
gado a meios islâmicos radicais.
Sefrioui é o único que tinha re-
gisto nesse sentido nos serviços
especiais. O jovem tchetcheno é,
hoje, qualificado por investiga-
dores como “jihadista solitário
intoxicado pelas redes sociais”,
que terá decidido passar à ação
sozinho. Porém, informações
ainda não totalmente confirma-
das indicam que ele terá estado
em contacto, há algumas sema-
nas, com um jihadista residente
na Síria.
Mas, de facto, parecia não
pertencer a qualquer comando
ou organização terrorista co-
nhecida e tudo aponta para que
tenha sido mais um “lobo solitá-
rio”, como o que atacou e feriu
gravemente, no passado dia 25
de setembro, dois jornalistas
junto à antiga sede, em Paris, da
revista “Charlie Hebdo”.
internacional@expresso.impresa.pt
PALESTINA
“As posições da
Europa encorajam
Netanyahu”
Nabil Ahmad Abuznaid,
embaixador palestiniano
em Portugal, diz
que haverá eleições
dentro de seis meses
O recente reconhecimento do
Estado de Israel por parte de
dois países árabes abanou os
palestinianos. Nas redes soci-
ais, muitos disseram-se traí-
dos pela decisão de Emirados
Árabes Unidos e Bahrain. Nos
corredores políticos, a brecha
que fragilizou a unidade árabe
em torno da causa palestiniana
motivou as autoridades da Cis-
jordânia e da Faixa de Gaza a
reorganizarem a casa.
“A Fatah, o Hamas e as ou-
tras fações políticas palestinia-
nas concordaram em realizar
eleições”, disse ao Expresso o
embaixador da Palestina em
Portugal, Nabil Ahmad Abuz-
naid, à margem de uma con-
ferência que proferiu na Fa-
culdade de Letras do Porto.
“Primeiro serão as legislativas,
depois as presidenciais e a se-
guir eleições para o Conselho
Nacional”, o órgão legislativo
da Organização de Libertação
da Palestina (OLP).
A concretizarem-se — “den-
tro de seis meses”, aponta —,
serão as primeiras em quase
15 anos. “Receamos que Israel
não permita, mas estamos de-
terminados em realizá-las”, diz.
“Já sofremos muito tempo com
a falta de união, mas agora está
a haver um entendimento co-
mum de que temos de comba-
ter a ocupação e não continuar
a pensar que é um problema
contra os judeus.”
Esta reação palestiniana
ocorre perante a perspetiva de
que mais países árabes norma-
lizem a sua relação diplomática
com Israel. O Sudão, que está
na iminência de sair da lista de
países terroristas dos Estados
Unidos, pode ser o próximo. E
as negociações com Omã tam-
bém estão bem encaminhadas.
Que esperar de Joe Biden?
Com os EUA solidamente ao
lado de Israel e perante a pos-
sibilidade de mudar o inquilino
da Casa Branca, Nabil Ahmad
Abuznaid, que já serviu na
missão palestiniana em Wa-
shington, diz que “quem quer
que venha a seguir a Donald
Trump será melhor” para os
palestinianos. “Estive com Joe
PRIMEIRO CADERNO 27
Biden muitas vezes. É um bom
homem, mas não é um lutador
que vá mudar o Médio Orien-
te. Não irá fazer regressar a
embaixada americana a Tela-
vive, mas abrirá um consula-
do palestiniano em Jerusalém
Oriental, reabrirá a missão
palestiniana em Washington
que Trump fechou e irá libertar
alguns dos fundos para a UNR-
WA [a agência da ONU para
os refugiados palestinianos] e
algumas organizações inter-
nacionais. Não creio que possa
exercer grande pressão sobre
Israel. Mas se Trump sair, con-
sigo ver Benjamin Netanyahu
[o primeiro-ministro israelita]
enfraquecido.”
Da União Europeia, o em-
baixador diz não esperar mui-
to. “Os europeus apoiam os
palestinianos, denunciam as
políticas israelitas”, mas “Ne-
tanyahu não os leva a sério”.
“Se a Europa proceder ao reco-
nhecimento da Palestina estará
a cumprir a sua posição sobre
a solução de dois Estados. Mas
enquanto não o fizer, as suas
posições só encorajarão Neta-
nyahu. Se a Europa disser que
a Cisjordânia, a Faixa de Gaza
e Jerusalém Oriental são terras
palestinianas, Netanyahu hesi-
tará antes de as anexar.”
Em Lisboa desde 2017, ques-
tiona-se sobre a posição por-
tuguesa. “O Parlamento, que
representa a nação, disse [em
2014] que era hora de reconhe-
cer a Palestina, mas o Governo
diz que ainda não é o momento
certo. Qual é o momento certo?
Já conheço a resposta: é neces-
sária uma posição europeia à
qual Portugal possa aderir. É
uma desculpa. Basta haver um
país que não queira reconhecer
e não há decisão europeia.”
Margarida Mota
mmota@expresso.impresa.pt
28 PRIMEIRO CADERNO
TAIWAN
Joseph Wu Ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan
“A ameaça da China é real”
Catarina Brites Soares
O Presidente chinês quer que o país
se prepare para a guerra. O ministro
dos Negócios Estrangeiros de Taiwan
receia o pior. Um ataque à ilha, alerta,
seria o bode expiatório que a China pre-
cisa para desviar as atenções da crise
que atravessa. Ao Expresso, Joseph Wu
afirma que Pequim está a subir de tom
e não olhará a meios para conseguir a
reunificação. O governante sublinha o
risco de a comunidade internacional ce-
der à pressão chinesa, evidente depois
do desfecho do silêncio da Organização
Mundial de Saúde (OMS) sobre o vírus
da covid-19. Taipé, garante, percebeu
cedo que uma pandemia grave estava a
caminho. Avisou, mas ninguém ouviu,
porque a China falou mais alto.
P Em que ponto está a relação entre a
China e Taiwan?
R Tenho de ser honesto: não está mui-
to bem. A pressão militar do Governo
chinês tem-se intensificado. Nos últi-
mos meses, por exemplo, têm violado
o Estreito de Taiwan [que separa ideo-
lógica e geograficamente Taiwan da
China], garante de paz, estabilidade e
segurança na região há décadas. Além
da ameaça militar, o Governo chinês
tem tentado bloquear a nossa partici-
pação na comunidade internacional.
P Taiwan deverá ser o próximo alvo
da mão pesada de Pequim, depois de
Hong Kong. Espera uma abordagem
mais agressiva?
R Pequim insiste no modelo ‘Um país,
dois sistemas’ para Taiwan, sob o prin-
cípio ‘Uma só China’, o que significa
agregar-nos. Nenhuma solução deve
passar pelo uso da força ou ameaça.
O Governo chinês rejeita negociações
com base na paz, paridade, democra-
cia e diálogo, princípios dos quais não
prescindimos. O problema não se limi-
ta a Taiwan. Repare-se no que se está a
passar no mar Oriental da China e no
mar do Sul da China, onde os japone-
ses também sentem a pressão crescen-
te; no conflito com a Índia, e mesmo no
que se passa na China, em Xinjiang,
Mongólia, Tibete e Hong Kong. São
todos vítimas do regime chinês.
P Xi Jinping pediu aos militares que
se preparassem para a guerra. É uma
possibilidade?
R É uma possibilidade que nos pre-
ocupa muito. Os exercícios militares
chineses são cada vez mais sérios. A
ameaça é real. Um regime autoritário
tende a procurar uma crise externa
quando quer desviar as atenções da
crise doméstica, como a que a China
atravessa face ao desaceleramento
económico e à guerra comercial com
os Estados Unidos da América. Apesar
de Taiwan não desafiar nem repre-
sentar um perigo, preocupa-nos que
se torne no bode expiatório de que
Pequim precisa.
P Uma guerra é, à partida, um cenário
em que todos perdem.
R É assim que Taiwan pensa, mas um
regime autoritário tem uma filosofia
diferente. A sobrevivência é sempre a
sua maior preocupação. Se olharmos
para a História, a resposta dos regi-
mes autoritários às crises internas é
procurar culpados. Desde janeiro do
ano passado que o regime chinês avisa
que quer tomar Taiwan pacificamente,
mas que usará a força se necessário.
P É possível uma reconciliação pacífi-
ca sob a liderança de Xi Jinping?
R Ainda acredito que sim. Quanto
mais apoio tivermos da comunidade
internacional, mais fácil será apelar
à coexistência pacífica. O Governo
taiwanês tem a jurisdição sobre Tai-
wan, e é este status quo que tem de ser
respeitado se ambos os lados querem
conviver.
P Pequim tem insistido no princípio
‘Um país, dois sistemas’ — que garante
alguma autonomia a Macau e Hong
Kong —, que Taiwan rejeita. Porquê?
R Quando a China tomou conta de
Hong Kong, em 1997, prometeu go-
vernar sob esse princípio. Veja-se o
que aconteceu. A imposição da Lei
de Segurança Nacional este ano mos-
trou que só há um país, um sistema.
Hong Kong era um símbolo de liber-
dade e prosperidade, mas a liberda-
de foi sendo condicionada. Taiwan
goza de uma democracia plena, com
total liberdade de expressão e de
imprensa. Se o princípio for imposto
a Taiwan, vamos perder o que te-
mos, como aconteceu a Hong Kong.
A população rejeita massivamente
o modelo ‘Um país, dois sistemas’,
como mostra o último inquérito so-
UM ATAQUE A TAIWAN É UM EXCELENTE
BODE EXPIATÓRIO PARA A CRISE
QUE A CHINA ATRAVESSA
OS EUA NÃO ESTÃO A USAR TAIWAN
CONTRA A CHINA
TAIWAN PROVOU QUE A TRANSPARÊNCIA
E A DEMOCRACIA SÃO AS MELHORES
FORMAS DE LIDAR COM A PANDEMIA
plomáticas com Taiwan. Muitos defen-
dem que as relações entre Taiwan e os
EUA atravessam o melhor período. O
mesmo se pode dizer do Japão, outra
democracia muito importante. Vamos
conseguir cada vez mais apoio da co-
munidade internacional, apesar da
agressão chinesa.
P Países europeus, incluindo Portu-
gal, aderiram à iniciativa chinesa Fai-
xa, Rota...
R A relação com a Europa é cada vez
melhor. Sempre contámos com o apoio
europeu para integrarmos a OMS. As
relações comerciais e o investimento
crescem. A UE é a primeira no que
respeita ao investimento direto es-
trangeiro em Taiwan. Com a covid-19,
enviámos recursos, como máscaras.
Continuaremos a trabalhar para que a
UE veja que Taiwan não é só uma de-
mocracia bem-sucedida, mas também
um parceiro de confiança.
P O que leva Taipé a condenar a Faixa,
Rota?
R É uma forma de assegurar o inves-
timento chinês, especialmente em
FOTO CORTESIA DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DE TAIWAN
infraestruturas, para depois estender
o seu domínio. São vários os exemplos
em que o investimento ficou aquém
das expectativas: projetos de constru-
ção com problemas de qualidade e a
armadilha da dívida — muitos países
não estão a conseguir pagar os co-
lossais empréstimos da China para
financiar os projetos. É evidente que
Pequim quer usar a iniciativa para es-
tender a sua influência e exportar o
autoritarismo. É preciso olhar para as
motivações de forma séria e impedir
que domine a comunidade internacio-
nal através desta iniciativa.
P Washington tem-se aproximado
de Taiwan. Qual dos candidatos seria
mais benéfico?
R Temos ótimas relações com repu-
blicanos e democratas. Não antevejo
qualquer problema.
P Taiwan está a ser usada pelo Gover-
bre o assunto. Nenhum Governo de- no de Trump para irritar Pequim?
mocraticamente eleito em Taiwan o R Os EUA não estão a usar Taiwan
aceitará. contra a China.
P Só 15 territórios reconhecem Tai- P A relação com Pequim agudizou-
wan e resistem como aliados. Na Eu- -se com a pandemia. Taiwan quer re-
ropa resta o Vaticano. O mundo está gressar à assembleia-geral da OMS,
do lado da China? mas tem sido rejeitada. Estão a ser
R Temos outra opinião. Apesar de a silenciados?
China estar a conseguir angariar os R A China domina a OMS e dificultou
aliados de Taiwan através de estra- muito a nossa participação. Incluir-nos
tégias financeiras e diplomáticas, a vai beneficiar toda a comunidade in-
verdade é que o apoio da comunidade ternacional. A par disso, Taiwan deve
internacional a Taipé tem aumentado, ter o direito de receber informação em
e tremendamente. Veja-se a insistência primeira mão, como os outros.
de vários países para que participemos
na OMS. Na UE foi criado o Formosa P A ilha está livre do vírus. A que se
Club por eurodeputados de diversos deve o sucesso?
países, assim como na América Latina, R Desde a SARS [síndrome respira-
neste caso por iniciativa de deputados tória aguda grave] que estamos muito
de 10 países que não têm relações di- atentos ao que se passa na China. Dete-
támos que algo muito similar se estava
a passar em Wuhan. Começámos a
testar quem chegava da cidade e a aler-
tar a população para tomar medidas.
Taiwan provou que a transparência e
a democracia são as melhores formas
de lidar com a pandemia.
P Referiu que perceberam cedo que
era sério. Antes de Pequim admitir que
o vírus era contagioso?
R Sim. Em dezembro, deparámo-nos
com relatórios da China que referi-
am similitudes com o SARS e que os
pacientes precisavam de ser curados
em isolamento, sinal de que era con-
tagioso. Enviámos um e-mail à OMS
e às autoridades de saúde chinesas a
perguntar quão séria era a situação.
Da OMS responderam-nos que iriam
passar o e-mail às entidades relevan-
tes. As autoridades de saúde chinesas
enviaram um comunicado que basica-
mente não dizia nada.
internacional@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
Encruzilhada
histórica
A
eleição de Donald Trump para
a presidência dos EUA em
2016 surpreendeu-nos.
Este ano, temos sido
surpreendidos pela retórica e as esco-
lhas da China a nível interno e externo.
A avaliação do Império do Meio pelo
Velho Continente passou a ser bastan-
te mais negativa. Como Josep Borrell,
o alto representante da União Euro-
peia, afirmou em maio, fomos “um
pouco ingénuos” em relação à China.
É um facto. Porquê?
Uma parte da resposta está na viagem
de Richard Nixon à China, em fevereiro
de 1972. Como Nixon disse mais tarde,
aquela “foi uma semana que mudou o
mundo”. Até John Adams, o compo-
sitor norte-americano, escreveu uma
ópera sobre o tema — “Nixon in China”.
O então Presidente dos EUA foi o prin-
cipal estratega externo na ascensão da
China durante as últimas décadas. Do
seu ponto de vista, o apoio do Partido
Comunista Chinês (PCC) era essencial
para conter a URSS. Para Washington,
o PCC deveria ter uma enorme dívida
de gratidão em relação à América.
Quando Paulo Portas disse a Xi Jin-
ping, na reunião bilateral, em Angra
do Heroísmo, realizada em julho de
2014, que “Portugal reconhece o pa-
pel da China na ordem internacional,
na manutenção da estabilidade e no
crescimento económico global e está
atento ao projeto do ‘sonho chinês’ do
senhor Presidente da China”, expri-
miu de modo claro este sentimento de
perfeita compatibilidade das visões de
ordem internacional entre Portugal
e a China. Na altura, os seus colegas
nos Governos europeus pensavam o
mesmo. O problema é que esta visão,
ditada, sobretudo, por interesses e
necessidades comerciais e financeiras,
ignorava a longa história do pensa-
mento estratégico chinês.
Ao contrário do que aconteceu em
muitas capitais europeias, Pequim
nunca confundiu a aparência com a
realidade. A aproximação aos EUA foi
uma forma transitória que Mao Tsé-
-Tung e Chu En-Lai encontraram para
gerir a sua rivalidade com a URSS e
impedir o que consideravam ser o ex-
pansionismo militar do Japão. Tal im-
plicava a aceitação de uma presença
militar de Washington no nordeste da
Ásia. Não era agradável, mas era útil.
Hoje, a avaliação de Pequim é muito
diferente. Para o PCC, a ordem inter-
nacional é um instrumento que os EUA
e a União Europeia usaram para con-
ter a ascensão regional e internacional
a que a China tem direito. A pande-
mia e a campanha eleitoral nos EUA
reforçam a avaliação chinesa de que
Washington está em declínio terminal.
O “sonho chinês” de Xi Jinping que
Paulo Portas referiu em 2014 é pro-
fundamente hostil a valores, políticas e
culturas estrangeiras. A China sempre
teve um enorme complexo de superio-
ridade do ponto de vista histórico e
cultural. Em Pequim, o mundo conti-
nua a dividir-se entre nós e os outros.
Xi Jinping vê-se como o herdeiro de
Zhu Yuanzhang, o primeiro impera-
dor da dinastia Ming (1368-1644), que
também teve um “sonho chinês” de
renovação nacional.
Pequim já fez as suas escolhas. Ao
contrário do que se pensa nos EUA e
na Europa, quem está numa encruzi-
lhada histórica não é a China. Somos
nós. Que escolhas informadas sobre
os nossos interesses, as alianças e a
ordem internacional seremos capazes
de fazer e manter?
Expresso, 24 de outubro de 2020
Conversar para nos conhecermos melhor
Expresso e dezenas de órgãos de comunicação social europeus juntos em projeto que visa aproximar europeus
Pedro Cordeiro
Será que os europeus se conhe-
cem? O camionista francês que
aderiu aos protestos dos “cole-
tes amarelos” compreenderá a
feminista polaca que combate o
Governo conservador? Que sabe
a investigadora científica portu-
guesa de vida precária sobre o
empresário britânico que apoiou
o ‘Brexit’? É para nos conhecer-
mos melhor que o Europe Talks
2020, uma iniciativa única, pro-
cura juntar dezenas de milhares
de pessoas de toda a Europa para
terem conversas sem filtro sobre
as questões mais prementes e
polarizadoras da atualidade.
Vivemos tempos de hiperliga-
ção, mas nem sempre consegui-
mos falar cara a cara com quem
tem outra visão do mundo.
Não raro a discussão nas redes
sociais é binária, maniqueísta
e pouco aprofundada. Daí que
dezenas de órgãos de comunica-
ção europeus — entre eles o Ex-
presso — se tenham unido para
criar um espaço de discussão e
partilha de ideias sobre o futu-
ro do continente. Pretende-se
mais estimular as capacidades
de ouvir e conhecer outras expe-
riências de vida do que “marcar
pontos” sobre a opinião do in-
terlocutor. Os participantes do
Europe Talks vão ouvir histórias
e experiências de alguém com-
pletamente diferente, obtendo
novos pontos de vista e podendo
até construir amizades.
Tudo começa com uma
inscrição e um conjunto
de sete perguntas sobre
assuntos controversos
Tudo começa com uma inscri-
ção e um conjunto de sete per-
guntas sobre assuntos controver-
sos, a que deverá responder sim
ou não. Em seguida, cada parti-
cipante é posto em contacto com
alguém de outro país europeu
que tenha dado respostas total- surpreendeu os organizado-
mente diferentes àquelas ques- res. No dia 18 de junho de 2017,
tões. A partir desse momento, mais de 1200 pessoas, oriundas
ambos podem contactar, trocar de todo o país, participaram em
impressões, conhecer-se melhor. encontros cara a cara.
No próximo dia 13 de dezem- A partir de então este univer-
bro, pelas 14h (hora portuguesa), so cresceu, envolvendo jornais
haverá milhares de encontros como o italiano “La Repubbli-
virtuais, cara a cara, entre os par- ca”, o polaco “Gazeta Wyborc-
ticipantes que, depois de terem za”, o dinamarquês “Politiken”,
sido postos em contacto, quei- o grego “Efsyn” ou o finlandês
ram dar seguimento à conversa. “Helsingin Sanomat”. O Euro-
Logo na primeira edição ex- pe Talks envolve hoje mais de
perimental, Germany Talks, 30 países. Nos últimos anos,
organizada pelo jornal “Die mais de 100 mil pessoas com
Zeit”, na Alemanha, a adesão visões políticas conflituantes
A P OI O I N S T I T U C I ON A L PARCEIRO INSTITUCIONAL PARCEIRO MEDIA PARA
A TEMPORADA 2020/2021
PERGUNTAS-CHAVE
^ As máscaras devem ser
obrigatórias em todos
os espaços públicos?
^ As escolas devem ficar
abertas durante a pandemia?
^ Os países europeus mais ricos
devem ajudar os mais pobres na
luta contra o coronavírus?
^ Todos os países europeus
devem aceitar refugiados?
^ A Rússia é uma
ameaça à Europa?
^ Todas as cidades europeias
devem ser livres de carros?
— de países tão variados como
Noruega, Itália, Áustria ou Bél-
gica — trocaram ideias em mais
de 40 mil encontros, quer pre-
senciais quer à distância. Este
ano o Europe Talks chega a
Portugal pela mão do Expresso.
A pandemia de covid-19 torna
os encontros pessoais mais difí-
ceis, mas o diálogo é mais impor-
tante do que nunca. O Europe
Talks 2020 será totalmente digi-
tal, com milhares de conversas a
acontecer online e programação
digital de todo o continente.
pcordeiro@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 29
PARTICIPE
