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Curso Básico Teshuvah

AULA 3: “O que é a Torah?”


Por Yochanan ben Avraham

Introdução:
Uma das tarefas mais fascinantes no estudo da Torah, é a exploração do aspecto
místico do texto sagrado. Desde Filon de Alexandria (nascido entre 10 e 20 a.C , e
morto entre 45 e 50 d.C), até entre os cabalistas contemporâneos, a Torah é encarada
como um organismo vivo, possuindo uma “vida secreta” sob a superfície do seu
significado literal. Isso é corroborado pelos ensinos de Yeshua HaMashiach (Yeshua o
Messias), pelos seus talmidim (discípulos), ver Yochanan/João 6. 54-63 c/c
Ivrim/Hebreus 4.12 c/c Corintyim beit/ 2 Coríntios. 3.6, também por diversos rabinos
posteriores.
Em relação aos rabinos posteriores, uma das alegações mais enfáticas sobre Torah
como um organismo vivo, está na obra do Rebe Natan de Breslov, nascido à 1780 e
morto à 1844, ( ele foi o principal talmid (discípulo) do Rebe Nachman de Breslov):
“... a Torah é um corpo de Leis, e cada mitsvá representa um órgão desse corpo. Para
compreender o verdadeiro valor da Torah, a pessoa tem que conhecer sua anatomia –
suas leis e ideais – como cada mitsvá se inter-relaciona com as outras como um
elemento individual integrante de uma Torah inteira.” (Licutê Halachot, Rosh Chodesh
5:6)
Rebe Natan ainda sugere em seus estudos, que a forma humana é análoga à Torah,
onde cada parte do corpo corresponde a um conceito espiritual específico a uma dada
mitsvá.

Aspecto Místico.
Em síntese, o que os sábios da Torah propõe, é que a Torah é mais do que podemos
ver. Sua forma e mensagem transcendem a capacidade do homem natural de concebê-
la, por isso ela foi “encapsulada” em letras e, consequentemente, em palavras, para
que pudéssemos ter um vislumbre do real sentido das coisas.
Desde a antiguidade os profetas de Israel captaram esse aspecto transcendente da
Torah:
“Porque assim como o céu é mais alto do que a terra, assim são os meus caminhos*
mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os
vossos pensamentos.” (Yeshayahu/Isaías 55.9).
*As mistsvot (ordenanças/mandamentos) do Eterno são tratadas nas Escrituras como “Caminho” para a
vida. (Ver Devarim/Deuteronômio 30. 16).

O escritor Gershom Scholem, em sua obra “As Grandes Correntes da Mística Judaica”,
pergunta: “Como é possível dar expressão verbal ao conhecimento místico, que por sua
própria natureza está relacionado com uma esfera de onde linguagem e expressão se
acham excluídas? Como é possível parafrasear adequadamente em meras palavras o
mais íntimo de todos os atos, o contato do indivíduo com o Divino?”
Isso corrobora aquilo que foi escrito há dois milênios:

