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Abstract To health workers and users the technolo- Resumo Para os trabalhadores da saúde e usuários,
gy of relations as a device of humanized attendance a tecnologia das relações como dispositivo do aten-
in basic attention, highlighting the categories ac- dimento humanizado na atenção básica, destacan-
cess, sheltering and attachment can present diverse do-se as categorias acesso, acolhimento e vínculo,
meanings and have a subjective nature to treat with podem apresentar significações diversas e ter uma
each one of different interests of subjects involved in natureza subjetiva no lidar com cada um dos dife-
construction of health. Thus, the objective of this rentes interesses dos sujeitos envolvidos na constru-
research is to discuss how users and workers notice ção da saúde. Assim, esta pesquisa tem por objetivo
the access, sheltering and attachment as soft tech- discutir como os usuários e trabalhadores percebem
nology in basic attention in city of Fortaleza, Ceará o acesso, acolhimento e vínculo como tecnologia leve
State. The research has a descriptive nature, focus- na atenção básica do município de Fortaleza (CE).
ing on qualitative analysis, having as theoretical A pesquisa é de natureza descritiva, com enfoque de
basis the soft technology in attention to health. The análise qualitativa, tendo como base teórica a tec-
data were collected in the context of twelve focal nologia leve na atenção à saúde. Os dados foram
groups with 70 workers of Basic Units of Family colhidos no contexto de doze grupos focais com se-
Health and clinical interview with 30 users. To an- tenta trabalhadores das Unidades Básicas de Saúde
alyze the data, it was followed the technique of the- da Família e entrevista clínica com trinta usuários.
matic categorical content. The results suggested that Para análise dos dados, seguiu-se a técnica de análi-
technologies of relations in actions of health indi- se de conteúdo categorial temática. Os resultados
cate the need of respect, effective relations in work, sugerem que as tecnologias das relações nas ações de
resolutivity in attendance, access to information saúde indicam a necessidade de respeito, relações
among staff members and among these and users. efetivas no trabalho, resolutividade no atendimen-
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Centro de Saúde da Key words Technology of relations, Actions of to, acesso às informações entre os membros da equi-
Família Roberto da Silva
Bruno, Prefeitura health, Basic attention pe e entre estes e os usuários.
Municipal de Fortaleza. Palavras-chave Tecnologia das relações, Ações de
Avenida Borges de Melo saúde, Atenção básica
910, Nossa Senhora de
Fátima. 99999-999
Fortaleza CE.
coelho.moc@oi.com.br
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Departamento de Saúde
Pública, Universidade
Estadual do Ceará.
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Coelho MO, Jorge MSB
descritivos à compreensão e interpretação dos su- poderá ser esse atendimento rápido, se muitas ve-
jeitos envolvidos no processo de construção da zes o profissional precisa ouvir o usuário e para
saúde, no contexto cultural em que produziram a isso despenderá tempo, gerando consequentemen-
informação, verificando-se a influência desse con- te demora no atendimento? Também poderá ser
texto no estilo, na forma e no conteúdo dos dis- no sentido de dar prioridade às pessoas, conforme
cursos. As falas, conforme o grupo focal e entre- classificação de risco nas UBASF feita no acolhi-
vistas, foram identificadas da seguinte forma: usu- mento ao usuário, como citado: É fazer o possível
ários (U), trabalhadores das UBASF (GT) e traba- para atendê-los bem, com rapidez de atendimento. É
lhadores do PSF (ESF). um bom atendimento. É o paciente não voltar sem
atendimento e ter isso como prioridade. (GT5)
A visão do atendimento como uma rotina de
Acesso: procedimentos ainda está inserida na concepção
