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ARQUEOLOGIA NO
TERRITÓRIO NACIONAL
MARCOS OSÓRIO (Coord.)
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Introdução Objectivos e temáticas
aos SIG em O seminário SIG em Arqueologia, integrado no Mestrado de Arqueologia e
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Vantagens e limitações
Fig. 2 – Importação de um ficheiro do programa Autodesk AutoCAD (no formato *dxf) relativo ao levantamento
topográfico do castelo de Alfaiates (Sabugal), sobreposto à ortofoto.
Os três tipos de aplicações SIG descritos até aqui são de reduzida dificuldade, mas sem eles não seria viável a
apresentação e análise dos dados relativos à temática abordada ou seria mais morosa a sua realização,
recorrendo a outras soluções informáticas.
Quanto à Triangulação de Delaunay, sendo outra operação computacional que não foi criada propriamente
para a Arqueologia, pode ser aproveitada com o objectivo fundamental de definir quais as conexões mais
directas entre vários sítios arqueológicos, como por exemplo entre povoados e minas ou entre cidades e portos
marítimos. Sabemos que essas ligações raramente seriam viáveis por diversos condicionalismos naturais, mas
dão eventuais pistas sobre as vias de comunicação entre os sítios, especialmente em zonas de menor
irregularidade do relevo, definindo áreas susceptíveis de apresentar testemunhos da primitiva rede viária.
Obviamente que estes exercícios deveriam incidir apenas sobre sítios e ocorrências contemporâneas, deixando
de ter sentido se não sofreram ambos ocupação no mesmo período cronológico (Renfrew e Bahn: 1993: 167).
Fig. 3 – Ambiente de trabalho do QGIS, no decurso da aplicação do plugin “Visibility Analysis”, com o resultado final do
cálculo da bacia de visão.
A localização e a elevação do posto de observação podem ser determinadas pelo próprio utilizador, pois 9
condicionam fortemente a amplitude dos resultados (Osório e Salgado, 2007: 16). É consensual dar-se o valor
de 1,80 metros de altura, no campo definido como Observer Height (ver Fig. 3), correspondente à estatura de
um adulto. Mas pode ser atribuída uma dimensão superior, sabendo da existência de muralhas, torres ou
outras construções que alargariam o campo de visão num determinado sítio, alterando significativamente a
mancha final.
Este exercício tem sido empregue por diversos investigadores que trabalham com os SIG, para determinar com
maior exactidão as áreas visíveis e invisíveis desde um sítio, que dificilmente se poderiam avaliar por outros
meios. Os maiores benefícios, porém, advêm da simulação da primitiva bacia de visão que se obtinha do topo
de uma construção actualmente arruinada. Mesmo assim, algumas críticas que lhe são feitas são válidas,
nomeadamente a questão do algoritmo não ter em conta a cobertura vegetal e outras barreiras visuais
possivelmente existentes.
Para potencializar ao máximo esta ferramenta informática e aproximá-la da realidade seria desejável a
execução de múltiplas viewsheds (a chamada “visibilidade acumulada”), desde vários pontos da estação
arqueológica (por exemplo, nas extremidades dos traçados amuralhados ou nas distintas encostas de um
relevo) e não somente de uma única posição. Do somatório desses cálculos individuais, unidos por meio da
ferramenta matricial “Juntar”, obtém-se uma mancha geral mais próxima do campo de visão potencial. Na
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
verdade, o alcance visual que um sítio detinha e a sua importância para a ocupação local não poderiam ser
pensadas apenas de um ponto, mesmo que seja o mais elevado, pois a visibilidade altera-se significativamente
a diferentes cotas ou localizações.
O mapeamento destas manchas de visibilidade dá-nos a possibilidade de confirmar se determinados caminhos,
estruturas tumulares ou áreas mineiras eram visíveis desde os povoados ou se esses assentamentos avistavam
outras comunidades vizinhas, com maior precisão do que a observação directa no local.
Esta foi uma das operações que os mestrandos mais ambicionaram concretizar nos seus territórios, de acordo
com as problemáticas propostas, e com a qual alcançaram bons resultados. Nos trabalhos apresentados foram
efectuados os exercícios de bacia de visão de algumas interessantes estações arqueológicas como Conimbriga,
Santa Olaia, Bracara Augusta, alguns povoados da região de Gouveia e os monumentos funerários da Serra da
Muna e da Casinha Derribada (Viseu) - sítios onde julgamos que nunca tinham sido realizados cálculos desta
natureza. Mas é evidente que estas abordagens não poderão ficar por aqui e carecem de futuras reformulações
e consequentes interpretações.
Por fim, refira-se que apesar de não ter sido incluído no programa da disciplina o cálculo dos tempos de marcha
para definir os hipotéticos limites territoriais de um povoado, foi testada uma outra aplicação mais complexa,
também a partir de uma superfície de custo (ou de fricção) do terreno, para avaliar os percursos óptimos entre
dois pontos. Este exercício foi executado no software GRASS, com recurso aos algoritmos “r.walk” e “r.drain”,
tendo em conta a altimetria, a hidrografia e os leitos de cheias da Reserva Ecológica Nacional (REN) (sobretudo
nos trabalhos que abrangiam bacias hidrográficas), que é uma informação que os municípios possuem,
devidamente georreferenciada.
Os principais factores físicos que condicionam a mobilidade são os declives e a transposição de linhas de água,
mas consideramos que a informação relativa aos leitos de cheia também é fundamental para estas estimativas,
sendo muitas vezes esquecida no cálculo dos caminhos óptimos. São zonas que se apresentam periodicamente
alagadas e densamente revestidas de vegetação, aumentando a resistência do terreno à mobilidade humana
(Osório e Salgado, 2012: 90).
Apesar da sua enorme capacidade analítica, não foi possível explorar todo o potencial do software GRASS,
durante o seminário. Os exercícios exigem uma preparação morosa da base de trabalho, em comparação com
os restantes ensinados nesta disciplina, e estão também dependentes da qualidade de referenciação
geográfica da informação espacial. Alguns trabalhos não puderam concluir a tempo os respectivos cálculos
testados neste programa, mas houve um esforço de todo o grupo em recorrer a esta aplicação e extrair dela o
máximo rendimento.
10 Foram mesmo assim conseguidas algumas simulações de percursos óptimos, especialmente nos trabalhos que
versaram a temática da viação na região do Baixo Mondego, de Soure, de Braga e de Gouveia. Nesses estudos
foram assinalados os melhores traçados que atravessavam os respectivos territórios, chegando mesmo a
discutir-se, de forma muito crítica, os resultados obtidos, em relação às propostas feitas por anteriores
investigadores.
Destaco ainda uma outra aplicação do GRASS utilizada em alguns trabalhos, por exemplo nos estudos que
incidiram em Bracara Augusta, Conimbriga e Soure, que é o MADO (Modelo de Acumulación de
Desplazamiento Óptimo), que simula os trajectos preferenciais que irradiam de um determinado ponto, como
por exemplo um povoado ou um castelo, sem um destino determinado (Fábrega-Álvarez et alii 2011: 257).
O cálculo é executado através do algoritmo “r.terraflow”, a partir de uma superfície de custo acumulado pré-
definida, gerando múltiplos outputs desde o ponto de irradiação. A ferramenta tem sido usada especialmente
em modelos hidrológicos, para calcular as redes de escoamento de fluidos e os caudais hidrográficos, tendo
sido eficazmente aplicada à Arqueologia por um investigador espanhol (Fábrega-Álvarez 2006: 8), e à qual nós
próprios recorremos anteriormente de forma muito proveitosa (Osório e Salgado, 2012: 91).
A capital de um município romano (como o caso de Bracara Augusta ou Conimbriga aqui abordados) é das
situações típicas de maior utilidade deste exercício computacional, pois sabemos que estes centros urbanos
Considerações finais
Em resumo, podemos afirmar que o conjunto de abordagens regionais reunidas nesta publicação prima pela
originalidade, pois os SIG ainda são ferramentas recentes na investigação arqueológica, não acessíveis a todos
os utilizadores informáticos e investigadores de Arqueologia e História Antiga. Esta disciplina do 2º ciclo da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra concede pois mais um recurso de análise para os arqueólogos
formados na instituição.
Este trabalho colectivo foi um prémio para os mestrandos do curso de Arqueologia e Território que se
empenharam em apropriar-se destas ferramentas para concretizar um estudo sério de uma determinada
região, culminando todo este processo de aprendizagem com uma abordagem baseada nos conhecimentos
adquiridos. O nosso objectivo de introduzir estes futuros investigadores na utilização prática destas
ferramentas, em detrimento de uma mera formação teórica e introdutória aos SIG, tem aqui o seu ponto alto.
Almejamos que as conclusões expostas não tenham sido feitas em vão e possam agora ser usufruídas por
aqueles que estudam estes mesmos territórios e pretendam neles aumentar o conhecimento da sua primitiva
ocupação. Ao disponibilizar online estes trabalhos, num formato legível, fácil e armazenável, estamos a dar 11
continuidade ao esforço e a permitir que tenha outra projecção e aproveitamento futuro.
Era desejável para todos nós que este investimento não ficasse por aqui e que os próprios autores dos
trabalhos pudessem, nas suas teses e nas suas investigações futuras, recorrer mais vezes a estas operações
informáticas, ultrapassando as dificuldades e limitações destes exercícios académicos e promovendo
contributos vários para o progresso do conhecimento arqueológico no território português.
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
SEMINÁRIO SIG EM ARQUEOLOGIA
Apresentação dos trabalhos finais
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Gouveia: Introdução
Aplicação de Ao propor-me fazer este trabalho, decidi optar pelo concelho de Gouveia, no
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Desenvolvimento
1. Edição de informação vetorial
A informação espacial que possuía da hidrografia nacional não era precisa e escasseava em informação.
Como tal, redesenhei e acrescentei linhas completando o shapefile original da hidrografia (Fig. 2). Criei também
um shapefile de polígonos para a represa do Vale do Rossim, recorrendo ao módulo OpenLayers Plugin como
base de trabalho.
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2. Buffers
O mundo funerário foi outro tópico que pretendia explorar.
Antes de mais, determinei a dispersão das sepulturas e necrópoles, através de uma simples pesquisa.
Tendo em conta que era comum em tempos medievais encontrarem-se sepulturas perto de vias de
comunicação, determinei através da análise da sua dispersão uma hipotética via, representada pela reta
presente na figura 4. Existem de facto vias e calçadas conhecidas em Gouveia, mas, novamente, as
coordenadas não são elucidativas, referindo-se apenas a um ponto específico. As coordenadas da calçada da
Texugueira-Parigueira apontam que esta se encontra perto da possível via que determinei, mas não conheço o
traçado da calçada em questão.
Considerando também que perto de necrópoles se podem encontrar povoados, resolvi aplicar a ferramenta de
buffers às necrópoles, e determinar um raio de quinhentos metros onde se poderia realizar uma prospeção
com o objetivo de se encontrarem, então, aglomerados populacionais. Devo sublinhar que não incluí neste
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
estudo a necrópole do Risado, pela razão que já é conhecido um povoado no local, e que, presentemente, se
estão a efetuar escavações no mesmo.
As necrópoles situadas no concelho de Gouveia são todas de pequena dimensão (note-se que haveria, com
certeza, outros tipos de enterramentos), possuindo, a maior, nove sepulturas, se não estou em erro; deduzo,
assim, que estas necrópoles estivessem associadas a aglomerados familiares de pequena ou média dimensão
que, provavelmente, se ocupavam de tarefas agrícolas e pastorícias. Determinei a distância a utilizar nos
buffers através desta dedução (Fig. 3).
Fig. 3 – Aplicação de buffers nas principais necrópoles do município de Gouveia, sobre ortofoto Bing Aerial View.
Fig. 4 – Bacias
de visão do
Castelo, do
Risado, do
Penedo dos
Mouros e do
Castelejo.
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No que respeita ao Risado, situa-se no Arcozelo. Encontraram-se, aquando de um levantamento arqueológico,
materiais de construção, tegulae, tijolo tipo "burro" e um arranque de asa, considerando-se assim tratar-se de
um povoado de época romana. Tenho conhecimento que presentemente o sítio se encontra em escavação e,
pelo que consegui entender, se tratará de algo dentro dos parâmetros de uma villa.
Quanto ao Castelejo, trata-se de um povoado fortificado, atribuído à Idade do Bronze, localizado em Vila Cortês
da Serra. De acordo com a informação recolhida no Portal do Arqueólogo «são visíveis três linhas de muralhas.
Foram recolhidos à superfície e com a realização de uma sondagem cerâmica manual, a par de elementos de
mó manuais, alguma indústria lítica em quartzo, anfibolito com vestígios de polimento e seixos talhados. Dadas
as suas características (tipo de implantação, espólio, estruturas defensivas, etc.), este sítio apresenta
semelhanças nítidas com povoados próximos. O espólio recolhido durante uma pequena sondagem confirmou
tratar-se de um povoado com ocupações atribuíveis à Idade do bronze, o que não invalida ocupações
anteriores».
Eis as conclusões que posso retirar das bacias de visão efetuadas nestes sítios, todas elas limitadas ao concelho
de Gouveia (Fig. 4):
Nenhum deles é visível entre si. No entanto, considerando que o Penedo dos Mouros terá sido uma
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 5 –
Sobreposição
das bacias de
visão dos quatro
povoados.
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As conclusões que retirei advêm de uma segunda utilização da ferramenta, que foi necessária efetuar aquando
da alteração que fiz à localização do Penedo dos Mouros. Deparei-me também com alguns problemas técnicos
e, assim sendo, retomei o trabalho do início. Isto fez com que os resultados mudassem, inclusive as bacias de
visão cujas coordenadas se mantiveram, mas cujo ponto de partida mudou ligeiramente, apesar de não alterar
em muito os resultados. O Penedo dos Mouros deixou de deter visão para toda a encosta da Serra. Sublinho
assim a importância que a precisão das coordenadas tem nestes estudos e como uma pequena mudança pode
afetar resultados.
4. Caminhos ótimos
Sendo os caminhos ótimos outra ferramenta que queria aplicar, tomei novamente o conjunto de povoados
para os quais fiz as bacias de visão.
Em parte, os caminhos resultantes aproximam-se de caminhos existentes no presente (Fig. 6).
Fig. 6 – Caminhos ótimos entre os povoados do Castelejo, Risado, Castelo e Penedo dos Mouros, sobre o MDT da região.
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5. Correção de coordenadas
A inserção de coordenadas de grande parte dos sítios arqueológicos do concelho de Gouveia permitiu elaborar
um mapa de dispersão, mas um dos aspetos que me chamou à atenção foi o facto de que as coordenadas
fornecidas pelo Portal do Arqueólogo se encontram, não sei ao certo se todas, incorretas.
Assim sendo, tinha como objetivo corrigir as que fosse possível, com a ajuda da ferramenta OpenLayers plugin.
No entanto, o número de sítios arqueológicos que consegui corrigir reduziu-se apenas a dois, devido à grande
dificuldade em reconhecer os sítios em fotografia aérea, que tem uma definição de imagem limitada, e que se
escondem na paisagem.
