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Introdução à Cabala – Vol.

1 – Parte 1

Primeira Parte - Origens e História da Cabala

O rabi Chiya se referia ao versículo: «Estava dormindo porém meu coração se


despertou, foi a voz do meu amado que o chamou, o Senhor, bendito seja Ele
dizendo, abre-me uma abertura que não seja maior que o buraco de uma agulha, e
eu te abrirei as portas celestiais.»
— Zohar III, Pg. 95a.

Cabala - Uma definição


Ao considerar-se as formulações anteriores, não deveria constituir-se em surpresa
a conclusão de que as definições da Cabala são muitas e variadas: para cada
escritor acadêmico a Cabala será vista como a elucidação de um aspecto diferente
da história, da filosofia ou da religião Judaica.
Para os Judeus ortodoxos, ela poderá constituir-se apenas em uma outra
interpretação da Torá, de fato uma interpretação exótica; em círculos menos
dedicados a Cabala tem sido vista como uma forma de clarividência, de ocultismo
ou de magia.
Para aqueles com inclinação mística, a mesma aparece como uma chave para a
imortalidade, para a união profunda da alma com o Absoluto, com o Todo Poderoso.
Mesmo assim todas estas definições ainda estão distantes do significado real da
Cabala.
O significado real da palavra Cabala é recebendo:
Assim, na frase de abertura da Ética dos Patriarcas nós lemos que «Moisés recebeu
a Torá do Sinai», sendo “kibel” a palavra utilizada para significar recebeu, e o
tempo passado do verbo “kabal” (receber).
Estava claro para os sábios que a Torá recebida por Moisés era única em seu
conteúdo, no sentido de que nela estava contido o conhecimento necessário não só
para os Judeus daquele tempo, mas também para os das futuras gerações.
Então, quando o rabino Shimon se propôs a revelar que a natureza mística de parte
da Torá no Zohar, a relacionou com a Torá escrita, de modo a demonstrar que a
Torá e a Cabala não são outra coisa que aspectos de um mesmo todo essencial.
A própria Torá representa a carapaça exterior, enquanto a Cabala constitui-se no
núcleo interno, oculto à vista, numa relação similar à existente entre o corpo físico
e a alma.
A Torá revela a palavra de D-us, enquanto que a Cabala o oculto e o já revelado.
O fato de que os segredos do universo são revelados através do estudo sobre a
Recepção nos diz muito sobre a natureza da existência.
Nós aprendemos que o Desejo de Receber é um mecanismo básico através do qual
o mundo opera, o processo dinâmico que sustenta todas as manifestações físicas e
metafísicas.
O título nos oferece um indício à esta lei fundamental, a qual se encontra exposta
no corpo da literatura Cabalista.
O Desejo de Receber afeta à toda criação porque é a base de toda a criação — ele
afeta os quatro níveis da criação, seja ela humana, animal, vegetal e mineral.
Em um objeto inanimado (uma pedra por exemplo) o Desejo de Receber é
pequeno; uma rocha ou uma pedra são quase independentes do mundo físico no
que diz respeito à sua existência; de fato elas não necessitam de nada para
assegurar a continuidade de sua existência; além do mais, para que ambas possam
existir de um todo, elas devem conter algum aspecto do Desejo de Receber.
À medida que ascendemos na escala evolutiva, nós encontramos uma crescente
dependência em relação ao mundo externo em termos de sobrevivência, o que
culmina com o Homem, que tem o maior Desejo de Receber de toda a Criação —
não só devido às suas necessidades materiais, mas também devido às necessidades
intangíveis, tais como a paz, a felicidade e a satisfação.
A culminação do Desejo de Receber enquanto realidade, é o Desejo de Receber
para os outros, a qual é equivalente ao Desejo de Repartir.
Nós percebemos isto em sua forma mais sublime, no decorrer da celebração do
Shabat, o ponto alto da Criação, o que é a expressão do Desejo de Repartir, de
parte de D-us, e do Desejo de Receber do Homem.
Isto também se expressa nas raízes da diretiva básica da santa Torá, conforme
exposto pelo rabino Hillel, através das palavras «Ame a teu próximo como a ti
mesmo».
Só quando o Desejo de Receber é transformado no Desejo de Repartir a outro é
que o mesmo se torna completo.
No fundo, ao «amar a seu próximo», você também está amando a si mesmo e, ao
final, a seu Criador.
Os ensinamentos mais sublimes do misticismo Judaico são também conhecidos
como A Sabedoria da Cabala e A Sabedoria da Verdade.
A raiz do significado da palavra sabedoria, do modo como ela é utilizada aqui, é
referida pelos sábios ao perguntarem quem é sábio? e respondem: «Aquele que vê
as consequências das ações».
Tão logo ele observa uma ação, o homem sábio percebe o que está por vir e o seu
resultado; ele é como um bom médico, o qual pode detectar os sintomas de uma
doença ainda em estágio inicial, vindo então a conhecer o rumo que a doença
tomará, e seu provável resultado.
De fato, o que marca um homem sábio em qualquer ofício ou profissão é que ele
não tem necessidade de esperar pelo futuro para saber o que o futuro tem
armazenado: o conhecimento que ele possui é o do princípio, do qual todas as
ações subsequentes podem ser conhecidas.
A Cabala, então, pode ser entendida como o estudo da sabedoria: ela capacita o
indivíduo compreender o verdadeiro significado da Criação, a qual constitui-se na
raiz de toda a existência — não só no nível físico, como também metafísico.
Ao revelar a raiz da Criação a Cabala nos permite desvendar os mistérios do
funcionamento do universo, e nos mostra as consequências potenciais de todas as
ações possíveis.

Todavia não se deveria esquecer que o misticismo é interpretado em Hebraico


como “hochmot hanistar”, a sabedoria do inexplicável, ou do desconhecido: por
tudo que a Cabala tem livremente nos oferecido em termos de conhecimento sobre
as causas originais de todas as coisas, nós devemos sempre lembrar que este é
apenas uma parte de sua sabedoria.
O rabino Ashlag ao traduzir e prover interpretações relativas aos trabalhos clássicos
sobre a Cabala tem destruído grande parte do misticismo que rodeia o T'amei Torá,
de modo que o mesmo possa ser estudado com proveito por todos aqueles que
assim desejarem; o Sitrei Tora, composto pelas secções ocultas da Cabala, e que
assim permanecerão para aqueles que poderiam interpretar erroneamente e
utilizarem de maneira indevida o conhecimento contido em seu interior.

As Origens da Cabala
O primeiro trabalho impresso conhecido sobre o misticismo Judaico é o Sefer
Yetzirá, cuja autoria tem sido atribuída ao Patriarca Abraão.
Embora contenha idéias e conceitos do mais sublime e elevado nível, este texto não
tem sido utilizado pelos Cabalistas do passado, devido à dificuldade em definir com
exatidão os termos e os significados ocultos que o mesmo contém.
O trabalho mais elaborado e completo que apareceu dentre os estudos esotéricos
Judaicos, é o Zohar.
De fato, aqueles que o tem estudado e que entenderam completamente o
significado de seus ensinamentos são unânimes em atribuí-lo ao santo sábio do
período Mishnaico, o rabino Shimon Bar Yohai.
Em que pese tal realidade, a autoria do Zohar é objeto de debate entre aqueles que
estudam a Cabala como um passatempo acadêmico, os quais sequer realizam
qualquer tentativa no sentido compreender o conteúdo dos trabalhos que eles
analisam.
Muitos destes estudiosos argumentam que o Zohar foi escrito por Moisés de León,
um Cabalista do século XI, de abençoada memória, ou por outros dentre seus
contemporâneos.
No entanto, quando o santo Zohar é melhor compreendido, torna-se evidente que
só alguém da estatura e espiritualidade do rabino Shimon poderia ter composto o
trabalho.
Hoje sabemos que a cada nova geração de Judeus a Torá é menos entendida que
na sua predecessora.
Atribuir um livro como o Zohar a qualquer outra época que a dos Tanaím, os
compiladores da Mishná que viveram do primeiro ao terceiro século da Era Comum,
é simplesmente impossível, pois tal entendimento implicaria em assumir que o nível
de consciência e compreensão espiritual de Moisés de León era comparável, senão
mais alto, que o dos santos Tanaím.
Quando os historiadores elegem Moisés de León como sendo o autor do Zohar, eles
desconsideram a opinião de grandes Cabalistas, tais como o Moisés Cordovero, o
Shlomo Alkabetz, o Yosef (José) Caro, o Isaac Luria, o Moisés Luzzato e muitos
outros — homens para quem o Zohar constituiu-se em um modo de vida, antes que
qualquer campo de estudo, os quais foram unânimes em concordar que o rabino
Shimon era o autor do Zohar.
A premissa básica destes grandes homens sugeria que quem escreveu o Zohar
deveria estar no mesmo nível de espiritualidade que seus conteúdos, e que só o
rabino Shimon pode ser considerado adequado à tal descrição.
Portanto deixe-nos agora considerar a história deste grande sábio, em uma
tentativa de compreender o veredicto dos famosos Cabalistas anteriormente
mencionados.