dificuldades relacionais e organizacionais destes trabalhadores, cuja importância está em se-
guir padrões de forma “mecânica”, sem reflexão
Os trabalhadores fazem referência ao acolhimen- sobre a escuta do usuário para que ele seja atendi-
to apenas quanto à informação a ser dada aos usu- do em suas necessidades, que muitas vezes é ape-
ários, à falta de placas para sinalização dentro das nas de ser ouvido, a exemplo do relatado: É medir,
unidades. Também a comunicação dentro das pesar, ver P.A., temperatura. É melhoria no posto
UBASF funciona de modo isolado; as informa- com respeito aos horários de atendimento por parte
ções não são prestadas aos trabalhadores, devido dos funcionários. (GT6)
ao trabalho individualizado. Os usuários são os O descumprimento dos horários de trabalho
que mais sofrem pela falta de comunicação: pode gerar descrédito por parte da população e
Nós temos que ter contato com o usuário, dar dos próprios trabalhadores, pois como poderão
informações, o usuário e o profissional têm que sa- acreditar em um serviço que não cumpre seu ho-
ber o que está acontecendo na unidade. (GT3) rário de funcionamento? Segundo observamos, a
Ensinar a ele para onde ele vai, encaminhar o falta de compromisso com o ser humano dificulta
paciente para o local certo aonde ele vai, levando ao o bem-estar de todos, porque o descontentamen-
local. (GT4) to gera desarmonia no ambiente de trabalho.
Assim, a fala dos trabalhadores revela que a Fica expressa nos grupos 3 e 4 a distância entre
falta de comunicação dentro da própria unidade trabalhadores e usuários, devido ao despreparo
de saúde dificulta as relações entre os trabalhado- para lidar com o próximo, associado à posição de
res e entre estes e os usuários. Isso pode gerar erros superioridade por estar trabalhando em um servi-
de interpretação e conflitos pessoais. Sem comuni- ço de saúde e o outro necessitar desse serviço. Isto
cação, os sujeitos ficam excluídos da dinâmica do gera em algumas pessoas a sensação de superiori-
serviço. dade sobre o outro: Os profissionais são muito fe-
A este respeito, comenta Cecílio14, nos encon- chados, deveria ter mais aconchego com os pacien-
tros entre os diferentes sujeitos envolvidos na cons- tes, os próprios pacientes procuram ser maltratados
trução da saúde, podem surgir conflitos, porque, em tudo, não sabem se expressar. (GT3)
em virtude de interesses pessoais, às vezes, deixa- O vínculo deveria ter alguém que falasse com a
mos de ouvir as necessidades do outro. população para os pacientes aprenderem a tratar bem.
Os trabalhadores também fazem referência ao (GT4)
atendimento baseado no respeito tanto dos usuá- Do mesmo modo, no grupo 3, alguns partici-
rios quanto dos trabalhadores. Referem-se, ainda, pantes referem-se aos usuários como culpados pelas
à necessidade de união. Ao mesmo tempo, ressal- situações desumanizantes nas UBASF, enquanto
tamos que a população está à parte do processo de estes acham os trabalhadores fechados, e os traba-
construção da saúde, ou seja, eles devem fazer o lhadores referem-se dessa forma aos outros tra-
melhor para que a população não reclame, con- balhadores de formação universitária, tais como
forme citado: Respeito entre ambos, boa convivên- médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas. Neste
cia para que surja um trabalho bom, unido para que caso, o serviço de saúde deveria priorizar a igual-
a população não se queixe de nada, para que as coi- dade entre todos os sujeitos, com vistas a ir além
sas melhorem muito. (GT2) dos interesses das pessoas e da instituição para
Conforme retratado na fala, atender bem é con- promover o bem-estar de todos.
cebido como rapidez de atendimento. Mas como
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ção de todos os trabalhadores e avaliação da ne- falta amor, carinho, compreensão, comida, empre-
cessidade de atendimento prioritário são princípi- go, chega aqui, parece que é do corpo, mas é da alma.