Saiba mais em
expresso.pt/europe-talks
Como funciona?
Gostaria de conhecer alguém
de outro país europeu que
tenha dado respostas
diferentes a estas perguntas?
Então junte-se a nós no Europe
Talks! O Europe Talks é uma
iniciativa que liga pessoas de
todo o continente para
conversas cara a cara.
Com base nas suas respostas,
apresentá-lo-emos a alguém
de outro canto da Europa que
discorde de si, mas tenha
vontade de discutir as suas
opiniões e partilhar as suas
experiências.
Depois, no dia 13 de dezembro,
encontrará a sua
correspondência, como
milhares de outros
participantes, numa
videochamada online. Também
será convidado a aderir ao
nosso evento digital Europe
Talks, o primeiro encontro
digital europeu deste tipo.
Quer aderir? Ainda bem! Para
concluir o seu registo, por
favor responda a algumas
perguntas em inglês, para se
apresentar à sua futura
correspondência.
(O Europe Talks é organizado
por órgãos de comunicação
social em mais de 20 países,
pelo que é provável que a sua
discussão cara a cara
decorra em inglês.)
30 PRIMEIRO CADERNO
REFUGIAD OS
Reportagem No campo na ilha grega vivem mais de oito mil pessoas à espera de asilo. Sem serviços
básicos, muitos admitem saudades do campo de Moria, o maior e pior de toda a Europa antes de ter
sido destruído por dois incêndios, em setembro. Autoridades prometem melhorias antes do inverno
E a vida recomeça,
mais uma vez, no novo
campo de Lesbos
Texto e fotos
Ana
França
enviada
a Lesbos
H
adia pressiona o plás-
tico que faz de chão à
tenda e as suas peque-
nas mãos de criança
afundam-se na terra
mole das primeiras
chuvas fortes. O ar
está pesado de la-
mentos e prenúncios
de tempestade. Há de chover outra vez
daqui a nada, como ontem e no dia ante-
rior. O inverno vai-se impondo, o vento
frio que sopra do mar Egeu faz abanar
as tendas no novo campo de refugiados
na ilha grega de Lesbos. Por aqui cha-
mam-lhe “Moria 2.0”, mas o ‘dois’ não
é uma evolução, é um grau acima na
escala da inabitabilidade.
A 9 de setembro, dois incêndios des-
truíram totalmente o antigo campo,
que durante mais de cinco anos foi o
maior e mais criticado de toda a Eu-
ropa. Cerca de 12 mil pessoas ficaram
desalojadas, entre oito a nove mil fo-
ram trazidas para aqui. Hadia, síria da
cidade de Hama, vivia em Moria desde
1 de março; já não é criança, mas a sua
estatura e constituição não denunciam a
vida que já leva dentro dos seus 20 anos.
A primeira coisa que diz: “Já perdi três
bebés.” O primeiro aborto espontâneo
aconteceu ainda na Turquia, a 12 de
dezembro de 2019, numa das quatro
vezes que tentaram passar de barco
para a Grécia. A polícia turca empur-
rou-os com violência para dentro de
uma carrinha e ela perdeu o primeiro
filho. Aqui, em Lesbos, perdeu mais
dois: um a 13 de abril e o outro a 27 de
julho. Ali Khalaf, de 26 anos, abre uma
pasta amarela de plástico onde guarda
todos os relatórios médicos da mulher:
“fraqueza extrema”, “alimentação de-
ficitária”, “episódios graves de stress
pós-traumático e ataques de pânico”. A
tenda está cheia de peluches e brinque-
dos que os dois foram comprando a cada
vez que chegava uma boa notícia. “Toda
a minha família morreu na guerra. Fico
muito nervosa e angustiada quando me
lembro, e se calhar é por isso que não
consigo comer nem manter um filho
na barriga”, conta a jovem. Ali abre um
fecho que dá para uma outra divisão da
tenda, onde estão produtos de higiene
pessoal, garrafas de água e um alguidar
grande: “WC”, diz Hadia.
O primeiro pedido de asilo foi-lhes
negado, estão há sete meses à espera
da decisão do primeiro recurso, se for
A ILHA DE LESBOS
REDEFINIU-SE COM A
CHEGADA DOS
MIGRANTES. SÓ EM
2015 CHEGARAM 500
MIL PESSOAS À GRÉCIA
rejeitado ainda podem pedir novo asilo
e recorrer mais uma vez, mas ficam
imediatamente sem os €70 por adul-
to, por mês, que o Governo grego dá
a quem chega. “Primeiro foi o fogo e
agora, sempre que vem a chuva, ou são
os pacotes de bolachas que ficam enso-
pados, ou é a farinha e o açúcar, os ovos
rebolaram com a água, as tomadas e as
extensões estragam-se, estamos sem-
pre a perder as nossas coisas e os €140
desaparecem em duas idas ao Lidl”,
diz Hadi, referindo o supermercado da
cadeia alemã onde todos os dias os habi-
tantes do campo vão comprar comida.
Erguido pelo Governo grego, em
parceria com o Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados (AC-
NUR), no tempo recorde de sete dias,
num antigo campo de tiro do exército,
aqui só há distribuição de comida uma
vez por dia e quase ninguém parece
comê-la: dizem que vem crua, muito
salgada ou a saber a plástico, porque é
colocada a ferver nos recipientes finos,
que quase derretem.
O cansaço dos gregos
Pelas bermas da via rápida que liga o
campo ao supermercado segue uma
procissão sem fé. Centenas de pes-
soas com sacos de compras, tapetes,
almofadas e cobertores debaixo dos
braços, cafeteiras elétricas, leite em
pó, carvão, pratos e talheres de plás-
tico, pequenos grelhadores. Passa um
homem com batatas, cebolas e leite,
tudo empilhado num caixote cortado
a meio. Não consegue ver a estrada, é
a mulher que lhe vai dizendo por onde
andar e toda a gente que vem na dire-
ção contrária se desvia dele. Mandam
piadas. Ele ri-se também. No parque
de estacionamento um casal grego está
a colocar as suas próprias compras na
bagageira do carro. Elena e Nikolaos
são ambos reformados e não querem
dar o segundo nome, estão cansados
do caos, cansados de serem descritos
como más pessoas, que não querem
aqui ninguém. “Claro que todos ajudá-
mos no início, e não é verdade que os
gregos sejam contra os refugiados, mas
não vou pedir desculpa por achar que é
preciso pôr um travão a este exagero.
Esta ilha mudou demasiado, não nos
sentimos em casa e ninguém nos ajuda
a nós, ninguém quer saber”, diz Niko-
laos, que lembra uma manifestação
recente na praça central da capital da
ilha, Mitilini, onde centenas de pessoas
pediram melhores cuidados de saúde,
o fim dos contratos precários para os
mais jovens e o aumento das pensões.
“Também temos os nossos problemas,
precisamos de pensar em nós também,
em como os resolver.”
Recomeça. Chovem raios sobre as
tendas, sobre as casas, sobre as árvores,
o vento derruba cartazes de publici-
dade na estrada, arranca antenas das
casas antigas, rolam romãs pela rua.
Entramos no novo campo ao telefone,
fingimos pressa, fingimos ter afazeres
urgentes numa das organizações não-
-governamentais presentes no campo,
porque os jornalistas não são autoriza-
dos a entrar. Há homens a abrir fossos,
com pás e com as mãos, à volta das suas
tendas. Alguns levantam as lonas que
lhes fazem de chão para averiguar os
estragos. Debaixo de algumas tendas
a água é tanta que se formam ondas
nas poças.
Encontramos Deya, o sudanês de 30
anos que já nos tinha descrito por men-
sagem, poucos dias depois de vir para o
novo campo, como é tomar banho aqui
— é no mar, com água salgada, e depois
doce por cima. O sol volta, dezenas de
crianças brincam no mar. O campo
improvisado de futebol, com os seus
limites ligeiramente cavados na terra,
é uma piscina de lama. “Passo horas a
olhar para o mar, tenho medo de ficar
maluco como algumas das pessoas que
vejo aqui, as pessoas pegam-se à por-
rada e dez minutos depois ninguém
sabe dizer porquê. É impossível não
endoidecer”, diz enquanto caminha ao
longo da linha de costa. Uma mulher
africana vestida de capulana verde, azul
e amarela entra no mar como está, só
quando o negro da água a cobre se des-
pe. Lava-se e volta a vestir-se dentro de
água. Na margem tem duas garrafas de
água doce, que verte sobre si mesma.
Transferir os refugiados
Ainda não há chuveiros, não há canali-
zações, a eletricidade dura três a quatro
horas intermitentes. Apesar de o Ex-
presso não ter conseguido conhecer os
planos do Ministério das Migrações e
Asilo para as melhorias necessárias no
campo e/ou para a transferência destas
pessoas (o Governo já disse várias vezes
que este campo é temporário), à revista
alemã “Der Spiegel” uma fonte desse
mesmo ministério garante que estão
em curso obras para dar mais condições
a quem aqui vive, todas programadas
para antes do início do inverno. A cria-
ção de uma rede de esgotos, chuveiros
e eletricidade e a instalação de paletes
debaixo das tendas, para evitar que
fiquem em contacto direto com a água
quando chove, são algumas das priori-
dades do Governo.
É pública a intenção do Governo gre-
go em fechar os campos informais e
enviar estas pessoas ou para habitações
na Grécia continental ou para outros
países da Europa. Toda a gente tem
medo que os campos se transformem
em prisões, principalmente os homens
solteiros, como Deya, que vivem todos
juntos, em camaratas, nas seis enormes
tendas montadas no topo da maior coli-
na do campo. Diz que tem medo de não
ter asilo nunca: “Se calhar, os campos
fechados são para os solteiros que não
consigam asilo, se calhar, vamos ficar
lá para sempre ou até nos conseguirem
deportar.” Vê-se daqui a Turquia no
horizonte, o destino que quem chega
mais teme. Está tão perto que por vezes
EM MORIA, UMA AMIGA
DE HAMAM QUEIMOU-SE
DE PROPÓSITO PARA
ACELERAR O PROCESSO
DE ASILO E A FAMÍLIA
FOI PARA ATENAS
Expresso, 24 de outubro de 2020
a rede de telemóvel salta para o outro
lado e o roaming arrasa o saldo dos
cartões europeus.
Um tapete feito de retalhos, assente
num quadrado de gravilha, indica a en-
trada para a tenda da família Ramadan.
Mãe de cinco menores, Ghazaa está
de cócoras a lavar roupa num gran-
de balde, cá fora. “Cinco filhos, cinco
vezes calças, camisolas, meias, o que
mais faço no campo é lavar roupa”,
sorri a síria. Ao todo, a família tem nove
membros, porque a segunda mulher de
Ahad Ramadan, pai dos cinco filhos de
Ghazaa, também veio com eles na via-
gem da Turquia, em setembro do ano
passado. Chama-se Anisat e também
já tem um filho de Ahad, que nasceu
em Moria. O pequeno Hamed passa,
a gatinhar, por baixo do cobertor que
separa os dois leitos matrimoniais. Os
irmãos apertam-no todos ao mesmo
tempo, mas Ahad olha com uma tris-
teza para os filhos que é impossível de
esconder. Até o nosso tradutor, que
conhece a família há mais de um ano,
perguntar o que se passa. “É o Farir,
tem qualquer coisa nos olhos, no outro
dia deixou de ver um tempo. Levei-o
a um médico privado, ele deixou-me
pagar em três vezes, mas agora parece
que o problema pode ser neurológico,
não sabem, mas também pode ser tudo
psicológico.” Precisa de ir a Atenas,
mas: “Onde é que eu vou encontrar
dinheiro para isso e autorização para
sair do campo por mais de um dia?”
No meio da tenda está Hamam, olhos
enormes, verdes, parece uma criança
saudável e curiosa, mas é “a que nos
dá mais preocupações”, diz Ahad com
a mão no peito. No campo de Moria,
uma amiga de Hamam queimou-se de
propósito para acelerar o processo de
asilo, e a família foi levada para Atenas,
pelo menos foi isso que o menino de
oito anos contou ao pai. “Agora só fala
em cortar-se, em queimar-se, aqui no
campo está toda a gente de olho nele,
pedimos a toda a gente. De noite dorme
entre mim e a mãe e nós damos as mãos
por cima dele.” Por duas vezes viram o
pedido de asilo recusado, ficaram sem
dinheiro, nove pessoas vivem do que
o Governo dá a Anisat, que meteu os
papéis mais tarde, antecipando isto
mesmo. “Sabem o que me entristece?
Os meus miúdos estão a esquecer-se
dos carateres da nossa língua, vão dei-
xar de saber escrevê-la”, diz Ahad.
A ilha de Lesbos redefiniu-se com a
chegada dos migrantes: primeiro aos
poucos e depois inevitavelmente. Só em
2015 chegaram 500 mil pessoas à Gré-
cia. Melinda McRostie, australiana filha
de mãe grega, hoje com 55 anos e 45 de
vida em Lesbos, tinha um pequeno res-
taurante em Molivos, no norte de Les-
bos, o epicentro das primeiras chegadas
— “chegámos a receber 70 barcos num
dia” —, quando tudo começou. Um dia
a Guarda Costeira da Grécia ligou-lhe
a pedir ajuda nos esforços de socorro e
para Melinda essa sempre foi a única op-
ção. Mas os vizinhos tinham uma ideia
diferente: “Escreveram ‘prostituta dos
refugiados’ a tinta vermelha nas paredes
de minha casa, fechei o restaurante,
que também foi vandalizado”, conta.
“Foram tempos muito complicados,
ainda estávamos a lamber as feridas da
crise financeira. O turismo nesses dois
Expresso, 24 de outubro de 2020
DURA ROTINA Duas crianças
afegãs num mesmo carrinho
de bebé fotografadas a
caminho do supermercado
local, onde quase toda a
gente compra comida porque
esta só é distribuída uma vez
por dia. Ao lado, um rapaz
caminha entre as tendas da
ONU, que não conseguem
suster os avanços do inverno.
Do lado esquerdo, em cima,
está Yielena, de três anos,
sentada com o pai enquanto
ele pesca para tentar grelhar
o peixe à noite e em baixo uma
fotografia de Mohammed, o
barbeiro do campo, quando
entrou para a escola. Do lado
direito, vemos quase toda
a família Ramadan: a mãe,
Ghazaa, está atrás, de lenço.
São nove no total e vivem com
70 euros por mês
primeiros anos caiu como pedras, 90%,
era um deserto, claro que as pessoas se
ressentem, mas também precisamos
de ser sinceros e entender que hoje em
dia o negócio que a presença de tantas
organizações não-governamentais traz
à ilha é muito superior a qualquer lucro
que pudéssemos ter com turismo num
ano normal.” Um ex-membro da autar-
quia local, que não quis ser identificado,
partilha com o Expresso a última conta-
gem de membros de ONG presentes na
ilha: eram cinco mil em setembro, logo
depois dos incêndios. “Agora devem ser
um pouco menos, mas basta sair à rua
para entender quem enche os cafés e os
hotéis, quem aluga os carros.”
O clima político continua a ser hos-
til à legalização destas pessoas, até
porque a Grécia não pode fazer tudo
sozinha. “Não existe nenhum país na
UE que tenha tantos requerentes de
asilo, em relação à população nativa,
como a Grécia”, disse no Parlamento
grego, depois do fogo, Manolis Logo-
thetis, diretor do Centro de Receção e
Identificação de requerentes de asilo.
“Os Países Baixos, por exemplo, têm
uma capacidade de receção fixada nas
cinco mil pessoas, o nosso sistema tem
capacidade para 100 mil, é natural que
não possamos providenciar as mesmas
condições.” Nos três meses de verão
deste ano, 2076 pessoas fizeram a tra-
vessia da Turquia para a Grécia. No
mesmo período de 2019, o número foi
muito maior: 18.519. A queda é de 89%.
Mesmo assim, as estimativas apontam
para que ainda existam em toda a Gré-
cia cerca de 120 mil pedidos de asilo
pendentes, segundo o ACNUR.
E a vida insiste em recomeçar. Reco-
meçou em Moria, que toda a gente des-
crevia como um cemitério de esperança,
um lugar esquálido, violento e escuro; e
está a recomeçar aqui. Mohammed al-
-Mohammad, sírio de 40 anos, enterra
uma cadeira de plástico na terra, vai
buscar uma toalha e prepara-se para
receber o primeiro cliente na sua barbe-
aria. A comunidade uniu-se e comprou-
-lhe uma máquina de barbear moderna.
Acaba de a receber e só consegue sorrir.
Chegou a Lesbos, da Turquia, dia 4 de
janeiro, onde passou dois anos a tentar
chegar à Europa. A mãe, Arfa, de 74
anos, está numa cadeira de rodas, por-
que tem as costas pejadas de estilhaços
de uma explosão que destruiu a casa ao
lado da sua, em Deir Ezzor, no leste do
país que deixaram para trás. Dois filhos
morreram, o seu marido também, uma
irmã conseguiu chegar à Alemanha.
Mohammed carrega a mãe às costas
de todas as vezes que ela precisa de ir
à casa de banho, a gravilha vertida no
chão para impedir que o campo se torne
num enorme lamaçal não deixa rolar a
cadeira. “Tenho tanta pena dele, do meu
filho, tanta, ele está a ficar com proble-
mas de costas, eu sou muito pesada.”
Há umas lágrimas que logo passam com
tanta gente ali à volta a celebrar aquele
que deve ser provavelmente o primeiro
negócio a nascer no novo campo. “Va-
mos lá trabalhar, já chega de fotogra-
fias”, diz Mohammed, que quer juntar
dinheiro para levar a mãe a ser operada
em Atenas. O dia cai e no céu, perto do
mar, começam a surgir uns farrapos ver-
melhos. São papagaios. Dizem “SOS”.
afranca@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 31
CHILE
A despedida
do modelo
de Pinochet
Reconhecido pela
estabilidade económica,
o Chile pode aproximar-se
dos seus vizinhos
latino-americanos
Depois de 40 anos com a Constitui-
ção de 1980, herança da ditadura de
Augusto Pinochet (1973-1990), con-
siderada a génese da desigualdade
social, os chilenos vão decidir se
querem iniciar um processo consti-
tuinte para alterar a matriz política
e económica do país.
O plebiscito deste domingo foi
arrancado à força através de gran-
des e constantes e violentas mani-
festações, iniciadas há um ano, em
18 de outubro. Ao longo de um ano,
encurralaram o governo do Presi-
dente Sebastián Piñera, deixando-o
com os atuais 16% de popularida-
de e fazendo mais de 30 mortos e
milhares de feridos em confrontos
com a polícia.
“A atual Constituição de Pinochet
exige maiorias absolutas que impe-
dem as reformas. A atual Constitu-
ição congelou o Chile. A sensação é
de captura e que agora se pode sair
do cativeiro”, explicou ao Expresso
a economista chilena Marta Lagos,
diretora das consultoras Latinoba-
rómetro e Mori.
Na atual Constituição, os direi-
tos sociais — a Saúde, Educação
e Reformas — são tratados como
serviços a serem contratados pelos
chilenos. Com um novo modelo, o
Chile vai ficar menos liberal e mais
próximo dos seus vizinhos. Essa
latino-americanização pode não
ser garantia de que as conquistas se
tornem realidade, a exemplo do que
ocorre na região.
“Inevitavelmente, vamos avançar
pelo caminho da América Latina,
que são países com instabilidade,
com pouco crescimento económico
e, portanto, com incapacidade para
satisfazer as demandas sociais”,
adverte ao Expresso o sociólogo e
cientista político chileno, Patricio
Navia.
O processo constituinte deve de-
morar, pelo menos, dois anos, tem-
po em que os investimentos podem
também demorar à espera de uma
definição. “O Chile era um lugar
atraente para o investimento por-
que tinha regras claras e porque o
desenho institucional era favorável
ao investimento estrangeiro. Agora,
pode terminar com muita carga
tributária, porque a Constituição
estabelecerá muitos direitos que de-
verão ser pagos de alguma forma”,
prevê Navia.
Os chilenos vão decidir entre o
“Aprovo” e o “Rejeito” (uma nova
Constituição). Além dessas duas
opções a favor e contra, vão esco-
lher o mecanismo para o processo
constituinte caso o “Aprovo” ganhe.
Devem optar ou por uma Assem-
bleia Constituinte com uma “confor-
mação mista” de 172 membros, inte-
grada em partes iguais pelos atuais
legisladores e por novos cidadãos,
ou por uma “convenção constituci-
onal” de 155 membros, totalmente
composta por novos cidadãos a se-
rem eleitos em abril com igualdade
entre homens e mulheres.
Em média, as sondagens indicam
que entre 65% e 70% dos chilenos
querem uma nova Constituição. Es-
ses números podem variar porque
o voto no Chile não é obrigatório
e porque metade do país está em
quarentena.
“Segundo as nossas sondagens,
se todos forem votar, a proporção
nunca será maior do que 30% para
o ‘Rejeito’. A rejeição deve ficar en-
tre 15% e 30%. O ‘Aprovo’ deve ga-
nhar com 60 a 65%. A participação
no plebiscito deve ser mais elevada
do que nas últimas eleições presi-
denciais. Isso é importante para
dar contundência e legitimidade
ao processo”, conclui Marta Lagos.
Márcio Resende
Correspondente em Buenos Aires
32 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 24 de outubro de 2020