Quando Israel se encontrava sob o domínio de Roma, o rabino Shimon era discípulo
do rabino Akiva, o qual continuou a ensinar a Torá apesar do decreto romano que
proibia o seu estudo.
O rabino Akiva foi capturado e executado, o que ensejou ao rabino Shimon lançar
um ataque verbal contra os Romanos, a quem acusou de intolerância e crueldade, o
que resultou na sua própria condenação à pena de morte.
O rabino Shimon refugiou-se com seu filho Elazar, numa caverna nas montanhas
próximas à cidade de Pekiin, localizada na Galiléia, onde ele permaneceu escondido
por um período de treze anos, até que a morte do imperador lhes permitiu sair de
lá com segurança.
No que se refere à revelação do santo Zohar, os sábios de abençoada memória' nos
relatam a seguinte lenda: os treze anos que o rabino Shimon e seu filho
permaneceram na caverna constituíram-se em um momento de transformação na
história do grande corpo do conhecimento esotérico Judaico.
Durante o período de reclusão na caverna, o rabino Shimon foi visitado duas vezes
ao dia pelo profeta Eliahu, o qual revelou à ele os segredos do Zohar.
As secções mais profundas e globais conhecidas como Ra'ya Mehemna, constituem-
se em anotações das conversas que também ocorreram entre o rabino Shimon e o
próprio Moisés, o amado pastor conhecido por este nome.
Ante o exposto não se deve deduzir que os segredos do Zohar foram revelados
apenas ao rabino Shimon.
Seu mestre, o rabino Akiva, e inúmeros outros antes dele, eram totalmente
versados nos ensinamentos do Zohar.
De fato, a total compreensão da Cabala foi apresentada em forma oral ao povo de
Israel no Monte Sinai; muitos estudaram e compreenderam as verdades magníficas
do misticismo Judaico, mas poucos foram capazes de ajudar aos outros a discernir
e a compreender.
Para lograr tal discernimento e compreensão, o que se tornou possível com o texto
escrito do Zohar, o Judaísmo teria que esperar por Pekíin e pelo rabino Shimon.
No entanto um problema ainda subsiste, e se refere às razões pelas quais o rabino
Shimon foi o escolhido para registrar os ensinamentos do Zohar, de preferência ao
seu mestre, o rabino Akiva, ou em relação a qualquer outro dos importantes
Cabalistas que o precederam.
Este problema tem se constituído na base de muitas interpretações e parábolas;
por exemplo, o mesmo é enfatizado, com frequência, que o rabino Shimon através
de sua vida fugitiva e solitária, se tornou capaz de superar todas as restrições e
limitações físicas que normalmente impedem o alcance de níveis de consciência
espiritual mais elevados.
Deste modo ele foi capaz de transcender as leis que governam o tempo e o espaço
e, portanto adquirir a base do conhecimento de toda a existência, conforme nós a
experimentamos aqui no plano terrestre.
Assim, que nós encontramos no Zohar não só discussões em torno de questões
estritamente espirituais, mas também conceitos fundamentais em campos tais
como a medicina, a astrologia, o direito, as telecomunicações e a psiquiatria.
Mas de todo modo um problema ainda persiste — por que o rabino Shimon foi o
escolhido para viver numa caverna por um período de treze anos?
A resposta deverá ser encontrada num problema ainda mais importante, o qual se
relaciona à história espiritual do povo Judeu.
No interior do corpo físico do Homem nós encontramos dois fatores motivadores
distintos, denominados como a Luz Interna e a Luz Circundante.
A Luz Interna constitui-se na luz contida dentro do Homem desde que chega ao
mundo terrestre, através de seu nascimento.
A Luz Circundante constitui-se no elemento de luz que o indivíduo passa a merecer
no decorrer de sua existência, devido aos seus bons feitos e boas ações — em
outras palavras, a mesma é adquirida gradualmente e não por ocasião do
nascimento.
A diferença básica existente entre as duas Luzes pode ser determinada pelo grau ao
qual um indivíduo é capaz de subordinar a sua realidade física à Luz; com efeito, a
Luz Interna que acompanha o homem deve ser identificada como uma luz que
apenas o ajuda em sua ascensão espiritual.
Por outro lado, o grau ao qual o indivíduo se encontra restringido pelas limitações
de tempo, espaço, e movimento — as leis físicas do universo — é dependente do
grau ao qual ele domina para controlar o Desejo de Receber de seu corpo, ou a
inclinação para o mal.
É pois, só gradualmente que o homem adquire a Luz Circundante e,
consequentemente, ascende na escada da espiritualidade.
O Ari (o rabino Isaac Luria), ao explicar a formação íntima de Moisés, declara que
«Moisés abarca as Luzes Interna e Circundante»; a inclusão da Luz Interna é
indicada pelo versículo «e ela percebeu que ele era bom», e a Luz Circundante é
expressa pelo versículo «a pele de sua face resplandecia».
Estas duas qualidades eram necessárias antes que Moisés pudesse ter recebido
toda a Torá e inclusive, conforme já disse, a compreensão da Cabala e as
explicações dos seus significados esotéricos.
Nós temos conhecimento que o rabino Shimon era a reencarnação do próprio
Moisés, em referência ao qual o próprio Zohar diz: «O filho de Yohai (fazendo
alusão ao rabino Shimon) sabe como seguir sua orientação; se ele se aventura
pelas profundezas do mar, ele olha ao redor antes de entrar, de modo a saber
como ele irá cumprir sua meta por meio de uma única tentativa».
Partindo desta afirmação o Ari chega às seguintes conclusões:
«Todos deveriam entender que entre as almas dos justos existem aqueles que
possuem a Luz Circundante, e que têm a capacidade de comunicar os mistérios
exotéricos do Torá, através do oculto e referências secretas, de maneira a prevenir
o seu entendimento àqueles aos quais lhes faltam discernimento.
A alma do rabino Shimon incorporou a Luz Circundante desde o nascimento;
portanto, ele tinha o poder de assumir a erudição esotérica e também de discorrer
sobre ela. Posteriormente o rabino Shimon foi agraciado com a permissão para
escrever o Livro do Esplendor: a autorização para escrever este livro de sabedoria
não foi dada aos sábios que precederam o rabino Shimon porque, mesmo que eles
fossem profundos conhecedores desta sabedoria, inclusive chegando ao extremo de
superar o rabino Shimon, lhes faltava a habilidade de assumir e proteger a erudição
esotérica. Este é o significado da referência ao rabino Shimon, realizada
anteriormente».