“Ora o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Elohim, porque lhe
parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.”
(Corintyim beit/2 Corintios 2.14).
O Próprio Yeshua nos fala de uma realidade mais elevada e sutil de seus ensinamentos:
“Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das
celestiais?” (Yochanan/João 3. 12).
Também no Sefer Tehilim (Livro de Salmos), temos uma importante referência sobre
um aspecto secreto da Torah:
“O segredo de Adonay é para aqueles que o temem, fazendo-os conhecer a sua
aliança.” (Tehilim/Salmos 25. 14)
O célebre Moshe ben Maimon, conhecido por Maimônides (e Rambam), também
contribui com esse aspecto da Torah, em sua obra “Moreh Nevukhim” (Guia dos
Perplexos) com as seguintes palavras:
“...o sentido mais profundo das palavras da sagrada Lei são pérolas, e a aceitação
literal de uma figura não tem valor em si mesma (...) em cada palavra que tenha um
duplo sentido, um literal e um oculto, o significado literal deve ter tanto valor quanto a
prata e o significado oculto ainda mais precioso; de tal modo que o significado oculto
está para o literal como o ouro está para a prata.” (Comentário sobre
Mishlei/Provérbios 25. 11).
Acerca da Torah, em um Midrash sobre Yiov/Jó 28. 13, Rabi Eleazar disse:
“Nenhum homem sabe sua ordem, as várias seções da Torah não foram dadas em sua
ordem correta. Pois se ela tivesse sido dada em sua ordem correta, qualquer um que as
lesse seria capaz de ressuscitar os mortos e realizar milagres. Por esta razão, a ordem e
o arranjo corretos da Torah estão ocultos e são conhecidos apenas pelo Sagrado,
Bendito seja Ele.”
Outro grande expoente do judaísmo chamado Eliyahu ben Shlomo Zalman (1720 –
1797), conhecido como o Gaon (gênio) de Vilna, também deu sua contribuição nesse
mesmo diapasão, quando em seu livro de orações afirmou que a obtenção do
conhecimento deve começar a partir das partes secretas da Torah, - chamadas de
“SOD”, e terminar no literal e simples, chamadas de “PSHAT”. PSHAT e SOD são partes
integrantes de um sistema de interpretação conhecido como “PARDES”, um acrônimo
para Pshat, Remez, Drash e Sod, do qual falaremos quando o assunto for interpretação
das Escrituras.

O Valor da Mística Judaica na Construção do Conhecimento.


Quais seriam os maiores benefícios do aspecto místico da Torah, para aqueles que
desejam estudá-la? Essa é uma pergunta importante a se fazer, pois a partir do
entendimento de que ela é algo que extrapola o nosso tempo, espaço e transborda,
por assim dizer, nossas almas, nenhuma interpretação humana em linguagem humana
conteria seu significado, tornando a compreensão dos textos um tanto quanto
subjetivas e até relativas. A busca por uma perspectiva mística da Torah, nos dá o
benefício da amplitude de visão, a lançar luzes sobre textos outrora engessados em
paradigmas dogmáticos, incentivando-nos a descobrirmos outras dimensões de
entendimento nas palavras escritas, dos “segredos” da vida e do Próprio Elohim!