Torna-se assim mais difícil a análise e compreensão dos padrões de distribuição dos sítios, que é de grande
importância para o entendimento da sua distribuição e organização em termos arqueológicos.
Um bom exemplo que advém desta dificuldade serão as três pontes, duas romano-medievais e uma medieval,
que se encontram localizadas no Rio Torto, na freguesia de Cativelos. Mesmo não considerando as limitações
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em termos de definição de imagem aérea, a visibilidade das linhas de água é impedida pela vegetação que as
cobre.
É possível ver pelo resultado das correções que realizei a divergência entre as coordenadas originais e as
coordenadas corrigidas, por exemplo no dólmen de Rio Torto (Fig. 7).
Conclusão
Penso que o Quantum GIS possui grandes potencialidades, apesar de os meus conhecimentos dentro deste
serem escassos.
A forma como o Quantum GIS permite visualizar os dados geográficos é uma mais-valia. Podemos manipular os
dados da forma que queremos e nos convém, acrescentá-los e retirá-los, movê-los e juntá-los, assim como
todo um leque de possibilidades que desconhecia antes de me iniciar em SIG.
Humildemente ignorante em Quantum GIS, penso que o que mais me fascinou quando comecei a trabalhar
20 com o programa foi algo tão simples como a possibilidade de inserir coordenadas e daí surgir a dispersão dos
sítios arqueológicos por todo o concelho, tarefa que sem este programa se tornaria muito mais demorada.
Por vezes as ferramentas mais simples são as mais produtivas e sem dúvida que a shapefile é uma dessas.
Desde os pontos aos polígonos, um mundo abre-se à nossa frente e representar sítios arqueológicos, caminhos
antigos ou traçados de castelos torna-se algo descomplicado e também versátil.
Fig. 8 – Traçado
hipotético de um eixo
de viação antiga, com
base na dispersão dos
núcleos de sepulturas
escavadas na rocha.
Projetos futuros.
Antes de mais, dentro do que for possível, corrigir as coordenadas dos sítios arqueológicos através da obtenção
de coordenadas no campo, assim como completar a base de dados que já criei. Retomando o tópico da
credibilidade das coordenadas do Portal do Arqueólogo, devo sublinhar que, infelizmente, e para além das
limitações já referidas, as análises resultantes de todas as ferramentas que utilizam estas coordenadas
(excetuando as que me foi possível corrigir) se tornam duvidosas e a veracidade científica muito relativa.
Para além da correção das coordenadas já existentes, gostaria de acrescentar aquelas que se desconhecem.
Por exemplo, a inscrição da Bravoíssa, em Melo, encontra-se num local recôndito, de difícil acesso e que, sem o
acompanhamento de alguém que conheça bem o percurso até lá, se torna extremamente difícil de encontrar, e
calculo que sejam estas as razões pelas quais não existem coordenadas. Já para não mencionar o cuidado que é
necessário ter com a vida animal da zona.
Gostaria ainda de traçar em QGIS as calçadas e vias de Gouveia, e assim confirmar ou desmentir a existência da
hipotética via que sugeri aquando da análise do mundo funerário.
Bibliografia
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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A arte Introdução:
rupestre e a A arte do Vale do Côa e a ocupação humana
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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Acredito que depois da análise feita aos mapas apresentados, é possível responder às questões acima
mencionadas, apresentando-se os recursos e solos disponíveis no Côa como um elemento que terá atraído a
população e que terá contribuído para a ampla diacronia de ocupação deste vale.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 3 – Mapa da arte rupestre gravetto-solutrense e magdalenense e da ocupação humana correspondente aos dois
períodos cronológicos.
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Realizando uma análise comparativa entre a ocupação das duas margens durante o paleolítico superior,
podemos verificar que em termos de arte rupestre não se verifica nenhuma preferência específica durante o
gravetto-solutrense e o magdalenense por uma margem ou outra. Relativamente aos sítios de ocupação
humana verifica-se que no presente mapa há a preferência por uma das margens, no entanto, e atendendo ao
facto de não estar presente no mesmo mapa todos os sítios de ocupação humana, não creio que se possa
afirmar a preferência de uma margem para a implantação de sítios de habitat por outra. No entanto, quando
analisamos todo o povoamento (4) correspondente ao paleolítico, conseguimos observar uma preferência por
uma das margens do rio (margem leste), essencialmente no que concerne aos sítios de povoamento (Fig. 4).
Podemos então perceber que as alterações ocorridas na arte rupestre do Gravetto-Solutrense para o
Magdalenense muito provavelmente teriam sido causadas por motivos cognitivos e da concepção do mundo
para as comunidades do que por razões de alteração no povoamento, ou de ordem mais prática. Um dos
aspectos que se pode verificar também neste mapa é o facto de a arte rupestre mais antiga (gravetto-
solutrense) encontrar-se mais a sul do Côa, enquanto a magdalenense localiza-se mais junto à foz pode talvez
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
indicar a presença de haver primeiro uma ocupação do sul do Côa e posteriormente seguir-se em direcção a
norte, no entanto, só com mais dados é que se poderia chegar a uma conclusão mais concreta. Poderá também
indicar-nos uma preferência, por qualquer razão a que não temos ainda acesso, da parte mais a sul do Côa
durante o Gravettense, e pela sua foz durante o Magdalenense.
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Fig. 6 – Bacias de visão de Castelo Velho de Seixas, do Monte do Castelo (Calábria) e do Castro da Marofa.
Ocupação moderna e contemporânea do Vale do Côa
A razão de não incluir no presente trabalho a ocupação romana e medieval do vale prende-se com o facto de
não existirem representações rupestres durante estes dois períodos, e visto que, o presente texto aborda a
relação entre arte rupestre e ocupação humana, considero que não é necessário a sua abordagem no mesmo.
Desta forma, «no Vale do Côa, ao ciclo artístico da Idade do Ferro, que marca localmente o fim das sociedades
sem escrita, com a inscrição da rocha 23 do Vale da Casa, segue-se um vazio até por volta do séc. XV/XVI,
quando surgem novos gravadores» (Luís, 2008: 121).
As particulares da arte rupestre destes períodos históricos é o facto de estas apresentarem escrita, uma vez
que já vivemos em períodos históricos, ao nível das representações encontramos a temática religiosa muito
presente, e mais recentemente cenas do quotidiano (Luís, 2008). A técnica de gravação apresenta-se a mesma
que em períodos anteriores, como a incisão e a picotagem.
Em termos de localização a arte rupestre destes períodos situam-se em antigos núcleos de arte já gravados.
Fig. 7 –
Mapa do
povoamento
moderno e
contemporâ
neo dos
respectivos
exemplares
de arte
rupestre.
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Conclusão
Após uma análise espacial da relação entre sítios de ocupação humana e de arte rupestre percebemos que o
Vale do Côa esteve sempre sujeito a mudanças e dinâmicas populacionais intensas, o que acabou por conduzir
como é óbvio a uma mudança na concepção do mundo destas mesmas comunidades, culminando
consequentemente numa alteração da expressão artística.
Tendo em atenção as condicionantes que o presente trabalho tem, como por exemplo o facto de não termos
georreferenciados todos os sítios de diversos períodos, o que sem dúvida acabou por condicionar os próprios
resultados em ambiente SIG, e em consequência a leitura dos mesmos, acredito que a aplicação das
ferramentas de SIG, como por exemplo, as bacias de visão pode ser fundamental para a colocação de novas
questões e problemáticas referentes à arte rupestre e à ocupação humana do Vale do Côa, assim como a
contrastação ou não de algumas teorias aqui propostas, neste caso em específico verificou-se que a arte
rupestre da Idade do Ferro no Côa não teria servido como um elemento de delimitação de fronteiras entre
povoados. Denota-se também que ao longo do tempo a ocupação humana de certa forma se relacionou com o
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povoamento (não estando aqui a afirmar uma relação de dependência), observamos que por exemplo ao longo
do paleolítico os sítios de arte rupestre e os sítios de habitat se localizam mais próximos do Côa e de linhas de
água subsidiárias e temos o exemplo do Fariseu, em que se pode relacionar um painel gravado com evidências
de ocupação humana.
Numa região com uma extensão tão grande como o Vale do Côa, e apesar de este estar em constante estudo
por equipas do Parque Arqueológico do Vale do Côa, existem certos períodos cronológicos que precisavam de
um estudo mais aprofundado, como por exemplo a Idade do Ferro, através da escavação de mais povoados
deste período poderia ajudar a compreender melhor a dinâmica populacional deste período e a sua relação
com a arte rupestre.
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Notas
(1) O facto de se utilizar um elemento natural como um rio ou uma montanha para o estabelecimento de fronteiras territoriais não se
apresenta de todo estranho, e tem sido utilizado desde períodos remotos, nomeadamente em época medieval.
(2) É importante mencionar que a arte rupestre do Paleolítico Superior se encontra muito melhor estudada e conhecida que a da Idade do
Ferro, sendo agora importante haver uma dedicação maior ao estudo dos outros períodos de gravação no Vale.
(3) O núcleo de arte rupestre do Fariseu apresenta-se como um dos mais importantes, uma vez que ao realizarem-se escavações por baixo
das rochas gravadas, conseguiu-se uma datação segura das mesmas através da cultura material encontrada.
(4) Esta expressão não diz respeito a todo o povoamento Paleolítico do Vale do Côa, mas sim a todo o povoamento paleolítico deste
mesmo vale que se encontra na base de dados do presente trabalho, não incluindo na mesma todos os sítios encontrados.
(5) É importante que a escolha destes três sítios para a realização das bacias de visão procedeu-se de forma aleatória, o único factor de
escolha foi estes serem povoados ou povoados fortificados.
(6) Este vazio de sítios de arte rupestre no presente trabalho deve-se à falta de coordenadas disponíveis para os georreferenciar.
35
Aplicação dos 1 - Apresentação do trabalho
1.1 - Introdução
SIG na análise
O presente trabalho surgiu em virtude de conhecimentos recentemente
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
(1940: 19) individualiza, na “Orla Meso-Cenozóica Ocidental”, os anticlinais de Soure e Verride, à semelhança
da Serra de Montemor-o-Velho, Serra da Boa Viagem e Planalto de Cantanhede, com valores compreendidos
entre os 50 e 200 metros de altitude. Quanto a Orlando Ribeiro, ao observar as características do relevo
irregular, afirmou atenciosamente que “do Mondego à foz do Sado e no Algarve constituem o traço mais
vigoroso da orografia das terras adjacentes ao litoral” (1945: 65), que culmina nos relevos de Condeixa-Sicó
(522 metros), Candeeiros (613 metros), Arrábida (500 metros) e S. Miguel (408 metros) ao longo da costa
portuguesa. Quanto ao Maciço de Sicó, apesar de localizar-se a sudeste da área de estudo, constitui a principal
forma de relevo. As suas características topográficas, que contrastam fortemente com o restante espaço físico,
são o resultado de várias sobreposições de calcários ao longo do Jurássico (Cunha et al. 1996: 3). Proveniente
de Sicó, uma das três unidades morfológicas, o conjunto de colinas dolomíticas, segue em direcção ao concelho
de Soure, ao longo do planalto de Degracias-Alvorge, cujas cotas não ultrapassam os 300 metros de altitude, na
qual, desenvolve-se o anticlinal de Cabeça Gorda (Idem: ibidem; Pimenta, 2011: 14). Este fenómeno, orientado
a ENE-OSO, forma uma topografia elevada na Serrazina até ao vértice de Cabeça Gorda, onde atinge os 154
metros de altitude. Progressivamente, avança ao longo do diápiro de Soure, em cotas reduzidas,
encaminhando-se para “Ocidente do vale do Arunca, definindo a charneira do anticlinal de Verride –
geralmente designado de Planalto de Verride – onde as cotas não ultrapassam os 150 metros, uma vez que
toda a estrutura aparenta ter sido aplanada pelo mar nos finais do Pliocénico” (Idem: 15). Quanto à Depressão
Tifónica de Soure – Diápiro de Soure ou Anticlinal de Soure – é o resultado de um fenómeno geológico, na qual,
os rios Arunca e Anços, ambos tributários do Mondego, encontram-se “com uma estrutura tifónica que é p
resultado e fenómenos de erosão diferencial e que terão ocasionado contacto entre as formações geológicas,
de idade e dureza nalguns casos bastante distintas” (Figueiredo e Bandeirinha, 1986: 16). Um aspecto
interessante e bastante elucidativo da importância do espaço físico na evolução da actual vila de Soure,
corresponde à parte inferior da Depressão Tifónica, onde, no local de união das linhas de água, ocorre a junção
de materiais calcários dolomíticos, provenientes do Maciço de Sicó, com os terrenos de aluvião. Este fenómeno
foi correctamente observado por Carlos Figueiredo e José António Bandeirinha: “Assim, os terrenos de aluvião
do período moderno, onde ocorrem estas duas linhas de água da bacia do Mondego, encontram uma bolsa de
calcários dolomíticos do Jurássico que decalca, de forma vigorosa, a mancha de ocupação histórica da vila de
Soure. A Levada, obra hidráulica dos Templários no séc. XVI, é edificada provavelmente sobre um antigo
meandro, é o limite milimétrico que separa uma formação do liásico dos terrenos de aluvião mais recentes”
(1986: 70).
Quanto à hidrografia é basilar referir a importância do rio Mondego, enquanto força matriz, na transformação
38 e evolução do espaço e do Homem. Orlando Ribeiro afirmou que a diferença da geografia física e humana entre
o norte, Atlântico, e o sul, Mediterrâneo, situava-se no Mondego (1945: 140-150). Já Maria Helena da Cruz
Coelho defende uma divisão entre os terrenos de campo, no litoral, e os terrenos montanhosos, no interior
(1983: 1-2). Contudo, o mesmo elemento permite uma perfeita articulação entre os dois ambientes, graças à
vasta e complexa teia de recursos fluviais existentes. O Mondego tem a sua nascente na Serra da Estrela, a
1425 metros de altitude, e desagua no Oceano Atlântico, junto à cidade da Figueira da Foz. Após uma descida
de 750 metros ao longo dos primeiros 50 km, o rio, entra numa inclinação suave a 80 km da foz (Penajoia,
2012: 28). O território seleccionado, a CMP n.º 250, situa-se na margem esquerda do rio, vertente sul, palco de
importantes cursos de água: Pranto, que desagua junto a Verride; Arunca, alimentado pelo rio Anços e ambos
circundam a vila de Soure, e por último, rio de Mouros (ou Ega), que navega nas proximidades da antiga cidade
romana de Conimbriga. O restante território é sulcado por inúmeros ribeiros e rias, onde, prolifera uma
multiplicidade de linhas de água, como a ribeira do Juncal, ribeiro da Venda Nova, ribeira da Milhariça, ribeira
de São Tomé, ribeiro da Sicó, ribeira do Gaio e ribeira de Brunho (P.B.H.R.M, 1999: 20-22 apud Freitas, 2012:
5). A norte da actual povoação de Soure, no vale do Arunca, a proximidade entre a elevação do Crasto e o
morro de Mucata permite o estrangulamento do rio, criando uma localização estratégica para a instalação de
comunidades humanas. Posteriormente, em direcção ao Mondego, o vale, agora designado, embora erróneo,
de Campo de Vila Nova de Anços, adquire uma largura entre os 1800 e 2200 metros, até ao afloramento
Vilaça, 1988: 12). Provavelmente seria uma junção entre o Pinheiro Bravo e o Pinheiro Manso, comum entre o
Mondego e o sul da Arrábida; Silvas, Figueiras da Índia e Tojos, e por último, próximo do Maciço do Sicó, em
virtude da natureza do solo e da escassez de água, Carvalho-Cerquinho, “Garrigue” e “Maquis” (Ribeiro, 1945:
156-158; Cunha et al. 1996: 10; Vilaça, 1988: 12-13).