O rabino Shimon bar Yohai e a Grande Assembleia


Um método conveniente e valioso para o estudo do desenvolvimento histórico da
Cabala consta do exame das vidas e personalidades de indivíduos excepcionais, os
quais foram escolhidos para disseminar os seus ensinamentos.
Dentre estes homens o grupo mais destacado era constituído pelo rabino Shimon e
por seus seguidores.
Consta que quando o rabino Shimon saiu da caverna, na qual ele e seu filho Elazar
passaram treze anos apreendendo os segredos da Cabala, seu corpo estava coberto
de feridas: seu sogro, o rabino Pinchas, chorou amargamente quando viu o estado
do corpo do rabino Shimon, e disse: «Quão amargo é para mim ver você em
semelhante estado!»
Ao que o rabino Shimon lhe respondeu, «Eu estou feliz por você me ver desta
maneira — pois de outra maneira eu não seria quem eu sou».
Evidentemente que o rabino Shimon considerava seu estado físico e seu mal estar
não tinham a menor importância — e, inclusive, que eram necessários para que
alcançasse os mais altos níveis espirituais aos quais conseguiu chegar.
O rabino Shimon em seguida selecionou oito discípulos, os quais, juntamente à ele
próprio e ao seu filho, formaram a Grande Assembleia.
Eles escolheram uma localidade no caminho que ligava Meron à Safed, na Galiléia,
onde começaram a discutir os significados ocultos e os mistérios da Torá, os quais
foram revelados ao seu mestre.
O rabino Shimon ensinou a seus discípulos tanto o Sitrei Torá como o T’amei Torá.
Ele também revelou os segredos Divinos, remontando-se ao período anterior,
inclusive ao da formação das vasilhas prístinas.
O rabino Shimon tinha necessidade de transmitir as idéias básicas da Cabala,
mesmo que elas fossem às vezes ininteligíveis à sua audiência — para que as
futuras gerações não as perdessem em definitivo.
No entanto, antes que a Assembleia fosse desarticulada, três de seus discípulos —
os rabinos Yosi ben Jacob, Hezekiah e o Yisa — morreram.
Eles tinham absorvido tanta luz espiritual quanto sua capacidade permitia e,
portanto se moveram para além de sua esfera física.
Os discípulos que sobreviveram puderam observar os três serem guiados por anjos.
O rabino Shimon chorou e disse: «É possível que nós estejamos sendo punidos por
revelarmos aquilo que tinha estado oculto desde os tempos que Moisés esteve no
Monte Sinai?»
Naquele momento se escutou uma voz, que vindo de cima, exclamou:
«Louvado és tu, Shimon bar Yohai, digna de louvor é a tua participação e da tua
assembleia. Por meio de você foi revelado o que até então não havia sido nem para
os anfitriões celestiais. Portanto, louvada é a vossa participação: seus três
discípulos partiram porque suas vidas estavam completas».
A luz que emanava do rabino Shimon era de tal intensidade que se dizia que era
similar à realidade que existirá ao final do período da correção (Gemar Ha-Tikun), o
período no qual nós estamos a viver, e quando nós entrarmos na Idade
Messiânica."
As vasilhas (aqui se referindo aos corpos físicos) dos três discípulos vieram das
esferas inferiores e, consequentemente, não puderam conter nem tão pouco
suportar ante a luz que havia penetrado nelas, da mesma forma que o vidro
comum não pode resistir em água fervendo.
Assim, tal era o poder do autor do Zohar, um homem que havia verdadeiramente
transcendido as limitações do tempo, do espaço e do movimento.
Um certo dia o rabino Shimon observou que o mundo se encontrava coberto por
escuridão e que a Luz havia sido encoberta.
O seu filho, o rabino Elazar, disse então para ele: «Deixe-nos averiguar o que o
Criador pretende que se realize».
Eles encontraram um anjo que apareceu para eles na forma de uma grande
montanha, lançando trinta tochas de fogo, e o rabino Shimon perguntou-lhe o que
pretendia fazer.
«Me ordenaram destruir o mundo», respondeu o anjo, «porque a humanidade não
detém entre si, sequer trinta indivíduos justos».
O rabino Shimon disse ao anjo: «Apresente-se frente ao Criador, e diga à ele que
Bar Yohai encontra-se dentre os habitantes deste mundo, e só seu mérito é igual
aquele de trinta homens justos».
O anjo ascendeu ao Criador e exclamou: «Senhor do universo, você esta inteirado
das palavras que Bar Yohai dirigiu à mim?», ao que imediatamente o Criador
respondeu: «Volte e destrua o mundo conforme tu fostes anteriormente ordenado,
e não te importes com Bar Yohai».
Ao ver o anjo reaparecer, o rabino Shimon disse a ele: «Se tu não ascenderes
novamente ao Senhor Todo Poderoso com o meu pedido, eu te impedirei que
regresses ao céu; e desta vez, quando te apresentares frente ao Criador, repita-lhe
que se há falta de trinta homens justos no mundo, Ele deve perdoá-los em
consideração de dez; caso não se possa encontrar tais dez homens justos em todo
o mundo, então peça a ele que perdoe a humanidade em consideração a dois
homens, meu filho e eu; e se tu estimas que estes dois são insuficientes, então
preserve o mundo em consideração à apenas um homem, e este sou eu. Pois está
escrito que «O mais justo é uma criação eterna».
Naquele preciso momento escutou-se uma voz proveniente dos Céus, a qual dizia:
«Louvada é a tua participação Shimon Bar Yohai, pois o Senhor das alturas emite
um decreto e tu tentas contradize-Lo; evidentemente que para ti foi escrito o
versículo: «Ele atenderá o desejo daqueles que a Ele temem!»
Aqui vemos o rabino Shimon, quem por meio do poder de sua Luz Interior e de sua
Luz Circundante chega ao extremo de desafiar a autoridade do Criador.
A tal ponto o rabino Shimon chegou, pois acreditava firmemente na justiça de sua
causa.
Mas seu poder não foi utilizado só desta maneira, com vistas a desviar a escuridão
que se aproximava!
Ele lutou ao longo de toda sua vida para introduzir Luz em lugares onde a
ignorância e a superstição reinavam, para tornar o mundo metafísico, bem como o
físico, compreensíveis, e para ligar todos os níveis da existência, com o objetivo de
revelar um mundo de verdadeira beleza e harmonia.
Tão pura e justa era a alma do rabino Shimon que o Anjo da Morte jamais pode
pronunciar seu nome.
Quando o Anjo da Morte apareceu em frente ao Criador demandando a morte de
um indivíduo, ele citaria as más ações as quais requeriam a pena de morte.
Porém, quando chegou a vez do rabino Shimon, ele não pode encontrar sequer
uma ação maligna que dispusesse contra ele.
Então um dia o Yetzer Ha-Rah (a Inclinação para o Mal) apareceu ante o Criador e
lhe pediu que imediatamente chamasse ao rabino Shimon de sua morada terrestre,
para que fosse ao lugar que lhe correspondia no Paraíso.
Este pedido era muito estranho, de fato uma alteração aos procedimentos normais;
a Inclinação do Mal normalmente exige que se chame a um indivíduo com o
propósito expresso de impor justiça, punição, ou mesmo imposição da morte.
Mas a solicitação de parte da Inclinação do Mal para que se chamasse o rabino
Shimon foi realizada da seguinte maneira:
‘Meu propósito em relação ao mundo físico é desviar o indivíduo do caminho correto
e do bem, para o caminho onde domina a perversidade; mas antes eu nunca havia
encontrado um homem como o rabino Shimon Bar Yohai.
Não só eu não tenho conseguido sucesso ao tentar desviá-lo do caminho próprio da
piedade e da retidão, senão que de fato ele me buscou para que se obrigasse a
fazer frente à tentação, com o objetivo de transformar a mesma em algum
propósito útil e frutífero.
Tu deves removê-lo deste mundo: eu não tenho nenhum lugar onde possa
me ocultar dele, e estou temeroso de que meu objetivo neste mundo físico
fracasse.’
Somente por esta razão o rabino Shimon foi convocado a ir ao Jardim do Éden.
O dia de sua morte, conhecido como a Assembléia Menor ou Inferior, não
constituiu-se em um dia qualquer:
No dia em que o rabino Shimon desejou deixar este mundo, ele preparou seu
discurso final.
Para todos os seus amigos reunidos ao seu redor, ele revelou novos mistérios
esotéricos.
O rabino Abba então relatou:
«A Luz era tão intensa que eu não pude me aproximar dele. Quando a Luz partiu,
eu percebi que a Luz Santa (o rabino Shimon) havia deixado este mundo».
Seu filho, o rabino Elazar, tomou as mãos de seu pai e as beijou, dizendo então:
«Meu pai, meu pai — haviam três, mas agora só resta um».
(Aqui ele estava se referindo ao rabino Shimon, ao seu sogro, o rabino Pinchas e, a
ele próprio, o rabino Elazar).
As pessoas das comunidades vizinhas se reuniram, cada qual solicitando que o
rabino Shimon fosse enterrado em sua região; então o leito sobre o qual seu corpo
descansava levantou-se e voou pelo ar, precedido de uma tocha de fogo, até que o
mesmo encontrou uma caverna em Meron.
Aqui ele desceu, e todos ficaram sabendo que o rabino Shimon havia encontrado
um lugar para seu descanso final.
Tudo isto se passou no trigésimo terceiro dia do Omer, o qual é o décimo oitavo dia
do mês de Iyyar.
Até o presente dia, dezenas de milhares de peregrinos viajam para Meron, com o
objetivo explícito de prestar homenagem ao rabino Shimon.
Outros vêm com a esperança de encontrar uma resposta às suas preces e
atendimento às suas necessidades, ante a influência da Or Ha-Kodesh, da Luz
Santa, o rabino Shimon Bar Yohai.