Antes do Princípio.
Conforme dito na aula anterior, na tradição rabínica, a Torah é vista como uma espécie
de “Mapa”, ou melhor, um roteiro para a criação de todas as coisas. O Sefer HaZohar
(Livro do Esplendor), diz que tudo que existe na terra é formado segundo o modelo do
Mundo Superior (Mundo Espiritual), e não há uma só coisa aqui embaixo que não
tenha sua contrapartida no “Mundo Superior”.
Na Talmud, encontramos um comentário muito interessante sobre o Tehilim 105. 8,
dentro dessa perspectiva:
“Visto que a Torah, a Palavra de Elohim foi dada à vigésima sexta geração, após Adam
(Adão), o primeiro homem, as 974 gerações restantes devem ter precedido a criação do
mundo...”. (Talmud Bavli, trat. Shabat cap.9, seção 88b, vers. 7).
Também no Talmud encontramos o seguinte:
“... a Torah foi criada antes que o mundo fosse criado...”
(Talmud Bavli, trat. Nedarim cap. 4, seção 39b, vers. 5)
Entre Letras e Números.
O Alfabeto hebraico é de fundamental importância para o desenvolvimento do
pensamento místico acerca da Torah e demais escritos da Bíblia. Uma das
peculiaridades deste alfabeto é o fato de as letras também serem números, fazendo
com que cada palavra e frase tenha um valor resultante de uma das operações
matemáticas usadas para calcular, o sistema de cálculo destas letras é chamado de
“Guematria”. É possível identificar a utilização desse sistema em um dos livros do
chamado Novo Testamento:
“E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto
um sinal na mão direita e testa, para que ninguém possa comprar ou vender, senão
aquele que tiver o sinal, ou o nome da besta, ou o número do seu nome. Aqui há
sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, porque é
número de homem; e o seu número é seiscentos e sessenta e seis.”
(Chizayon/Apocalipse 13. 16-18).
Além do cálculo do valor das palavras e frases, outros métodos são utilizados para se
obter uma interpretação mais profunda dos textos, como o “Temurah”, que consiste
em mudar a posição das letras em certas palavras e reorganizar frases inteiras através
dessas permutações. Utiliza-se também o “Notarikon”, que também é chamado de
“Reshi Taivot(Letras Iniciais) ou “Sofi Taivot” (Letras finais), ou seja, algumas palavras,
na verdade seriam acrônimos de determinadas frases.
Há aproximadamente 800 anos, outro ícone do Judaísmo, Rabi Mosheh ben Nachman
(1194 – 1270), também conhecido como Nachmânides e Ramban, já havia aludido que
a Torah contém informações criptografadas, como se percebe no relato do seu
encontro com um judeu apostata chamado Avner, na obra de Yechiel Heilprin,
chamada “Seder Hadorot”, de 1768.
Mas não são apenas rabinos e religiosos judeus que perceberam que a Torah possui
mensagens submersas nas suas narrativas, filósofos, pesquisadores, membros de
outras religiões também entendem a Torah como uma espécie de Código Mestre onde
os segredos do universo e da vida estão imergidos. Seguem algumas opiniões:
“O mundo é criado de acordo como a semelhança de seu arquétipo, sendo o arquétipo
a configuração das letras que são derivadas dos próprios nomes de D’us, Ele mesmo –
que dá a cada elemento do mundo sua natureza essencial.” (Blaise Vigenere, 1523 –
1596, criptólogo cristão de renome).
“O Velho Testamento é um Código.” (Blaise Pascal, 1623 – 1662, Matemático francês,
Físico, Inventor e Filósofo católico).
“Nossos peritos ficaram desconcertados: suas crenças anteriores os levaram a pensar
que o livro de Gênesis não pudesse conter referências significativas a indivíduos
contemporâneos, porém, quando os autores fizeram análises e verificações adicionais,
os efeitos persistiam. O trabalho é, portanto, apresentado aos leitores da Statistical
Science como um intrigante quebra cabeças.” [Robert Kass, 1952 – dias atuais, PHD,
Editor da publicação e Chefe do Departamento de Estatística da Universidade
Carnegie-Mellon, Pittsburgh-Pensilvania, USA. instituição de renome por seus
departamentos de Matemática e Ciências, sobre o sequenciamento equidistantes das
letras no Sefer Bereshit (Livro de Gênesis)].
Essas opiniões estão alinhadas com os ensinamentos do Rabi Eliyahu ben Shlomo
Zalman, o Gaon de Vilna, que há cerca de 300 anos escreveu:
“Tudo o que existiu, existe e existirá até o fim dos tempos está incluído na Torah (...) e
não apenas no sentido geral, mas inclusive os detalhes de cada pessoa
individualmente.”
Entretanto, é importante dizer que o Gaon de Vilna era hostil ao entusiasmo místico
irrestrito e tudo que não fosse firmemente fundamentado na Lei e Tradições judaicas.

Referências bibliográficas
“A Bíblia de Jerusalém”. (Editora Paulus).
“ O Novo Testamento em Hebraico e Português”. (The Society for Distributing Hebrew
Scriptures).
“Guia dos Perplexos - Coletânea”. (MAIMON, Mosheh ben. Editora & Livraria Sefer
Ltda)
“As Grandes Correntes da Mística Judaica.” (SCHOLEM, Gershom. Editora Perspectiva).
“O Zohar – O Livro do Esplendor.” (BENSION, Rabino Ariel. Editora Polar).

“Anatomia da Alma – Ensinamentos do Rebe Nachman de Breslav.” (KRAMER, Chaim; SUTTON,


Avraham. Editora & Livraria Sefer Ltda).

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