Editorial&Opinião

Editorial Joe Biden parece ter uma vantagem Lavar as mãos

difícil de anular nos estados decisivos. Mas a
incerteza será até ao fim
quantas anda nem a quantos não há uma estratégia. Continu- namento não é uma ficção, mas
manda. A reabertura das esco- amos a improvisar, à espera que se ele se concretizar — de uma

Trump
las e universidades, até correu
bem, pelo menos até agora. Mas
mesmo nas escolas há regras
diferentes na reação ao surgi-
as coisas melhorem. No Serviço vez ou aos bochechos —, que
Nacional de Saúde repetem-se verdade temos como resposta?
os alertas de saturação. Na eco- A situação não é exclusiva de
nomia estamos entre a paragem Portugal, basta ver a Espanha

vs. Biden Pedro Santos Guerreiro

cidadepsg@gmail.com
mento de infetados, ora a turma
vai toda para casa, ou fica tudo
como estava, ou acendem-se ve-
linhas aos santos prediletos. É
e o arranque. Cada semana que
“fechamos” é uma semana de
mais recessão e desemprego.
É o paradoxo destes tempos
mergulhada de novo no medo,
com reflexos acelerados nas
ameaças de instabilidade polí-
tica. Mas o Governo tem de re-

E
stamos a ficar apavora-
dos? Não será tanto com
A menos de duas semanas da eleição mais importante o aumento de casos em
do ano, Donald Trump e Joe Biden tiveram o segundo e si, mas com a sensação
último frente a frente televisivo da campanha presidencial de falta de controlo, de regras
norte-americana, depois de um primeiro confronto por claras, de estarmos ainda no ou-
muitos considerado como o pior da história dos debates tono já com medo do inverno. E
das campanhas nos EUA, por culpa de um incontrolável estamos saturados, saturados
Presidente. A discussão desta semana, menos agressiva mas até de ler e escrever sobre a pan-
igualmente polarizadora, mostrou divisões em matérias demia, mas é preciso falar disso
como a pandemia, a saúde, a política de imigração ou as para formar linhas de entendi-
alterações climáticas. E foi fértil em acusações mútuas de mento e pressionar o Governo
corrupção. A vantagem de Joe Biden parece agora mais a preparar o azar, mesmo con-
consolidada, mas até à contagem dos votos a dúvida está fiando na sorte.
garantida. No Expresso, vamos continuar a acompanhar, O Governo, que aqui e por aí
por cá e por lá, com toda a atenção estes últimos dias, com foi muitíssimo elogiado pela res-
notícias, reportagens, opiniões e análises para lhe levar a posta rápidas na primeira vaga,
melhor informação sobre esta campanha. Porque na eleição e pela forma como criou coesão
norte-americana está muito mais em jogo do que saber-se e convocatória no país em tor-
quem ocupará a Casa Branca. no de um inimigo comum, é o
mesmo que agora não sabe a
só um exemplo.
O Governo — e as instituições
públicas em geral — soube im-
provisar no início o que não
soube planear depois. No verão
fomos vedados por outros pa-
íses, agravando as receitas do
turismo. Ainda hoje se está a
olhar pouco para a destruição
social no Algarve, escondida
atrás da subida do desempre-
go na região. Depois do verão,
cruzámos os dedos contra uma
possível segunda vaga. Infeliz-
mente, cruzámos também as
mãos contra a possibilidade de
ela surgir. Surgiu.
Mais de oito meses depois do
início da pandemia, oito meses
de conhecimento e de experi-
ência, de tempo para pensar e
definir planos de contingência,
em que a política é quase sem-
pre um exercício de dinheiro.
Conseguiu-se dinheiro comu-
nitário e alívio para o défice or-
çamental, mas isso é útil para
as consequências da pandemia,
não serve para substituir outra
ação chamada pensar. Ora, sem
pensamento, sem planos, sem
coerência perdemos o controlo
e mergulhamos o país na inse-
gurança. A insegurança quanto
à resposta na saúde e quanto à
economia. Muitas empresas que
aguentaram os últimos meses
não aguentarão muito mais, o
que faz crescer as ameaças de
falências e desemprego, que
contrastam com o cenário de
forte recuperação em 2021. A
declaração pública de que o país
não aguenta um segundo confi-
cuperar a liderança no discurso
e na ação, até para ser eficaz
no comprometimento dos ci-
dadãos, muitos dos quais rela-
xaram comportamentos. Usar
máscara, manter distanciamen-
to, evitar ajuntamentos e lavar
as mãos são as medidas eficazes
contra os contágios. Mas nin-
guém pode lavar daqui as mãos.
Muito menos o Governo.
PS: Ou Costa não acredita no
que foi anunciado ou Pedro
Nuno Santos tem pista aberta.
Um anúncio de grandes obras
públicas, como o que foi feito
esta semana, que não é feito
pelo primeiro-ministro mas
pelo ministro da pasta? Nunca
víramos disto. E isto tem signi-
ficado político.

Fim de Europe A covid como oportunidade

ciclo? Talks
equilíbrio. Pese embora a resis- to acima dos nossos parceiros de euros em meios complemen-
As dificuldades sentidas Apesar da robusta reação tência desde sempre da Ordem europeus. tares de diagnóstico, terapêu-
este ano pelo Governo europeia à pandemia em dos Médicos (à imagem do que Neste quadro, o pior que po- tica e cirurgias contratados ao
socialista de António Costa matéria de disponibilizar aconteceu em todos os países dia acontecer era a covid trans- privado e ao social. No atual
em garantir a viabilização dinheiro e fundos para a onde se discutiu a transição formar-se num pretexto para contexto, este dilema tem con-
do Orçamento do Estado recuperação dos países, para um SNS), evoluímos para desequilibrar o sistema de saú- tornos distintos. O privado não
para 2021, somada à a sensação de falta de um sistema com predomínio de, acentuando algumas das só não está vocacionado para
crise sanitária, social e robustez política e de coesão Pedro Adão e Silva da responsabilidade pública, suas debilidades estruturais. responder à covid (praticamen-
económica causada pela no projeto de construção padaoesilva@gmail.com alicerçado num serviço uni- Percebe-se bem o risco para o te não tem vagas UCI) como
pandemia, faz antever uma europeia mantém-se. O versal e gratuito, financiado privado, decorrente de uma di- tem resistido a tratar doentes