A Idade de Ouro de Safed


O ano de 1492 da era atual, uma tragédia para o povo Judeu teve lugar na
Espanha, quando a Rainha Isabel e o Rei Fernando assinaram um decreto de
expulsão, o qual decidiu o destino dos Judeus naquele país.
Dentro de quatro meses, todos aqueles Judeus que se recusassem a renunciar sua
fé seriam obrigados a deixar a Espanha.
Um grande centro de aprendizado do Judaísmo, o qual tinha influenciado
profundamente o pensamento e a expressão judaica, estava em ruínas.
Na esteria desta grande convulsão espiritual e física muitos Judeus migraram para
o Oriente Médio.
Um determinado número deles se localizou ao Norte da Galiléia, concentrando-se
na antiga cidade de Safed, onde um grupo de Judeus lançou o fundamento para
numerosos movimentos místicos dos quatrocentos anos seguintes, encontrando-se
entre estes o ressurgimento do interesse pelo estudo da Cabala.
De um ponto de vista prático alguém pode atribuir a repentina popularidade da
Cabala diretamente ao infortúnio que foi imposto aos Judeus na Espanha.
Como sua Idade de Ouro havia sido terminada à força e seu futuro era incerto, eles
procuraram compreender as razões de seu sofrimento.
Os ensinamentos filosóficos daqueles dias não eram suficientes para explicar a
excessiva carga que havia sido imposta repentinamente sobre eles, e então eles
passaram a ver a Cabala como um meio de esclarecer e resolver as complexidades
enigmáticas da existência.
Esta grande convergência de Judeus de orientação mística em Safed, de maneira
alguma constituiu-se em mera coincidência.
Eles estavam vivendo uma cena que tinha tomado lugar cerca de um mil e
quinhentos anos atrás.
A data da expulsão da Espanha, o nono dia de Av, foi a mesma data da destruição
dos Primeiro e Segundo Templos; logo após a destruição do Segundo Templo no
ano 70 da era comum, o rabino Shimon havia revelado o Zohar.
Quinze séculos mais tarde, seguindo a destruição da comunidade Sefárdica da
Espanha, a aplicação prática desta sabedoria esotérica tornar-se-ia uma parte
integral da tradição e aprendizado Judaicos.
As grandes personalidades daquele tempo tinham retornado às suas bases, aos
seus locais de origem, à Terra de Israel.
A interpretação histórica dos acontecimentos desse período serve meramente para
demonstrar o quão inadequado é uma metodologia baseada em ações superficiais.
Ignorar que o renascimento da Cabala em Safed não era nada mais que o produto
da expulsão dos Judeus da Espanha, e a posterior Esperança Messiânica como
centrada na Terra Santa, é ignorar o significado real do que aconteceu.
A causa e o efeito, como as matérias primas do historiador, são de uso muito
limitado, pois ambos só aparentam óbvios quando são colocados muito próximos
graças à ação do tempo.
Nenhum historiador de reputação irá arriscar seu nome na associação de duas
sequências de eventos que aconteceram com quinze séculos de distância, ainda
que em tal situação resida a verdade.
A reunião de tantos indivíduos místicos constituiu-se em algo sem paralelo num
momento quando a opressão das comunidades Judaicas era generalizada, mas
foram só os Judeus espanhóis que se deslocaram em grande número para Israel.
É por certo verdade que a idéia do Messias estava vinculada à esta migração, mas
em uma perspectiva radical que não incluía a chegada iminente do Messias entre
suas propostas ou expectativas.
Ela era, antes, a realização proveniente das palavras da Cabala, a qual propunha
que a redenção do povo Judeu e da própria humanidade como um todo estava
profundamente relacionada à terra de Israel.
Em sua visão profética sobre o futuro, Isaías declara: «Porque de Zión emanará a
Lei, e de Jerusalém, a palavra do Senhor.»
Neste ponto há uma aparente contradição, pois os Israelitas já haviam recebido a
Lei do Monte Sinai, o qual não se encontrava no interior das fronteiras de Israel; e
tão pouco a Lei emanou de Zión ou de Jerusalém.
O quê, então, o profeta Isaías quiz dizer através desta mensagem?
O Zohar compara o Pentateuco, os Cinco Livros da Lei, com o corpo do homem, e a
Cabala à sua alma; portanto, o corpo da Lei foi transmitido no Monte Sinai, mas o
significado interno, a alma da Torá em sua versão escrita, teria de esperar para ser
revelada da Terra de Israel.
É através desta revelação que Israel e o resto do mundo serão finalmente
redimidos, concretizando o sonho «paz e boa vontade à todos os homens».
Deste modo a migração para Israel deve ser vista como uma parte do plano Divino,
o próximo passo no caminho rumo à redenção.
As grandes mentes do misticismo iriam se reunir todas em Safed para preparar os
textos necessários, os quais em tempo, capacitariam a comunidade Judaica como
um todo a compreender a alma da Torá — a Cabala.
Em Safed, os Judeus provenientes da Espanha e os da vizinha Provença viviam uma
vida simples e religiosa, somente em busca da paz e da piedade.
Com a interpretação dada pelo rabino Shimon ao verdadeiro significado da Torá
como sendo a sua base, a Cabala floresceu como nunca havia acontecido antes.
Esta influência foi sentida de maneira mais forte nas escolas dos rabinos Moisés
Cordovero e Isaac Luria, dois dos mais importantes centros de estudo do século
XVI, em Safed.
E, como a comunidade Sefárdica se espalhou, o estudo da Cabala se estendeu da
Itália à Turquia.
Na Salonika, então parte integrante à Turquia, Salomão Alkabetz (1505- 1584), o
compositor do hino sabático Lecha Dodi (Venha, minha amada), estabeleceu um
centro de estudos para o ensinamento da Cabala; logo após ele também chegou à
Safed, para tomar parte no grande movimento de revitalização da Torá, o qual
estava ali se realizando.
Os Cabalistas de Safed realizaram um esforço consciente para preservar a
totalidade da Torá, com os seus princípios e leis fundamentais, ao estendê-la de
modo que a relevância de todos os aspéctos da vida pudessem ser vistos.
Ao evoluir da estrutura do Judaísmo rabínico tradicional, eles lutaram para
demonstrar uma experiência religiosa que proveria seus seguidores com energia
suficiente para atender as demandas da vida quotidiana.
Muitas das práticas do Judaísmo — tais como os três festivais da peregrinação,
assim como as leis e rituais religiosos relacionados ao modo de vida rural, tinham
se tornado obsoletos para os Judeus de Israel e da Diáspora que se seguiu à
destruição do segundo Templo.
A sobrevivência do Judaísmo como um sistema religioso vivo dependia da
habilidade da Torá em possibilitar o aperfeiçoamento da vida dos Judeus
provenientes de tradições culturais diferentes.
O rabino Moisés Cordovero foi atraído «como que pela sede» à sabedoria da
Cabala, em 1522; ele estudou em Safed com o rabino Salomão Alkabetz, cuja irmã
ele desposou.
Ele se revelou um professor e escritor talentoso, tendo composto as primeiras
interpretações compreensivas sobre o Zohar (Or Yakar, A Luz Elevada).
O manuscrito, obtido em microfilme na Biblioteca do Vaticano, já deu origem a
muitos volumes de ensinamentos impagáveis.
Outros de seus trabalhos importantes incluem Or Nerav, Shiur Koma, Tomer
Débora, e Pardes Remonim.
O rabino Isaac Luria, o Ari Ha-Kodesh (o Leão Sagrado) nasceu em Jerusalém, em
1534.
De acordo com a lenda, o profeta Isaías apareceu em pessoa na sua cerimônia de
circuncisão, para atuar como Sandak (padrinho), e disse a seu pai para que
dispensasse grandes cuidados à criança, pois este seria uma fonte de luz
grandemente elevada.
Após a morte de seu pai, a sua mãe, que era descendente de Sefárdicos, mudou-se
para a casa de seu irmão Mordechai Francis, um homem rico e respeitado na
comunidade Judaica do Cairo.
No Egito ele estudou com os famosos rabinos Bezalel e David Zimra (o Radbaz).
Com a idade de dezessete anos ele se casou com uma de suas primas.
O Ari já era uma autoridade em estudos Talmúdicos antes que ele tivesse chegado
aos vinte anos, e logo dominou todo o material que seus mestres tinham lhe
apresentado.
Então ele descobriu o Zohar, e passou a viver como um hermitão em um lugar
remoto junto ao rio Nilo, pelo período de treze anos, enquanto ele estudou e se
aprofundou nos segredos da Cabala.
Em 1569 ele passou a viver em Safed, onde ele estudou com Moisés Cordovero, até
que ele se transformou num mestre, com um círculo de discípulos devotados.
O Ari desenvolveu um novo sistema para compreender os mistérios do Zohar,
conhecido como o método Luriânico.
Nele o Ari salienta os Dez Sefirot ou Emanações Luminosas, e lança nova luz no
conhecimento oculto da Cabala.
Sua completa compreensão dos mistérios do Zohar, juntamente a outros grandes
poderes que ele manifestou ao longo de sua vida, são o resultado de uma
identidade espiritual única.
Seu aluno, Chaim Vital, relata a seguinte estória:
Um dia eu fui com meu mestre (o Ari) à uma localidade onde o rabí Shimon e seus
discípulos se reuniram e instituíram a Grande Assembleia.
No lado oriental do caminho havia uma rocha contendo duas fissuras: a setentrional
estava onde o rabi Shimon costumava sentar, e a meridional estava onde o rabi
Abba havia se sentado.
Em uma árvore próxima, defronte a estas duas grutas, o rabi Elazar tinha estado
sentado.
O próprio Ari sentou-se na rachadura setentrional, como o rabino Shimon havia
feito antes dele, e eu sentei-me na rachadura meridional, sem saber que este era o
assento do rabi Abba.
Somente após este encontro foi que o meu mestre me explicou o significado do que
havia ocorrido.
Atualmente eu sei o que ele tinha em mente quando ele me disse que eu tinha a
centelha de um dos membros da Idra (assembleia).
Qualquer um que esteja familiarizado com os escritos de Ari perceberá que a
clareza, a profundidade e compreensão de seu pensamento só poderiam emanar de
alguém abençoado com o espírito do rabi Shimon: somente a alma do rabi Shimon
teria sido capaz das façanhas transcendentais, as quais estão claramente presentes
nos escritos do Ari.
Algumas pessoas pensavam que o Ari era o sinal precursor da Idade Messiânica.
E uma lenda fantástica se espalhou, dando conta de sua piedade e retidão.
Em um Erev Shabat (noite do Shabat) o Ari reuniu seus discípulos e declarou que
ele poderia antecipar a vinda do Messias naquele exato Shabbat.
Ele ressaltou para todos os presentes a importância da completa harmonia,
advertindo que eles deveriam evitar a menor confrontação entre eles próprios.
Deste modo este Shabbat especial teve início, e tudo correu bem na sexta-feira à
noite e na manhã do Shabbat.
Próximo ao final do Shabbat, um argumento trivial irrompeu entre os filhos dos
discípulos do Ari.
Esta briga se agravou até que os pais intervieram, o que, por sua vez, redundou no
desentendimento entre dois dos discípulos.
Então o Shabbat terminou sem o aparecimento do Messias; os discípulos
demonstraram sua desilusão por não terem merecido sua aparição, e perguntaram
ao seu mestre sobre as razões.
Ao que Ari respondeu com tristeza: «A sua vinda foi impedida por algo
insignificante».
Seus discípulos ignoravam que Satã recorre a qualquer meio para desviar o homem
de suas intenções nobres; por outro lado, sabendo muito bem que os discípulos
estavam advertidos sobre a importante tarefa de manter a harmonia entre eles
próprios, ele escolheu uma maneira encoberta e inexperada para conseguir seu
objetivo, qual seja, a de semear a desunião.
Assim, concluiu Ari, a vinda do Messias não significa que nós devemos esperar por
um indivíduo montado em um asno branco, a passar no Portão da Misericórdia do
Muro Oriental da cidade de Jerusalém.
Muito pelo contrário, a presença de boa vontade entre os homens e paz sobre a
terra, conforme referido nos versículos «O lobo deverá conviver com o cordeiro, e o
tigre deverá repousar com as crianças (Isaías 11:6), é o que constitui o Messias.
O Messias nada mais é que o símbolo da harmonia do mundo».
Ao ouvir isto, os discípulos partiram com as cabeças baixas.
Em uma outra ocasião o Ari reuniu seus discípulos para uma viagem à cidade de
Jerusalém, com o objetivo de passarem o Shabat lá.
Quando eles ouviram sobre sua intenção, eles foram vencidos pela perplexidade e
perguntaram ao seu mestre como eles poderiam empreender uma tal longa
viagem, se para a chegada do Shabat faltavam apenas alguns minutos!
Sorrindo, o Ari respondeu: «Os elementos do tempo, do espaço e do movimento
são meramente expressões das limitações impostas pelo corpo físico ao espírito.
No entanto, quando a alma transcende o corpo, estes fatores limitantes cessam de
existir. Vamos agora nos dirigir para Jerusalém, pois nossos corpos físicos
perderam sua influencia sobre nossas almas».
Desta maneira, e cantando os cantos místicos o Ari e seus discípulos chegaram em
Jerusalém, em tempo para comemorar a chegada do Shabat.
Com a idade de trinta e oito anos, no quinto dia de Av (1572), o Ari completou sua
tarefa aqui na terra, e ascendeu ao lugar que estava a sua espera, no Jardim do
Éden.
Ao seu seguidor mais confiável e favorito Chaim Vital, e ao seu filho Samuel Vital,
ele confiou a tarefa de preparar um manuscrito com seus pensamentos e
ensinamentos, o qual deveria se constituir em um documento sobre a Idade de
Ouro da Cabala em Safed, e em herança para a posteridade.
Estes dois seguidores devotos condensaram, tanto quanto foi possível, os feitos e a
sabedoria de seu mestre, deste modo produzindo os volumes que atualmente
consideramos como sendo os trabalhos de Ari.
Chaim Vital, por sua vez, tornou-se um personagem legendário e uma fonte de
sabedoria para os futuros Cabalistas, os quais poderiam então se referir a um
trabalho literário e conciso, que passou a esclarecer os conteúdos até então
obscuros e misteriosos do Zohar, o trabalho básico da literatura Cabalista.
A capacidade de razão humana tem alienado a muita gente em relação aos
princípios básicos da Torá, largamente devido à dificuldade em aceitar as verdades
intrínsecas daqueles ensinamentos, os quais são baseados na interpretação literal
da Lei.
Um dos objetivos primordiais do comentário do Ari era de que a verdade deveria
ser apresentada de uma maneira lógica e consequente.
O sistema criado pelo rabino Shimon não era automaticamente acessível aos
estudantes e eruditos da Cabala, o que permitia a alguns declararem que o
aprendizado no Livro do Esplendor era irracional e ilógico.
No entanto, Os Escritos do Ari refutam completamente esta declaração, pois os
mesmos representam um comentário sobre o Zohar, que tanto pode ser perceptível
pelo intelecto como pelos sentidos.
Onde expressões ambíguas e figurativas e estórias inconsequentes similares na
Torá impõem uma impressão de irrelevância, os escritos do Ari alertam o leitor para
se precaver sobre interpretações literais.
Onde alguns aspectos da Torá aparentam contradizer o senso comum, o Ari nos
lembra que as metáforas da lei tinham originalmente a mera intenção de capacitar
as pessoas que careciam de uma educação mais aprimorada, a compreendê-la da
melhor maneira possível.
Para o erudito estes relatos lhe ofereciam uma interpretação mais aprofundada.
As própria parábolas não são de grande valia, até que seus significados profundos e
sublimes tenham se tornado inteligíveis através do estudo da Cabala.

