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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO, LETRAS, ARTES, CIÊNCIAS HUMANAS E


SOCIAIS
LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Projeto de TCC I
Nome: Guilherme de Oliveira Junior

A raiz dessa proposta de pesquisa está situada no entroncamento de dois grandes


respeitáveis galhos: as linguagens artísticas e o ensino e História. Especificamente, a
expressão artística do Rap e sua interrelação com o ensino de História. Essa semente de
indagação, tem como objetivo responder o chamado pela curiosidade acerca de algumas
questões: as perspectivas de se desfrutar da música Rap como fonte dentro do ensino de
história, compreendendo as possíveis especificidades de ambos; as prováveis implicações da
música Rap no ensino de História, acerca das possibilidades de despertar no discente a ideia
de sujeito histórico por meio da interdisciplinaridade da arte e da História; e a viabilidade do
encontro da música Rap e do ensino de História, dentro da instituição escolar, sem maiores
prejuízos aos princípios conservadores que cada vez mais norteiam os currículos escolares.
Se debruçando sobre o panorama social, político e cultural dos alunos e alunas,
poderíamos olhar pontos que aproximam o Rap da Escola. A aproximação de um e outro
poderia arquitetar uma interessante troca entre a realidade dos discentes e a realidade escolar.
De maneira que ambos sejam respeitados, o encontro da expressão artística do Rap com o
Ensino, poderia erigir interessantes pontes. Esse vínculo poderia se tornar ainda mais firme
no ensino de História, compreendendo que a expressão do Rap tem no seu DNA o
afloramento do sujeito histórico, que se entende como agente da História e reivindica pelo
seu espaço. O autor Carlos Libâneo coloca a centralidade dessa questão para o professor.

(...) o desenvolvimento do pensamento no processo de apropriação dos


conteúdos científicos, precisa estar articulado com as formas de
conhecimento cotidiano das quais o aluno participa na família, na escola ou
na comunidade local. Há, pois, uma relação entre o desempenho escolar e as
práticas das quais os alunos participam. A unidade entre a formação cultural
e científica e as práticas interculturais requer dos professores não apenas
uma atitude humanista aberta à diferença mas, principalmente, a
incorporação dessa relação no cerne tanto das práticas de organização e
gestão da escola e da sala de aula como nos próprios conteúdos e na
metodologia de ensino. (LIBÂNEO, 2014, pág 8)

De início, é preciso entender que esse multifacetado fenômeno da história


contemporânea, o Rap, é um caldeirão de práticas culturais engrossadas pelo caldo político e
social, e não seria por tal que ele deixaria de ser menos cultura que outras expressões. De
acordo com o historiador José d’Assunção de Barros, no texto​ A Nova História Cultural,

“São práticas culturais não apenas a feitura de um livro, uma técnica


artística ou uma modalidade de ensino, mas também os modos como, em
uma dada sociedade, os homens falam e se calam, comem e bebem,
sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou
hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem os
estrangeiros.” (BARROS, 2011, Pág 46).

Desta maneira, não seria possível enxergar o Rap, simplesmente, como música. Afinal, a
música é apenas uma parte, não menos importante, dessa prática cultural. Sendo todo o
contexto gestacional dessa música, assim como as pessoas por trás dessa música, tão
importantes quanto. Seria necessário ver mais adiante nesse futuro de possibilidades.
Posto isso, o grande olhar desta pesquisa está nessa tríade História, Ensino e Rap. E é
importante pensar com gentileza em como esse tripé se sustenta. Para então refletir sobre
possíveis mudanças dentro da educação. De acordo com a autora Mônica do Amaral, no livro
O que o Rap diz e a escola contradiz,

"Quando observamos os jovens elaborando as letras e ritmos de seus raps,


desenhos e poesias - e assim construindo sua própria leitura da cidade e da
sociedade em que vivem -, enquanto a escola permanece em grande parte
surda a esses reclamos, começamos a compreender os motivos de tamanho
distanciamento dos alunos em relação ao que lhes é oferecido como
formação no âmbito escolar." (AMARAL, 2016, Pág 35)

Assim como o Ensino e a História, o Rap também possui a sua historicidade. E essa está
sensivelmente ligada aos jovens de periferia, principais interessados com o ensino: alunos e
alunas que diariamente se arriscam bem longe de suas casas em busca de uma suposta
transformação social e política. Semelhante a batida - como é chamada a parte instrumental
no Rap - e o canto falado - nome dado a parte cantada ou recitada pelos Rappers ou MCs -, o
ensino também está em constante agitação e mudança. E essa ebulição de contestação e sede
por metamorfose
Além disso, para esse olhar atencioso é necessário enxergar com empatia as
características específicas de cada campo. Por exemplo, o Rap é cotidianamente colocado a
margem, por sua origem, sua estética e conteúdo. Dessa forma, como o preconceito poderia
ser superado para então a expressão artística ser entendida em sua completude? Outro
exemplo, a escola e seu ambiente engessado, na maioria das vezes, com cadeiras enfileiradas
demarcando fronteiras hierárquicas, salas claustrofóbicas que sufocam a curiosidade, muros
altos que afastam os bem aventurados do conhecimento, rotineiramente não consegue criar
uma relação de confiança e simpatia com alguns desses jovens a margem. Sobre essa relação
entre escola e música contemporânea urbana, o autor Rafael de Sousa defende a seguinte tese
no livro O Movimento Hip-Hop: a anti-cordialidade da "República dos Manos" e a estética da
violência,