É
maior dificuldade em que Expresso associa-se agora por impostos, mas que coexiste minuição inevitável da procura, da pandemia (ao ponto de, no
o PS consiga cumprir os a duas dezenas de outros conhecida a asserção de com uma componente social início, termos tido paradoxal-
restantes três anos desta órgãos de comunicação que as crises são opor- (herdeira do papel centenário mente um hospital privado a
legislatura. Os sinais de social europeus nos Europe tunidades. É verdade, desempenhado pelas Miseri- A pandemia não se pode fechar por causa do vírus).
algum desgaste vão-se Talks, um projeto que visa o mas não no sentido usu- córdias) e com um peso cres- transformar numa A sugestão de uma divisão
acumulando e um momento que o próprio nome indica: almente dado. Esta pandemia cente do privado. Da mesma oportunidade para os de tarefas, com o SNS a tra-
que se pode revelar chave colocar cidadãos dos 27 a não é exceção: está a ser uma forma que são evidentes as privados se financiarem, tar da pandemia e o privado
é o próximo outono, com falar uns com os outros sobre oportunidade para acentuar virtudes e as complementa- depauperando o Serviço a ficar com tudo o mais, é, no
as eleições autárquicas e a os mais variados problemas, desigualdades e desequilibrar ridades deste tripé (público, Nacional de Saúde fundo, um pretexto para uma
discussão do OE para 2022 porque da troca de pontos relações económicas e de po- privado e social), não é possí- revanche política em torno de
no horizonte. Este ano a de vista e da capacidade de der. Naturalmente, é na saúde vel deixar de refletir sobre a uma lei de bases, acabada de
mão é dada pelo PCP, mas ouvir os outros pode nascer que a tendência é mais visível. eficácia das respostas (nomea- mas a pandemia não se pode aprovar, e que é bastante equi-
para o futuro as incógnitas uma sociedade mais robusta O clamor público das corpo- damente nas desigualdades) transformar numa oportunida- librada no papel que atribui às
aumentam. e solidária. rações da saúde, lideradas pe- e sobre a eficiência na gestão de para os privados se financia- várias componentes do siste-
los bastonários da Ordem dos (onde o privado tem dado con- rem, depauperando o SNS. ma. Se o privado quiser contri-
Médicos, apelando a mudanças tributos importantes). Talvez o A contratação de serviços aos buir, liberte recursos humanos
do SNS na resposta à pande- dado mais impressivo da singu- privados corresponde, de facto, para trabalharem mais horas
mia, deve ser interpretado a laridade nacional esteja no es- à retirada de recursos ao SNS. no SNS — que está, de facto,
esta luz. forço das famílias portuguesas O que, aliás, já acontece em melhor equipado e tem mais
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apresenta-nos uma história de 30% da despesa total), mui- o SNS contratou 1,4 mil milhões pandemia.
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(diretora da Delegação Norte); João Paulo Batlle y Font -providência. A sua motivação reside, essen- de ideias todos os dias, como se tem visto
Hugo Rodrigues (coordenador),
(diretor publicidade), Carlos Morais e Joaquim uitos se espantam com a forte pro- cialmente, num fator: a convicção popular, na gestão do dossier China ou na resposta
Dinorá Casanova e Nuno
Martins (gestores de conta);
Rodrigues (produtores) babilidade de reeleição de Donald cada vez mais profunda, de que as elites que caótica à atual crise pandémica. Assenta no
Miguel Teixeira Diniz e Sérgio Circulação e Assinaturas Trump no próximo mês de novem- governam não têm nem a competência, nem tribalismo, na divisão, numa aura de força
Alves (gestores de conta); Pedro M. Fernandes (diretor),
Marta Teixeira e Helena Milton Silva (responsável bro. Alguns apenas veem nesta hi- a determinação, necessárias para melhorar bruta, num desprezo arrogante pelas sub-
Almeida (gestores de conta pela circulação) e Rita Silva pótese a réplica do populismo que grassa por as coisas. tilezas da cultura democrática, como se viu
da Delegação Norte) (responsável pelo serviço
Tel: 214 544 073/214 698 798 de apoio ao cliente) todo o mundo. Outros, ainda, identificam a Ora, com a sua aparente imagem de trans- no primeiro debate com Joseph Biden. O
Fax: 214 698 516 Serviço de Apoio ao Assinante:
Tel: 214 698 801 eventual reeleição de Trump, com o arrivis- gressão face ao sistema instalado, o trum- seu grande trunfo e, simultaneamente, a sua
Publicidade On Line (dias úteis, das 9h às 19h)
publicidadeonline@impresa.pt Fax: 214 698 501; e-mail: mo sempre presente em certos momentos da pismo acaba também por pôr em causa diferença face aos republicanos tradicionais,
apoio.cliente.ip@impresa.pt democracia americana, porém, rapidamente a cisão clássica entre esquerda e direita, reside em defender o que os pais fundadores
Tiragem média de setembro:
76.825 exemplares
Atendimento Ponto de Venda reabsorvido, após o respetivo fecho de ciclo evidenciando antes a cisão entre os que da república americana mais temiam: as pai-
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político. estão acima e os que estão por baixo na es- xões populares, a rua, o primado da multidão.
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A verdade é que poderá estar em causa, não cala socioeconómica. Explora, no fundo, o O trumpismo confirma a vaga global auto-
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 Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 33

Foi com ternura que vi epidemiologistas e matemáticos

a fazerem previsões tão seguras nos primeiros meses da pandemia

Nas fronteiras da dúvida

Daniel Oliveira Henrique Raposo
danieloliveira.lx@gmail.com henrique.raposo79@gmail.com

Papa cristão Católico

G
raças a uma amiga no Todos estes autores consi-

A S
o defender uma lei civil que enqua-
dre as relações entre pessoas do
mesmo sexo, o Papa Francisco não
reconheceu ou aceitou o casamen-
to. Mas deu mais um passo. E se este gesto
pode não ser importante para o conjunto da
comunidade, porque os Estados laicos não
precisam de bênção papal para garantirem
igualdade de direitos, é-o para milhões de
católicos LGBT, que passam a sentir-se um
pouco mais em casa na sua Igreja. Como
mostrou com os divorciados, o Papa quer
recuperar aqueles que a Igreja foi deixando
pelo caminho e que já não aceitam a culpa
dessa exclusão. Quer impedir que a Igreja
Católica se transforme num reduto de ultra-
conservadores, incapaz de lidar com a plu-
ralidade dos seus fieis. Dirão que se adapta
aos tempos modernos. É o contrário. Estes
não são tempos de inclusão e pontes, são de
polarização. O Papa Francisco tenta livrar a
Igreja de uma guerra cultural que tem sido
suicida para sectores políticos tradicionais
e que a entregaria a nichos fanatizados.
O Papa quer recuperar aqueles
que a Igreja foi deixando pelo
caminho. Não se adapta aos
tempos modernos, que eles são
de polarização, não de inclusão
Esta cautela pode levar a Igreja Católica
a perder força para algumas igrejas evan-
gélicas. Mas o risco de ficar parecida com
centenas destas seitas seria mais grave.
O Papa está longe de ser um progressista
em matéria de “costumes”. Para padrões
laicos, até é conservador. Mas tenta colo-
car a Igreja num lugar mais próximo da
radicalidade do cristianismo. Não quer
uma Igreja onde os marginalizados podem
entrar, quer uma Igreja onde os que não o
são também têm lugar. Mais concentrada
nas misérias da vida do que na mesquinhez
do rancor. Para os que se habituaram a ver a
Igreja como um lugar de castigo, que usam
o perdão como forma de agressão, que se
armam com a religião para perseguir o que
não compreendem, que vivem obcecados
com o sexo consensual entre adultos mas
fecharam os olhos ao abuso de menores,
deve ser perturbante ter um Papa cristão.
Não sou católico porque nunca conheci a
Fé. Se a descobrisse, sentiria uma enorme
alegria por ter este homem inteiro e bom
como pastor.
Não cedemos
Facebook, Isabel Pe- deram que devemos aceitar a
reira dos Santos, li dois incerteza e testá-la. Quando, eja qual for o resultado das elei-
excelentes artigos sobre no início da pandemia, contra- ções, a direita americana precisa
ciência. Um é de Matt Ridley riando a visão “oficial”, muitos de uma reconstrução. Não vamos
e foi publicado no “The Wall punham a hipótese de o vírus lá com retoques cosméticos à su-
Street Journal” em 9 de outu- estar tão difundido que estaría- perfície. Temos pela frente um traba-
bro. O outro, publicado na re- Luís Aguiar-Conraria mos já à beira da imunidade de lho de arquitetura moral e engenharia
vista médica “The BMJ”, é uma Professor de Economia da Univ. do Minho grupo, fez sentido verificá-la. política. No subsolo, é preciso refundar
coautoria de dois cientistas e Os testes serológicos, mesmo os caboucos. Nas paredes, é preciso
lfaguiar@eeg.uminho.pt
um divulgador científico — Ge- dizendo que a fração de infeta- descartar o tijolo e regressar à pedra.
orge Smith, Marcus Munafò e dos assintomáticos era conside- Para esta refundação geracional, não
Michael Blastland. rável, desmentiram-na. conheço arquiteto mais capaz do que
Em ambos, os autores explicam que a ciência é Olhando para a frente, vários têm argumentado J. D. Vance, autor de “Lamento de uma
mais feita de dúvidas que de certezas. É muito me- que há um grande número de falsos positivos. América em Ruínas”, o livro que explica
lhor a explicar o passado do que o futuro. Nós, os Uma newsletter do Instituto de Saúde Baseada o porquê da adesão dos pobres ao popu-
economistas, sabemo-lo bem. Se pegar nos jornais na Evidência alerta para isso mesmo. Mas muitos lismo trumpista.
das primeiras semanas de qualquer grande crise médicos rejeitam essa hipótese. Se os primeiros Devido à sua história pessoal, Vance
económica do último século e meio, encontrará tiverem razão, há custos desnecessários ao obri- compreende porque é que os brancos
economistas famosos a jurar a pés juntos que não gar tanta gente a faltar ao trabalho e às aulas só pobres, velhos eleitores do Partido De-
passará de uma crise passageira. porque testaram positivo. Se os segundos tiverem mocrata, votam no radicalismo trum-
Foi com ternura que vi epidemiologistas e ma- razão, seria um desperdício fazer um segundo pista. No entanto, Vance não é trumpis-
temáticos a fazerem previsões tão seguras nos teste a todos os que acusam positivo no primeiro. ta. Aliás, ele tem desenvolvido um novo
primeiros meses da pandemia. Como era de es- Porque não ver quem tem razão? Fazemos 30 pensamento político que visa salvar
perar, os erros de previsão foram mil testes diários à covid. Qual o Partido Republicano do populismo
colossais. Lembram-se do modelo a dificuldade de selecionar uma trumpista, por um lado, e do libertari-
de Ferguson, do Imperial College, Respeitar a incerteza amostra aleatória de mil pessoas anismo que só vê mercado, por outro
que, com previsões catastróficas, obriga-nos a duas entre os que testaram positivo e lado. Destaco três pontos deste novo
motivou a inflexão de políticas no atitudes. Primeiro, administrar-lhes um segundo tes- pensamento. Primeiro, defende um re-
Reino Unido? Para se ter uma ideia não considerar que te? Depois, com base nessas mil gresso a uma América com base indus-
do disparate, basta lembrar que mudanças de opinião contraprovas, vê-se qual a hipótese trial (hard tech), porque o capitalismo
esse modelo previa mais de meio descredibilizam correta. de Silicon Valley é uma fraude virtual
milhão de mortos no Reino Unido, os seus autores. Os artigos exortam-nos a confiar que cria pobreza; mas repare-se que
100 mil para a Suécia e dois milhões Segundo, não reprimir em quem tem uma opinião “nu- defende uma base industrial apontada
para os EUA. Também houve os opiniões diferentes anceada”, que vai mudando com ao futuro e não nos mineiros de Trump.
que previram que a covid seria uma novos dados. Na primeira linha dos Segundo, os republicanos têm de acei-
gripe. E houve os que previram que que não devemos ouvir estão os que tar que a saúde é um dever da governa-
o regresso à escola iria ser um desastre, com focos querem esmagar o vírus, o que nos obrigaria a ção. A saúde não pode continuar ape-
de infeção galopantes. E também os que descarta- ficar eternamente confinados, e os que acham que nas nas mãos do mercado. Vance não
vam qualquer segunda vaga. o devemos deixar com rédea solta, o que levaria é contra os privados, longe disso. Ele
Karl Shell, meu orientador de doutoramento, di- ao esgotamento dos serviços de saúde. até concebe a política de saúde através
zia que Yi Wen, outro dos meus orientadores, era Respeitar a incerteza obriga-nos a duas ati-
um cientista excecionalmente criativo. Criativo tudes. Primeiro, não considerar que mudanças
porque tinha muitas ideias e excecional porque de opinião descredibilizam os seus autores. Se- Vance ou Biden mantêm os valores
uma em cada dez funcionava bem. Mas, para se gundo, não reprimir opiniões diferentes. Parece cristãos e, ao mesmo tempo, são
saber qual a que funciona, é necessário explorar óbvio, mas é, na verdade, difícil. A primeira obri- pontes de contacto com o sector
as implicações de cada uma. Portanto, a cada ga-nos a elogiar a DGS por ter mudado de política laico. O século XXI americano será
momento, temos de ter a mente aberta para dar em relação às máscaras, em vez de achar que católico ou será caótico
crédito a hipóteses estranhas e testá-las. Mas não perderam a credibilidade por não as defenderem
tão aberta que percamos o nosso escasso tempo a desde o início. A segunda exige que esmaguemos
testar todo e qualquer disparate. Na feliz formu- impulsos censórios. Nada de processos disciplina- de serviços privados, mas essa política
lação de Matt Ridley, uma mente aberta, mas não res, ou penalizações de qualquer tipo, a cientistas pública tem de existir. Os mais pobres
tão aberta que caia o cérebro. ou médicos heréticos. não podem continuar numa sociedade
George Smith, Marcus Munafò e Michael Blas- O mesmo para a economia. Não acredite em pré-acesso universal à saúde. Este cená-
tland avisam-nos para não darmos ouvidos a quem sabe como vamos sair da recessão. No outro rio é imoral, em primeiro lugar, e corrói
quem oferece certezas e não reconhece ter-se dia, discutia com amigos como seria a recupera- por completo os laços sociais entre ci-
enganado. Até chamam a atenção para o facto de ção económica. Se em V, em B, em W, em K ou em dadãos, em segundo lugar. Até porque
também eles se terem equivocado. Reconhecem, U. Miguel St. Aubyn, professor no ISEG, resumiu é falacioso argumentar que a saúde é
por exemplo, ter acreditado que as escolas aber- bem o que sabemos: a recuperação será em V, “um um mercado como outro qualquer. Eu
tas seriam centrais de propagação do vírus. vê de ‘vamos a ver’”. vou à loja e escolho um telemóvel de um
imenso menu, e também posso escolher
não ter telemóvel, ou televisão, ou car-
ro, ou ginásio. Também posso escolher
Psicólogo clínico e forense não colocar as minhas filhas numa esco-
la, posso fazer “ensino doméstico”. Na

A psicologia da pandemia
N
saúde, não há esta liberdade para não ir
ão cedemos”, gritaram os france- ao hospital, nem há “saúde doméstica”.
“ ses. Sabemos a quem não cedemos:
aos fanáticos. Sabemos ao que não
Se parto uma perna, vou ao hospital
mais próximo, ponto final.
cedemos: ao medo. Mas não cede- Terceiro, a conversão ao catolicismo.
mos em quê? Na escola livre, democrática Vance deixou de lado o óbvio radicalis-
e laica. Apesar da tragédia de Samuel Paty respostas psicológicas adversas. aquelas que são as necessidades mo evangélico, que é nas Américas um
ter começado numa aula de Educação
Mauro Paulino Considere-se também que os fa- sociais, psicológicas e emocionais grave problema da direita. Na chamada