Nós já tínhamos visto que os acidentes da história que culminaram com a reunião
dos grandes espíritos da Cabala em Safed, eram, em realidade, parte integrante do
desejo do Eterno, o qual culminaria com a salvação eventual da humanidade.
A presença de Chaim e de Samuel fazia parte deste plano, o que é demonstrado
pela sua compreensão infalível de um corpo considerável de conhecimentos
Cabalísticos.
Eles apresentam conceitos que não são perceptíveis por meio dos cinco sentidos, e
identificaram verdades, as quais não poderiam ser apreendidas através de exercício
lógico ou mera imaginação.
O próprio Ari deixou claro que sua reencarnação neste mundo estava
profundamente ligada ao propósito de instruir a Chaim Vital nos mistérios da
Cabala.
Além do mais, sua presença permitiu a Vital retificar erros de muitas
personalidades reencarnadas que ele continha, dentre os quais figuravam Caim,
Korach, Yohanan ben Zakai e o rabi Akiva.
Mesmo assim, o Ari disse ao Vital que sua alma continha centelhas de Essência
Divina, as quais eram de um nível mais elevado do que aquelas possuídas por
muitos dos anjos celestes. «Porém mais do que isto eu não posso te revelar; se eu
fosse revelar a tua essência para ti próprio, tu muito provavelmente planarias de
júbilo; mas eu não recebi permissão para discutir tua atual encarnação em maiores
detalhes ».