2.3.2. Bronze-Final
No território de estudo é possível identificar dois depósitos (Fig. 3), em Gesteira, no concelho de Soure, e Gruta
do Medronhal (Arrifana), no concelho de Condeixa-a-Nova (Idem: 82; Vilaça, 2012: 22). O primeiro depósito,
41
descoberto em 1922, corresponde a um troque de ouro, que de ponto artístico e estilístico – haste maciça e
terminais discoidais – detém alguma raridade, já que os únicos paralelos conhecidos em território nacional
situam-se em S. Bento (Serpa) e Alegrete (Portalegre) (Idem: ibidem). O depósito de Arrifana, descoberto entre
1944-1945, incorpora 36 artefactos de bronze (argolas, braceletes e fíbulas de dupla mola), bem como,
vestígios osteológicos (humanos) e objectos de adorno. Segundo a Prof.ª Dr.ª Raquel Vilaça, este achado surge
com um forte indicador do caracter fúnebre do espaço (2012: 22).
Embora fora da área de estudo, conhecemos mais exemplos do Bronze Final, tanto no concelho de Soure,
como nos restantes concelhos vizinhos. A materialização deste fenómeno ocorre nos depósitos de bronze, em
Coles de Samuel e Vale Centeio, ambos em Soure, ou Alto do Castelo (Eira Pedrinha) e Conimbriga, em
Condeixa-a-Nova (Idem: 21). A última localização corresponde ao povoado pré-romano, datado do Bronze
Final, a partir de um artefacto em Bronze, do tipo “Rocanes”, com paralelos em Coles de Samuel (Idem:
ibidem). A presença destes vestígios justifica, sem dúvida, a possibilidade de futuros e promissores estudos.
romano. A descoberta deste assentamento decorreu durante os trabalhos de prospecção de campo, liderados
por Dr. António Monteiro, em 1985 (Monteiro, 1994a: 56-58).
A partir de 1987, em virtude da expansão da malha urbana da actual vila de Soure, com a construção da
Urbanização Encosta do Sol, surgiram vários trabalhos arqueológicos, ou seja, num contexto de emergência.
Infelizmente ao longo dos vários anos, pouco ou nada, foi desenvolvido sobre este importantíssimo povoado,
excepto as publicações do Dr. António Monteiro, entre 1987 e 1994, que permitiram datar um período de
42 ocupação entre o séc. VI a.C. até ao início da era cristã, contemporâneo da presença romana neste território
(Idem: ibidem; Pimenta, 2011: 27). Porém, a riqueza patrimonial e a importância do espaço na evolução
histórica da vila de Soure, justificam, sem qualquer dúvida, um projecto de investigação. Como afirma o Doutor
Vasco Mantas, é “certa a existência de um estabelecimento luso-romano junto ao local em que a estrada
Olisipo-Collipo-Conimbriga atravessava o rio Anços”, isto é, uma deslocação topográfica da elevação do Crasto
para uma zona ribeirinha (Mantas, 170; 1996: 870). Opinião diferente tem António Monteiro, ao defender a
possibilidade de uma povoação romana na área oeste e noroeste do Crasto (Monteiro, 1994b; Pimenta, 2011:
32). Sobre o segundo sítio, Senhora do Círculo ou Circo, sabemos muito pouco. Aliás, a única informação que
encontrámos foi retirada do Portal do Arqueológo (DGPC), que descreve este local como um “povoado
fortificado profundamente alterado por construções recentes (igreja, adro e estrada) ”. Segundo as informações
orais, este local foi até meados do século XX palco de romarias por parte da população campesina, que
procurava a bênção de Nossa Senhora do Círculo. Já o nome da divindade deriva, supostamente, do “muro
circular de pedra que rodeia o santuário, como uma bancada corrida no sopé”, na qual, nós, arqueológos, não
temos qualquer dúvida em interpretar como o antigo perímetro amuralhado do povoado. O próprio percurso,
de caracter religioso, pode corresponder à sacralização do espaço pela religião cristã ou a remanescência de
singelos traços culturais enraizado nas populações.
A vila de Soure, face à sua extraordinária posição que permite a conjugação de um eixo viário e fluvial, é,
43
segundo a imutável interpretação do Doutor Vasco Mantas, assinalada como um vicus (Mantas, 1986: 177-178;
1996: 870; 2012: 258). Surgindo como um aglomerado urbano hierarquicamente inferior às civitates, o vicus,
encontra-se em perfeita dependência – económica, estrutural e urbanística – da rede viária que acompanha
(Carvalho, 2008: 42-43). No entanto, embora limitado pela estreita ligação com as civitates, possui funções
mercantis e administrativas, que de forma natural, permitem-lhe adquirir um relativa importância político-
administrativa, bem como, uma autonomia (Idem: ibidem). É composto, na grande maioria, por uma população
peregrina ou de génese indígena, que, no nosso caso concreto, permite acompanhar uma evolução do crasto
pré-romano até ao vicus romano (Lemos, 2004: 226-227).
No restante território é possível identificar 14 sítios arqueológicos que compõem o povoamento rural disperso
(Carvalho, 2004: 123) (Fig. 5). Sobre as villae romanas conseguimos individualizar três, localizadas na Quinta da
S. Tomé, Quinta da Madalena e Moroiços. Em Mata Cabeça, na localidade de Alencarce de Cima, há
possibilidade do habitat, terminologia estabelecida no Portal do Arqueológo (DGPC), pertencer a uma villa
(Santos e Pires, 1996: 24). Quanto aos restantes sítios, não é possível tecer grandes considerações ou
informações, contudo, é susceptível de constituírem um grupo homogéneo de granjas e casais (Pimenta, 2011:
37; Sousa e Barata, 1991/1992: 45-46).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Na povoação de Soure e Ega assistimos durante este período ao decorrer de um processo de encastelamento,
onde, em ambas as localidades, foram erguidas dois sistemas de fortificação distintos. Numa primeira fase,
relacionado com o domínio muçulmano neste território, entre os séculos VIII-XI, conhecemos a presença de um
44 Hisn em Ega e, possivelmente, em Soure (Revez, 2009; Freitas, 2012: 29-32). A criação de um estrutura militar
estatal correspondeu à materialização das necessidades políticas e militares do poder cordovês, especialmente,
durante os períodos de governação de emires como Abd Al-Rahman II e Muhammad I. O século IX, foi um
período de instabilidade e agitação em todo o mundo muçulmano: o avanço da reconquista cristã até à linha
do Mondego, com a conquista da cidade de Coimbra, em 878; os ataques normandos às populações e cidades
costeiras, sendo Lisboa, um dos alvos, em 844. E por último, a instabilidade interna em todo o Garb, Primeira
Fitna, com a emancipação dos movimentos independentistas, materializados em personagens como Ibn
Marwan – O Galego, justificaram a proliferação de inúmeras estruturas defensivas, contribuindo para a criação
de um “País de Husum” (Catarino, 1997/1998: 631).
Posteriormente, na charneira entre o séc. X-XI, com a reconquista da cidade de Coimbra pelas forças de Al-
Mansur, em 987, na vigésima oitava campanha, voltou a surgir um novo processo de encastelamento (Idem,
2005: 204; Revez, 2009: 2-3). Sobre o Hisn sabemos que é uma estrutura defensiva de um pequeno território,
situado nas imediações de vias, terrestres e fluviais, e possuía uma dupla função militar e económica. Enquanto
estrutura militar servia primordialmente como linha de apoio regional ao povoamento rural, assegurando as
principais linhas de comunicação e garantindo a predominância do poder estatal muçulmano. Por outro lado,
as suas funções económicas partiam da sua acção enquanto centro polarizador, dominando os recursos
agrários, pecuários, mineiros e controlando um aglomerado rural, como alcariais e casais. Num contexto
3. Epistemologia arqueológica
3.1. Pressupostos epistemológicos
Julgamos reconhecer a importância e necessidade de abordar a problemática epistemológica da arqueologia
neste trabalho. Como é normal, as ideias e critérios que permitiram ou favoreceram uma determinada
interpretação, em privilégio de outra, são aspectos que surgem numa índole individual, apesar do vasto
reportório bibliográfico existente, na qual, os autores procuraram uma compartimentação das correntes
arqueológicas, como a Histórico-Culturalista ou Contextualista. Ou seja, não negamos a importância de certas 45
obras na construção da identidade do indivíduo, porém, criticamos o carácter racional, onde a necessidade de
escolher uma posição única e rígida, surge como um critério pré-definido para qualquer arqueológo. À
semelhança do Dr. Jorge de Alarcão (1996) defendemos uma conciliação das várias correntes, adaptando a
cada questão um modelo próprio de resposta. Todavia, o trabalho que aqui apresentamos necessita de uma
visão diferente, muito mais conciliadora.
Como refere Gérard Chouquer, a “fragmentação de disciplinas” surge como um processo onde o conhecimento
e a natureza são divididos de forma categórica, estratificada e representados por partes, como parcelas
distintas (Chouquer, 2007: 171 apud Costa, 2010: 29). Porém, partilhando as ideias do mesmo autor,
observamos a natureza e o homem como um elemento comum do mesmo ecossistema (Chouquer, 2008: 94
apud Costa, 2010: 39). De forma bastante explícita a definição de ecossistema, eco (oikos) + sistema (systema),
sugere a relação de interdependência na criação de uma comunidade (sentido figurativo), na qual, os
elementos bióticos (Homem e animal) e abióticos (meio ambiente) encontram uma perfeita articulação e
relação. Como refere Felipe Criado Boado (1999: 5-6) é necessário compreender a paisagem como espaço
social, onde decorrem as relações entre homens e ocorre a apropriação do espaço físico, isto é, a
“domesticação” do espaço e materialização da evolução da comunidade (Idem: 34-35). Perante isso, o espaço
surge como alvo de estudo, requisitando a necessidade de uma abordagem multidisciplinar na sua análise. Era
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
possível apoiar uma corrente processualista, adoptando uma visão sistémica e assumindo uma adaptação do
Homem (tecnologia e cultura) ao ambiente físico. Aliás, no desenvolvimento do trabalho é reconhecível a
relação directa entre evolução do espaço físico e a rede viária. Contudo, uma visão contextualista (como
exemplo) permite colocar outras questões e obter diferentes respostas; não contraditórias mas distintas, que
justifica a compatibilidade das várias correntes (Alarcão, 1996). Exemplo disso é a travessia de um pequeno
ribeiro entre Casa Velha e Gesteira, de acordo com os dois modelos hidrográficos diferentes. O primeiro
modelo, que corresponde ao paleoambiente, marca um traçado por um caminho carreteiro; o segundo
modelo, actual rede hidrográfica, estabelece um percurso com passagem na ponte moderna da EN 348. De
acordo com a corrente de Binford esta alteração representava uma necessidade económica, ou seja, perante
uma sociedade moderna e capitalista, profundamente dependente do tráfego viário na economia, era lógico
assumir um itinerário que permite-se maior fluxo de mercadorias. No entanto, a corrente de Hodder procurava
uma reposta de índole social, isto é, o percurso carreteiro mantinha-se lado-a-lado com actual ponte, já que
havia uma preservação do trajecto ao longo de várias gerações. Contradizem-se? Julgo que não, apenas
assumem diferentes posições que permitem aprofundar o estudo do Homem. Mas há uma questão que não é
colocada, qual é a disciplina que permite uma visão diacrónica de tal facto? Não temos dúvida que a resposta
reside na Arqueogeografia (Costa, 2010: 41-42).
3.2. Arqueogeografia
Graças à excelente dissertação do Dr. Miguel Costa (2010), marcada pela primazia e qualidade, foi possível pela
primeira vez em Portugal criar um trabalho de Arqueogeografia. Sem qualquer dúvida, podemos afirmar que é
um trabalho que primeiro estranha-se, face à diversidade de conceitos e ideias novas, e de seguida entranha-
se, pela validade e riqueza do conhecimento arqueológico produzido. A esmagadora maioria do pensamento
arquegeográfico aqui descrito foi retirado da sua dissertação.
A Arqueogeografia é uma disciplina que promove a conjugação multidisciplinar de várias ciências
paleoambientais e arqueológicas, como a Arqueologia da Paisagem e a Arqueologia Espacial (Idem: 41). É uma
metodologia que assume uma visão diacrónica e dinâmica, que promove o estudo de longa duração, isto é, não
compartimentando o objecto de estudo em periodizações pré-definidas, como Idade do Ferro, Período
Romano ou Época Medieval. Como foi assinalado anteriormente, assenta no estudo do ambiente físico, como
as centuriações, parcelas e cadastros agrários. Aproveito para tecer uma crítica à obra do Dr. Jorge de Alarcão,
“Escrita do Tempo e a sua Verdade (Ensaios de Epistemologia da Arqueologia)”, já que adopta um discurso
tradicional (embora conciliador e moderado) em relação ao espaço físico, que surge de forma secundária ou
46 esbatida, chegando afirmar “ao contrário da natureza, onde, como dizia o poeta, nada está presente se não a
própria natureza (numa árvore não vemos se não a própria árvore), mas num objecto experimentamos a
presença do outro” (Alarcão, 2000: 17). Aliás, a própria interpretação do objecto (valorizado) é condicionada
por uma rígida periodização. Nós perguntamos, os objectos não têm mobilidade temporal? Uma faiança
portuguesa do séc. XVI pode coexistir com loiça de cozinha do século XXI, porque os objectos – portadores da
dinâmica humana – possuem “funções” além da necessidade funcional. Espero que esta crítica não seja mal
entendida, uma vez que, o nosso objectivo passa por renovar o conhecimento e como tal, em determinadas
alturas, é necessário romper com ideias antigas.
Ao estudar a dinâmica viária da Carta Militar de Portugal n.º 250 foi proposto, inicialmente, analisar os dados
SIG durante o período romano, no entanto esta metodologia é incorrecta. Como refere o Dr. Miguel Costa, a
rede viária provém de um processo de formação de longa duração, sendo um erro construir a planimetria viária
com base em descrições periodizadas (como referimos anteriormente) (2010: 41-42). Mas as vantagens da
arqueogeografia não se resumem unicamente à possibilidade de assumir uma visão alargada do objecto de
estudo: o próprio pensamento ou desconstrução do mesmo, permite interpolar vários dados, como tal, é
possível reconhecer através da paisagem uma memória interna (resiliência) (Idem: 41 e 45).