(...) as escolas ou qualquer outro centro de (re)formação juvenil são vistas


com reserva e desconfiança pelos jovens de periferia. Ao deixar em
suspeição as práticas consagradas de aquisição de conhecimento, esses
jovens apostam na dinâmica e na mobilidade das ruas, praças, parques,
apostam, enfim, a natureza descentralizada do conhecimento proveniente da
esfera pública, em que os “saberes” são mais livremente compartilhados e,
por isso mesmo, permite aos jovens experimentar o novo constantemente.
(SOUSA, 2012, Pág 25)

Sendo assim, estaria na sutileza das diferenças, a alteridade, uma provável amizade entre
Rap, Ensino e História. Visto que, ambos possuem características que se opõem e até afastam
um ao outro como um imã, e sabidamente, na física são pólos iguais que se repelem,
poderíamos concluir pela licença poética, que se não são iguais, pelo menos, são muito
parecidos.
Quando olhamos para a expressão do Rap e sua capacidade em ser utilizada como
fonte para historiadores e material para professores avistamos um fértil campo de
possibilidades a espera de ser cultivado. Essa afirmação encontra força no olhar atento e no
sentimento de proximidade dos alunos para com esse movimento cultural. É possível
perceber que muitos deles e delas se vêem nas letras, imagens, e ritmos. A autora Ione da
Silva Jovino em seu texto expõe essa observação:

Essa identificação dos alunos com o estilo musical pode-se dar por vários
motivos. A observação de indícios nos leva a acreditar que ela ocorra em
virtude, principalmente, da temática das letras e de sua expressão estética. A
produção musical dos grupos de Rap está intimamente ligada ao contexto
em que eles vivem. A ligação grupo-contexto manifesta-se claramente nas
letras (...). (JOVINO, 1999, pág 163)

Dessa forma, mais do que legítimo - se é que buscamos essa falsa ideia de aprovação - o Rap
e o Ensino de História são dois grandes conhecidos ainda não apresentados. Isso é,
professores e professoras cotidianamente lidam com o Rap na sala de aula sem se darem
conta, enquanto o Rap está mais próximo do Ensino do que imagina.
No entanto, não é possível olhar para uma relação amigável entre Rap e Ensino sem
se condoer para a atual situação das escolas. A respeito da base curricular, apesar do grande
discurso de que se construirá o monumento do pensamento analítico e crítico, o objetivo final
vem a ser a ruinosa performance no processo avaliativo, que por sua vez é simplória e
conteudista. O autor Jean Carlos Moreno expõe essa situação contraditória,

“O texto preliminar da base oscila entre as duas formas de razão


pedagógica: uma que faz pensar e outra que transmite o já pensado. É difícil
a superação desta situação, dentro de um modelo engessado de direitos de
aprendizagem. Uma maior variação dos verbos utilizados e uma atenção à
relação entre o enunciado e a aprendizagem que, de fato, se almeja podem
ser uma possibilidade.” (MORENO, 2011, pág 17)

Dessa forma, os problemas no Ensino são evidentes ainda no seu planejamento confuso e
falacioso. A priori, seria necessário que o próprio estivesse bem resolvido, para que, então um
provável encontro entre o ele e o Rap fosse satisfatório. Não seria justo, para com a expressão
artística, a responsabilidade de revolucionar os moldes do Ensino, se esse não é sincero
consigo mesmo. Decidir se o Ensino tem como objetivo preparar para o mercado de trabalho,
ou, preparar para a vida, seria o primeiro degrau nessa escada mal remendada que se tornou a
educação.
Mas, apesar do grande caminho a ser trabalhado, tijolo por tijolo, compreender a
importância de cada material nessa grande obra do saber é o coração norteador desta
construção de saberes. Somente assim seria possível saciar a curiosidade para demais
questões, como por exemplo, se as distinções são importantes e as semelhanças? Tanto o Rap
como o Ensino, muitas vezes, são pautados por questões inerentes a sociedade do presente,
isso é um obstáculos para se avistar um futuro para ambos? Também, sabemos que aos dois
cabe a transformação, a mudança, o movimento, mas em que medida essa dança da
metamorfose pode ser entendida como revolucionária ou apenas conservadora? Ademais,
quais as consequências dessa relação amigável para um e outro? Seria possível um interferir
na identidade do outro? Essa, entre outras, são perguntas a serem analisadas no decorrer dessa
caminhada rumo ao elástico horizonte de possibilidades.
Referências bibliográficas

AMARAL, Mônica G. T. do. ​O que o Rap diz e a escola contradiz​: um estudo sobre a arte
de rua e a formação da juventude na periferia de São Paulo. São Paulo: Alameda, 2016.

BARROS, José D’Assunção. ​A Nova História Cultural – considerações sobre o seu


universo conceitual e seus diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo
Horizonte, v.12, n. 16, 1º sem. 2011. pp. 38-63.

JOVINO, Ione da Silva. “Rapensando” PCN’s. In: ANDRADE, Elaine N. de (org.). ​Rap e
educação, Rap é educação​. São Paulo: Summus , 1999.

LIBÂNEO, Carlos. ​Adeus professor, adeus professora? A identidade do professor na


contemporaneidade. Disponível em:
http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/5146/material/PALEST
RA%20UBERABA%20PIBIC%20Libaneo.docx​. Acesso em: 18 nov. 2019.

MORENO, Jean Carlos. ​História na base nacional comum curricular​: Déjà vu e novos
dilemas no século XXI. Disponível em:
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/histensino/article/view/26158 Acesso em: 18 nov.
2019.

SOUSA, Rafael Lopes de. ​O Movimento Hip-Hop​: a anti-cordialidade da "República dos


Manos" e a estética da violência. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2012

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