Numa noite de sexta-feira, Moisés Alchikh — o mais importante pregador do século


XVI — aproximou-se de Ari e perguntou-lhe porque ele deveria receber seus
ensinamentos por intermédio de Chaim Vital, quem por certo era seu seguidor.
Como resposta o Ari disse: «Eu voltei a este mundo com o objetivo explícito de
apenas ensinar a Chaim Vital, desde que nenhum outro discípulo é capaz de
apreender uma única palavra de mim».
Quando o próprio Vital colocou a mesma questão para o Ari, ele lhe disse que o
estudo da Cabala não dependia do nível de compreensão, da inteligência ou da
vivacidade do espírito do estudante, muito pelo contrário, ele dependia de sua_
espiritualidade, a qual é a encarnação de um nível celestial.
Ele também disse a Vital que muito brevemente ele iria se encontrar diretamente
com o profeta Elias, com quem ele iria conversar sobre diversas coisas.
Além de tudo isto, o Ari lhe disse que, por via arrependimento e boas de ações, ele
iria complementar e melhorar sua Nefesh (o Espírito Tosco que representa o mais
baixo nível da alma), e que o mesmo também iria alcançar um nível mais alto do
Ruach (Espírito), o qual por fim iria se unir ao Ruach do rabi Akiva.'
Em um Shabat, o Ari percebeu o seguinte texto na fronte de Chaim Vital:
«Eles prepararam uma cadeira para Hezkiahu, o Rei de Judá».
Então ele imediatamente compreendeu que uma parte do espirito de Hezkiahu
havia se unido ao de Chaim Vital, através do mistério do Tosfat Shabat, através do
qual no Shabbat se adquire partes de outras almas, as quais podem permanecer
por um período maior ou menor de tempo, a depender das ações da pessoa que as
recebe.
Durante o Shabat, Vital ficou zangado com um membro de sua família, e em
consequencia o espirito visitante o abandonou.
Depois de uma semana de arrependimento, o Ari notou no próximo Shabbat o
encorporamento do Ruach, ou do mais alto nível de ambas as almas de Hezkiahu e
do rabino Akiva em Chaim Vital.
Apesar de ter alcançado um nível fantástico de espiritualidade, Vital ainda era
incapaz de anular a influência negativa do mal, a qual o desviava do seu caminho
da piedade, e de novo ele se desentendeu com um membro de sua família, tendo
os espíritos de Hezkiahu e do rabino Akiva lhe abandonado.
Desta vez, no entanto, ele se arrependeu imediatamente e abandonou de vez por
todas o caminho da discórdia, e desde então Ben Azzai, o genro do rabi Akiva,
penetrou em sua natureza espiritual.
O Ari considerou necessário revelar a Chaim Vital os níveis de sua espiritualidade, e
desse modo conseguir explicar porque seu espírito tinha sido escolhido e preparado
para receber a grande luz que iria iluminar a visão sublime da Cabala.
Num determinado dia Vital perguntou ao Ari: «Como podes tu me dizer que a
minha alma é tão elevada em termos espirituais, quando é amplamente conhecido
que mesmo o menos piedoso das antigas gerações chegaram a alcançar um grau
tão elevado, o qual eu nunca poderei esperar alcançar mesmo um nível de
espiritualidade comparativamente mais baixo que o deles?»
Ao que o Ari respondeu: «Os níveis de espiritualidade não são dependentes das
ações do homem ou mesmo só da encarnação da alma, mas estão relacionados ao
nível da geração no qual ele mesmo se encontra. Então mesmo uma ação de menor
importância em nossa geração pode ser equiparada às ações muito maiores nas
gerações anteriores, basicamente devido à severidade e ao domínio da klipot (as
carapaças, as faces do Mal) no mundo atual. Portanto, se tu tivesses vivido numa
época anterior, estas mesmas tuas ações teriam uma natureza superior àquelas
dos mais piedosos daquela geração. Tudo isto é muito similar ao que tem sido dito
em relação a Noé — que ele era justo em sua perversa geração (Gêneses 6:9);
tivesse ele vivido em uma geração de homens justos, por certo ele teria sido o
indivíduo mais correto de todos. Portanto, tu não deverias estar espantado ou
confuso sobre teu nível espiritual».
Em uma outra ocasião, quando Vital implorou ao Ari para dizer-lhe porque ele não
tinha devotado seu tempo tão valioso a estudiosos mais eminentes tais como Yosef
Caro, o Radvaz, o seu próprio mestre, ou o Alshilch.
Como resposta Ari lhe ponderou: «Será que realmente necessito de ti? Será que de
minha relação contigo resulta em algum tipo de ‘benefício' ? Ao contrário, eu diria
que ao comparar tua plena juventude à dos estudiosos aos quais mencionastes,
minha associação com eles estaria bem mais fundamentada, ante o que minha
reputação seria certamente favorecida. Se esta fosse minha intenção, por certo que
eu teria preferido aquele caminho. No entanto, após considerar e analisar o assunto
com muito cuidado, e após refletir sobre estas personalidades exemplares,
tentando inclusive alcançar sua mais profunda intimidade, eu não encontrei
nenhuma vasilha [Aqui o original em Inglês vessel tem sentido de veículo.] tão pura
ou espiritualmente elevada quanto à tua. Por certo que tal explicação deveria
satisfazer tua curiosidade. De mais a mais adianto-te que não pretendo revelar os
segredos desses homens, e tu deverias te rejubilar por tua integração ao mundo
espiritual».'
E foi assim que Chaim Vital e seu filho Samuel trabalharam juntos para redigir e
publicar Os Escritos do Ari.
Samuel anotou toda e qualquer palavra que lhe fora transmitida por seu pai, com a
eficiência de um escriba muito bem preparado, sendo que os volumes que
resultaram alcançaram tanto sucesso quanto o clássico livro-texto sobre o Zohar.
Exatamente como no caso de seu pai Chaim Vital, Samuel Vital também tinha sido
cuidadosamente escolhido para desenvolver as tarefas que lhe tinham sido
designadas, as quais deveria cumprir ao longo de sua vida.

Se é para entendermos o significado das doutrinas da Cabala em nossa própria era,


torna-se importante dispor de alguma compreensão sobre o desenvolvimento
espiritual da Cabala nos tempos passados.
Os caracteres e as personalidades dos Cabalistas de Safed constituíram-se nos
canais ou cabos por meio dos quais o poder da Cabala era transmitido, de modo
que um entendimento completo sobre sua sabedoria torna-se impossível, a menos
que nós estejamos cientes da composição espiritual daqueles que a ensinaram, ou
daqueles que a registraram para as futuras gerações.
Tudo isto tornou-se possível através dos sublimes ensinamentos do rabino Shimon,
os quais foram posteriormente desenvolvidos e elaborados por Ari, especialmente
em relação à transmigração da alma.
No Sefer Ha-Gilgulim (o Livro das Transfigurações), o Ari descreve os
desenvolvimentos que conduziram ao exílio e migração da alma de Samuel Vital, e
o seu significado em relação à missão para a qual ele foi designado durante a sua
vida aqui na terra.
De acordo com Ari, haviam afinidades especiais entre Chaim Vital e seu filho.
A primeira esposa de Chaim era a reencarnação de Kalba Shevua, o sogro do
rabino Akiva; como sua alma tinha origem em um homem, ela não poderia gerar
filhos.
Como o Ari explicou: «E Hannah morrerá, e tu (Chaim) casarás de novo, quando
tua Nefesh (nível inferior da alma) estiver reabilitada, e tu estiver unido ao segundo
nível da ascensão espiritual, o qual é conhecido como Ruach. Quando tua Nefesh
estiver envolto no do rabino Akiva, teu Ruach se unirá ao dele, e só então terás
permissão para desposar tua verdadeira alma-gêmea. Ela estará no mesmo plano
espiritual que o da alma-gêmea do rabino Akiva, já que a tua alma e a do rabino
Akiva estão totalmente unidas nos níveis da Nefesh e do Ruach. Então tu desposará
Rachel, a filha de Kalba Shevua, e serás abençoado com um filho, a quem tu
chamarás Samuel».
Desde muito tempo está claro que os antecedentes espirituais de Samuel Vital
eram da mais rara qualidade; no entanto, não existe nenhuma indicação do porque
ele foi o escolhido para uma tarefa tão específica como a de registrar os
ensinamento de Ari, de acordo com o que lhe foi transmitido por seu pai.
Para tentar apreender uma tal informação nós devemos nos voltar ao próprio
Chaim Vital, o qual disse:
Um dia Chaim Vital revelou a seu filho que ele era a reencarnação do rabino Meir, o
celebrado taná.
Posteriormente Samuel teve um sonho no qual o próprio rabino disse o mesmo a
ele.
Diz-se na Mishná, que o rabino Meir era o mais destacado escriba de sua geração.
O rabino Yosef Vital, o avô de Chaim Vital, também foi abençoado com uma
centelha da alma do rabino Meir, e ele também era um escriba notável.
Chaim Vital refere-se ao seu avô como sendo um dos maiores escribas que o
mundo já conheceu.
«O Ari me contou, ele disse ao seu filho, que uma vez metade do mundo recebia
sua alimentação espiritual por meio dos méritos de nosso avô, e especialmente
devido à precisão e fidelidade com as quais, a partir de sua posição como escriba,
ele preparou a parte escrita do Tefilim. Tu, meu filho, também fostes reencarnado
com aquela centelha, e esta constitui-se na razão pela qual fostes escolhido para
documentar as palavras do Ari, com tal precisão».
Samuel Vital era a pessoa perfeitamente habilitada para desenvolver este trabalho,
do mesmo modo que seu pai Chaim Vital, e seu mestre, o Ari. Graças à vasilha
espiritual de Samuel o mundo estava agora preparado para entrar na Era
Messiânica, totalmente equipado com todos os meios e o conhecimento necessários
para desenvolver o trabalho requerido; no entanto, apesar do fato de que um
comentário completo sobre o Zohar encontrava-se no momento disponível, apenas
alguns poucos escolhidos eram capazes de compreender as metáforas e um
conjunto de imagens entrelaçadas existentes no seu interior.
Embora seja correto dizer que o sistema Luriânico provê o preparo básico
necessário para se compreender plena e amplamente o Zohar, é contudo intrigante
que o Chaim Vital quase que ignorou totalmente os comentários do mestre
cabalista Moisés Cordovero, o mentor do Ari.
De acordo com a lenda, a razão disto reside em um sonho que Chaim Vital teve
uma vez, na qual Moisés Cordovero apareceu perante ele e lhe disse que apesar de
ambos o seu sistema e o de Ari fossem interpretações corretas do Zohar, a de Ari
iria prevalecer na Era Messiânica.
Fato é que, enquanto Os Escritos de Ari haviam sido ordenados, organizados e
publicados, aqueles do Ramak (rabino Moisés Cordovero) seriam redescobertos
apenas recentemente.
Outro famoso cabalista que se salientou durante a Idade do Ouro do renascimento
judaico, que durou de cerca de 1490 até 1590, foi Abraham ben Mordechai Azulai
(1570- 1643).
Ele nasceu em Fez, no seio de uma família cabalista de origem castelhana, e
escreveu três tratados fundamentados no Zohar: Or Ha-Levanah (A Luz da Lua),
Or Ha-Hamah (A Luz do Sol), e Or Ha-Ganuz (A Luz Oculta), sendo todos os três
baseados unicamente no sistema Luriânico; ele também preparou um volume
intitulado Chesed l'Avraham (A Misericórdia de Abraham), no qual ele elabora e
apresenta uma análise dos princípios da Cabala.
As palavras e idéias do seu prefácio ao tratado Or Ha-Hamah soa, atualmente, com
maior força do que em tempos anteriores.
“É extremamente importante que a partir de agora todos estudem abertamente a
Cabala, e que se dediquem à ela, pois será por mérito da Cabala, e de fato somente
através da Cabala, que o Messias aparecerá e evitará para sempre a guerra, a
destruição, a injustiça social e, acima de tudo, a desumanidade do homem contra
seu próximo”.
Pode ser dito, portanto, que a Inquisição Espanhola, a despeito de toda a sua
violência, lançou as bases da Idade de Ouro do renascimento judaico, e que a Era
Luri'ànica construiu o cenário para o surgimento da Era Messiânica.