Infelizmente para nós, no actual patamar de conhecimento, não é possível aprofundar a temática da
arqueogeografia. Todavia, vamos disponibilizar algumas ideias sobre a disciplina. O primeiro passo estabelece a
48
4.2. Cálculo de corredores óptimos
4.2.1. Condicionantes
O uso do cálculo de corredores óptimos, enquanto ferramenta de análise espacial, baseia-se no princípio de
resistência que o espaço consegue impor na deslocação, através de vários factores físicos (Osório e Salgado,
2011: 90). Enquanto metodologia compreende duas fontes de dados principais, orografia, através das curvas
de nível, e hidrografia, com os cursos de água e leitos de cheia. Os últimos dados estão presentes na Reserva
Ecológica Nacional (REN) e representam áreas de difícil transposição, fortalecendo a veracidade dos resultados
finais (Idem: ibidem). Contudo, ao contrário do interior do país onde os cursos de água mantiveram-se
particamente imutáveis, o nosso território de estudo, foi placo de profundas transformações nos últimos dois
milénios. Sobre a evolução da cota do rio Mondego, não há consenso entre os vários investigadores,
predominando a incerteza e o desconhecimento parcial ou total da dinâmica fluvial do ancestral rio Munda
(Alarcão, 2004: 133-134). Os motivos que asseguram a actual situação centram-se na ausência de um programa
49
resultados obtidos com o modelo de cálculo de corredores óptimos asseguram a possibilidade de utilizar estes
dados.
Fig. 8 – Superfícies de custo isotrópicas para cálculo de corredores óptimos (Modelo I e II)
50
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 9 – Traçados da rede viária na carta militar n.º 250.
Fig. 10 – Aplicação do corredor óptimo, Soure-Vila Nova de Anços, sobre o MADO (modelo I e II).
Fig. 11 – Áreas de visibilidade dos depósitos metálicos (Gesteira e Coles de Samuel) e dos povoados pré-romanos do
Crastro de Soure e Conimbriga.
Fig. 12 – Sobreposição dos corredores óptimos sobre a CMP n.º 250 (1:25000).
(Vilaça, 1988: 30; Pimenta, 2011: 22). Julgo que não é imprudente colocar a possibilidade de um “corredor
natural” nesta área; capitalizamos esta ideia pelo facto do trajecto proposto, Modelo I, acompanhar a EN 342,
muito mais do que no Modelo II, que representa a materialização de longos fluxos em vários períodos (Costa,
2010: 96-97). Este fenómeno é fortalecido logo na etapa inicial, à saída de Soure, com passagem na Capela das
Almas, antigo local de passagem da Romaria (peregrinação religiosa) do Bom Sucesso (Figueiredo e
Bandeirinha, 1986: 22). Mais uma vez, como refere Miguel Costa todos estes factores permitem observar um
desenrolar de acções humanas ao longo do tempo na materialização dos traçados actuais (2010: 64-65), neste
caso a EN 342. Desta forma, enriquecemos a frágil proposta do Doutor Vasco Mantas (1996: 874) com novos
dados.
5.2.2. Percurso 2
No Percurso 2 é analisado o traçado Soure-Arrifana. Abandona a vila pela área lés-nordeste, cruzando a EN 342
momentos antes da sua bifurcação (EN 342-1) e prossegue por Pinheiro, Quinta de S. José do Pinheiro, Areais
do Pinheiro, Casal Mareco e Alencarce de Baixo, sempre numa área que actualmente não possui nenhuma
estrada alcatroada, porém, suspeitamos reconhecer alguns traços viários que actualmente servem como
limites agrários, sebes. Na última localidade ruma a sul, cruzando o caminho municipal 1117, em direcção ao
Mosqueiro e Vale do Casal das Freias. Relativamente perto da povoação de Cascão adopta um percurso que
articula vários caminhos carreteiros até Rebolia de Baixo, prosseguindo por Serrazina até à localidade de
Arrifana.
Face à importância do traçado, decidimos estruturar a sua análise em três grupos distintos.
5.2.2.1. Percurso 2a
Decidimos relacionar o traçado Soure-Arrifana com Soure-Carvalhal da Azóia perante a possibilidade de um
trajecto regional, ligando o povoado pré-romano de Conimbriga a Soure, por Arrifana, e posteriormente, à
feitoria fenícia de Santa Olaia, por Carvalhal da Azóia (Fig. 16). A possibilidade desta ligação é fortalecida pela
presença de depósitos metálicos ao longo do trajecto proposto. Como refere a Prof.ª Dr.ª Raquel Vilaça (2012:
30), na área percorrida pela “estrada coimbrã” há uma assinalável proximidade entre os depósitos metálicos e
o percurso ancestral: podemos reconhecer a mesma situação no nosso território de estudo. Aliás, como
salienta Gérard Chouquer, a partir do Bronze Final/ Idade do Ferro até ao séc. II d.C., e inclusivamente até à
Alta Idade Média, ocorre o processo de continentalização, na qual, surgem as primeiras planimetrias em rede a
ligarem habitats, parcelários e vias (2000: 30 e 47 apud Costa, 2010: 67). Julgamos reconhecer a relação entre
56
os depósitos metálicos e a hipotética rede viária, como a materialização das mudanças sociais, económicas e
políticas que ocorrem na viragem do II-I milénio (Vilaça, 2012: 18).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 16 – Traçado do percurso 2a.
No entanto, qual é interpretação que podemos retirar dos dados? Podíamos associar os artefactos metálicos
(ouro e bronze) como elementos comuns ao fluxo e tráfego do percurso viário, ou seja, num local de passagem
de pessoas, bens e produtos é normal ponderar esta possibilidade. Gordon Childe procurou a resposta para a
deposição dos objectos metálicos no raciocínio lógico, racional e comercial (2007: 19). Como refere o Doutor
Jorge de Alarcão, as correntes Histórico-Culturalista e Processualista justificam uma estandardização das
produções à medida que os indivíduos e grupos se aproximam (1996: 43). Embora fora da área de estudo,
sabemos que as foices de Coles de Samuel, em Soure, partilham a mesma tipologia com a foice de Conimbriga,
do tipo “Rocanes” (Vilaça, 2012: 21). Porém, é necessário observar o artefacto para além da materialidade
física, procurar a dimensão social e o toque humano no fabrico e deposição, ou seja, observar o percurso viário
não só como local de passagem de bens e mercadorias, mas de ideias, pensamentos, cultos, crenças e rituais.
Para terminar o estudo dos depósitos metálicos é prudente desconstruir o pensamento actual, abdicando de
certas regras e critérios dogmáticos pré-estabelecidos por interpretações falaciosas ou erguidas através do
desconhecimento da realidade arqueológica do território estudado: referimo-nos ao Crasto de Soure. Não é
objectivo do trabalhar debater a problemática da ocupação ou reocupação do povoado proto-histórico,
todavia, o tema analisado, depósitos metálicos, é favorável ao repensar de certas ideias. A proposta
anteriormente referida justifica ou requer a necessidade de dois ou mais povoados, no entanto, não há certeza
da datação do povoado proto-histórico do Crasto de Soure. Recentemente, através da aplicação do plugin
Visibility Analysis do QGIS, foi possível averiguar que não há um domínio visual e topográfico por parte do
povoado pré-romano de Conimbriga sobre os depósitos (Fig. 11), o que de certa forma exclui a possibilidade do
depósito surgir como instrumento de aquisição espacial e construção social deste povoado (Freitas, 2013: 33-
35; Vilaça, 2007: 62). Para fortalecer este resultado, a área visual da elevação do Crasto assume uma estreita e
completa articulação com o objecto de Gesteira (Freitas, 2013: 35). Por outro lado, um dos resultados do Dr.
Miguel Costa na sua dissertação comprova uma relação reciproca entre os povoados e as vias, isto é, as vias 57
incentivam o povoamento ou surgem como resultado do mesmo (2010: 69). Neste caso, é lógico colocar a
possibilidade do Crasto de Soure ser contemporâneo do povoado pré-romano de Conimbriga, na qual, os
depósitos podem ou não corresponder ao fluxo de pessoas, ideias e bens no percurso que une os dois
povoados. Mas há também outra possibilidade, que anula a proposta anterior: a chegada das comunidades de
filiação oriental e o Bronze Final são duas realidades contemporâneas (Vilaça, 2006: 49) e o trajecto proposto,
que prossegue para Carvalhal da Azóia, e, possivelmente, para Verride e Santa Olaia, pode corresponder ao
itinerário terrestre entre o povoado de Conimbriga e a feitoria fenícia de Santa Olaia, onde, posteriormente,
desenvolveu-se o Crasto. Infelizmente, perante a ausência de trabalhos arqueológicos, não podemos tecer
comentários que permitam clarificar este assunto.
5.2.2.2. Percurso 2b
O Percurso 2b corresponde à proposta de Mário Saa ao estabelecer um percurso romano entre Soure,
Alencarce, Rebolia e Arrifana, porém, os excessivos e grotescos erros não permitiram sustentar a sua proposta
(1960: 204-205). Já o Doutor Vasco Mantas tem uma opinião diferente, ao assumir na sua extensa tese de
doutoramento, e mais recentemente, na revisão do seu trabalho, um traçado viário entre Soure e Conimbriga
com passagem em Ega, ao longo da EN 342, e Arrifana, na Ponte da Sancha (1996: 870-871; 2012: 258). Ao
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contrário da passagem em Ega, que é uma simples hipótese de trabalho, o local de Arrifana é incontornável, já
que é o local de travessia do rio de Mouros (ou Ega). Perante esse facto, estabelecemos o ponto de destino na
actual povoação.
Apesar de um início bastante semelhante com a proposta do Doutor Vasco Mantas (1996: 870), ao prosseguir
em direcção a Alencarce de Baixo, por Pinheiro e Laje, assume uma orientação explícita para a povoação de
Arrifana. Como assinalámos anteriormente, a rede viária romana acompanha os traçados pré-romanos, e,
perante esse facto, a proposta anterior – Percurso 2a – fortalece este resultado. Por outro lado, uma vez que o
cálculo de corredores óptimos é uma análise puramente espacial, isto é, do espaço físico e geográfico, é
importante relembrar que “as vias romanas aproveitam as linhas naturais de comunicação” (Ibid.: 65). Estes
factores, segundo o mesmo investigador, justificam o traçado irregular das vias romanas com curvas e desvios:
facilmente reconhecíveis na análise visual do mapa. Sobre os sítios arqueológicos há um predomínio claro nas
imediações deste trajecto. Infelizmente, pouco ou nada sabemos sobre os estabelecimentos, todavia, a sua
presença não pode ser esquecida. O caso mais interessante é a localidade de Alencarce de Cima, que possui
uma elevada concentração de vestígios arqueológicos, entre os quais, a possibilidade de uma villa romana
(Santos e Pires, 1996: 24). A proximidade entre os três sítios coloca a questão de serem todos provenientes de
um único local, que, face à existência de uma antiga exploração de grés, poderia estar associado ao
aproveitamento do recurso natural. Na cidade romana de Conimbriga a presença de materiais provenientes
das jazidas de Alencarce comprova a exploração desta área durante o domínio romano (Idem: ibidem). Ou seja,
por uma escolha económica e logística, é credível a existência de uma via romana neste local. Como refere
Miguel Costa, na grande maioria das vezes a evolução da rede viária é um processo auto-organizativo (2010:
96-97), com a emergência de formas imprimidas pelo homem no solo, contudo, esporadicamente, com base
em um determinado poder político ocorre a planificação de um troço viário – erguido segundo interesses
estatais. No entanto, os próprios itinerários definidos fazem parte de um processo auto-organizativo, uma vez
que a sua materialização ocorre diacronicamente (Idem: 48).
5.2.2.3. Percurso 2c
A observação do Percurso 2c incorpora a análise dos dois modelos hidrográficos, Modelo I e II, e surge em
perfeita articulação com o percurso anterior, procurando validar os nossos dados e propostas, segundo uma
visão diacrónica.
Ao comparar os dois modelos hidrográficos é fácil reconhecer uma diferença entre os resultados, contudo, o
trajecto definido anteriormente mantem-se. O resultado mais surpreendente corresponde ao percurso de Ega,
58 agora em perfeita simbiose com Arrifana. Apesar do desconhecimento actual e das lacunas historiográficas
sobre a Alta Idade Média, é possível reconhecer a presença islâmica nesta área – gravada na memória das
populações e nos topónimos. Subscrevendo o Percurso 2a, os topónimos de Arrifana (ár. Al-Rayhana ou Ar-
Rihana) e Carvalhal de Azóia (ár. zâwiya) detém uma indiscutível ligação com o mundo muçulmano,
especificamente, no apoio religioso e militar das necessidades espirituais e defensivas do mundo islâmico
(Catarino, 2004: 264-273 apud Freitas, 2012: 31). No caso específico da Azóia é comum situarem-se nas
proximidades das vias de comunicação (terrestres, fluviais e marítimas) e poderiam servir de apoio a um ribat
(Arrifana) nas proximidades (Idem: 17). Quanto ao topónimo de Alencarce a sua origem provem do árabe Al-
Qasr (pl. Qusur), na qual, o seu termo genérico significa “Castelo” ou Alcácer, ou seja, “Além do Castelo”. Surge
como referência ao palácio-castelo, como a fortificação de Qasr al-Sharqi, na Síria, Qasr Kharana, na Jordânia e
Qasr Abu Danis, em Alcácer do Sal (ibid.: 16). No território de estudo o topónimo corresponde, sem qualquer
dúvida, ao Hisn de Soure ou Ega, como foi apontado anteriormente (Revez, 2009: 5; Freitas, 2012: 30). No caso
do Hisn de Ega, graças às recentes escavações no Paço da Ega, sabemos que é uma estrutura militar de
completa raiz muçulmana datada do séc. VIII. Aliás, os únicos vestígios romanos encontrados, quatro epígrafes
e uma pedra almofadada, não se situam em deposição primária (Revez, 2009: 8).
Para comprovar a veracidade da nossa proposta socorremo-nos da actual povoação de Alencarce de Cima. Esta
localidade apresenta uma morfologia linear, que aponta um desenvolvimento ao longo da via, adquirindo a
Posteriormente, ao longo da Baixa Idade Média e Época Moderna, conhecemos um percurso – comendas da
Ordem de Cristo – em direcção a Alencarce (Afonso, 1987: 49; Pimenta, 2011: 77). Contudo, não foi possível
recolher mais informações para definir correctamente a evolução do Percurso 2. Na grande maioria, as
estradas actuais, caminho municipal 1117, 1178 e 607, que seguem em direcção às localidades de Ega e
Arrifana, correspondem aos resultados obtidos através da aplicação do cálculo de corredores óptimos que 59
pode significar a materialização do percurso ao longo do tempo. No entanto, actualmente, o itinerário 1117
mais não é do que um simples caminho municipal, em virtude do domínio viário da EN 342. Nos finais do séc.
XIX com a abertura do novo troço viário, segundo um directriz planificada e de acordo com as necessidades de
um estado moderno, é provável que tenha ocorrido uma fragmentação da rede viária, agora excluída da
mecânica auto-organizativa. Mas esta desvantagem revela-se surpreendentemente agradável para futuros
estudos: nos dias de hoje há certos troços do caminho municipal que não sofreram uma profunda
remodelação, que de alguma forma, pode ter assegurado certas características do antigo troço viário.