Cívica, não se pode misturar com o debate
português sobre a disciplina de Cidadania.
O crime torna a ligação num abuso e os que
aqui contestam a disciplina usam meios le-
gítimos. Há, no entanto, um debate prévio
comum: que limites pode a família impor
à escola? É que o argumento do “sou eu
quem passa valores aos meus filhos” pode
vir de um ultraconservador cristão, de um
liberal ateu ou de um fundamentalista mu-
çulmano. Ao mostrar os cartoons, o profes-
sor deixou claro que a escola, ao contrario
do templo, é um lugar de debate, não de
tabus. E não é neutra. Sem uniformizar,
unifica em torno de valores essenciais para
a democracia. Deve um professor sobrepor
esses valores aos das famílias? Devia Samu-
el Paty sobrepor a liberdade de expressão
aos valores religiosos de alguns pais, que a
tornam uma blasfémia? Claro. Se a escola,
ao contrário da família, da Igreja, dos me-
dia ou das redes sociais, se impedir de par-
tilhar valores que afetam as convicções dos
pais, prolonga a bolha familiar. Para muitas
crianças, a religião será a única fonte de
valores morais. A escola transforma-se,
por omissão, numa fábricas de fanáticos.
A
pandemia de covid-19 veio
criar impacto na saúde
psicológica de todos os
cidadãos e acarreta uma
série de repercussões psicológi-
cas, físicas, sociais e económicas
de grande relevo. A alteração pro-
longada do contacto social pode
gerar mudanças marcantes nas
nossas vidas, particularmente na
população mais vulnerável. É, por
isso, fundamental que os decisores
políticos privilegiem o contributo
da ciência psicológica no momen-
to que se vive.
Neste contexto, a intervenção
psicológica tem como um dos
principais objetivos intervir o mais
precocemente possível, evitando,
desde logo, que as pessoas desen-
volvam respostas desadaptadas.
Inclusive, investigações com base
em epidemias anteriores, como
o surto de síndrome respiratória
aguda grave (SARS), em 2003,
apresentam relatos sucessivos de
tores psicológicos desempenham
um papel importante na forma
como as pessoas respondem à
ameaça e às respetivas sequelas,
que, em situações de maior gravi-
dade, poderão envolver não ape-
A intervenção psicológica
tem como um dos principais
objetivos intervir o mais
precocemente possível,
evitando, desde logo, que
as pessoas desenvolvam
respostas desadaptadas
nas a contração do vírus, mas tam-
bém a morte de entes queridos.
A imprevisibilidade desta crise
trouxe também à tona fragilidades
na intervenção psicossocial, as
quais ficaram bastante evidentes
em organizações sociais. Basta
recordarmos os tristes casos que
surgiram relativamente a lares de
pessoas idosas, ficando evidente
que o atual contexto interfere com
básicas dos seres humanos.
Se a base da intervenção social é
largamente sustentada na relação
com as pessoas, o distanciamen-
to social, a ausência ou redução
de atendimentos presenciais ou o
regime de teletrabalho fragiliza-
ram esta importante interação. A
relevância de cuidar dos colabo-
radores e das organizações, cui-
dar de quem cuida, como sucede
também com todos os profissio-
nais da linha da frente, constitui,
então, outro importante eixo de
intervenção.
Se dúvidas existissem, a pande-
mia de covid-19 tem apresentado
desafios significativos à comunida-
de internacional de investigação,
em diversas áreas, e também para
a Psicologia e a Psiquiatria. Es-
pera-se que este surto dê espaço
e impulso para abordar questões
críticas de uma forma colaborativa
e numa perspetiva global, sobre a
saúde mental, que exige um claro e
imprescindível investimento.
“Cintura Bíblica”, as pessoas tendem a
ser contra o aborto, mas, paradoxal-
mente, são a favor da pena de morte e
do acesso generalizado às armas. Fora
deste universo sulista e WASP, os católi-
cos americanos são mais coerentes: sim,
são contra o aborto e, por isso, também
são contra a pena de morte e tendem
a ser menos pró-armas. Uma direita
católica permite assim um reequilíbrio
moral do Partido Republicano e um pos-
sível acordo de cedências mútuas com
a esquerda: vamos combater o aborto,
mas também vamos combater a pena de
morte e as armas. E não é só a direita
que tem a ganhar com o elemento cató-
lico. De direita ou de esquerda, políticos
católicos como Vance ou Biden mantêm
os valores cristãos e, ao mesmo tempo,
são pontes de contacto com o sector
laico. O século XXI americano será ca-
tólico ou será caótico.
HENRIQUE RAPOSO ESCREVE
NO EXPRESSO DIGITAL
DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA
34 PRIMEIRO CADERNO
Opinião
Sobre a segurança na pesca
Uma das mais perigosas
profissões do mundo
Ari Gudmundsson
A
atividade piscatória
continua a ser reconhe-
cida como uma das pro-
fissões mais perigosas
do mundo e, apesar dos enor-
mes esforços para mitigar este
fato, não existe em vigor um
instrumento vinculativo inter-
nacional que trate do projeto,
construção e equipamento das
embarcações de pesca.
Mas o Acordo poderá vir a
alterar este cenário, uma vez
que estabelece um conjunto de
requisitos harmonizados de se-
gurança para navios de pesca.
A Conferência Ministerial so-
bre Segurança de Embarcações
de Pesca e Pesca Ilegal, Não-De-
clarada e Não-Regulamentada
(INDNR), que teve lugar em
Espanha, em outubro de 2019,
atentou, com profunda preocu-
pação, que, ano após ano, quer o
número de vidas quer as navios
de pesca perdidas, continuam
demasiado altos, tendo apelado
aos Estados que ainda não se
tornaram partes do Acordo a
considerarem fazê-lo.
Nessa mesma conferência, os
Estados foram também encora-
jados a tomarem medidas para
prevenir, impedir e eliminar a
pesca INDNR, reconhecendo
que, com a entrada em vigor do
Acordo, o mesmo poderá confe-
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
Mais filmes, mais
séries, mais Portugal
Mais investimento para o ci-
nema e para o audiovisual
português é mais projetos, fil-
mes, séries, produção, traba-
lho, contactos, oportunidades,
experiências, emprego, novas
colaborações que aumentem
exponencialmente a capacida-
de de o sector crescer, proteger
melhor os seus direitos, pro-
fissionais e questões laborais
e sociais. Mais investimento é
maior prosperidade, criativida-
de e confiança. Mais trabalho
é menos sazonalidade e pre-
cariedade. O cinema e o au-
diovisual português precisam
que as ferramentas disponíveis
para financiar os seus projetos
sejam aumentadas e diversifi-
cadas. Trazer novos parceiros
que invistam no cinema e no
audiovisual diretamente é au-
mentar a capacidade de circula-
ção de trabalhadores, equipas,
técnicos. Precisamos de todos
para que o cinema e o audio-
visual português cresça. Dos
profissionais, das associações,
dos responsáveis públicos (ICA,
RTP, etc.) dos operadores tradi-
cionais e agora dos novos ope-
radores (Netflix e HBO, etc.)
que através desta lei terão que
dialogar, trabalhar e produzir
mais filmes e mais séries feitas
em Portugal e por portugueses.
Raquel Palermo, Lisboa
rir às partes os poderes para a
realização de inspeções e visto-
rias aos navios de pesca, melho-
rando assim a transparência das
atividades de pesca.
Mais ainda, 51 Estados, inclu-
indo Portugal, assinaram a De-
claração Torremolinos, na qual
se comprometeram a enveredar
os esforços necessários para que
os requisitos de entrada em vi-
gor do Acordo sejam cumpridos
até outubro de 2022
O Acordo entrará em vigor
12 meses após a adesão de, pelo
menos, 22 Estados, com um to-
tal de 3600 navios de pesca de
comprimento igual ou superior
a 24 metros elegíveis. Atualmen-
te, o Acordo foi ratificado por 14
Estados, com um total de 1433
navios.
O Acordo inclui medidas de
segurança obrigatórias para as
navios de pesca, especialmente
para as novas, de comprimen-
to igual ou superior a 24 me-
tros. Abrange um vasto leque
de requisitos técnicos tais como
dimensionamento estrutural;
estabilidade e navegabilidade as-
sociada; máquinas e instalações
elétricas; meios de combate a
incêndios; proteção da tripula-
ção; meios de salvação; procedi-
mentos de emergência; equipa-
mentos de radiocomunicação;
e equipamentos de navegação.
Contudo, a maioria dos requisi-
tos aplica-se apenas a navios de
“Business as usual”
As próximas eleições america-
nas são tão importantes como
imprevisíveis no que diz respeito
ao seu resultado final. Não recor-
do de ter assistido a uma campa-
nha tão gigantesca de manipula-
ção e desinformação da opinião
pública contra uma figura políti-
ca como Donald Trump. Mesmo
muita da imprensa chamada de
“referência” após um discurso
de uma hora deste apenas fazia
ênfase a afirmações que nenhu-
ma relevância política tinham,
com o objetivo de ridicularizar
a personagem. Todo o seu dis-
curso com conteúdo político era
ignorado independentemente se
pudéssemos concordar ou não.
Trump pagou um preço bastante
alto ao desafiar a “ordem eco-
nómica mundial”. Não se trata
de acabar com a globalização
como alguns querem fazer en-
tender para manipular a opinião
pública, aqui apenas se defende
regular a globalização impondo
quotas de mercado obrigando as
multinacionais a repor e distri-
buir a produção, todos ganham
e o ambiente também.
Fernando Ribeiro, S. J. da Madeira
O absurdo constitucional
Já todos percebemos que ago-
ra não “pode” haver uma crise
política. Em última análise, isso
resulta das disposições constitu-
cionais relativas aos poderes do
Presidente da República, à mar-
cação de eleições, etc., que impli-
cam que se o Governo caísse em
outubro, só teríamos novo gover-
no em março ou abril. Noutros
países vemos que um Governo
cai, duas semanas depois há elei-
ções e na terceira semana toma
comprimento igual ou superior
a 45 metros.
Para Portugal, e outros Esta-
dos-membros da UE, a ratifi-
cação do Acordo será um pro-
cesso quase direto, uma vez que
disposições semelhantes já se
encontram em vigor nos países
da UE e do EEE.
Com a entrada em vigor do
Acordo, as partes contratan-
tes venham a ter na sua posse
um instrumento poderoso para
imputar responsabilidades aos
Estados cujos navios que ar-
voram suas bandeiras, no que
diga respeito à segurança de
seus navios e tripulações; que
as operações de pesca sejam
efetuadas de forma segura e
cumprindo os requisitos legais
pertinentes; e que suas obriga-
ções de segurança como Esta-
dos de bandeira sejam cumpri-
das. Iria também encorajar os
proprietários e armadores de
navios a adotar uma aborda-
gem responsável e preventiva
para o que é, efetivamente, uma
atividade laboral arriscada. E
também coadjuvaria os Estados
a salvaguardar e bem-estar dos
seus cidadãos que laborem a
bordo de navios de bandeira es-
trangeira e a mitigar o risco de
pescado ilegal ser introduzido
nos seus mercados.
Perito no Acordo e segurança no mar,
tendo desempenhado cargos na FAO
posse um novo Governo. Nada
mais simples. Daqui se concluí
que as tais disposições constituci-
onais, por muito boa vontade que
tenha havido ao aprová-las, não
servem a democracia. Espanta-
-me que nestas circunstâncias
ainda nenhum partido, Presiden-
te da República ou comentador
político tenha alertado para a
necessidade urgente de rever
essa parte da Constituição, tor-
nando mais expedito o processo
de substituição de um Governo.
Manuel Serra, Lisboa
StayAway Covid
Sou contra a obrigatoriedade,
por princípio e porque a fiscali-
zação não poderia ser feita sem
intromissão na esfera pessoal,
com inspeção do telemóvel. Dito
isto, o argumento de que a uti-
lização da aplicação implica a
cedência (nesta caso obrigató-
ria) de dados pessoais, nomeada-
mente clínicos, é completamente
falso. A utilização da aplicação
não corresponde ao envio de da-
dos minimamente relevantes,
nomeadamente dados clínicos.
João Cunha, Lisboa
Retificação
Constavam dois erros do texto
“Cuidados intensivos à espera
dos doentes na última frontei-
ra”, publicado na última edição
do Expresso. Onde se afirmava
que no Hospital de Santa Maria
foram atendidos 32 doentes nos
cuidados intensivos, deve ler-se
132 doentes com covid-19 e que
destes mais de 80% sobrevive-
ram e não 20%, como foi escrito.
Pelos erros, as nossas desculpas.
1939-2020 Homem de uma infatigável criatividade,
era um dos grandes ícones da moda do nosso tempo
Kenzo Takada
V
eio a Paris por seis me-
ses, ficou quase seis dé-
cadas. E aí morreu, no
Hospital Americano de
Neuilly-sur-Seine, onde, mesmo
nos últimos dias, continuava a
ouvir música e a sonhar com
novos projectos, prova da infa-
tigável criatividade que fez dele
um dos grandes ícones da moda
do nosso tempo.
Kenzo Takada nasceu em 1939
em Himeji, uma pequena cidade
da região de Kansai. Desde mui-
to novo, demonstrou enorme
inclinação para a moda, motiva-
da pela leitura das revistas que
as suas irmãs traziam para casa,
e, em 1958, matriculou-se na Es-
cola de Moda Bunka, em Tóquio,
que acabara de abrir portas a
alunos do sexo masculino. Aí
teve um professor, Chie Kolike,
que, por ter estudado na École
de la Chambre Syndicale de la
Couture Parisienne, o iniciou
no culto e fascínio da moda fran-
cesa.
Kenzo, de resto, já tinha como
ídolo um jovem prodígio de
nome Yves Saint Laurent, en-
tão director artístico da Dior, e
uma circunstância fortuita deu-
-lhe os meios necessários para
a ansiada viagem até Paris: na
preparação das Olimpíadas de
1964, o Governo levou a cabo
um vasto programa de demo-
lições e realojamentos em Tó-
quio; com a indemnização rece-
bida, e a conselho do professor
Kolike, o jovem criador, então
com 25 anos, empreendeu uma
longa viagem de navio rumo a
França. Quando desembarcou
na Gare de Lyon, a 1 de Janeiro
de 1965, a primeira impressão
que teve de Paris foi de uma
cidade cinzenta e lúgubre, mas
à passagem do táxi por Notre-
-Dame achou a catedral “mag-
nificente” e ficou conquistado
para sempre.
Os primeiros tempos em Pa-
ris foram agrestes: vendia de-
senhos para costureiros pela
mísera quantia de 25 francos e
chegou a ponderar antecipar o
regresso ao Japão.
Uma vez mais, foi um acaso
que lhe mudou a existência.
Em 1970, encontrou casual-
mente numa feira da ladra
uma senhora que lhe propôs
arrendar barato um pequeno
OBITUÁRIO
Helena Marques
1935-2020 Tinha 22 anos
quando ousou ser a primeira
mulher jornalista no “Diário
de Notícias” do Funchal e na
ilha da Madeira, de onde eram
oriundos os seus pais e para
onde fora viver ainda criança.
Casou com o jornalista Rui
Camacho (falecido em 2014),
tiveram quatro filhos: Paulo,
Pedro, Francisco e Joana, e
em 1971 mudaram-se para
Lisboa, onde Helena Maria
Pereira Gonçalves Marques
trabalharia nas redações
dos vespertinos “A Capital”,
“República” e “Luta”. Em
1978 entrou para o “Diário
de Notícias”, foi a primeira
Expresso, 24 de outubro de 2020
Desastres Naturais
espaço na Galerie Vivienne, no
coração do 2º bairro. Inspirado
pelo pintor Henri Rousseau,
decorou a loja como uma selva
frondosa e, dada a sua ascen-
dência nipónica, chamou-lhe
Jungle Jap.
O estilo, exuberante e floral,
com ressonâncias exóticas, foi
um sucesso imediato: em Ju-
nho de 1970, a “Elle” pôs na
capa uma das suas criações, a
“Vogue” também mostrou um
Nos últimos
dias, continuava
a ouvir música
e a sonhar com
novos projectos
vestido dele, envergado por
uma jovem modelo de 23 anos
chamada Jane Birkin, e, ain-
da nesse ano, Kenzo mudou-se
para um lugar mais espaçoso
na Passage Choiseul. No ano
seguinte, foi até Nova Iorque,
viagem marcada pelo facto de
a Japanese-American Citizens
League o ter instado a retirar
o injurioso jap da sua marca.
O caso acabou no supremo tri-
bunal estadual, que decidiu a
favor do costureiro, e só então
este decidiu mudar para Kenzo,
sem mais.
Em 1976, inaugurou a sua lo-
ja-mãe, na Place des Victoires,
mulher subchefe de redação
deste jornal e também
diretora-adjunta na equipa
do já desaparecido Mário
Bettencourt Resendes. Em
1992 publicou o seu primeiro
romance, ”O Último Cais”,
distinguido com o Grande
Prémio de Romance e Novela
da Associação Portuguesa de
Escritores e o Prémio Revista
Ler/Círculo de Leitores, entre
outros galardões. Seguiram-se
“A Deusa Sentada”, “Terceiras
Pessoas” e “Os Íbis Vermelhos
da Guiana”, “Ilhas Contadas”
e “Bazar Alemão”, de 2010. Os
três filhos ‘rapazes’ passaram
pelo jornalismo, Paulo foi
jornalista do Expresso e da
SIC, Pedro, jornalista e diretor
da “Visão”, Francisco é autor
de dois romances e trabalhou
em várias redações. Helena
era uma mulher que gostava
das palavras, viveu num
mundo de palavras e morreu
por causa de uma palavra:
covid-19. No Hospital de
Cascais, dia 19.
Por António Araújo
FOTO GONZALO FUENTES/FILE PHOTO/REUTERS
e o resto seria uma sucessão de
triunfos: em 1977, espectáculo
de moda no Studio 54, em Nova
Iorque, apresentado por Grace
Jones; desfiles assombrosos em
1978 e 1979, realizados numa
tenda de circo armada nos jar-
dins do Castelo de Maisons-Laf-
fitte e com finais apoteóticos
em que o mestre irrompia no
cimo de um elefante, enquanto
em seu redor se juntavam mo-
delos a cavalo com uniformes
transparentes; lançamento do
primeiro perfume, King Kong,
em 1980; realização de um fil-
me, “Yume, Yume”, em 1981;
primeira colecção masculina
em 1983 e abertura de uma li-
nha para crianças em 1986.
Em 1993, vendeu a marca
ao gigante do luxo LVMH e,
poucos anos depois, em 1999,
anunciou a retirada do mundo
da moda para se entregar à pin-
tura, mas permaneceu sempre,
de uma forma ou doutra, ligado
ao mundo da moda e do design.
No início deste ano, lançou
uma nova marca de mobiliário
de luxo, a K3, e em Fevereiro
ainda festejou o aniversário.
Depois veio a pandemia, que
o levou num domingo, 4 de
Outubro. Tinha 81 primaveras,
literalmente.
António Araújo
escreve de acordo
com a antiga ortografia
> Spencer Davis (1939-2020),
músico britânico, fundador
do The Spencer Davis Group,
fez parte da invasão britânica
de música pop na década de
60. ‘Gimme Some Lovin’’ é um
êxito seu. Depois fez carreira
fora dos palcos, como execu-
tivo, mas sempre na indústria
musical. Dia 20, em Los An-
geles, Califórnia. > Rhonda
Fleming (1923-2020), atriz nor-
te-americana e estrela maior
dos anos 40 e 50, foi uma das
pioneiras do cinema a cores.
Foi dirigida por Alfred Hitch-
cock em “A Casa Encantada”.
Dia 14, em Santa Mónica, Cali-
fórnia. > Tom Maschler (1933-
-2020), editor e escritor bri-
tânico, fundador do Boo ker
Prize, ficou conhecido por
encontrar novos talentos e
impulsionar carreiras. García
Márquez, Ian McEwan, Juli-
an Barnes e Salman Rushdie
passaram-lhe pelas mãos; 15
dos escritores que editou ga-
nharam o Nobel da Literatura.
Dia 15, em Apt, França.
Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 35
36 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA F1
ESTACIONAMENTO
ZONA VERMELHA
Grande Prémio de Portugal
O Mundial de Fórmula 1 regressa a Portugal 24 anos
depois, desta vez ao circuito algarvio. A 12ª corrida
da temporada está marcada para domingo,
em Portimão, a partir das 13h10
DADOS DA PISTA
Comprimento: 4684 m
Largura: 14 m
Comprimento das retas: 3204 m (68,3%)
Comprimento das curvas: 1488 m (31,7%)
Número de curvas: 15
N267
Raio de curvatura mínimo: 18 m
MONCHIQUE
Raio de curvatura máximo: 160 m
Subida máxima: 6,2%
Declive máximo: 12%
Comprimento da reta principal: 969 m
Largura: 18 m
Boxes: 42
Texto João Mira Godinho
Q
Infografia Jaime Figueiredo
uando, a 24 de ju-
lho, a Federação
Internacional do
Automóvel (FIA)
anunciou o regres-
so da Fórmula 1 a
Portugal, ao fim de
24 anos, o país regis-
tava 313 novos casos
de covid-19. Os baixos números de
novos contágios que se verificavam na
altura estiveram mesmo entre os mo-
tivos apontados para a escolha da pista
do Autódromo Internacional do Algar-
ve (AIA), em Portimão, para completar
o calendário do mundial deste ano,
depois dos cancelamentos provocados
pela pandemia. Esta semana, com a
corrida agendada para domingo, ultra-
passou-se pela primeira vez os 3000
novos casos da doença num só dia, dez
vezes mais do que em julho. Segurança
é, por isso, a palavra de ordem quando,
até por aí, pode passar a continuidade
da principal competição do desporto
automóvel em Portugal.
“A zona do paddock é considerada
uma ‘bolha vermelha’, de segurança
máxima, está completamente isolada
e todas as pessoas que lá entram são
testadas diariamente ou de dois em
dois dias”, explica Paulo Pinheiro, ad-
ministrador do AIA. “É desagradável,
todos os dias”, reconhece, “mas tem de
ser... surgir um surto entre as equipas
seria impensável”. A tarefa envolveu
o controlo de 1500 pessoas na fase de
montagem, que terminou na quinta-
-feira, e de 3000 a 4000 durante os
treinos, sexta-feira e sábado, e na cor-
rida, domingo. Também para reduzir
o risco, não é permitida a entrada de
convidados e a presença de jornalistas
foi limitada a 100, que seguem todo o
Campeonato do Mundo de F1 ao longo
do ano.
Quando saem do autódromo, pilo-
tos e restantes elementos das equi-
pas mantêm-se em isolamento total,
viajando diretamente para os hotéis,
onde “reservaram pisos inteiros ou
mesmo todo o hotel”, continua Paulo
Pinheiro. “Seja as refeições, seja o que
for, tudo é feito em zonas exclusivas,
não têm qualquer contacto com outros
hóspedes”, acrescenta.
Hotéis
BANCADA
LAGOS
BANCADA
NORTE
ESTACIONAMENTO
ZONA AMARELA
Regresso 24 anos depois, Portugal acolhe um GP de Fórmula 1
que será necessariamente diferente em função da pandemia
ENFIAR UM CIRCO
DENTRO DE
UMA BOLHA
A segurança também passa pelo pú-
blico. A Direção-Geral da Saúde (DGS)
limitou o número de espectadores a
27.500. A organização tinha aponta-
do aos 46 mil e, na altura, já estavam
vendidos “cerca de 31.500 bilhetes”.
Mas, com as desistências que vieram
de fora de Portugal, Paulo Pinheiro
garante que “praticamente não será
necessário fazer devoluções”. A DGS
proibiu bancadas tipo peão (em pé),
pelo que “foi feita uma nova bancada”
para quem tinha esses lugares — exis-
tindo a possibilidade de devolução do
dinheiro ou do pagamento de um extra
para se optar por outra bancada. E só
são permitidos grupos (familiares) até
um máximo de seis pessoas, o que tam-
bém não representou um problema,
OS QUE ENTRAM
NO PADDOCK SÃO
TESTADOS. NÚMERO
DE CASOS AUMENTOU
DEZ VEZES DESDE QUE
A PROVA FOI ANUNCIADA
BANCADA BANCADA
PORTIMÃO 2 PORTIMÃO
9 280 km/h
7 270 km/h
PADDOCK
1 220 km/h
BANCADA
OESTE
BANCADA
P. INFERIOR
BANCADA
P. SUPERIOR
ESTACIONAMENTO
ZONA VERDE
pois “a maioria das vendas foi de dois
ou três bilhetes juntos e apenas alguns
de quatro”.
Limitado mas...
Apesar das limitações, o Grande Pré-
mio de Fórmula 1 vai ser um dos even-
tos com mais público (senão mesmo o
com mais) desde o início da pandemia
em Portugal. Para garantir a segurança,
os espectadores vão ser divididos por 11
bancadas, todas isoladas entre si e com
entradas separadas, acessos limitados
por baias e a distância social de segu-
rança entre cada pessoa assinalada no
chão, ao longo do percurso. As banca-
das estão divididas por três sectores,
cada um com uma cor (verde, vermelho
ou amarelo), que está assinalada no
bilhete. Os parques de estacionamento
e acessos também estão divididos pelas
mesmas cores.
Pelo autódromo foi reforçado o nú-
mero de dispensadores de gel desinfe-
tante para as mãos, bem como a quan-
tidade de casas de banho e de máquinas
de venda de comida. Ainda assim, o
administrador do AIA lembra a impor-
tância do comportamento do público,
até para o futuro: “Estamos a fazer tudo
para que a Fórmula 1 continue a passar
por Portugal nos próximos anos, ainda
não se sabe o que vai acontecer, se a
PEÃO
280 km/h 15
Meta
Parque B1
Parque B2
Parque B2
FIA vir grupos de pessoas juntas, sem
máscara cujo uso é obrigatório em todo
o autódromo, nas bancadas, de certeza
que não ajuda.”
A GNR, que destacou 600 militares
para o dispositivo de segurança da
prova, promete “especial atenção” ao
cumprimento das recomendações da
DGS, tanto no exterior como no in-
terior do AIA, “de forma a garantir o
distanciamento social”. Nos acessos ao
autódromo apenas vai ser permitida
a circulação de pessoas que tenham
bilhete (os moradores devem utilizar
vias alternativas) e é pedido que os
espectadores cheguem o mais cedo
possível, pois a revista pessoal de cada
um poderá levar a que “a entrada no
recinto seja demorada”, recomendou
a GNR. “A fiscalização do trânsito no
acesso ao AIA e o cumprimento das
normas relacionadas com a pandemia
de covid-19 foram exigências do promo-
tor” da prova, adiantou o tenente-co-
ronel Marco Henriques, do Comando
Distrital de Faro, na conferência de
imprensa de apresentação do dispositi-
vo de segurança.
O “comportamento individual de
acordo com as normas da DGS” tam-
bém foi realçado por Isilda Gomes,
presidente da Câmara, na abertura da
Portimão Motorsports, uma zona, na
baixa da cidade onde estão a decorrer
Expresso, 24 de outubro de 2020
LOTAÇÃO MÁXIMA
O Governo autorizou para esta prova
específica uma lotação máxima de
27.500 lugares sentados, distribuídos
por bancadas independentes, com uma
lotação de ocupação variável e divididas
por sectores de cerca de 800 pessoas
BANCADA
SAGRES
BANCADA
SOLVERDE
BANCADA
SUL
A22
PORTIMÃO
PARQUES DE ESTACIONAMENTO
O estacionamento será gratuito,
com exceção dos parques B1 e B2
PARQUE B1
Domingo: €30 / Fim de semana: €45
PARQUE B2
Domingo: €15 / Fim de semana: €25
Existe transporte de autocarro, a partir
de quatro parques de estacionamento:
em Portimão-Praia da Rocha (dois), junto
ao antigo Retail Park e junto ao BurroVille
uma série de iniciativas relacionadas
com a prova, para receber os visitantes.
No local há carros de corridas de dife-
rentes épocas e estilos, simuladores e
jogos eletrónicos, animação musical e
infantil e um concerto, todas as noites,
às 21h30. Hoje está previsto que Mariza
suba ao palco. Foram ainda colocados
ecrãs gigantes para acompanhamento
dos treinos e da corrida.
Apesar das expectativas, o impacto da
Fórmula 1 no turismo algarvio, em ano
de pandemia, não deverá ser grande.
Se Paulo Pinheiro defende que “não há
empresa de transporte de material ou
de aluguer de máquinas, no Algarve,
que não esteja com trabalho” — no AIA
estão cerca de 600 camiões e 12 gruas,
entre outro equipamento e maquina-
ria, numa logística nunca vista em 12
anos de existência do autódromo —,
a hotelaria pouco sentiu o aumento
da procura, além do provocado pelas
equipas e pelos profissionais que tra-
balham em torno do “circo”. Elidérico
Viegas, presidente da maior associação
do sector no Algarve, já veio lamentar
que a prova não conte “com o grosso de
espectadores que é habitual”. E admitiu
o cancelamento de algumas reservas,
quase todas do estrangeiro e em parti-
cular depois da redução do número de
espectadores definida pela DGS. A con-
firmar estes dados, e de acordo com a
organização, perto de 85% dos bilhetes
foram vendidos em Portugal, com uma
ligeira concentração na zona de Lisboa,
mas um pouco por todo o país.
O programa arranca hoje com uma
corrida de exibição de modelos GT,
às 10h25, e a manhã termina com a
terceira e última sessão de treino da
Fórmula 1 (11h). À tarde há a qualifica-
ção (a partir das 14h) e ainda uma cor-
rida de exibição de protótipos (15h45).
Amanhã, os GT voltam à pista, às 9h15,
seguindo-se os protótipos (10h20). O
Grande Prémio de Portugal tem início
marcado para as 13h10.
Depois da F1, dentro de menos de um
mês, entre 20 e 22 de novembro, o autó-
dromo algarvio recebe outro dos mais
importantes desportos motorizados,
com a realização da última etapa do
mundial de MotoGP, campeonato onde
este ano tem estado em destaque o pilo-
to português Miguel Oliveira. Também
essa prova está previsto que venha a
ter público.
tribuna@expresso.impresa.pt
Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 37