Uma luz recente — O rabino Ashlag


Apesar do crescimento e da influência do chassidismo, e de seu interesse renovado
pela Cabala, ainda constitui-se em verdade a afirmação de que a maioria dos
Judeus continuam tão ignorantes em relação aos ensinamentos da Cabala, como
antes.
No entanto, esta situação começou a mudar, quando o rabino Yehuda Ashlag
(1886-1955) propôs um novo sistema que facilitasse o entendimento dos trabalhos
do Ari.
Na sua obra de dezesseis volumes, conhecido como O Estudo das Dez Emanações
Luminosas (Talmud Eser Ha-Sefirot), ele idealizou um sistema lógico, através do
qual a essência do domínio transcendente era transmitida por meio de uma
variedade imensa de símbolos e ilustrações.
Estes, segundo seu entendimento, descreveria melhor aqueles aspectos dos
ensinamentos do Ari que estivessem além da capacidade de aprender do intelecto.
As Dez Emanações Luminosas referem-se aqueles conceitos que têm iludido os
sábios mais perspicazes e determinados, ao longo dos séculos.
A relação íntima existente entre os reinos físico e o metafísico é apresentada de
maneira simples, juntamente à descrição de uma série de evoluções que culmina
no mundo que atualmente conhecemos, e mais, uma apresentação detalhada dos
razões que podem ser atribuídas ao Criador.
Para além desses volumes, a obra monumental do rabino Ashlag sobre Zohar, tem
exercido uma grande influência nos estudos Judaicos, e deve ser considerada como
um ponto decisivo na tentativa de tornar a Cabala compreensível para os
estudantes contemporâneos.
Ele foi quem fêz a primeira tradução de todo o Zohar para o Hebraico moderno.
E, por compreender que uma tradução interpretativa não seria o suficiente por si
mesma, ele também produziu comentários sobre as passagens mais difíceis
daquela obra.
Ele também organizou um volume com diagramas, descrevendo o processo de
evolução do Sefirot em todas as suas manifestações, até o nível deste mundo.
De uma maneira geral, os Cabalistas na mesma posição e estatura do rabino Ashlag
receberam o seu conhecimento por meio da revelação divina.
A tendência é que eles sejam homens com uma ampla educação rabínica, sendo
que o rabino Ashlag não era uma exceção a este respeito.
No entanto, o seu conhecimento sobre o espectrum da Cabala era ainda muito mais
profundo, e sua tradução do Zohar demonstra muito claramente, que ele era
versado em toda a ciência conhecida.
Eu fiquei conhecendo sobre sua vida e personalidade através de meu mestre, o
rabino Yehuda Z. Brandwein, o qual foi seu discípulo.
O rabino Ashlag nasceu em Varsóvia, e foi educado em escolas Chassídicas.
Em seus primeiros anos de escola ele foi aluno de Shalom Rabinowicz, de Kalushin,
e de seu filho Yehoshah Asher, de Porissor.
Ele emigrou para a Palestina em 1919, e se radicou na Cidade Velha de Jerusalém.
O rabino Brandwein falava de um homem possuidor de imensos poderes de
meditação, um homem a quem os mundos da metafísica e do misticismo eram tão
familiar quanto o mundo da física para Einstein.
Uma tal comparação não é de todo sem significado, pois foi durante o tempo de
vida do rabino Ashlag que avanços e descobertas de grande porte foram sendo
desenvolvidas no mundo da ciência, destruindo deste modo muitas das teorias
científicas tradicionais que tratavam da estabilidade, permanência e propósitos do
universo.
A Teoria da Relatividade de Einstein, a grande revolução do pensamento científico
de nossa era, confirmou uma convicção que os Cabalistas sabiam ser verdade
desde muitos séculos: que o tempo, o espaço, e o movimento não são constantes
imutáveis, mas uma função da energia.
A crescente consciência reinante entre os cientistas sobre as limitações da
metodologia analítica da ciência, bem como o seu reconhecimento sobre a unidade
e as interrelações dos sistemas físico e biológico, tem provocado um grande
impulso no mundo do misticismo, e particularmente à Cabala.
Com respeito a este problema, as obras do rabino Ashlag se distinguem por sua
apresentação única e notável quanto a fatos relevantes relacionados à estrutura do
universo, junto à uma descrição profunda e penetrante sobre as razões de
existência do indivíduo, no interior deste sistema.
A restauração do enfoque místico que se observa no mundo da Cabala toma uma
grande parte de sua força, dos laços existentes entre os conceitos expressados e a
consciência mística do autor, em oposição ao estudo árido de rituais e cerimoniais
religiosos por si só.
O profeta Elijah, com os seus ensinamentos profundos, tem sido identificado com a
Cabala, desde os seus primórdios.
Ele apareceu tanto para o rabino Shimon, quanto para o Ari.
O rabino Ashlag, no entanto, não considerou Elijah como fonte de sua inspiração
mística.
Uma linda estória, contada a mim por meu mestre, sublinha a conexão intima que
existia entre a alma do rabino Ashlag e o mundo superior das Alturas:
Uma noite, relembrou o rabino, após a complementação de um dos volumes do
Zohar, eu fui tomado por um sono profundo.
Uma voz aproximou-se de mim e disse que toda a Criação me seria revelada, desde
o início até o fim, o que incluiria a vinda do Messias.
Então eu perguntei porque não me seria mostrado tudo o que os profetas tinham
visto.
E como resposta eu ouvi: «Por que tu te contentarias com o nível visionário dos
profetas, quando tu poder ver a tudo»?

As circunstâncias desta revelação estão contidas em uma carta que o rabino Ashlag
endereça a um tio, na qual ele relata o encontro que ele teve com seu mestre, e a
aura egocêntrica que ele desenvolveu, depois de conhecer os mistérios mais
profundos da Cabala.
Por ter desenvolvido tal orgulho, seu mestre suspendeu os ensinamentos até que o
rabino Ashlag viesse a adotar uma atitude correta de humildade, a partir de quando
o seu mestre — um estranho, cujo nome ele fora proibido pronunciar, lhe revelou
um Sod (um segredo, ou sentimento profundo), relacionado ao Mikveh (banho
ritual). «Isto, relata o rabino Ashlag, produziu em mim um êxtase de tamanha
intensidade que ele criou literalmente um Devekut total, uma divisão da Essência
Divina, uma separação completa das contigências corporais, e um despedaçar do
véu que me separava da vida eterna».
Logo após esta revelação o seu mestre faleceu, deixando-o com o coração partido.
Ante sua tristeza profunda e desespero, a revelação também o abandonou por um
certo período, até que ele recuperasse sua capacidade e novamente pudesse
devotar sua vida ao Criador, «Após o que, as fontes da sabedoria divina se abriram
repentinamente; com a graça do Todo Poderoso, eu relembrei todas as revelações
que eu havia recebido de meu mestre, de abençoada memória».