5.2.3. Percurso 3
O terceiro percurso centra-se no trajecto entre Soure e Ega. O Doutor Vasco Mantas estabelece um itinerário
romano ao longo deste trajecto, todavia, os resultados obtidos são ligeiramente diferentes (1996: 870; 2012:
258). Ao contrário da proposta do mesmo investigador, os nossos resultados apontam um corredor-óptimo
com saída da vila de Soure pela EN 342 em direcção à localidade de Carvalheira, Leonel, Cavaleiros e por fim,
uma orientação bastante semelhante à actual estrada nacional, até ao ponto de destino, Ega. Graças ao
percurso anterior é plausível questionar a validade da proposta do Doutor Vasco Mantas, porém, é inegável a
existência de uma planimetria viária a ligar a cidade romana de Conimbriga ao povoado - vicus - de Soure, que
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permitia a concentração de funções marítimas e terrestres: porto secundário (fluvial), apoio à navegação
marítima (cabotagem) e eixo viário de vários ramais e itinerários principais, Olisipo-Collipo-Conimbriga (Idem:
870-875; 1999: 282-283, 287; 1985: 178). A relação entre as vias e o povoamento, e vice-versa, adquire
importância na procura de uma resposta. Durante o domínio romano assistimos ao incremento da rede viária e
é lógico que um povoado como Soure, centro neurológico do território, seja abastecido por várias linhas de
comunicação, o que justifica um traçado secundário e complementar entre Soure e Ega. Porém, o troço
principal correspondia, certamente, ao percurso com passagem em Alencarce, Rebolia e Arrifana.
Durante o período medieval assumimos a manutenção da importância do mesmo troço, no entanto, é plausível
a existência de um trajecto que permitia articular os Husum desta área. Ou seja, a possibilidade de um percurso
entre Soure e Ega poderia continuar durante o período muçulmano. Como refere a Prof.ª Dr.ª Helena Catarino
é basilar relacionar um povoamento ou encastelamento com as vias de comunicação existentes (1997/1998:
639). Deste modo, articulando as funções militares e administrativas dos Husum – controlo das vias de
comunicação – poderia haver um trajecto secundário de ligação entre as duas fortificações perante as
necessidades logísticas e defensivas. Com a reconquista cristã, a partir do século XI-XII, assistimos ao
incremento da rede viária e da evolução do espaço, canalizando ou condicionando vectores de dominação
senhorial (Mattoso, 1997: 144). Todavia, se a disposição dos castelos senhoriais acompanha uma lógica entre
as linhas de comunicação e o relevo (Idem: 145), sabemos que a fragmentação do território ocorreu,
descaracterizando uma realidade territorial anterior. No caso de Soure e Ega, ambas as localidades foram
domínios da Ordem do Templo e posteriormente Ordem de Cristo, o que justifica a possibilidade de uma
fragmentação e inconsistência territorial e orgânica em relação ao modelo anterior. Obviamente que não
conseguimos comprovar, neste artigo, a veracidade da nossa hipótese, no entanto, perante dinâmicas
diferentes de trabalho, como a perda da função militar deste espaço, e as novas necessidades administrativas
do poder régio ou senhorial, castelo de Soure e Ega, é provável que tenha ocorrido um processo de ruptura do
território sourense (extraído de ArchéoGéographie). Mas mais recentemente, na charneira entre o século XIX e
XX, com a abertura da EN 342, dá-se, sem qualquer dúvida, uma ruptura com o modelo anterior, catalisando a
hipótese anterior. Se no Percurso 1 colocámos a possibilidade de um corredor-natural, materializado na
estrada nacional, neste, não temos dúvidas em negar esse facto. Ao visualizar a Carta Militar de Portugal n.º
250 (1:25000) é fácil observar a existência de uma ponte em Soure e Ega, que corresponde a uma acção política
e planificada, ou seja, associada à construção de um novo traçado (Costa, 2010: 97). No caso especifico da vila
de Soure sabemos que a actual ponte, que permite a travessia do rio Arunca, foi erguida para permitir a
passagem da EN 342, destruindo anterior ponte e a malha urbana da vila. Deixámos de ser prisioneiros da
60 geografia e reinscrevemos os percursos.
5.2.4. Percurso 4
Após sair da actual vila de Soure, pela área nordeste, cruza com a EN 342-1 por breves momentos no
encurvamento da mesma, perto da Quinta das Nogueiras, prosseguindo de seguida em direcção à Quinta de
Baixo, sempre a oeste da actual estrada. De seguida, acompanha até à localidade de Casal das Brancas o troço
do itinerário nacional, afastando-se para o interior, leste, até à Quinta do Pai Daniel, nas proximidades de Vila
Nova de Anços. É nesta parte do troço proposto que ambos os modelos, Modelo I e II, diferem, assumindo o
último, um percurso mais próximo do rio Arunca, isto é, em proximidade com a estrada moderna. Para
finalizar, prosseguem em direcção à vila, entrando na localidade pela rua do Pedregal, que representa um
microtopónimo interessantíssimo. Este pode significar uma referência às antigas lajes da calçada romana,
justificando a hipótese de um trajecto viário romano em direcção à localidade de Vila Nova de Anços (Pimenta,
2011: 33).
Neste percurso não vamos adiantar, imediatamente, novos dados que permitam corroborar ou negar as
propostas viárias existentes. Em virtude da complexidade do traçado e da relação intrínseca da malha urbana
5.2.5. Percurso 5
Os resultados do quinto percurso diferem de forma bastante explícita entre os dois modelos hidrográficos,
assumindo trajectos completamente opostos. Todavia, apesar da aparente incoerência dos dados, uma análise
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detalhada revelou informações surpreendentes. No Modelo I, o traçado prossegue para sul, em direcção ao
castelo medieval e atravessa o rio Anços perto da actual ponte. Segue na margem esquerda do rio, na
bifurcação da estrada, entre o caminho municipal 1119 e EN 348, precisamente no local do cemitério de Soure,
em direcção à Quinta do Barril. A partir daqui, acompanha paralelamente o caminho municipal 589 até à
Quinta das Meãs, apesar da extensa curva, a oeste, perto da Quinta da Fuzeira, por cotas de 33 a 38 metros. Já
o Modelo II, à semelhança dos resultados anteriores de Arrifana e Ega, segundo as linhas de água actuais, sai
pela rua João de Deus e adquire uma orientação a sudeste, em direcção a Carrascal dos Novos e Novos. Nesta
localidade assume um traçado diferente ao rumar para sul, cruzando o rio Anços em direcção ao Paleão. De
seguida dirige-se para o Casal dos Feijões, Quinta da Fuzeira e por fim, Quinta das Meãs. Na fase final, adquire
um trajecto bastante semelhante ao caminho municipal 589.
O primeiro modelo é bastante semelhante à proposta do Doutor Vasco Mantas (1996: 869-870) ao estabelecer
o itinerário romano entre Redinha, em Pombal, e Soure, com passagem na Quinta da Madalena e na Ponte de
Baixo. De forma diacrónica podemos observar a validade da proposta, uma vez que é visível a relação com a
villa romana de Madalena, tal como, a Capela de S. Pedro da Várzea, de clara importância religiosa e
possivelmente relacionada com o caminho de Santiago de Compostela, proveniente de Leiria (Pimenta, 2011:
84; Gil e Rodrigues, 1990: 61). Actualmente esta área é servida pelo caminho municipal 589, que pode reflectir
a permanência do troço viário ao longo dos tempos. Quanto ao segundo modelo, os resultados assumem uma
evolução oposta e surpreendente. O aspecto mais interessante é o facto do resultado do cálculo de corredores
óptimos não coincidir, na grande maioria, com as actuais estradas alcatroadas do território de estudo. Todavia,
após a localidade do Paleão, acompanha perfeitamente o limite das “áreas de infiltração máxima” da Reserva
Ecológica Nacional, e, no troço final, o caminho municipal 589. Desta forma, é possível observar a
transformação do espaço físico, com a contracção das linhas de água, e a evolução dos trajectos viários.
Infelizmente não é possível comprovar a veracidade do Modelo II, apesar da relativa proximidade com marco
de divisão de terras da Ordem de Cristo e da capela de S. Mateus, também propriedade da ordem, que de certa
forma, permite ponderar a existência de um troço viário, talvez um caminho secundário. Sabemos que a capela
de S. Mateus é palco de uma importante romaria anual, de grande devoção popular (Pimenta, 2011: 89),
porém, seria imprudente e incorrecto associar o corredor-óptimo ao percurso religioso. Talvez faça parte dos
vários trajectos que a comunidade sourense usufruía durante as suas deslocações ao espaço religioso. Aliás,
além das necessidades espirituais, o traçado do Modelo II, justifica um ganho considerável em direcção à
localidade do Paleão, Porto Coelho e Venda Nova
Mas o aspecto mais surpreendente é constantemente esquecido pela historiografia: a orientação da Ponte
62 Baixo. Ao longo do reportório bibliográfico que tivemos a oportunidade de analisar, a Ponte de Baixo é
constantemente referida como local de passagem dos traçados medievais a sul da vila de Soure, bem como,
herdeira das antigas pontes romanas (Castelo-Branco, 1987: 2). No entanto, há um aspecto bastante
pertinente, a ponte encontra-se orientada oeste-leste e não, norte-sul [Imagem. 4]. Compartilhamos a ideia do
Doutor Vasco Mantas ao promover a possibilidade de uma passagem em material perecível ou a vau (2012:
258), excluído assim, a possibilidade da Ponte de Baixo ser herdeira da ponte romana. Contudo, é fisicamente
impossível acompanhar a restante proposta, “a estrada romana entrava na zona hoje ocupada pela vila no sítio
do Pedregal e passava o Anços no local onde existem as ruínas da antiga Ponte de Baixo” (Mantas, 1985: 170).
Ou seja, a orientação da ponte justifica um traçado proveniente da área leste, possivelmente de Alencarce, Ega,
Arrifana e Conimbriga. Face aos dados dos corredores óptimos, Modelo II, é possível que a existência da ponte
seja a materialização de uma necessidade medieval. Aliás, só pode ser, já que situa-se em terrenos
conquistados ao rio, submersos durante o período romano. Sabemos que em 1262, o testamento de D.
Gonçalo Gonçalvez consagrava verbas, duas libras, para a ponte de Sorya, da qual, topónimo medieval refere-
se à actual vila de Soure (Mantas, 1996: 485).
Como refere Miguel Costa, as pontes devem ser entendidas de duas formas: como uma acção política
planificada, na construção de um novo traçado ou uma acção planificada (política ou não) para promover o
estabelecimento ou restabelecimento de um determinado percurso sobre um rio, a partir de um traçado
5.2.6. Percurso 6
No Percurso 6 as diferenças entre os dois modelos hidrográficos não assumem profundas alterações, apesar de
no troço final, entre as povoações do Vale da Borra e Casal da Venda, os modelos apresentarem duas
propostas diferentes. O traçado sai da vila de Soure pela área oeste, em direcção à actual estação de caminhos-
de-ferro, transpondo o rio Arunca perto da ponte moderna e assumindo um trajecto bastante semelhante à EN
342, com passagem pela Capela das Almas. A partir dai, ambos prosseguem para a localidade do Bom Sucesso,
acompanhando a romaria regional em direcção à Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, e posteriormente,
para Casal da Venda. Até aqui é fácil reconhecer que o resultado do Modelo II assume contornos bastante
semelhantes ao caminho municipal 1118. Após a última povoação divergem, rumando o Modelo I
directamente para Sobral de Cima, e, o Modelo II, para Torre do Sobral e Sobral de Cima, ou seja, um rumo a
leste do anterior. Infelizmente, face à proliferação de caminhos carreteiros, não é possível relacionar os
resultados dos modelos hidrográficos com uma nova proposta viária. Contudo, é bastante explícito a estreita
relação entre os trajectos do cálculo de corredores óptimos e o actual caminho municipal 1118.
Este resultado corresponde à proposta do Doutor Vasco Mantas sobre a possibilidade de um deverticulum do
troço romano Olisipo-Collipo-Conimbriga, proveniente de Bonitos, 2,5 km a sudeste do Louriçal, com objectivo
de alcançar mais rapidamente o Vale do Mondego (1996: 872-874). Até ao momento não possuímos dados que
permitam negar a hipótese de um itinerário pré-romano, ligando o litoral túrdulo à feitoria fenícia de Santa
Olaia, e romano neste local. Aliás, podemos fortalecer esta possibilidade através de um estudo diacrónico. O
topónimo Torre do Sobral provém do árabe Burdj, que pode estar relacionado com uma anterior torre na
região, talvez um pequeno burgo fortificado (Freitas, 2012: 16). O facto de situar-se na Serra da Atalaia, do
árabe Talaiya, pode representar uma estrutura complementar na defesa do espaço rural envolvente e das
linhas de comunicação (Idem: 17). Até ao momento não é possível estabelecer uma localização exacta da
estrutura defensiva, porém, anteriormente, colocamos a hipótese de situar-se na actual Igreja da Torre do
Sobral, à semelhança da Igreja de Nossa Senhora da Rocha, no Algarve (Idem: 30; Catarino, 1997/1998: 636). Já
63
o percurso religioso, a romaria regional do Bom Sucesso, pode significar a permanência do caminho ancestral,
de índole comercial e religiosa, na comunidade sourense, que de forma involuntária assegurou a preservação
do antigo itinerário (Figueiredo e Bandeirinha, 1986: 22). Quanto à presença dos dois edifícios religiosos, é
provável que estejam associados ou articulados com locais de passagem importantes. No caso específico da
Capela das Almas, situa-se localizada na convergência de quatro caminhos, tradicionalmente interpretados
como locais detentores de alguma espiritualidade ou misticismo.
Mais recentemente, com base nos resultados do Modelo II, podemos ponderar a hipótese da materialização
deste percurso antigo no caminho municipal 1118. Todavia, se assim for, é necessário constatar a
transformação da rede viária em virtude da evolução do espaço físico. Ou seja, face às condicionantes físicas –
relevo e linhas de água – pode ter ocorrido um processo de ruptura com antigo itinerário, apesar de a
orientação permanecer.
5.2.7. Percurso 7
O Percurso 7 surge com um início extraordinariamente semelhante ao Percurso 1, até à povoação de Camparca
e bifurcação da EN 342, em direcção de Lousões. Durante este trajecto articula-se com o sítio arqueológico pré-
histórico de Camparca. Posteriormente avança em direcção da Quinta da Milharada, cruzando o caminho
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
municipal 1106 neste local, e, segue, com pequenas e singelas interrupções, para Valada. Nesta povoação,
transpõem a EN 348 e termina em Carcavelos. Quanto ao Modelo II, o traçado adquire contornos bastante
semelhantes à actual rede viária, abdicando de um percurso no interior (Modelo I), e acompanhando, em
certos troços, a estrada nacional 348. Após atravessar o rio Anços, segue para noroeste, em direcção à Quinta
das Matas, perto da linha ferroviária. Deste ponto prossegue para Lousões, flectindo para oeste, ao transpor o
caminho municipal 1116 e EN 348. Com o rumo definido, rectilíneo, avança para Marrada, Piquete, Carregosa,
Valada e alcança a povoação de Carcavelos pelo lado leste. Entre Lousões e Valada, acompanha em vários
momentos, o troço da actual estrada nacional.