os humanizantes do atendimento: É ser bem rece- (ESF6)
bido desde a entrada até a saída. Para ser bem aten- O usuário que chega à UBASF quer ser tratado
dido, começa pelo porteiro, ver e ajudar no que a como uma pessoa que tem sua individualidade,
pessoa está necessitando e ser encaminhada. (ESF1) que necessita falar de seus problemas relacionados
Deveria ser o melhor atendimento possível. Se a fatores familiares, emocionais, sociais, econômi-
ele for bem atendido, ele já vai ter resposta para parte cos, entre outros. Muitas vezes, como forma de
dos seus problemas. Se o acolhimento for feito do desabafo, no qual o simples ouvir e chamar aquela
jeito humanizado em equipe, o serviço vai funcio- pessoa pelo nome, demonstrando interesse pelo
nar maravilhosamente bem. (ESF2) que é dito, já traz alívio.
É receber bem o paciente, ter direito ao atendi- A atenção integral para o grupo do PSF 2 re-
mento, receber informações, ser examinado e enca- presenta apenas a responsabilidade de acompa-
minhado quando necessário. (ESF3) nhamento, que poderíamos chamar de continui-
Começa na recepção, direcionar o paciente, re- dade do acompanhamento, e para o grupo do PSF3
cepcionando e orientando. (ESF4) representa acesso e acolhimento, enquanto para o
Receber bem, dar boas informações e direcionar grupo de PSF 4 representa dar mais atenção, con-
o usuário para onde deve ir. (ESF5) forme referido: É uma responsabilidade que o pro-
Os trabalhadores do PSF, conforme relatado, fissional vai ter de estar acompanhando o paciente.
valorizam o acesso do usuário à unidade, com di- (ESF2)
reito garantido de atendimento, bem como a am- É o paciente ser bem recebido. É o paciente ser
biência para que o usuário sinta-se bem no local examinado, consultado e ser encaminhado quando
de atendimento, onde deverá haver placas de iden- necessário. (ESF3)
tificação dos setores da unidade. Contudo, seria A equipe atender menor número de famílias,
mais adequado se os trabalhadores tivessem inte- para dar maior atenção aos usuários, ter prontuário
resse em orientar os usuários, interrogar sobre o específico para PSF de atendimento integrado. (ESF4)
local que desejam e acompanhá-los, se necessário: A utilização do prontuário específico poderá
O acolher não é só verificar sinais vitais, é um negó- ser limitada às ações de saúde apenas aos traba-
cio mais humano, ver quem precisa mais, dar prio- lhadores do PSF. Nesse caso, instigam-nos algu-
ridade, dar mais a quem precisa ter equidade. (ESF6) mas questões: como seria o atendimento dos tra-
Tem que ser um local em que ele não se sinta balhadores dos outros níveis de atenção? Ficariam
inibido, que ele saiba que vai ser bem atendido e sai- separados do prontuário do usuário? Como exis-
ba para onde se dirigir, ter placas de identificação. tiria comunicação entre os outros níveis de aten-
Mas às vezes ele não sabe ler, entender a mensagem, ção se, ao atenderem o usuário, os registros do
para não ficarem “aéreas”, perguntando aqui e ali. atendimento não fossem colocados no mesmo
(ESF6) prontuário?
A percepção do ser humano como um todo, É preciso, sim, um prontuário unificado com
tendo em vista a subjetividade, está representada as informações do usuário, para que ao ser referen-
na fala do grupo focal no que se refere às questões ciado para os outros níveis de atenção, o usuário
do saber ouvir como uma forma de tratamento, não tenha de passar por procedimentos já realiza-
assistir o ser humano em seus aspectos físicos, psi- dos, pois, por falta de registros, estes são feitos nova-
cológicos, entre outras necessidades, sendo assisti- mente, dificultando ou adiando o seu tratamento.