BREVES

CLASSIFICAÇÃO DO CAMPEONATO DE FÓRMULA 1

Temporada de 2020
Lewis Hamilton, o OLÁ, UEFA, ATÉ PARA A SEMANA, UEFA
PILOTO PAÍS CARRO PTS.
melhor de sempre? FUTEBOL Na primeira jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões, o FC
Porto foi derrotado em Manchester pelo City (1-3), sendo o golo portista de Luis
1 Lewis Hamilton Reino Unido Mercedes 230 Díaz; na terça-feira (20h), a equipa de Conceição recebe o Olympiacos, de Pedro
2 Valtteri Bottas Finlândia Mercedes 161 Lewis Hamilton estará porventura a Martins. Na Liga Europa, o Benfica foi à Polónia bater o Lech Poznan (4-2, com
3 Max Verstappen Países Baixos Red Bull Racing Honda 147 dois anos de dessacralizar Michael hat-trick de Darwin e um golo de Pizzi) e será anfitrião do Standard Liège na
4 Daniel Ricciardo Austrália Renault 78 Schumacher e tornar-se o melhor quinta-feira (20h); o Braga bateu o AEK (3-0, com golos de Galeno, Paulinho e
5 Sergio Perez México Racing Point BWT Mercedes 68 piloto de Fórmula 1 de todos os Ricardo Horta) e vai à Ucrânia defrontar o Zorya também na quinta-feira (17h55).
6 Lando Norris Reino Unido McLaren Renault 65 tempos. Estatisticamente falando,

5º
7 Alexander Albon Tailândia Red Bull Racing Honda 64 porque há homens míticos que
8
9
Charles Leclerc
Lance Stroll
Mónaco
Canadá
Ferrari
Racing Point BWT Mercedes
63
57
perduram para lá dos números, O CLÁSSICO ESPANHOL
EMBRULHADO EM NÓS
como Ayrton Senna, não por acaso o
10 Pierre Gasly França AlphaTauri Honda 53 grande ídolo do piloto britânico da
11 Carlos Sainz Espanha McLaren Renault 51 Mercedes. Voltando às contas: no GP
12 Esteban Ocon França Renault 36 de Portimão, Hamilton pode dar um FUTEBOL Este sábado (15h, Eleven
13 Sebastian Vettel Alemanha Ferrari 17 passo significativo para chegar ao Sports), Barcelona e Real Madrid en- é o lugar ocupado por Portugal
14 Daniil Kvyat Rússia AlphaTauri Honda 14 sétimo título mundial (2008, 2014, contram-se pela 244ª vez no “El Clási- no ranking da FIFA,
15 Nico Hulkenberg Alemanha Racing Point BWT Mercedes 10 2015, 2017, 2018 e 2019), igualando o co”, que já registou 800 golos nos jogos encontrando-se agora apenas
16 Antonio Giovinazzi Itália Alfa Romeo Racing Ferrari 3 recorde de Schumacher; vencer no entre eles. E entram em Camp Nou sem a quatro pontos da Inglaterra,
17 Kimi Räikkönen Finlândia Alfa Romeo Racing Ferrari 2 Algarve, por outro lado, torna-o o motivos de alegria: o Barça vive um mo- pois recuperou sete pontos
18 Romain Grosjean França Haas Ferrari 2 mais vitorioso piloto da história (92), tim (jogadores que renovaram contrato relativamente à última
19 Kevin Magnussen Dinamarca Haas Ferrari 1 deixando precisamente Schumacher com baixa salarial contra jogadores que atualização. A Bélgica mantém
20 Nicholas Latifi Canadá Williams Mercedes 0 para trás. Um parêntesis: Hamilton recusaram fazê-lo) e tem duas vitórias, a liderança, seguida da França
21 George Russell Reino Unido Williams Mercedes 0 já é o tipo com mais pole positions um empate e uma derrota na La Liga; e do Brasil. Por seu lado, a
de sempre, com 96, mais 28 do que o Real perdeu com o Shakhtar Donetsk Seleção Nacional está à frente
Schumacher. Simbolicamente, estas (2-3), no Bernabéu, e o cargo de Zidane da Espanha, do Uruguai e da
proezas podem suceder num ano está em perigo, dizem os jornais. Argentina
estranhíssimo, marcado não só pela
pandemia — que obrigou ao
cancelamento de corridas e à CICLISMO João Almeida é 5º clas-
recalendarização favorável a sificado a Volta a Itália, depois de
Depois de ter igualado o recorde de 91 vitórias que pertencia ao alemão Michael Portugal — mas também pelo ter liderado a prova durante 15
Schumacher, o piloto britânico Lewis Hamilton (Mercedes) pode ficar sozinho movimento Black Lives Matter, que dias e só ter perdido a camisola
no pedestal caso vença o Grande Prémio de Portugal tem em Hamilton o seu subscritor rosa no mais árduo dia de mon-
mais vocal na F1. O carro da tanha. Rúben Guerreiro já venceu
Mercedes, outrora cor de prata, uma etapa — 31 anos depois de
SÁBADO, 24 DE OUTUBRO como o “Surfista Prateado”, foi Acácio da Silva, o último português
GT Cup Exhibition Race, Corrida 1, 10h25-10h45 colorido de negro, como o “Black a ganhar numa grande volta — e
Fórmula 1, Treino Livre 3, 11h-12h Panther”, e Hamilton passou a detém a camisola azul, do ciclista
Fórmula 1, Qualificação, 14h-15h ajoelhar-se, como Colin Kaepernick, com mais pontos conquistados na
Sports Prototype Cup, Corrida 1, 15h45-16h25 em cada Grande Prémio. Mas nem montanha. É provável que a man-
por isso nem com todas as tenha até final, porque tem mais
DOMINGO, 25 DE OUTUBRO distrações e algumas críticas ao seu de 100 pontos de avanço para o
GT Cup Exhibition Race, Corrida 2, 9h15-9h35 comportamento, o piloto ativista se adversário mais próximo e restam
Sports Prototype Cup, Corrida 2, 10h20-11h alheou: em 11 provas disputadas, já apenas três contagens, todas este
Fórmula 1, Apresentação dos Pilotos, 11h20-12h tem 7 triunfos, 8 pole positions e 69 sábado. Almeida segue a 2m16s
Fórmula 1, Hino Nacional ‘A Portuguesa’, 12h54-12h56 pontos de vantagem no Campeonato do líder, Wilco Kelderman. O Giro
Fórmula 1, Grande Prémio (66 voltas), 13h10-15h10 de Pilotos sobre o colega finlandês termina no domingo com um con-
da Mercedes Valtteri Bottas. trarrelógio de 15,7 quilómetros.
O Grande Prémio de F1 será transmitido em direto na Eleven Sports Pedro Candeias FOTO LUCA ZENNARO/EPA

COM CARLOS DANIEL

A OPINIÃO DE QUEM SABE.

