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Rozana Aparecida de Souza 1
Original
Paper Palavras-chaves: Resumo
This article is a literature revision about the contemporary debate about the Emergency
emergency anti-conception (EA), a contraceptive method usually called the Anti-conception
Day After pill. EA is a method regulated by Health Ministry since 1996 to
avoid an undesirable pregnancy, it has its use recommended in emergency Reproductive
situations, as sexual violence, unprotected sexual relation and in cases Health
of possible failure of another method (i.e. rupture of condom). National
and International researches and studies about miths and barriers which Familiar
involve the access and the use of the contraceptive method were considered. Planning.
The article presents a return about the History of contraception in Brazil
and about the constitution of public policies of integral attention to women
health, observing EA in these contexts, as well as relevant data from the
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researches observed.
1. Introdução
impõe a necessidade de: refletir sobre os das políticas de saúde; mostrar o processo
conceitos de gênero e sexualidade numa de organização das ações de atendimento às
perspectiva socioantropológica; apresentar um questões reprodutivas em uma concepção de
breve resgate histórico sobre a contracepção, política de atenção integral à saúde da mulher,
atentando para a constituição das políticas no campo dos direitos reprodutivos e sexuais.
de controle de natalidade, bem como o Necessário se faz, também, discutir a
posicionamento do movimento feminista em política atual do Ministério da Saúde (MS) para
prol do reconhecimento da autonomia das os métodos contraceptivos, principalmente no
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Mestranda - Saúde Coletiva – IESC/UFRJ - Serviço Social UniFOA
que se refere à AE: sua introdução no leque O Brasil apresentou um aumento
de métodos anticoncepcionais modernos, sua populacional entre os anos de 1940 a 1970. 59
normatização pelo Ministério, sua prescrição Segundo Vieira (2003), neste período, o país
pelos profissionais de saúde e sua distribuição vivenciou uma alta na taxa de natalidade.
aos serviços públicos de saúde, como parte das Esta alta aconteceu graças a dois fatores: 1-
conquistas originárias do campo das políticas declínio moderado na taxa de mortalidade
de direitos sexuais e reprodutivos do Brasil. iniciado na década de 1940, devido ao controle
No sentido de apontar como a de doenças transmissíveis e às melhorias no
AE é percebida por vários segmentos da saneamento básico; 2- a alta da fecundidade.
sociedade, resultados de pesquisas nacionais Essa fase produziu uma pirâmide etária com
e internacionais foram elencados, nos quais concentração em jovens.
ficam evidentes os mitos e barreiras que A partir de 1970, o país mostra
perpassam o acesso e o uso da pílula do dia significativo declínio da fecundidade. O uso de
seguinte. métodos contraceptivos explica este declínio,
considerado rápido e intenso. Segundo Berquó
(apud Vieira, 2003), o Brasil demorou 40
2. A História da Contracepção no Brasil anos para aumentar 45% na esperança de
vida e 15 anos para diminuir 48% na taxa de
A partir de 1950, várias foram as fecundidade. Esta queda da fecundidade não
linguagens e conceituações relativas à saúde foi resultado de nenhuma política nacional
de mulheres e homens adotadas por vários destinada a tal objetivo. Porém, segundo
países. Conceitos como controle de natalidade, Vieira (2003), havia uma política implícita de
controle populacional, planejamento familiar, controle populacional. Esta política colocava
saúde materno-infantil, saúde da mulher, no mercado contraceptivos orais de baixo
saúde reprodutiva, saúde sexual, direitos custo, facilitava o acesso à esterilização
reprodutivos, direitos sexuais, entre outros, feminina e, também agia de forma indireta,
indicam como os países têm trabalhado através de ações de ampliação à educação,
a questão do corpo, da reprodução e da aumento das mulheres na força de trabalho e a
sexualidade. promoção do consumo pela mídia televisa.