O Modelo I situa-se, actualmente, numa zona periférica e excluída da dinâmica viária do território sourense.
Todavia, julgamos reconhecer a imprevisibilidade desta afirmação incluindo a acção humana, preservada nos
inúmeros caminhos carreteiros existentes. Aliás, o facto de articular certos traços do Percurso 1, intitulado de
“corredor-natural”, potencializa a veracidade desta ideia. Outro aspecto interessante é a relação entre o
percurso e a povoação de Valada, que apresenta uma morfologia “aldeia-rua” (Fig. 18). Com foi possível
demonstrar anteriormente, estes aglomerados urbanos estão relacionados com a vitalidade do traçado viário
que os caracteriza, todavia, nos dias de hoje, a estrada alcatroada resume-se a um singelo caminho municipal,
1108-1. Como foi observado pelo Dr. Marco Penajoia (2012: 75) e Maria Helena Coelho (1983: 413-414),
durante o séc. XIV, a margem esquerda do rio Mondego atingiu níveis importantes de circulação – viária e
fluvial – entre os vários povoados, que, articulado com os carreiros, permitiu o incremento da rede viária.
Sobre a povoação de Valada pouco sabemos, contudo, a localidade de Urmar, 1,5 km a sudoeste, é referida na
historiografia medieval a partir do séc. XIII (Idem: 411). Se for possível relacionar o Modelo I com os traçados
medievais deste território podemos afirmar que a evolução do espaço físico condicionou muito pouco a
evolução do Percurso 7: porque, como salientamos, não houve uma transformação do paleoambiente de
forma global e semelhante; o caminho permitia articular as linhas de água com a rede viária, que justificou a
preservação do traçado ou houve a conservação do traçado nas comunidades rurais. Já o Modelo II acompanha
na grande maioria os trajectos viários actuais, como a ponte da EN 348, entre Casa Velha e Piquete. Neste caso
específico julgamos reconhecer a implementação de um troço viário moderno sobre o Modelo II. Infelizmente
não é possível tecer mais considerações, apesar da possibilidade de serem dois traçados contemporâneos, que
em determinada altura, possivelmente no período Moderno ou Contemporâneo, com as acções de D. Maria I e
do “Fontismo” de Fontes Pereira de Melo, ocorreu a primazia de um trajecto por outro.
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 18 – Povoação de Valada na ortofoto do Bing Maps.
5.2.8. Percurso 8
O Modelo I parte de Soure e segue em direcção da povoação de Casal Novo e Casa Velha, paralelamente ao
caminho municipal 1116. Na última localidade ultrapassa a linha de água nas proximidades de um singelo
carreiro, prosseguindo para Gesteira e posteriormente para Cercal, sempre a leste do caminho municipal 610,
ou seja, relativamente perto do rio Arunca. Na última povoação, ruma em direcção ao marco geodésico e
acompanha até Carvalhal da Azóia o percurso municipal 1111. Quanto ao resultado do Modelo II, segue até à
localidade de Carregosa o anterior percurso, Percurso 7, ao rumar para norte, em direcção ao ponto de
destino. A partir dai, corre por Vidigueira, Cale do Cano, Alto do Peso e por fim, ao cruzar o caminho municipal,
Carvalhal da Azóia.
Como tivemos oportunidade de referir anteriormente, o oitavo e último percurso pode corresponder, em
articulação com o Percurso 2a, a um itinerário regional pré-romano. Entre os vários elementos que permitiram
colocar esta hipótese socorremo-nos da presença dos depósitos metálicos ao longo do trajecto definido pelo
cálculo de corredores óptimos. Na localidade de Gesteira, próximo de Piquete, localiza-se o depósito de ouro
de Gesteira, perfeitamente enquadrado com o resultado do segundo modelo hidrográfico. Contudo, é que
claro que o artefacto e o acto de depositar não contemporâneos da segunda proposta. É possível justificar
facilmente este acontecimento, já que os depósitos, enquanto artefactos, possuem mobilidade e não há
certeza quanto à localização exacta do achado arqueológico. Perante isso, foi lógico relacionar o depósito de
ouro com o Modelo I.
Usufruindo do cálculo de corredores óptimos e de uma metodologia de estudo que visa compreender o espaço
e a evolução da rede viária de forma diacrónica, pretendemos clarificar o traçado viário desta área. Quanto ao
período pré-romano, julgo que é reconhecível a validade da nossa proposta, apesar da incerteza de confirmar
as nossas afirmações. Como refere o Doutor Jorge de Alarcão “a interpretação é tanto mais difícil quanto maior
for a distância cultural que nos separa daqueles homens” (2000: 56).
Sobre o domínio romano nesta área surge, mais uma vez, uma proposta do Doutor Vasco Mantas (1996: 874- 65
875). No entanto, é estabelecido um traçado em direcção a Famalicão, Samuel e Verride, ou seja, oposto ao
oitavo percurso. Apesar da análise anterior estabelecer como ponto de destino Carcavelos, povoação que
antecede Famalicão, já no exterior da Carta Militar de Portugal n.º 250 (1:25000), é definido como ponto como
ponto de passagem a Quinta das Matas e Casa Velha, colocando assim a proposta no Percurso 8 (Idem: 874).
No troço inicial do trajecto viário definido pelo investigador não tecemos qualquer crítica, já que aliado à
possibilidade de um itinerário pré-romano e a sua contínua utilização, há relatos de uma antiga estrada romana
na povoação de Gesteira (Mantas, 1985: 178; Fernandes, 1940: 157). Todavia, é necessário ser prudente na
interpretação, uma vez que pode corresponder a um caminho medieval. Quanto à restante proposta não é
possível acompanhar o raciocínio do mesmo investigador, sendo pertinente criticar as ideias estabelecidas e
sustentar os nossos comentários com uma visão geral e dinâmica. Como é referido na sua tese de
doutoramento: “considerando a localização de Santa Olaia e do núcleo de estações arqueológicas romanas de
Montemor-o-Velho, cremos ser possível um percurso por Famalicão, Samuel, flectindo norte em direcção a
Verride para a travessia do Mondego” (1996: 874-875), esta ideia entra em confronto com o resultado obtido
pelo corredor-óptimo, na qual, é bem explícito que o melhor trajecto para Carcavelos e Famalicão não passa
pelas localidades de Quinta das Matas e Casa Velha. Porém, como nós próprios reconhecemos, a rede viária é
implementada segundo as características geográficas e as necessidades humanas, isto é, corresponde ao
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resultado final destes dois critérios. Os sítios arqueológicos da Carregosa podem representar a materialização
desta equação, capitalizando a nossa hipótese.
Sobre a Alta Idade Média, sabemos que os topónimos de Arrifana e Carvalhal de Azóia podem justificar o uso
contínuo do itinerário regional pré-romano. No Percurso 2c, ao analisarmos a relação entre os Husum e
caminho municipal 1117, na qual se situa a povoação de Alencarce, explicámos a localização e as funções
defensivas das fortificações islâmicas. No séc. IX, em pleno domínio muçulmano, durante os reinados de Abd
Al-Rahman II e Muhammad I, assistimos ao ressurgimento do interesse estatal pela defesa dos cursos fluviais e
da linha de costa atlântica (Catarino, 1997/1998: 569, 571-578, 584). Em virtude disso, assistimos à proliferação
de estruturas defensivas, Hisn, e a criação de estaleiros navais, localizados, na grande maioria das vezes, “em
embocaduras a montante dos estuários de rios navegáveis” (Picard, 1997: 211 apud Penajoia, 2012: 93) e “nas
proximidades de serras cobertas de matas, que proporcionavam boas madeiras para a construção naval”
(Devy-Vareta, 1985: 52 apud Penajoia, 2012: 93). Segundo a correcta interpretação do Dr. Marco Penajoia
(Idem: 56-59), face à proximidade geográfica, é credível a existência de um porto e/ou estaleiro naval
muçulmano em Verride, bem como, uma zona fornecedora de matéria-prima em Carvalhal da Azóia, atestada
pelo topónimo e pela extensa cobertura de carvalhos ainda hoje visível. Como é óbvio, além da possibilidade
de transportar a matéria-prima pelo rio Arunca, haveria, certamente, um caminho terrestre a unir as duas
localidades. Sabemos que durante o período medieval havia um percurso terrestre entre Carvalhal da Azóia e
Verride (Coelho, 1983: 411-412). Ainda sobre a temática fluvial, o mesmo investigador (2012: 57) reconheceu a
possibilidade de um estaleiro naval em Verride em época anteriores, interligado ao porto de Montemor-o-
Velho, que, face às condições propícias à navegação, favorecia uma ligação comercial com a povoação romana
de Soure (Alarcão, 2004: 109). Crendo nas afirmações dois investigadores é lógico ponderar um caminho
romano entre Verride e Carvalhal da Azóia, à semelhança do período muçulmano.
Para terminar o período alto-medieval somos obrigados a comentar um aspecto curioso. Ao longo do Percurso
2, 3 e 4, colocamos a hipótese de um incremento viário durante o domínio islâmico relacionado com
acessibilidade entre os vários locais de ocupação muçulmana, especialmente estruturas (actualmente
povoações) de caracter militar. A este respeito, vários autores referem-se a “um movimento de povoamento
islâmicos que terá iniciado nos alvores do século IX e que se caracteriza (sobretudo na segunda parte deste
século), pela desconexão do modelo de povoamento estabelecido no mundo antigo, e onde se pode observar
novos estabelecimentos de raiz islâmica” (Penajoia, 2012: 93-94). Compartilhamos a ideia, contudo, com
alguma cautela. Não há dúvida que a presença islâmica em território peninsular foi muito mais activa do que é,
tradicionalmente, reconhecida. Porém, não somos apologistas de uma ruptura completa. Ou seja, é óbvio que
66 houve abertura de novos caminhos para ligar os vários parcelários, povoados, aglomerados de fundação
muçulmana, tal como, para responder às necessidades viárias de uma sociedade de cariz comercial, embora,
neste caso, os cursos fluviais tenham sido mais importantes, como é o caso da actual vila de Mértola. Todavia,
no caso específico das fortificações ou estruturas defensivas de dupla função – religiosa e militar – como o ribat
e azóia, que estavam em dependência funcional com as vias principais, herdeiras dos percursos romanos, não é
lógico defender um fim abrupto. Desta forma, cremos na expansão da planimetria viária mas relacionado com
as antigas vias. Para clarificar a nossa hipótese socorremo-nos dos nossos próprios resultados: o Hisn de Soure
e Ega controla o antigo itinerário romano Soure-Arrifana-Conimbriga, e o percurso Soure-Ega, corresponde a
um caminho entre os dois Husum. Numa visão mais alargada haveria uma extensa rede a articular os vários
povoados com as fortificações islâmicas. Se a nossa ideia estiver correcta podemos considerar como válido a
hipótese de um trajecto regional, herdeiro do percurso pré-romano e romano, ao ligar Arrifana, Carvalhal da
Azóia, Verride e por fim, Montemor-o-Velho, que é também um elemento primordial no sistema defensivo do
rio Mondego na Alta Idade Média (Barroca, 2005: 113). Aliado às necessidades militares, surge um facto
surpreendente que confere alguma consistência à nossa proposta. No Percurso 2ª, relacionamos o traçado
com os depósitos metálicos, no entanto, abstraímo-nos de aprofundar o carácter ritualístico. Em ambos os
casos, independente do desfasamento cronológico, o elemento de água é importante na deposição dos
objectos e na prática de religião islâmica, de tal modo, que podemos estabelecer uma ligação entre os
o surgimento de caminhos. Ou seja, de forma bastante simples, é necessário analisar os dados com espirito
crítico e aberto, procurando assim traços que permitam corroborar ou negar os resultados espaciais dos SIG.
Infelizmente, face ao carácter singelo do trabalho, não foi possível analisar correctamente o espaço de forma
diacrónica, especialmente no período de maior transformação, época moderna e contemporânea. Todavia,
salientamos a necessidade de um estudo multidisciplinar que englobe a geografia humana, física e ambiental,
tal como, a histórica económica e social das comunidades. Apesar da dificuldade, relembramos que o processo
viário é um fenómeno auto-organizativo, na qual, os hábitos das comunidades – práticas agrícolas, partilhas de
propriedades e memórias – permitem a transformação e transmissão dos caminhos antigos.
Apesar de excluirmos a relação entre os vários estabelecimentos arqueológicos ou actuais povoações com os
cursos de água – por uma correcta gestão de dados e dificuldade em integrar as linhas de água no estudo viário
(Costa, 2010: 57) – é fácil reconhecer que todos os sítios, antigos ou recentes, encontram-se bastante perto dos
cursos de água, independentemente da sua categoria ou importância. Como observou o Dr. Marco Penajoia, as
várias villae romanas em redor do Mondego, situavam-se em estreita proximidade com o rio (2012: 68). No
caso específico das villae da Quinta da Madalena e de S. Tomé, a sua localização permite conjugar o eixo viário
com as linhas de águas criando um sistema múltiplo, que de forma natural, proporciona condições para um
incremento do fluxo vário e, eventualmente, beneficies socioeconómicas. No entanto, perante a riqueza fluvial
deste território, o elemento de água foi, sem qualquer dúvida, um catalisador para a evolução do povoamento
e da planimetria viária, independentemente do período cronológico (Idem: 97; Coelho, 1983: 402-403; Costa,
2010: 76).
Outro aspecto em consideração foi a revisão do conhecimento actual sobre a presença activa da cultura
muçulmana neste território. Apesar da escala reduzida do trabalho, que não permite inserir as linhas de
comunicação num campo alargado da dinâmica viária do Baixo Mondego ou da faixa atlântica, é possível
reconhecer que houve o aparecimento de novos caminhos e trajectos, respondendo às necessidades das
populações. As ideias de completa sobreposição de uma cultura, oriental, por outra, hispânico-romano, devem
ser excluídas de vez, face à contínua utilização dos itinerários romanos. Aliás, o mesmo se pode aplicar à
relação entre os percursos pré-romanos e romanos.
Para terminar, aproveito para salientar um aspecto. Espero que não seja entendido como uma crítica mas sim,
como um conselho para futuros investigadores. Os estudos dos caminhos romanos têm sido alvo de
interessantes abordagens, alguns com resultados bastante interessantes, porém, foram quase sempre
realizados por indivíduos que nunca conheceram verdadeiramente o território de estudo, traçando estradas e
caminhos de forma geométrica e compartimentando o estudo em periodizações pré-definidas. Julgo que o
68 exemplo mais elucidativo é a proposta viária do Doutor Vasco Mantas. Não recusando completamente a
validade das suas ideias, já que as nossas também não passam disso, é difícil aceitar as suas hipóteses. Em
suma, resume-se a uma questão de escala de análise, na qual, é uma tarefa hercúlea e incorrecta pretender
estudar um espaço geográfico tão extenso.
6. Estudo da fotointerpretação
A par da análise da dinâmica viária da Carta Militar de Portugal n.º 250 (1:25000), decidimos complementar o
trabalho com o estudo do espaço geográfico, a partir da fotointerpretação. Ou seja, procuramos enquadrar os
locais de passagem – localidades e povoados – dos percursos estabelecidos nos cálculos de corredores
óptimos. Apesar da simplicidade da análise, os resultados finais foram bastante interessantes para
compreender a relação entre a rede viária e a comunidade, bem como, fortalecer algumas das nossas
propostas.