O DEBATE ENTRE QUEM PENSA DIFERENTE.

ESTREIA
DIA 27 OUTUBRO - 22h
38 PRIMEIRO CADERNO
PROJETOS EXPRESSO SOLIDARIEDADE
A Associação Just
a Change já reabilitou
mais de 200 casas
de idosos sem condições
de habitabilidade
FOTO GONÇALO VILLAVERDE
Seniores A solidão, o isolamento e a saúde são as grandes carências
dos mais idosos. O prémio contemplou 24 projetos de solidariedade
social, entre os quais um que recupera lares quase inabitáveis
Uma vida nova
e uma nova casa
para Matateu
Textos André Rito
M
atateu, 69
a n o s , v i ve u
sozinho numa
casa sem luz
nem água ca-
nalizada. Com
o chão em ter-
ra batida e uma tábua feita por-
ta, não tinha sequer casa de ba-
nho. Ao lado morava o irmão,
com quem não falava há mais
de sete anos. “Nenhum deles
sabia dizer exatamente há
quantos, nem sequer a razão
pela qual se chatearam”, re-
corda António Belo, diretor da
Just a Change, associação de
solidariedade social cuja equi-
pa de voluntários e um mestre
de obras foi encarregada de
duas missões: recuperar-lhe a
casa e reconstruir-lhe a vida.
“Durante dez dias fizemos
os possíveis e os impossíveis:
picar e rebocar paredes, co-
locar tetos, ladrilhos no chão,
DISTINGUIDOS
NO PRÉMIO
SENIORES
^ Alzheimer Portugal
^ AMITEI — Associação
de Solidariedade Social
de Marrazes
^ Associação 2000 de Apoio
ao Desenvolvimento
PROJETO
SOLIDARIEDADE
O Expresso associa-se
ao BPI/Fundação
“La Caixa” para
debater, nos próximos
meses, os desafios
da solidariedade, do
terceiro sector, das
instituições que apoiam
a infância, os jovens e
adultos, os seniores, as
populações em zonas
rurais e as pessoas com
deficiência.
pintar o interior e o exterior,
fazer uma casa de banho de
raiz, limpar o telhado, colocar
uma porta, instalar a canaliza-
ção.” Este foi apenas um dos
trabalhos desenvolvidos pela
associação sediada em Lisboa,
uma das vencedoras do Pré-
^ Associação de Desenvolvimento
da Ribeira Brava — ADBrava
^ Associação de Socorros
Mútuos Mutualista Covilhanense
^ Associação Just a Change
^ Associação Mais Proximidade,
Melhor Vida
^ Azimute — Associação
de Desportos de Aventura,
Juventude e Ambiente
mio BPI “La Caixa” Sénior,
que distinguiu 24 projetos [ver
caixa] de integração social,
promoção do envelhecimento
ativo, saudável e em casa, de
pessoas com mais 65 anos em
situação de vulnerabilidade
social.
No total, foram recebidas 214
candidaturas nesta 8ª edição,
avaliadas “tendo em conta os
critérios de qualidade, sus-
tentabilidade e relevância dos
projetos”. “Com este prémio
vamos poder reabilitar mais
quatro casas de idosos, sem
condições, na região de Óbi-
dos. É um problema muito
presente na população mais
sénior, e são quem mais sofre
quando vivem nestas condi-
ções. Reabilitar as casas tem
muito impacto na vida deles”,
resume o diretor da associação
sem fins lucrativos, que desde
a sua fundação já recuperou
mais de 200 casas.
“Trabalhamos em várias re-
giões em parceria com as câ-
^ Casa Saúde Bom Jesus —
Instituto das Irmãs Hospitaleiras
do Sagrado Coração de Jesus
^ CASTIIS
^ Centro de Promoção Social
^ Centro Paroquial do Estoril
^ Centro Social e Paroquial de Sousela
^ Centro Social e Paroquial Nossa
Senhora da Luz — Albernoa
IDOSOS
298
mil é o número de idosos
com mais de 85 anos,
em Portugal. No total
representam mais de 3%
da população
2030
é o ano em que se estima
haver um idoso com mais
de 65 anos por cada quatro
pessoas. As estimativas
apontam para uma população
de 2,7 milhões de idosos
^ Centro Social Nossa Senhora do
Carmo
^ Centro Social Paroquial de Nossa
Senhora da Luz
^ Engenho — Associação de
Desenvolvimento Local do Vale do
Este
^ Fundação João Bento Raimundo
^ Grupo Social Recreativo Cultural
e Desportivo de Favaios
Expresso, 24 de outubro de 2020
maras municipais, que reúnem
instituições locais mais conhe-
cedoras da realidade e sinali-
zam as casas”, afirma António
Belo, identificando as princi-
pais carências que encontra no
terreno — “a falta de conforto,
problemas de saúde provoca-
dos pelo frio da casa, sem vida
social e uma enorme solidão”.
Com uma população cada vez
mais envelhecida, Portugal é
dos países onde os idosos pas-
sam maiores dificuldades, e
chegou a ser o sétimo país da
União Europeia com maior
percentagem de pessoas ido-
sas a viver abaixo do limiar da
pobreza. A maioria dos pensi-
onistas recebe valores mensais
inferiores ao salário mínimo.
Em ano de pandemia e crise
económica, os mais idosos são
também o grupo mais vulnerá-
vel à covid-19 e em maior risco
de exclusão. Foi isso que levou
a Associação Mais Proximi-
dade Melhor Vida a submeter
uma candidatura ao Prémio
BPI “La Caixa” Sénior. “Tem
como objetivo minimizar os
efeitos da pandemia nas pes-
soas idosas”, explica a diretora
de comunicação da associação,
Rita Roquette. “A pandemia
afetou muitas pessoas, que se
viram privadas de uma vida
normal e das visitas de fami-
liares.”
Intitulado Sénior Mais, o pro-
jeto vai prestar apoio a 120 pes-
soas idosas residentes na Baixa
de Lisboa e na zona da Mou-
raria, através de fisioterapia,
acompanhamento psicológico,
ajuda na marcação de consul-
tas e exames. Também aqui os
idosos vivem na sua maioria
em solidão. “A média de idades
das pessoas que apoiamos é
de 83 anos, cerca de 90% do
género feminino”, diz a repre-
sentante da associação. Embo-
ra sejam idosos que habitam
em zonas centrais da capital,
muitos vivem em prédios sem
elevador, o que intensifica o
seu isolamento. A maior parte
são mulheres, e vivem acima
do terceiro andar.
“Imagine o que é levar uma
pessoa de 90 anos pelas esca-
das até à rua”, diz Rita Roquet-
te. “Na Baixa, os prédios são
altos e as ruas planas, mas na
Mouraria estamos a falar de vi-
elas íngremes, um contexto so-
cial mais complexo.” Por regra,
as visitas são acompanhadas
pelo pessoal técnico, profis-
sionais da área da gerontolo-
gia, psicologia social e alguns
voluntários. Com pequenos
gestos e ajudas — como ajudar
a levantar a reforma, fazer o
pagamento de uma fatura — o
trabalho da associação faz uma
grande diferença na vida de
quem prestam apoio.
No início da pandemia, com
o confinamento obrigatório, os
contactos com os utentes pas-
saram a ser telefónicos. Mas
houve outro tipo de apoio para
lidar com estes tempos sem
igual. “Ajudámos pessoas com
equipamentos de proteção in-
dividual, termómetros. A nossa
equipa ajudava nas compras,
iam ao terreno, garantiam os
bens que estavam em falta. A
partir de maio começámos a
fazer as visitas ao domicílio à
janela ou à porta de casa.”
sociedade@expresso.impresa.pt
^ Mala Voadora
^ Rio Neiva — Associação
de Defesa do Ambiente
^ Santa Casa da Misericórdia
de Coimbra
^ Santa Casa
da Misericórdia de Marco
de Canaveses
^ Santa Casa da Misericórdia
de Montemor-o-Novo
Ajudar
em
tempo de
covid-19
Em destaque os grupos
sociais em risco de
exclusão, como os
idosos e doentes
de foro psiquiátrico
Nos últimos dez anos, em
26 edições concluídas, os
prémios BPI “La Caixa” en-
tregaram cerca de €17,3 mi-
lhões para a implementação
de 591 projetos de inclusão
social em Portugal. No total,
mas mais de 138 mil portu-
gueses foram ajudados pelo
espírito solidário de várias
instituições sem fins lucrati-
vos. Num ano de pandemia
o risco de exclusão social
aumentou. E a solidarie-
dade? “Os portugueses são
muito solidários, sobretudo
em altura de crise, e isso
tornou-se evidente durante
a pandemia”, disse Rita Ro-
quette, da Associação Mais
Proximidade Melhor Vida.
Nos últimos 10 anos,
os prémios BPI
“La Caixa” apoiaram
mais de 138 mil
portugueses ao
reconhecer o espírito
solidário de várias
instituições sem
fins lucrativos
Com 33 anos de atividade, a
Alzheimer Portugal tem tra-
çado o seu caminho na ativi-
dade solidária, e chamado
a atenção para uma doença
estigmatizada, a demência.
Com uma abordagem cen-
trado no doente, a associa-
ção luta pela promoção de
um modelo de cuidados livre
de contenção, psicológica,
química ou ambiental. “Por
vezes, quando não têm pos-
sibilidades, as pessoas usam
soluções caseiras, através
de um lençol para amarrar
ou conter as pessoas. São
métodos violentos, nenhum
tipo de contenção é benéfico
e os efeitos são nefastos”,
afirma Filipa Gomes, da di-
reção técnica da associação.
O projeto “Estreitar Laços
— Modelo de Cuidados Hu-
manizados para Pessoas com
Demência” valeu à Alzhei-
mer Portugal o prémio para
uma associação que tem lu-
tado pelo fim do estigma das
doenças do foro psiquiátrico.
“A sociedade está mais des-
perta para a questão de de-
mência, mas ainda há muito
para fazer. A contenção é um
exemplo, ainda é um fator de
exclusão.”
Expresso, 24 de outubro de 2020 PRIMEIRO CADERNO 39

Henrique Monteiro

REFLEXÕES VIRAIS
DE PEITO FEITO
Foi assim que Marcelo Rebelo
de Sousa, acompanhado da
ministra da Saúde, Marta
Temido, se apresentou para
levar a vacina da gripe. Foi
um ato que poderia ter
sido incentivador acaso
não houvesse, já na altura,
filas e listas de espera em
todas as farmácias, de gente
que quer ser vacinada. Em
pouco mais de um dia esgotaram-se, e
agora apenas há letreiros à porta com
a informação de que não há stock. Eis
algo que permitiria a qualquer cidadão
queixar-se, e parafraseando a ministra,
dizer que o “estão a empurrar” para um
Centro de Saúde.

EMPURRADA
A ministra Marta Temido
sente-se empurrada para ‘os
privados’ sempre que alguém
da Ordem dos Médicos ou
de outro organismo ligado
à Saúde que lhe escapa ao
controlo toma posição. A

FOTO TIAGO MIRANDA

senhora ministra já poderia
ter entendido que a boa
parte das pessoas tanto lhe faz ser
privado ou público (apenas lhe interessa
quanto gasta num e noutro); já deveria
ter entendido que plantar notícias
em jornais com as verbas que paga a
privados só tem sentido se disser quanto
gasta com os públicos; só tem sentido se
O presente envenenado de Rio a si mesmo concordar em que muitos portugueses
que, munidos de seguros de saúde
privados, vão aos hospitais privados, não
pagam menos IRS por isso e também

O
líder do PSD fez um
enorme favor a Costa e
atrapalhou as reivindi-
cações do BE e da res-
tante esquerda. Ao declarar
que vota contra o Orçamento,
correndo embora o risco de pa-
recer (ou ser) tão irresponsável
como todos os outros, obriga o
BE ou o PCP, e quem quer que
seja da esquerda, a responsabi-
lizar-se pelo OE, ou chumbá-lo.
Na verdade, era exatamente o
que Costa queria, tendo che-
gado a dizer que preferia aca-
bar com o Governo a fazer um
OE que contasse com o PSD;
ao contrário, era tudo o que a
esquerda não queria, quando
insinuava que o Orçamento
podia ser aprovado pelo PSD,
com quem o PS, paulatinamen-
te, se estaria a aliar.
Digamos que taticamente a
jogada do líder do PSD é boa,
sobretudo quando se sabe que
só 11% acreditam que o Orça-
mento pode ser chumbado;
que a maioria responsabiliza-
ria a esquerda por tal chumbo,
e defende a continuação de
Costa como primeiro-minis-
tro. Lido em conjunto, seriam
o BE e o PCP os mais respon-
sabilizados, Costa a maior
contribuem para o SNS, mesmo que dele
vítima e o PSD não sofreria ciais-democratas que se trata não há hipótese de eleições nos não usufruam. Ou seja, a ‘guerra’ entre
grandes danos. de um documento diferente, do próximos 12 meses, devido aos privados e públicos não tem sentido
Boa jogada, dir-se-á, até por- qual a esquerda já está arreda- impedimentos gerados pelas nenhum. Sobretudo a meio de uma crise
que o silêncio dos sociais-de- da. Parece, pois, tudo bem. Mas eleições presidenciais. Ou seja, como a que vivemos.
mocratas sobre a matéria po- está tudo mal. hoje em dia não se trata apenas
deria indicar que na 25ª hora, Este tipo de raciocínios não de uma questão de preferênci- NÃO AOS MORTOS
e devido à crise e à pandemia, levam em conta o que deveria as, ou mesmo de substituição A proibição de circulação
Rio salvaria o Governo, como ser o aspeto fundamental da de Governo. É nesta circuns- entre concelhos de 30 de
aliás chegara a referir, enquan- discussão: o país. O que eu – e tância que vivemos, e não num outubro a 3 de novembro,
to a artilharia do PS invetivava penso que qualquer eleitor – tempo normal. o que compreende o dia
a esquerda por uma irrespon- quer saber é se o país fica pior O próprio Rio disse que, ten- de fiéis defuntos (2 de
sabilidade incompreensível. com este Orçamento aprovado do isto em conta, pôs a hipóte- novembro, normalmente
Pessoalmente, sempre acre- do que sem Orçamento ne- se da abstenção. Mas, como o celebrado a 1, por ser feriado,
ditei que o OE passa e que o nhum. Porque, na verdade, se OE é mau, e o PS não quer o Dia de Todos os Santos),
Bloco o viabiliza. Mais: ainda um OE é mau para o país, de- PSD para nada, decidiu-se pelo mostra que o Governo
acredito que, se a esquerda não ve-se chumbar. Mas temos de voto contra. Faltou esclarecer não arrisca, mesmo com
o viabilizar, o PSD pode e deve reconhecer que existem épocas como, do seu ponto de vista, tradições tão antigas como a do culto
viabilizá-lo. Porque a recusa do em que rejeitar um documen- o país fica melhor sem Orça- dos mortos. Não sei se não haveria
OE não implica mais do que o to destes é mais delicado do mento nenhum; faltou a Rio outros modos de impedir molhadas nos
Governo ter de apresentar ou- que noutras. Vivemos no fio da ser verdadeiramente diferente cemitérios (limites de entrada, limites de
tro. E esse outro pode ser dis- navalha, com uma crise econó- dos líderes da chicana, nomea- permanência em talhões, etc.), mas esta
cutido e viabilizado pelo PSD, mica que gerou uma urgência damente daqueles que apenas medida mostra bem o que os mais de
se assim entenderem os dois social nunca vista, nem nos pretendem retirar dividendos 3000 infetados diários estão a provocar.
partidos, argumentando os so- tempos da troika. Acresce que eleitorais da negociação. Pouco a pouco haverá confinamentos
O líder do PSD faria melhor sectoriais, como noutros países, e ver-
em manter-se afastado desta se-á finalmente quem é, neste momento,
barganha orçamental, do pior o DDT (dono disto tudo, porque manda,
Existem épocas em que rejeitar um que existe na nossa política. Se de facto): o vírus! E assim se vê como
documento como o OE é mais delicado o PSD se mantivesse disposto a duas grandes obras da literatura
do que noutras. Vivemos no fio da deixar passar o OE, seria Costa portuguesa — “Incidente em Antares”,
navalha, com uma crise económica que a ter de explicar as cedências de Érico Veríssimo, e “As Intermitências
que está a fazer ao BE e ao PCP. da Morte”, de José Saramago, são menos
gerou uma urgência social nunca vista, Assim, age apenas na alternati- ficção do que a ficção que narram. Nem
nem nos tempos da troika va que Rio lhe deixou. os mortos têm repouso.
hmonteiroexpresso@gmail.com