A atenção dada às questões Sorj et al. (2007) explicam a rápida
populacionais tem evoluído consideravelmente, redução da fecundidade através de vários
e mudanças têm sido incorporadas em fatores, tais como: melhoria e popularização
políticas de diversos países. As décadas de dos métodos contraceptivos, mudanças
1950 e 1960 foram marcadas pela emergência comportamentais relativas ao lugar da
de preocupações neomalthusianas de que maternidade na identidade social das mulheres
o aumento populacional poderia atrasar o e, também o ingresso maciço das mulheres
crescimento, destruir o meio ambiente, sucatear no mercado de trabalho (ocasionando menos
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os serviços sociais e aumentar a pobreza. Para prioridade para a formação de um núcleo
responder a essas preocupações, muitos países, familiar com filhos).
nos anos de 1960, adotaram uma abordagem da O tema planejamento familiar
questão populacional que envolvia uma política sempre levantou polêmicas no país.
de controle de natalidade, implementando Durante a década de 1970, o debate em
programas verticais de planejamento familiar. torno do controle demográfico encontrava-
A idéia de que programas de planejamento se acirrado e polarizado. O MS tratava a
familiar promoveriam o controle populacional, questão do planejamento familiar de forma
edição nº 08, dezembro 2008
reducionista da mulher apenas como mãe Dentro desta lógica, o feminino esta assinalado
e reprodutora. Este novo programa incluía no lado inferior.
ações educativas, preventivas, de diagnóstico, Ainda segundo Bozon (2004), em
tratamento e recuperação, englobando a todas as culturas, a iniciação sexual é uma
assistência à mulher em clínica ginecológica, etapa marcante para a construção social do
no pré-natal, parto e puerpério, no climatério, masculino e do feminino. Para Heilborn (2006),
em planejamento familiar, DST, câncer de as articulações entre gênero e sexualidade
colo de útero e de mama, além de outras exprimem essa tensão. A sexualidade vem
necessidades identificadas a partir do perfil sendo entendida como produto de diferentes
cenários, e não somente como derivada do e na autonomia das mulheres e dos casais
62 funcionamento bio-psíquico dos indivíduos. sobre o número de filhos que desejavam ter.
O destaque sobre o cenário sociocultural Este discurso foi produto da reforma sanitária
remete à premissa de que, se há características em curso no país. O PAISM incorporou,
distintas entre homens e mulheres no tocante como princípios e diretrizes, as propostas
à vida sexual e na interface desta com a esfera de descentralização, hierarquização e
reprodutiva, elas ocorrem devido a uma regionalização dos serviços, bem como a
combinação de fenômenos que refletem nos integralidade e a eqüidade da atenção, num
corpos como efeito de processos complexos de período em que, paralelamente, no âmbito do
socialização dos gêneros. Portanto, há estrito Movimento Sanitário, se concebia o arcabouço
imbricamento entre sexualidade gênero. conceitual que embasaria a formulação do
“A sexualidade seria uma forma Sistema Único de Saúde (SUS) (GALVÃO,
moderna (sec. XVIII) de arranjo e construção 1999; ÁVILA e CORRÊA, 1999; COSTA et
de representações e atitudes sobre o que al. 2006).
seria uma atitude erótica espontânea, Em 1988, com a promulgação da
traduzindo uma dimensão interna dos sujeitos, Constituição Federal, torna-se visível uma
ordenadas pelo desejo” (HEILBORN, 1997, das grandes conquistas do Movimento da
p. 105). Estudos sociológicos mostram que Reforma Sanitária: a garantia da saúde como
a construção social tem um papel central na direito do cidadão e dever do Estado. O
elaboração da sexualidade humana. De acordo planejamento familiar também foi definido
com Bozon (2004), a programação biológica na Carta Magna como de livre arbítrio das
continua predominante na sexualidade animal, pessoas envolvidas (COSTA et al., 2006). O
enquanto que nos homens, devido ao processo direito ao planejamento familiar foi definido
de “educação”, necessita de um aprendizado no §7 do Art. 226 da Constituição Federal de
social para saber de que maneira, quando e 1988:
com quem agir sexualmente.
Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
Na contemporaneidade, a procriação
humana e da paternidade responsável, o planejamento
ocupa apenas um espaço reduzido e marginal, familiar é livre decisão do casal, competindo ao
enquanto que a sexualidade aparece como Estado propiciar recursos para o exercício desse
direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte
uma experiência pessoal, fundamental para a
de instituições oficiais ou privadas.
construção do sujeito, em um domínio que se
desenvolveu e assumiu um peso considerável
A lei n.º 9.263, de 12/01/1996 – que
no decorrer dos séculos: a esfera da intimidade
regula o § 7º do art. 226- define o planejamento
e da afetividade.
familiar bem como a Portaria n.º 144, de
De acordo com Bozon (2004), o
20/11/1997, da Secretaria de Assistência à
repertório sexual se ampliou, as normas e as
Saúde/MS.
trajetórias da vida sexual se diversificaram,
A Portaria nº 48, de 11/02/1999, da
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foi proposta uma nova estratégia, na qual não consideram o planejamento familiar como
a compra dos insumos e envio (trimestral) parte da atenção básica em saúde e não se
aos municípios ficaria a cargo do MS, com julgavam capacitados para oferecer serviços
a meta de atender 30% da demanda. O envio assistência nesta área. Para resolver estas
era vinculado a algumas exigências: ter pelo questões, as pesquisadoras chamam a atenção
menos uma equipe do Programa de Saúde para o fato de que mesmo que o MS assegure
da Família (PSF) habilitada ou; estar com o a regularização da distribuição dos métodos
termo de adesão ao Programa de Humanização às secretarias municipais de saúde, é mister
no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) aprovado que os municípios incorporem o planejamento
familiar como uma ação de atenção básica, em 2004, o documento “Política Nacional de
64 desenvolvendo as ações e atividades com base Atenção Integral à Saúde da Mulher: Princípios
em princípios relativos aos direitos humanos e e Diretrizes”. Tal política foi construída
à bioética. Estas análises construídas sobre a nos anos de 2003 e 2004, em parceria com
trajetória do planejamento familiar no Brasil diversos setores da sociedade. Este documento
são relevantes para pensarmos sobre a eficácia reflete o compromisso com a implementação
desta política no país. de ações de saúde que contribuam para a
Segundo o Manual Técnico de garantia dos direitos humanos das mulheres
Assistência em Planejamento Familiar e reduzam a morbimortalidade por causas
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002), ainda preveníveis e evitáveis. Esta política tomou
hoje o quadro de uso dos métodos de como referência o conceito de saúde da OMS,
anticoncepção reflete algumas distorções incorporou princípios da saúde reprodutiva,
da oferta dos mesmos no território nacional bem como dimensões da sexualidade e da
desde a década de 1960, quando ela foi reprodução humana numa perspectiva de
iniciada pelas entidades privadas de cunho direitos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004a).
controlista, tendo como métodos quase A Política Nacional de Atenção
exclusivos a pílula e a laqueadura. Segundo Integral à Saúde da Mulher apresentou um
Vieira (2003), as principais características do plano de ação/metas para os anos de 2004-
planejamento familiar seriam: a medicalização 2007 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004b),
e a privatização. com 14 objetivos.
A OMS, no mesmo ano da Em 2005, atendendo a um dos
promulgação da Constituição Federal objetivos da Política Nacional de Atenção
de 1988, adota a concepção de “saúde Integral à Saúde da Mulher, o MS lançou o
reprodutiva”, visando incorporar dimensões documento “Direitos Sexuais e Reprodutivos”
sociais da reprodução e desenhar políticas que, apresenta diretrizes para garantir os direitos
que respondessem às necessidades como de homens e mulheres, adultos e adolescentes
pré-natal, parto, puerpério, aborto, doenças em relação à saúde sexual e reprodutiva. Neste
ginecológicas e câncer cervical. Este conceito documento, o governo brasileiro assume
inovou ao incorporar os homens da dimensão compromisso com o respeito e a garantia dos
reprodutiva. Porém, a expressão utilizada no direitos humanos, entre os quais os direitos
Brasil continuou sendo “saúde integral das reprodutivos, na formulação e implementação
mulheres”. (CORRÊA et al., 2006) de políticas em relação ao planejamento
Segundo a Conferência Internacional familiar e toda e qualquer questão referente à
sobre População e Desenvolvimento (1994), população e ao desenvolvimento.