69
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Apesar das fontes escritas permitirem corroborar a análise da morfologia urbana, é possível obter mais
informações com base na fotointerpretação. Na figura 20, através da sobreposição de layers, é possível
individualizar o núcleo primitivo, do séc. XIII, do restante trama, que, perante a coerência e organização,
apresenta uma clara influência do poder régio. Porém, é reconhecível uma acção espontânea em determinadas
áreas, entre as quais, a rua do Pedregal. Situação que se repete, novamente, a norte do núcleo primitivo.
Fig. 22 – Relação entre o aglomerado de Vila Nova de Anços e a hipótese de traçado viário.
Desta forma, se os nossos dados estiverem correctos, podemos chegar a conclusões muito interessantes. O
primeiro aspecto resume-se à actual EN 342-1, que, aparentemente, não tinha qualquer ligação com o núcleo
urbano primitivo de Vila Nova de Anços. Se assim for, é estranho associar o caminho medieval e de Santiago à
actual estrada nacional, com passagem na Quinta de Baixo e Quinta de S. Tomé. Por outro lado, é lógico inserir
o percurso medieval Soure-Sanguinheira no itinerário romano, proveniente de Assamassa, na qual, o topónimo
medieval atesta a sua utilização. Apesar de seguirem dois rumos diferentes, esse factor apenas consolida a
importante posição da vila enquanto eixo viário. Quanto ao caminho de Santiago, segundo Fernando Pimenta,
a capela de Quinta de Baixo, do séc. XVI, e Quinta de S. Tomé, do séc. XII (românica), asseguram a passagem da
“via peregrinal” (2011: 83-85). Contudo, perante a antiguidade do percurso, é estranho não incorporar o
caminho medieval Soure-Sanguinheira (Gomes, 2000: 459). Aliás, nesta zona há três indicadores importantes a
explorar: à semelhança do percurso religioso, o traçado medieval provém de Pombal em direcção a Montemor-
o-Velho, importante porto flúvio-marítimo na época medieval e local de partida da viagem marítima para
Santiago de Compostela; perto de Assamassa situa-se a localidade de Espirito Santo, que pode justificar a
“espiritualidade” do topónimo em virtude do itinerário religioso, e por último, em Vila Nova de Anços, os três
edifícios religiosos integram perfeitamente o núcleo urbano antigo.
Infelizmente estas ideias não passam de hipóteses de trabalho. Mas defendendo a credibilidade dos nossos
dados, é possível ponderar a validade da proposta do Doutor Vasco Mantas, tal como, colocar reservas aos
traçados medievais de vários autores.
Através da fotointerpretação e do estudo da morfologia urbana, entre 1850, 1943 e 1974, foi possível obter
informações relevantes para a desconstrução do actual conhecimento arqueológico e histórico (Figueiredo e
Bandeirinha, 1986: 22-23). Como referimos anteriormente, a actual forma orgânica do núcleo urbano original,
apesar dos importantes poderes tutelares, pode significar a materialização das várias destruições da antiga vila
de Soure, bem com, o atrofio físico que o aglomerado populacional sofreu em virtude das características
geomorfológicas. O exemplo mais elucidativo é a “Levada”, obra hidráulica da Ordem de Cristo no séc. XVI, que
“edificada provavelmente sobre um antigo meandro, é o limite milimétrico que separa uma formação do liásico
dos terrenos de aluvião mais recentes” (Idem: 17). No mapa está traçado o percurso da obra hidráulica, ao
contornar perfeitamente a área urbana da vila de Soure. Conjuntamente, com uma ida ao local e uma
observação pessoal, foi fácil compreender a relação de calamidade e prosperidade que o curso de água impõe
sobre a comunidade sourense, já que as habitações mais antigas têm uma cota de entrada acima do normal,
em virtude das constantes inundações e deposição de sedimentos. É reconhecida uma realidade semelhante
no castelo medieval (Almeida et al. 2012: 20-26).
Quanto à estrutura viária da antiga vila, perante a importância do traçado na evolução e modulação do
cadastro urbano, vamos analisar com o máximo de pormenor. O eixo viário assumia a forma de Y, cujo topo 73
inferior correspondia ao castelo medieval, e o restante, à bifurcação do itinerário, em direcção a norte e oeste
(Figueiredo e Bandeirinha, 1986: 21). Ao entrar na localidade de Soure, o traçado, seguia em direcção da Igreja
de Santa Maria de Finisterra, no interior do espaço amuralhado, da Igreja Matriz de Santiago, Igreja da
Misericórdia, Capela do Terço e Capela de São Francisco, rumando a norte, para a Quinta de Baixo. Este
percurso, que acompanhava a actual rua Alexandre Herculano até ao limite máximo da malha urbana em 1850,
junto à Capela de São Francisco, e prolongava-se para actual rua Morais Pinto, possivelmente um caminho
carreteiro, correspondia ao traçado medieval de Pombal-Soure-Sanguinheira e ao caminho de Santiago (Idem:
ibidem; Pimenta, 2011: 82, 84). Para oeste, prosseguia pela rua Direita, actual rua Delfim Pinheiro, com
passagem na antiga ponte demolida do séc. XVIII, em direcção à Capela das Almas e associada às ligações com
as Comendas de Seiça e Santa Cruz de Coimbra e à romaria do Bom Sucesso, com paragem na Igreja de Nossa
Senhora do Bom Sucesso (Afonso, 1987: 50-51). Deste modo, é fácil reconhecer a importância da planimetria
viária na organização da malha urbana, bem como, dos edifícios de culto. A sua disposição, ao longo do
itinerário viário, comprova o valor e acima de tudo, a antiguidade do traçado medieval e peregrinal. Como
refere Fernando Pimenta, nunca houve um verdadeiro interesse em compreender o valor do caminho de
Santiago no território de Soure, contudo, o autor surge com uma proposta bastante pertinente: a Igreja Matriz
de São Tiago, edificada por D. Manel I, em 1490, adquire especial importância na expansão do aglomerado
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
urbano, já que é a partir daqui, que bifurcam os dois eixos principais. Todavia, existem documentos que
comprovam a existência de uma igreja dedicada a Santiago, que remontam a 1295 (Pimenta, 2011: 78). Em
oposição à Igreja de Santa Maria de Finisterra, localizada no interior do recinto amuralho, esta é denominada
de “Igreja de Santiago da vila”, ou seja, fora dos limites do castelo (Idem: ibidem). Paralelamente, a 16 de
Março de 1431, em virtude de um regimento assinado pelo Infante D. Henrique, surge uma referência à Igreja
de Santiago e à Praça de Santiago, que demonstra perfeitamente a importância deste local enquanto centro
social da vida urbana de Soure, em oposição ao castelo medieval, sede do poder clerical – Ordem de Cristo
(Idem: 80).
Parte da proposta do Doutor Vasco Mantas estabelece como local de passagem da via romana em Soure, a
área do Pedregal, actual rua João de Deus (1996: 870, 1985: 170). Contudo, perante a observação do mapa, é
fácil reconhecer que a EN 342, que incorpora a área do Pedregal, surge como um elemento intrusivo,
rompendo com a malha urbana e a organização interna anterior. Em 1864, a abertura da estação de caminhos-
de-ferro de Soure alterou profundamente o traçado urbano e viário da vila, ao provocar a destruição da antiga
ponte, em 1870, e o aparecimento de uma nova artéria, EN 342. O aspecto mais evidente foi a mudança do
antigo centro, Praça Miguel Bombarda ou Praça de Santiago, para a estrada nacional. A construção da Câmara
Municipal de Soure, em 1906, nesta área comprova este facto. Uma situação semelhante repetiu-se na rua
Direita e rua Alexandre Herculano, bem como, na área do antigo cais, actual rua do Cais, que provocou de
forma permanente o seu abandono.
Perante as considerações acima aludidas, somos obrigados a questionar e repensar certas ideias pré-definidas,
algumas delas abordadas ao longo do trabalho mas sem uma resposta conclusiva. Um elemento bastante
perceptível é a relação entre o percurso medieval Pombal-Soure-Sanguinheira e o caminho de Santiago ao
longo da antiga vila de Soure. Nesta localidade, há a possibilidade do caminho assumir um percurso
complementar, por via fluvial em direcção a Montemor-o-Velho (Cortesão, 1989: 401, 418 apud Penajoia,
2012: 33), contudo, é indiscutível um traçado terrestre. Se antiguidade do traçado ficou assegurada, é estranho
não assumir uma orientação semelhante ao itinerário medieval entre Quinta de Baixo e Vila Nova de Anços.
Não querendo ser imprudente e muito menos insensato, julgo que é credível acrescentar o caminho de
Santiago por Assamassa. Aliás, um dos dados mais importantes permitiu definir a EN 342 como um elemento
intrusivo e enquadrado com a expansão do caminho-de-ferro, justificando a hipóteses defendida
anteriormente para Vila Nova de Anços e o Modelo II do Percurso 4. Mas como solucionar a problemática da
Quinta de S. Tomé? Por um lado, não é necessário definir uma rígida sobreposição da capela românica sobre o
caminho de Santiago, podendo situar-se nas imediações do traçado, a uma distância segura, mas assegurando
74 as suas funções religiosas. Por outro lado, a sua localização permite ponderar alguma dinâmica fluvial; talvez
como ponto de apoio à navegação ou como local de referência, em virtude da sua capela românica.
Quanto à proposta do Doutor Vasco Mantas é necessário rever alguns dados, especialmente a posição da EN
342 na rede viária (1996: 870, 1985: 170). Felizmente a escolha de uma metodologia que privilegia um estudo
diacrónico das vias permite visualizar, analisar e interpretar a transmissão e transformação de forma global e
dinâmica da planimetria viária. Ao contrário de uma visão em palimpsesto, adoptada pelo investigador na
procura do sistema viário romano. Além dos dados bibliográficos, os dados SIG, como o cálculo de corredores
óptimos do paleoambiente e o MADO, permitem negar qualquer caminho ou percurso pela área do Pedregal.
Mas isto não anula a potencialidade do topónimo, apenas comprova que é necessário ser cauteloso.
Quanto à localidade de Cercal, a sua dimensão e complexidade, permite desmarcar-se facilmente da restante
área, no entanto, não foi simples delimitar a implantação do recinto. Julgamos reconhecer dois alinhamentos
distintos, porém, podem constituir apenas um, em virtude de um erro de interpretação ou a fragmentação do
espaço com a inscrição de parcelários agrícolas posteriores (Fig. 25). Se houver, como cremos, dois
alinhamentos, podem corresponder a períodos cronológicos e materializações diferentes. Deste modo, temos
um recinto pseudo ovóide com 367 metros de largura, noroeste-sudeste, e 211 metros de comprimento, norte-
sul, e um recinto poligonal com 321 metros de largura, noroeste-sudeste, e 205 metros de comprimento,
norte-sul. Esta situação reflecte-se na área que ocupam, entre os 6 e 4 hectares. Relativamente aos parcelários
podemos individualizar dois modelos principais, radiais e isóclinos. O radial é composto por 9 troços e, à
semelhança de Arrifana, parte do recinto. Já o parcelário isóclino, prolifera na área analisada e rompe, no 75
sector noroeste, com o traçado anterior, de tal forma, que podemos ponderar a possibilidade de ser uma
realidade posterior, do séc. XIII, com a redistribuição e reorganização das terras recém-conquistadas (extraído
de: ArchéoGéographie).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Com este estudo introdutório, decidimos procurar paralelos e informações que possibilitassem compreender
os dados imprimidos no solo. Segundo uma breve síntese, podemos reconhecer que os dois locais, Arrifana e
Cercal, possuem vários aspectos em comum: recintos e parcelários semelhantes; relação de proximidade com
os percursos viários; topónimos de origem islâmica, já que, relativamente perto da localidade de Cercal situa-se
Carvalhal da Azóia e por último, riqueza aquífera. Na dissertação de Miguel Costa, foi possível reconhecer uma
realidade semelhante em vários locais do concelho de Alenquer (ele próprio um topónimo muçulmano). Sobre
os recintos poligonais, foram assinalados 9, entre os quais, Arrifana, Vila Verde dos Francos e Ota (Costa, 2010:
166). Já os parcelários radiais somam-se 16, na qual, salientamos dois, Cabeço de Santa Quitéria da Meca e Vila
Verde dos Francos (Idem: 165). Quanto às povoações de Arrifana e Cabeço de Santa Quitéria da Meca, é fácil
descortinar uma relação com o mundo muçulmano. No local da Ota, a presença oriental não está
efectivamente comprovada, contudo, foram recolhidas várias moedas islâmicas (Idem: 23). Relativamente ao
sítio de Vila Verde dos Francos, as ideias apontas pelo investigador (Idem: 99) sobre a malha urbana da
localidade, comprovam que haveria uma ocupação anterior à vinda dos cavaleiros francos, após a conquista de
Lisboa em 1147, bem como, uma relação entre os autóctones e os soldados cristãos. Nas proximidades da
povoação, em zona rural, foi observado um recinto poligonal com parcelário radial, que, face à ocupação
prévia, poderia corresponder a um estabelecimento da Alta Idade Média, ou seja, de populações muçulmanas
ou sobre o domínio muçulmano (moçárabes). Embora o autor não justifique explicitamente o processo de
materialização, julgamos credível a nossa hipótese. Mas vamos aprofundar mais a nossa proposta.
No trabalho de Marco Penajoia sobre a temática portuária e fluvial de Montemor-o-Velho, foi identificada uma
forma pseudo ovóide com vários alinhamentos, do tipo crop marks, que acompanha os contornos do terreno
(2012: 70). A par do alinhamento, verificou-se a presença de uma estrutura semi-circular, interpretada como
um poço ou “dolina”, em virtude das características geomorfológicas do solo. Perto do local, no Outeiro da
Moura, foi visível a presença das mesmas estruturas negativas, com fortes semelhanças construtivas. A
76 localização destes dois locais situa-se numa área de elevado valor toponímico, da qual, capitalizamos os
topónimos de Outeiro da Moura, Sevelha, Poço da Moura, Almiara e Quinta da Almiara. O último local,
segundo uma avaliação conjunta entre o autor e a Prof.ª Dr.ª Helena Catarino, pode corresponder à deslocação
topográfica da terminologia, entre Almiara e Quinta da Almiara (Idem: 76). Conjuntamente, a posição
geoestratégica e a designação toponímica, pode justificar a presença de uma estrutura defensiva, uma Torre de
Atalaia, em período muçulmano (Idem: 60). Enquanto elemento-chave na prática da djiad articulava-se,
certamente, com Carvalhal da Azóia e Arrifana, bem como, com os Husum de Soure e Ega. Como refere o Dr.
Marco Penajoia, a par das funções militares e religiosas, os murabitun (habitantes do ribat), eram obrigados a
explorar e cultivar a terra para obter os próprios rendimentos, e estas, “estariam em cotas mais baixas” (2012:
76).