Atualmente, como na Idade de Ouro de Safed, a fonte invisível da Cabala retornou


à superfície; se observa, no entanto, em nossos dias, uma diferença significativa —
a ciência, por muito tempo a inimiga jurada de toda e qualquer religião, pode ser
agora contemplada em sua verdadeira luz, como uma aliada e companheira da
Cabala.
A Cabala e a Era Messiânica
Antes de nos aprofundarmos na metodologia e ensinamentos da Cabala, vejamos
com mais detalhes as sugestões que tem sido formuladas sobre a propriedade de
seu ensinamento, nos tempos atuais.
No caso, torna-se fundamental compreender a conexão existente entre o estudo da
Cabala, e a aproximação da Era Messiânica.
Conforme já tivemos oportunidade de observar, é crescente o interesse pelas
doutrinas ocultas e pelo Zohar, o mesmo ocorrendo com o despertar da
espiritualidade no interior do Judaísmo e das outras religiões.
Uma interrogação inevitável surge então, sobre o porque do Zohar ter sido
efetivamente ocultado às gerações precedentes, pois as mesmas tinham
indubitavelmente um nível espiritual e de consciência mais elevado que o nosso
próprio, estando então mais bem equipados para compreender a sabedoria
profunda da Cabala.
Uma indicação para a solução deste problema é fornecida pelo Zohar, em uma
passagem sobre a vinda do Messias:
O rabino Shimon levantou suas mãos e em lágrimas, disse: «Ai daquele que chegar
a viver aquele período, louvada será a parte dele que encontrará e que terá a
capacidade divina de ser selecionada neste tempo».
O rabino Shimon então explica esta parábola paradoxal, conforme segue:
Ai daquele que se chegar aquele período, porque quando o Todo Poderoso
relembrar a Shechina (a Presença Divina), se Ele dirigir seu olhar para os que se
encontram fies à Ela, e dentre todos os que se encontram em seu meio, passando
então a apurar as ações e atos de cada um, Ele não encontrará um dentre todos
que seja virtuoso, conforme as escrituras advertem, e então dirá: «Eu olhei, e não
havia um a ajudar».
Tormento agonizante e problemas aguardam por Israel.
Louvados, no entanto, são todos aqueles que merecerem a Luz brilhante do
Senhor.
Em referência aquele tempo, tem sido proclamado: «Eu os refinarei do mesmo
modo que a prata é refinada, e devo purificá-los como se faz com o ouro»."
O rabino Shimon confirmou que a Era Messiânica chegará com uma Luz e uma
riqueza simbolizando a infusão da pureza divina, em todos os mundos.
O amanhecer de um novo mundo surgirá, e com seu advento a Luz começará a
liberar os homens de sua ignorância, oportunizando assim, um acordar espiritual e
intelectual.
O rico resíduo da latente inspiração moral e intelectual de nossa herança Judaica
criará a necessidade de reorganização e reconstrução, e dirigirá nossas energias a
canais que, em última instância, contribuirão para o enriquecimento da experiência
judaica e de nossas relações para com o nosso próximo.
O Zohar também declara que, nos dias do Messias, «Não haverá mais necessidade
do homem pedir ao seu próximo que lhe ensine a sabedoria, conforme está escrito:
«Um dia não mas ensinará cada homem a seu próximo, nem cada homem a seu
irmão, dizendo-lhes «Conheça o Senhor, pois todos eles já deverão estar Me
conhecendo, desde o mais jovem até o mais idoso dentre eles».
Neste ponto o Zohar expressa a idéia de que a Era Messiânica será introduzida em
um período de iluminação sem precedentes: O Messianismo, que representa a
essência da esperança e do otimismo, desenvolve-se a partir da crença indelével de
que haverá um triunfo eventual da harmonia sobre a confusão no mundo, do amor
sobre o ódio, e em última instância, uma vitória da justiça e bondade sobre a
opressão e a cobiça.
Esta vitória, declara o Zohar, está intimamente ligada à Chochmá (sabedoria), e
depende da disseminação do verdadeiro conhecimento, a sabedoria da Cabala.
Embora sejam colocados todos juntos, estes fatos ainda não explicitam as razões
profundas dos distúrbios e perplexidades Messiânicas, envolvendo a Luz do
Messias, e a redenção final.
Eles também não explicaram ou responderam a questão que está intimamente
relacionada, e que indaga sobre o porque da Cabala não ter sido revelada em toda
a sua magnitude, para as gerações mais antigas.
Por que agora, então?
Seria a nossa confusa geração mais apta a receber a abundância de Luz, para
saborear a Beneficiência inefável que espera as almas em nossa era atual, o
período Messiânico?
Tais paradoxos, em relação ao mérito das primeiras e posteriores gerações, foram
tratados pelos nossos sábios abençoados, no Talmud:
Rav Pappa disse, a Abbaye: «Como é que os milagres foram realizados para as
primeiras gerações, e nenhuma maravilha foi produzida para nós? Por certo que
não pode ser devido à sua superioridade em termos de estudo, pois nos tempos de
Rabi Yehuda (um sábio de uma geração precedente) a totalidade de seus estudos
encontrava-se reduzida à ordem dos Nezikins (o quarto dentre os seis livros da
Mishná), quando nós estudamos todos os seis: de fato, quando o Rabi Yehuda
chegou ao Tratado do Uktzin, ele diria: «Aqui eu vejo todas as dificuldades
levantadas por Rabi e Samuel» nós, por outro lado, possuímos treze versões deste
mesmo tratado. E, novamente, quando Rabi Yehuda retirou um de seus calçados
(mesmo antes dele jejuar e orar pela chuva), a chuva começou a cair
imediatamente, e embora nos atormentemos e gritemos, nenhum reconhecimento
nos é dirigido.
Ante tal situação, o Abbaye respondeu: «As gerações anteriores estavam
preparadas para sacrificar suas vidas em nome da santificação do nome do
Senhor».
Para Rav Pappa e Abbaye era óbvio que as gerações precedentes eram
infinitamente superiores a eles, considerando o ponto de vista da alma interna
imortal; no entanto, quando se refere às revelações da Torá, as quais são
identificadas como o conhecimento e a sabedoria, Rav Pappa e Abbaye foram os
maiores beneficiários deste vasto reservatório da literatura divina, em comparação
com as gerações que lhes precederam.
As discussões presentes no Talmud antecipam em muito aquelas colocadas pela
atual geração.
Esta tem estado preocupada com a natureza da espiritualidade, e com os seus
desenvolvimentos ao longo do tempo.
Em seus debates os sábios demonstram que eles estão completamente cientes da
existência de um paradoxo, no centro da questão.
As antigas gerações, por terem uma natureza mais espiritual, necessitavam menos
ao que se refere a conhecimentos contidos em livros, e mesmo assim elas
alcançaram muito mais no âmbito da produção de maravilhas e de milagres.
Então nós encontramos uma situação em que um maior conhecimento, e um
estudo mais intenso, parecem ser menos recompensados.
A solução para tal paradoxo reside no nível espiritual alcançado em gerações
distintas.
As gerações mais antigas estão, simplesmente, mais próximas das fontes da
espiritualidade do que aquelas mais recentes; e como elas exigem muito menos do
mundo físico, tanto espiritual como fisicamente, elas se encontram em um plano
mais alto da existência.
Sendo então menos dependente das vasilhas mundanas do mundo físico, elas
podem manter sua posição elevada, e de fato, exercer controle sobre o
direcionamento do mundo, utilizando-se para tal de sua espiritualidade.
A expressão deste controle fazia-se através dos milagres, significando o exercício
de seu poder sobre a ordem natural do universo.
As gerações mais recentes tem que depender muito mais do conhecimento
transmitido via fontes secundárias, como os textos, por exemplo.
Ao mesmo tempo, ante a sua maior dependência em relação ao mundo, o Desejo
de Receber, torna-as mais capazes de receber a Luz a qual é da mais alta natureza.
As vasilhas existentes para receber a Luz, são feitas com um material grosseiro,
enquanto que uma vez expandida, a Luz torna-se presente de uma forma muito
mais explícita, em comparação ao que ocorria nas gerações precedentes.
Ao invés de um livro, seis livros.
Em lugar de apenas a Mishná, também o Talmud.
E, ao invés de apenas o Talmud, também o Zohar.

Continua

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