OS DIAS DAS INCERTEZAS

O BOTÃO deveria ter ganho por foi abatido (deixando um Parlamento (UTAO) administrativa.
Houve tempos em que o muitos. testemunho nas redes descobriu vários erros E querem que não
botão mais importante sociais onde se vangloria e incongruências na sejamos desconfiados...
nos EUA lançava OS BÁRBAROS do facto), fê-lo aos proposta que deu
bombas atómicas Temos medo de os gritos de ‘Alá é grande’. entrada no Parlamento. FERROVIA
capazes de destruir o considerar assim, Bem se sabe que as Em abono da verdade Em pouco, faremos
mundo. Esta semana, o porque temos medo comunidades islâmicas não é a primeira Lisboa-Porto, de
botão decisivo é o que que nos digam que condenaram o crime; vez que acontece, comboio, numa hora e
faz calar candidatos, somos islamófobos. mas se compararmos mas uma vez que se vinte. Há 30 anos que
nomeadamente um deles Porém, sabendo que com outros crimes demora sempre até à ouço falar disso. Será
que todos sabem quem a grande maioria dos recentes, vemos como última hora (ou quase) desta? Não sei. Mas
é. Ainda que tudo isto muçulmanos nada passa tão despercebido. para se entregar um como o ministro que o
possa parecer ridículo, tem a ver com estas Não há manifestações documento cuja data prometeu disse que a
o certo é que o debate barbaridades, há que antifascistas ou de entrega se conhece era das autoestradas Um político é alguém
entre Trump e Biden dizer que desta índole antiqualquer coisa. há muito, não seria de acabou (e ele, como com cuja política não
correu muito melhor. Isso elas só se veem quando Tudo o que vi foram exigir um pouco mais a maioria de nós, vai
não quer dizer que tenha se trata de radicais umas condenações em de competência, rigor acabar antes dessa se concorda; caso
sido esclarecedor ou que islâmicos. Samuel Paty, comunicado e a Fenprof e profissionalismo a era) acho que nunca o se concorde, passa
tenha decidido a eleição, um professor pacato, a enviar para os seus quem quer que seja saberei. a ser um estadista
apenas que não foi uma foi degolado com uma congéneres franceses (responsabilizar o
reedição do anterior que faca a 200 metros da sua a manifestação da sua ministro é óbvio, ANA VS. VENTURA David Lloyd George
pareceu a discussão de escola, nos arredores solidariedade com os mas pode não ser Ana Gomes tem o dobro (1863-1945) primeiro-ministro
duas regateiras. Biden de Paris. A França professores, alunos e justo). Números que das intenções de voto do Reino Unido (1916-1922)
continua à frente nas mobilizou-se contra um comunidade. E foi tudo. não batem certo, de Ventura. Marcelo cai e líder do Partido Liberal
intenções de voto, mas crime tão desumano; esclarecimentos que para a normalidade de
as próprias empresas de o rapaz de 18 anos, OE E UTAO não são dados... e não chegar aos 60%. Eis
sondagens recordam que tchetcheno de origem, A Unidade Técnica de tudo isto no país da outra sondagem de que
há quatro anos Hillary que perpetrou o crime e Apoio Orçamental do grande modernização duvido.

Ricardo
Costa
O melhor
churrasco
de sempre
C
omo muitos portu-
gueses, tenho uma
razoável experiên-
cia de churrascos,
uma tradição que
mistura artistas da
grelha com uma multidão de
comensais e treinadores de
bancada. Estando acomoda-
do na segunda categoria, peço
desculpa a todos os que se es-
meram na ciência da grelha
para confessar que o melhor
churrasco da minha vida não
teve a ver com comida.
Teve lugar em Effingham,
no Illinois, três horas a sul de
Chicago, em 2004. Na altura
integrei um grupo de bolseiros
do German Marshall Fund (ge-
rido pela FLAD, em Portugal) e
passei uns dias nessa cidade, na
quinta do casal John e Donna
Loy. Ele era guarda prisional,
ela funcionária judicial, três fi-
lhos e uma bandeira americana
à frente do alpendre.
Eu já conhecia bem Nova
Iorque e Washington, mas não
estava preparado para aquilo.
Num sábado à noite fomos a
um churrasco do law enforce-
ment (que juntava todo o tipo
de polícias, bombeiros, guardas
florestais, agentes antidroga,
da imigração, etc). Naquela
Nas sondagens existe
o teste da cerveja.
Com que candidato
bebia uma? Mas
certos churrascos
batem isso tudo
noite, em que fomos muito
bem recebidos, percebi porque
George W. Bush iria ganhar a
John Kerry. Ali, naquelas famí-
lias de meia idade, havia zero
empatia por um candidato de-
mocrata, ao estilo europeu. O
discurso contra o “clã” Clinton
repetia-se e os argumentos a
favor de Bush corriam tão de-
pressa como a cerveja.
Dois dias depois tive a oportu-
nidade de conversar umas horas
com alunos da Universidade do
Illinois, em Urbana-Champaign.
Eram jovens mais viajados, que
falavam línguas estrangeiras
e se sentiam envergonhados
pela invasão do Iraque. Mas
iam maioritariamente apoiar
Bush. Achavam que Kerry não
conhecia a América deles e dos
seus pais.
Nessa mesma noite, já em
Chicago, jantámos com jor-
nalistas e especialistas em
política. Ficaram estarrecidos
quando perceberam que um
grupo de europeus tinha estado
alguns dias a viver no meio dos
campos do Illinois, a conviver
com eleitores de Bush. Por ali
só se passava de avião, diziam.
Por uma incrível sorte, no dia
seguinte estávamos na sala em
que Obama fez o discurso de
vitória para o Senado, arran-
cando para uma carreira políti-
ca fulgurante. Aprendi imenso
nessa noite, numa gigantesca
sala de hotel em Chicago. Mas
o churrasco do law enforcement
treinou-me muito mais como
jornalista.
O Miguel Monjardino tem
chamado a atenção para as al-
terações na geografia america-
na e os seus efeitos eleitorais.
O maior problema de Trump
está mesmo aí: é que Joe Biden,
ao contrário de Kerry ou Hilla-
ry, encaixa bem em qualquer
churrasco. É um deles.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( ( (
Últimas
‘Lei Uber’ Transparência Ambiente
Governo quer Nova entidade Portugueses
mais direitos para não arranca antes reciclam pouco
Governo preparado para
trabalhadores E24 de 2022 P12 e mal P20 novas medidas A ministra
da Saúde, Marta Temido, re-
uniu esta sexta-feira, à porta
250 portugueses fechada, o conselho de saúde
pública, admitindo que nos
próximos dias poderá convocar
adeptos do QAnon
nova reunião deste organismo,
para que sejam ouvidos sobre
a situação no país e eventuais
respostas que tenham de ser
dadas. Sem detalhes, Temido
argumentou que a própria
Movimento está em 70 anónimo do Governo norte- te em protestos negacionistas OMS avisou que as próximas
países. Autoridades -americano que assina simples- noutras cidades europeias, semanas serão muito duras na
portuguesas estão mente “Q”. O grupo garante como Londres e Paris. Europa.
atentas, mas o trabalho que Donald Trump é o protetor A difusão do movimento na
de monitorização é difícil da sociedade americana contra Europa tem sido potenciada Violaram confinamento e
judeus e pedófilos. pela crise pandémica. Os seus foram detidas Quatro mu-
O movimento de teóricos da O movimento, que cresceu na seguidores disseminam fake lheres foram detidas quando
conspiração QAnon tem tam- internet e nas redes sociais, con- news relacionadas com o vírus, estavam a trabalhar em Moure,
bém adeptos em Portugal. Se- ta com milhares de seguidores criticando abertamente as me- Barcelos, por violação do con-
gundo o Expresso apurou junto nos EUA. O FBI já o considera didas de saúde pública contra finamento obrigatório no âm-
de fonte judicial, há 250 portu- uma ameaça terrorista, mas a covid-19. bito da pandemia de covid-19.
gueses que difundem nas redes Trump teima em recusar-se a O Twitter, o Facebook e o
sociais as mensagens racistas condenar este ‘culto’. O QAnon YouTube eliminaram milha- Compra de portáteis dispa-
e de ódio deste grupo extre- tem-se disseminado pela Euro- res de contas e grupos destes rou Portugal é um dos países da
mista. O Expresso encontrou pa, estimando-se que esteja já teóricos da conspiração de ex- União Europeia onde as impor-
alguns casos no Twitter e no implantado em 70 países. trema-direita. Muitos dos seus tações de computadores portá-
Facebook, mas os portugueses Só na Alemanha, Suíça e Li- membros têm, no entanto, mi- teis aumentaram mais de 20%
expressam-se sobretudo nas re- echtenstein existem 120 mil grado para outras aplicações até julho, devido à pandemia.
des sociais de países com maior pessoas associadas ao movi- que permitem uma comunica-
implantação do QAnon, como a mento. Nas manifestações con- ção mais segura e encriptada, PSD desafia Governo A
Alemanha e França. tra as restrições impostas pelo como o Telegram, o que tem bancada parlamentar do PSD
A primeira publicação do Governo alemão para fazer dificultado a monitorização quer que Marta Temido expli-
QAnon surgiu em outubro de face ao surto do novo corona- das autoridades. As forças de que a falha e os atrasos regista-
2017 e teve eco imediato entre vírus, foram identificados car- segurança portuguesas estão dos na distribuição de vacinas
militantes da extrema-direita, tazes com teorias QAnon em atentas ao fenómeno. contra a gripe nos centros de
como supremacistas brancos Berlim, Estugarda e Munique. Hugo Franco saúde e farmácias.
e neonazis. O fundador é um O movimento esteve igualmen- hfranco@expresso.impresa.pt
Cinema com lei A nova Lei
do Cinema foi aprovada com os
Uma estátua e uma fundação para um bispo com os pés na terra votos a favor do PS e PAN. BE,
CDS e PSD abstiveram-se, en-
quanto PCP, Verdes e Iniciativa
Liberal votaram contra.
Violações em Moçambi-
que O número de casos de vi-
olação de mulheres e raparigas
está a aumentar na província
da Zambézia, no Norte de Mo-
çambique. No primeiro semes-
tre deste ano foram reportados
91 casos, o triplo dos ocorridos
em igual período de 2019.
Prémio Pessoa Abriram hoje
as candidaturas ao Prémio Pes-
soa, uma iniciativa conjunta
do Expresso e da Caixa Geral
de Depósitos. No valor de 60
mil euros, o prémio visa re-
conhecer a atividade de pes-
soas portuguesas com papel
significativo na vida cultural e
MEMÓRIA A escultora Maria José Nunes Brito dá os últimos retoques na estátua de D. Ma- científica do país. As candida-
nuel Martins, que na próxima segunda-feira será inaugurada na Praça da Sé, em Setúbal. turas podem ser submetidas,
A artista quis retratar “um bispo com os pés na cidade e de braços abertos para o povo”, até 18 de novembro, através do
e por isso a estátua ficará assente no chão e terá cerca de dois metros de altura, para ga- link expresso.pt/premio-pessoa,
rantir “um cariz humano e próximo de quem marcou o seu mandato pela presença junto onde também consta o regula-
da comunidade”. D. Manuel Martins foi o primeiro bispo de Setúbal e destacou-se, no final mento. O vencedor será conhe-
dos anos 80 e durante os governos de Cavaco Silva, pela constante denúncia da pobreza cido a 11 de dezembro.
e da fome que atingiam aquela região. A iniciativa de homenagear D. Manuel Martins (a
quem chamaram ‘bispo vermelho’) partiu da autarca comunista Maria das Dores Meira. A Tolentino recebe prémio
Diocese de Setúbal apoiou a ideia, a que junta o lançamento, para breve, da Fundação D. O cardeal D. José Tolentino
Manuel Martins, que visa “divulgar, perpetuar e continuar a obra” do bispo que há 45 anos Mendonça recebeu sexta-feira
foi ordenado em Setúbal. FOTO RUI DUARTE SILVA o Prémio Europeu Helena Vaz
da Silva para a Divulgação do
Património Cultural, instituí-
do pelo Centro Nacional de
BdP envia relatório Coima de Cultura.
secreto para a Relação €1 milhão
TEMPO FIM DE SEMANA
para KPMG
SÁBADO DOMINGO
Mário Centeno já tinha Mudam os tempos, mudam CMVM aplica sanção Bragança 15° 6° 14° 16°
revelado intenção de as vontades. O sucessor de devido a falhas (e falsas
entregar ao Tribunal Carlos Costa no BdP, Mário informações) nos Porto 17° 14° 17° 10°
decisão sobre sigilo Centeno, já se mostrou dispo- trabalhos sobre o BES
nível em divulgar o relatório Guarda 12° 5° 12° 5°
O relatório que escrutinou a que permite conhecer se a A Comissão do Mercado de Sábado
atuação do Banco de Portugal autoridade bancária nacional Valores Mobiliários (CMVM) 24 de outubro Lisboa 19° 11° 20° 14°
24
(BdP) relativa ao BES foi envi- fez tudo o que estava ao seu condenou a KPMG Portugal de 2020
ado para o Tribunal da Relação alcance para evitar o colapso por erros cometidos na audi- Évora 19° 7° 18° 11°
pelo supervisor da banca a títu- do BES e afastar o seu líder toria feita ao Banco Espírito
lo voluntário, sabe o Expresso. histórico Ricardo Salgado. Santo nos anos antes da der- Faro 20° 12° 20° 13°
Objetivo: facultar as condi- Recentemente o “Público” le- rocada. Além de reservas que
ções necessárias para que o vantou o véu sobre as conclu- não incluiu nas contas, foram
10
P. Delgada 22° 17° 21° 17°
tribunal decida se levanta ou sões do documento, conhecido prestadas falsas informações
não o sigilo que impende sobre como relatório Costa Pinto, re- ao supervisor, resultando na Funchal 24° 17° 24° 18°
o documento, concluído em ferindo que este é não só muito coima de €1 milhão. A KPMG
2015. Mantido em segredo há critico face a atuação do BdP vai contestar em tribunal a MARÉS SÁBADO DOMINGO
mais de cinco anos, o relatório no escrutínio ao BES como re- mais alta sanção pecuniária Baixa Alta Baixa Alta
foi realizado por uma comissão fere que o supervisor podia ter nesta área desde que, em 2016, Porto 16:54 23:18 17:12 23:30
independente liderada por Cos- afastado Salgado em 2013, um a CMVM ganhou poderes de Lisboa 16:45 23:24 17:06 23:37
ta Pinto, mas nunca foi dispo- ano antes da intervenção ao supervisão sobre auditoras. #2504 Faro 16:26 22:47 16:42 23:04
nibilizado nem ao Parlamento banco em agosto de 2014. Um Em tribunal está já a coima de expresso.pt FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
nem ao Governo, apesar dos afastamento que o ex-governa- €3 milhões aplicada pelo Ban- Cinzento “Tem em conta que
pedidos, já que o supervisor da dor refutou em declarações ao co de Portugal à KPMG, além é tão desejável construir uma
banca, então liderado por Car- Expresso no início de outubro, de mais outros €1,9 milhões a capoeira como construir uma
los Costa, disse sempre estar referindo que “opiniões não cinco profissionais, incluindo catedral”, disse Frank Lloyd
obrigado ao dever de sigilo. mudam a lei”. o presidente, Sikander Sattar. Wright. Chuva a caminho.