do como um todo, sem a visão de fragmentação. A garantia de acesso ao serviço de saúde para os
Não ver somente os aspectos da doença, mas todo usuários representa a responsabilidade do serviço
o contexto pessoal, social, econômico, cultural: É para com suas necessidades de saúde. Sem o aco-
um elo do profissional como ser humano, ver o pa- lhimento, o serviço não poderá garantir nem o aces-
ciente como um todo. Quando se vai atender o pacien- so nem as prioridades de atendimento. Quando o
te, às vezes ele não quer o remédio, mas uma simples usuário sente a necessidade de atendimento mais
palavra vale mais do que uma medicação. Ver todas rápido, muitas vezes esta não está expressa fisica-
as necessidades físicas, psicológicas, todas as necessi- mente. Neste caso, somente com a escuta desse usu-
dades como um todo na visão holística, uma visão ário é que se poderá saber de suas necessidades:
geral do todo, o olhar como ser humano. (ESF1) Ter atendimento sem desmarcar e ser bem aten-
Não ver só a doença, ver o doente em tudo o que dida. (U1)
está causando problema nele, às vezes o problema Deveria ter um modo de atender mais rápido as
não é nem físico, nem biológico. É doente da alma, pessoas. (U2)
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nas na relação queixa-conduta, tornando automá- tar que não estamos nos referindo a um conjunto
tico o contato entre trabalhadores e usuários e for- de pessoas reunidas em algumas ocasiões para dis-
talecendo a valorização somente na doença. Desse cutir e tentar resolver um problema, mas à produ-
modo, não se estabelece o vínculo com acolhimen- ção de uma grupalidade, como o conjunto forma-
to, tão fundamental e que permite, efetivamente, a do por usuários, trabalhadores, gestores, familia-
responsabilidade pelas nossas ações de saúde. res, entre outros sujeitos que estabelecem conexão
No estabelecimento de um diálogo entre o tra- para as construções coletivas, que suponha mu-
balhador da saúde e o usuário, poderemos encon- dança pelos encontros entre seus componentes.
trar a solução conjunta para os problemas de saú- Assim, as diferentes concepções de acesso, aco-
de, já que muitas vezes o desabafo traz a resposta lhimento e vínculo no processo de construção da
para determinada dificuldade. Ao mesmo tempo, saúde para os trabalhadores e usuários nos propor-
poderemos trabalhar com o conhecimento popu- cionaram o estabelecimento de estratégias com vis-
lar, que faz parte da cultura do paciente e jamais tas a aprimorar as ações de saúde na atenção básica,
deverá ser rejeitado. Mas a troca de conhecimen- para fazer valer os princípios do SUS. Para tanto,
tos só poderá ocorrer se o trabalhador tiver a hu- faz-se necessário a implementação do espaço físico,
mildade de ouvir, aceitar e associar o conhecimen- do ponto de vista da ambiência, na perspectiva de
to empírico ao acadêmico. promover um ambiente acolhedor. Sugere-se ainda
Nesse sentido, as tecnologias das relações su- o treinamento dos trabalhadores no sentido de hu-
põem troca de saberes (incluindo os dos usuários manizar a atenção, promovendo a execução de ativi-
e familiares), diálogo entre os trabalhadores e dades de acolhimento, pautadas nas tecnologias das
modos de trabalhar em equipe. E aqui vale ressal- relações, tendo em vista a satisfação dos usuários.
Colaboradores Referências
MO Coelho trabalhou na revisão de literatura, co- 1. Santos AM, Assis MMA, Rodrigues AAAO, Nasci-
leta de dados e redação do artigo. MSB Jorge orien- mento MAA, Jorge MSB. Linhas de tensões no pro-
cesso de acolhimento das equipes de saúde bucal do
tou a elaboração do artigo em todas as suas etapas Programa Saúde da Família: o caso de Alagoinhas,
e colaborou com a organização do trabalho final Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(1):75-85.
para publicação. 2. Jorge MSB, Albuquerque KM, Pequeno LL, Assis
MMA, Guimarães JMX. Concepções dos ACS sobre
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