saúde reprodutiva pode ser definida como um
estado de completo bem-estar físico, mental e
social em todas as matérias concernentes ao 4. A Pílula do Dia Seguinte
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principalmente, potencial usuárias dos três a opinião de que o método poderia significar a
países, manifestaram preocupações ou medo indução de aborto. Até mesmo entre médicos
dos efeitos secundários da AE após uso ginecologistas a AE foi qualificada, por alguns,
prolongado. como “microabortivo”. Apenas um médico
A maioria dos participantes deste declarou que não sabia a diferença entre AE e
estudo apresentou atitudes positivas em a indução do aborto, apesar de ter lido a norma
relação à AE. No Brasil e no México, todas técnica do MS sobre o método.
as categorias de participantes expressaram No Chile e no México, a maioria dos
opiniões favoráveis e consideraram este provedores e potenciais usuários demonstrou
preocupação com o mecanismo de ação da método a ser utilizado apenas em situações de
70 AE. A maior parte dos potenciais provedores emergência; que deve ser usado por mulheres
que trabalha nas clínicas do governo no Chile que realmente precisam; que se evitem usos
e alguns provedores no México, também freqüentes para evitar efeitos negativos para a
mostraram preocupações com as implicações saúde
jurídicas da administração de tal método Participantes dos três países
contraceptivo, pois consideravam o mecanismo consideraram que a AE seria útil para mulheres
de ação incerto. em geral, portanto, deveria estar disponível a
Todos os participantes concordaram todos elas. A questão da disponibilidade foi
que o método era necessário, em caso de declarada pelos sujeitos da pesquisa como
violência sexual ou incesto. Nos três países, parte dos direitos sexuais e reprodutivos.
a maioria dos participantes concordou que A aceitabilidade do método entre
AE seria necessária para determinados os adolescentes foi particularmente elevada,
grupos, como: mulheres jovens ou jovens independente de prévia experiência sexual ou
casais, assim como mulheres adultas sem um reprodutiva. Eles sentiram que o método seria
parceiro estável ou com muitas crianças. Os mais útil para eles do que para os adultos,
entrevistados, também concordaram que o especialmente para as moças mais jovens,
método era necessário em algumas situações no início da atividade sexual, pois são elas
específicas, tais como: relação sexual que correm o riso de serem mais expostas.
desprotegida ou não planejada, rompimento do Algumas jovens sentiram que a AE era mais
preservativo, recusa do parceiro em usar um adequada nos casos de intercurso sexual
preservativo, bem como a utilização incorreta com parceiros ocasionais, quando é difícil
do método de abstinência periódica ou outros discutir contracepção ou negociar o uso do
contraceptivos. preservativo. Os adolescentes defenderam a
Para os entrevistados brasileiros, necessidade de difundir informações exatas
todos têm direito de saber que AE existe. Estes sobre o método.
consideraram que no Brasil existem apenas Segundo os participantes da pesquisa
barreiras relativas, associadas às perspectivas dos três países, os adolescentes enfrentam
individuais ao uso deste método, pois a alguns obstáculos específicos, com a quase
contracepção pós-coito estaria legitimada inexistência de serviços de saúde específicos
legalmente no país (pela norma do MS e para eles e a falta de informação sobre os
pela lei do Planejamento Familiar). Para as contraceptivos. Muitos adolescentes relataram
pessoas influentes, o contexto social brasileiro dificuldades de falar sobre a sexualidade, tanto
é favorável à disseminação de informações com os pais, quanto com os adultos em geral.
e a provisão da AE pelos serviços de saúde. Também mencionaram obstáculos à utilização
Porém os participantes declararam que apenas de contracepção levantados pelos pais, que não
a existência de normas não garante o acesso querem que seus filhos se tornem sexualmente
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