Não querendo ser imprudente, julgo que é reconhecível um fenómeno contínuo e semelhante que une os
vários exemplos e justifica a relação conjunta dos recintos poligonais e parcelários radiais, enquanto
materialização de parcelas agrícolas de comunidades de origem ou raiz muçulmana. Contudo, face ao cariz
pioneiro da nossa proposta, é sensato fortalecer os nosso argumentos com uma realidade assumidamente
muçulmana e, obviamente, sobre os sistemas hidráulicos nas práticas agrícolas. No excelente artigo de Patrice
Cressier, houve o cuidado de analisar de forma sintetizada vários estabelecimentos rurais distribuídos
regularmente ao longo do litoral mediterrâneo, no norte de Marrocos. A povoação de Mastãsa, na actual
comum na Baixa Idade Média, e semelhante ao que foi observado por Miguel Costa (2010: 100), bem como, a
hipótese de uma deslocação topográfica da actual povoação de Cercal ou, inclusivamente, de Carvalhal da
Azóia. Por último, é fácil observar que todos os parcelários, excepto no sector noroeste, partem do limite do
recinto. Como foi reconhecido pelo mesmo investigador, as formas possuem o seu próprio tempo morfológico
interno, de modo que, um terreno pode sofrer várias alterações mas mantém a sua orientação (Idem: 43-44). À
semelhança do autor, nós interrogamo-nos sobre a possibilidade de um antigo fosso, hoje invisível, mas que
corresponde aos limites actuais das sebes (Idem: 44). Esta hipótese não é descabida, face às funções militares
dos murabitun.
7. Conclusão
O último capítulo demonstrou perfeitamente a necessidade de conciliar os vários meios de analisar e
interpretar o espaço humanizado, para compreender, correctamente e na totalidade, a dinâmica humana.
Independentemente do objectivo primário do estudo, é essencial articular os vários dados, bem como,
confronta-los com diferentes prismas e realidades. No caso especifico do estudo viário, o valor da
fotointerpretação na análise morfológica dos núcleos urbanos revelou-se extraordinariamente valiosa,
permitindo aprofundar e, em certos casos, repensar na totalidade certas hipóteses pré-concebidas. No
entanto, é necessário reconhecer que o valor desta metodologia está intrinsecamente ligada à capacidade do
investigador.
Quanto à Arqueogeografia, apesar da superficialidade do estudo, demonstrou, claramente, os benefícios do
seu uso. Além de permitir uma visão diacrónica, fundamental na procura da dinâmica humana, permitiu
adquirir uma matriz de raciocínio aberta ao livre-arbítrio do pensamento. Por outro lado, as questões colocadas
apenas comprovam o pouco que conhecemos sobre o Baixo Mondego. O conhecimento é uma realidade em
constante mudança, em contínua construção e revisão, e como é óbvio, muito ficou por fazer. Contudo, desejo
arduamente que este trabalho seja o primeiro de muitos.
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81
Povoamento Introdução
proto-histórico A Proto-História foi sem dúvida uma época de vital importância que marcou
o decurso da história da Humanidade. Um longo período que abrange Idade
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Esta região é marcada sobretudo por um relevo pouco acentuado e modestas altitudes, sendo no seu limite
oeste onde se atingem os pontos com maior elevação, desenvolvendo-se aí a Serra do Buçaco. A própria linha
da Costa é estremada por areais pouco acima do nível do mar, um pouco à semelhança do que se passa na
restante extensão litoral. Em contrapartida, o rio Mondego, que exibe um percurso predominantemente NE-
SW, desdobra-se em vários afluentes - rios, ribeiras e canais – que banham grande parte de toda esta região,
tornando-a rica em recursos hídricos e vias fluviais.
De facto esta faixa, pelas suas condições naturais, terá sido desde cedo um ponto-chave para a fixação de
povos, oferecendo uma ligação directa com o Oceano Atlântico. Vários povoados são, inclusive, mencionados
pelas fontes clássicas, o que revela a existência de focos já relevantes aquando da fixação romana na zona.
Muitos chegam, até, a ser ocupados durante a época romana.
84 Esta região é, ainda, marcada por uma enorme variedade de solos com distintas formações. Segundo António
Ferreira, Portugal Continental subdivide-se em Maciço Antigo, Orlas Ocidental e Meridional e Bacia Terciária do
Tejo e do Sado, sendo que o Maciço Antigo português não é mais que a parte ocidental do Maciço Hespérico(1).
A cadeia hercínica na Península Ibérica permite, com base nas suas características, a definição de grandes
unidades paleogeográficas e tectónicas (2), alongadas e paralelas à estrutura desta cadeia (Ferreira, 2000). O
território do Baixo Mondego engloba, assim, a Orla Ocidental, série continental detrítica que devido à
sequência de processos de transgressões e regressões ao longo das Eras vai formando diversos conglomerados
(arenitos, argilas, margas, gesso, sal-gema, calcários e leitos de carvão) e parte da Zona Centro-Ibérica, cujas
rochas predominantes são os granitos (sendo parte do complexo Xisto-Grauváquico), embora surjam,
nomeadamente, afloramentos de quartzos. De facto, uma das mais consideráveis áreas de relevo xistoso e
quartzítico localiza-se nesta zona – o chamado “Maciço Marginal de Coimbra” - onde o rio Mondego serpenteia
por entre as diversas fracturas, criando, no seu conjunto, uma paisagem acidentada de considerável beleza
(Fig. 2).
As características geológicas do território não são de desconsiderar. De facto, a formação dos solos é de vital
importância não apenas para identificar recursos naturais (designadamente, recursos minerais de grande
utilidade), como também para compreender as capacidade de uso do solo (nomeadamente a sua fertilidade ou
falta de propensão agrícola) e, sobretudo, para perceber a formação evolutiva do território, procurando
Fig. 2 – Recorte da área em estudo da Carta Litológica de Portugal, à escala 1:1000000, Atlas do Ambiente, 1982.
Para tal, utilizei como base de trabalho um mapa MDT da GDEM (3), no qual recortei a minha área de estudo. A
este, apliquei a ferramenta de análise de terreno: «relief», que permitisse ver as variações do relevo e sobrepus
uma shapefile representando a hidrografia principal (com o rio Mondego e seus afluente directos), à qual, face
às suas lacunas, adicionei mais duas: uma onde se desenhei a restante rede hidrográfica relevante
(continuação de percursos de rios, inclusão de rios em falta, canais, ribeiras, etc.) e outra com os lagos e lagoas
mais visíveis, de forma a ter uma visão mais pormenorizada da potencialidade hidrográfica da área.
Inicialmente, foram identificados 32 sítios datados com uma ocupação entre o Bronze Final e a Idade do Ferro
através do Portal do Arqueólogo (DGPC) - onde se recolheram as coordenadas que permitiram georreferenciar
os sítios para estudo no nosso mapset (4).
Contudo, ao longo da minha investigação deparei-me com várias referências a um povoado na zona de
Montemor-o-Velho, que inicialmente não tinha detectado aquando da minha busca no referido Portal, ao qual
se atribuía uma importância considerável a partir da Idade do Ferro, potencializada durante a época romana,
referindo-se inclusive. Seguindo as indicações contidas nessas obras, nomeadamente por Jorge de Alarcão,
António Silva e Maria Blot, considerei como possível localização deste povoado as coordenadas fornecidas pelo
Portal do Arqueólogo para um sítio denominado “Santa Olaia”, no concelho de Montemor-o-Velho e
classificado não como um sítio de ocupação/habitação mas como «vestígios vários» (5). Estas localizam o sítio a
cerca de 1700 m do Castelo, o que parece ir de encontro aos relatos que referem importantes achados numa
zona, potencialmente a alguns quilómetros do mesmo, datados da Idade do Ferro. Na sua descrição no referido
portal, faz-se referência a uma datação e materiais arqueológicos semelhantes aos encontrados em Santa
Olaia, Figueira da Foz. Parece-me que a denominação do sítio se poderá dever exactamente a este facto,
derivando de uma associação toponímica. Penso que uma revisão da sua denominação deveria ser considerada
de forma a evitar possíveis confusões e, até, uma certa desconsideração pelo referido sítio aquando, em
particular, da realização de pesquisas e consultas realizadas nesta plataforma, que, no fundo, tem como um
dos seus objectivos primordiais divulgar os vários sítios arqueológicos identificados.
Por outro lado, face a uma análise mais atenta de algumas fontes escritas que se debruçam sobre esta mesma
área, optei por acrescentar a estes referidos sítios mais dois pontos no concelho de Penacova. Jorge de Alarcão,
inclusive, ao estabelecer uma breve súmula sobre o povoamento desta zona durante a Proto-história que,
posteriormente, se terá prolongado durante a ocupação romana, faz menção a Aeminium, como um ponto
central de referência, a partir do qual estabelece outros pontos de referência: Tavarede, São
Martinho/Chãs/Pedrulhais, Conimbriga e Penacova (Alarcão, 2004: 13).
Assim, considerei a possível implantação de dois povoados nesta zona: um na própria vila (6) e outro no Cabeço
86 de Valeiro (7) (Lorvão) que parecem representar a ocupação proto-histórica da zona e que estava ainda omissa
no meu trabalho pela flagrante falta de estudo (pelo menos publicados) sobre a ocupação Proto-histórica desta
zona. À falta de dados concretos atribuí-lhes uma ocupação entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro.
Deste modo, foi possível identificar um total de 34 sítios: destes, 10 terão uma possível ocupação durante a
Idade do Bronze (Fig. 3) e 32 terão provavelmente sido ocupados durante a Idade do Ferro (Fig. 4). Ao observar
os mapas com as implantações deste sítios verificamos que apenas Chãs 2 não terá tido ocupação posterior
durante a Idade do Ferro, o que se pode dever ao facto de este sitio fazer parte da “plataforma das Chãs” e,
portanto, a população que aí habitava apenas se ter deslocado para outros sítios próximos, potencialmente
Chãs 3 (a 317 m) ou Chãs 4 (a 362 m), datados da Idade do Ferro e que não terão tido ocupação anterior.
87
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Por fim, ao implantar estes pontos num mapa da área podemos ver a distribuição destes povoados e, desde
logo, tirar algumas conclusões fundamentais para a minha futura abordagem à distribuição do povoamento
proto-histórico da zona.
Fig. 5 – Implantação do
povoamento num mapa
de relevo.
Aplicação da ferramenta
«MDE-Relevo» ao MDT
recortado do raster do
GDEM.
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 6 – Localização dos sítios com possível ocupação proto-histórica através de pontos georreferenciados, com base nas
coordenadas do Portal do Arqueólogo (com excepção dos possíveis castros de Penacova, marcados com pontos
aproximados). Aplicação da ferramenta «relief» ao MDT recortado do raster do GDEM. Sobreposição das shapefiles
correspondentes à rede hidrográfica principal e percursos fluviais secundários mais notáveis (incluindo lagos ou lagoas).
processos naturais mas também, nos últimos séculos, pela forte intervenção do homem, terão, sem dúvida
originado significativas mutações geomorfológicas que afectaram toda esta zona.
Compreender estas mudanças nem sempre é tema fácil, contudo, a arqueologia versa por ser um campo
multidisciplinar e, portanto, se recorrermos a estudos já efectuados por colegas de outras áreas científicas,
nomeadamente da Geografia e da Geologia, podemos tentar perceber melhor como seria, então, esse cenário
vivido pelos povos proto-históricos, sobretudo no que concerne à possível área submersa da época.
Não foi, afirmo, tarefa fácil, sobretudo porque compreender estas variadas transformações requer um longo
período de investigação, em especial no caso do Mondego, que, como já referi, têm vindo a sofrer inúmeras
transformações da mais variada natureza. Acresce, ainda, que este é um tema consideravelmente
especializado, cujos tecnicismos foram, em parte, novidade para mim ao longo desta investigação. Não
obstante, mediante a leitura de vários estudos, foi possível chegar a interessantes conclusões.
Certamente que quem conhece um pouco da história de Coimbra sabe que até certa data o Mondego foi
amplamente navegável, efectivamente, surge ainda na memória dos mais antigos a chegada de barcos vindos
da Figueira da Foz, registado inclusive em memórias iconográficas. Em meados do séc. XIX a partida do rei D.
Luís, por via marítima, de Montemor para a Figueira atesta ainda a navegabilidade do rio neste troço. Por outro
lado, evidências comprovam, aliás, a navegação de embarcações à vela, de fundo chato, que passavam por
Coimbra e transportavam sal até Porto de Raiva (Penacova) no início do séc. XX (Blot, 2003).
Fig. 7 – Imagens do rio Mondego: A. Coimbra, 1472. Vista para Santa Clara (In http://coimbraantiga.blogspot.pt). B.
90 Barco típico do rio Mondego, provavelmente nos começos da segunda metade do séc. XX (talvez década de 1950) (In
http://www.prof2000.pt/users/secjeste/arkidigi/coimbra03.htm).
Efectivamente, a navegabilidade do rio é referida desde cedo pelos autores clássicos e sustentada por vários
investigadores da época romana, que consideram que Aeminium seriam um importante porto, nessa época,
com contacto directo com o oceano através desta via e de vários pontos de apoio ao longo do seu percurso.
Jorge de Alarcão afirma, inclusive, que a antiga forma do paleoestuário do rio Mondego constituiria uma
vastidão navegável com diversos paleocanais e estreitos (Alarcão, 1990).
Então, até onde iriam as águas do Mondego? Vários investigadores têm feito excelentes avanços ao investigar
este tema, ainda que, pela sua complexidade e tecnicidade, nem seja fácil percepcionar o cenário que tentam
retratar. Antes de apresentar os resultados a que cheguei convém fazer algumas referências a dados de vital
importância para compreender esta problemática.
Um erro comum seria pensar que o rio estaria a uma cota superior. Efectivamente não parece ser esse o caso.
Àquela época, o nível da cota do mar não seria o mesmo, o litoral estender-se-ia muito mais do que hoje em
dia, e os rios, embora tivessem uma foz e caudal superiores, estes seriam igualmente mais fundos, sofrendo
com os vários processos de sedimentação ao longo dos tempos que levaram, nomeadamente, a um aumento
obter uma visão mais clara da variação de terreno, tentando respeitar de forma aproximada os esquema de
cores normalmente utilizado nos mapas hipsométricos obtendo a seguinte imagem (Fig. 8):
Fig. 8 – Mapa hipsométrico personalizado segundo o parâmetro “até 15 metros = zonas submersas”.
92 Por outro lado, se considerarmos o mapa litológico anteriormente referido, esta proposta não andará muito
longe da realidade, pelo menos no que toca ao nível do rio. Tendo em conta a mancha de afloramentos do
Holocénico na zona do litoral e do estuário do rio, composta essencialmente pelos assoreamentos dos
estuários (9), verificamos que embora estas estimativas possam não andar longe dos valores do rio, no que
concerne ao litoral, o nível das águas iria mais para o interior do continente.
Por fim, ao comparar este com o anterior mapa de relevo que obtive na Fig. 5, podemos ver que o nível das
águas já se aproxima mais realisticamente das manchas do paleoestuário do rio. Por outro lado, ao sobrepor
uma nova camada com os dados das áreas inundáveis do Baixo Mondego, fornecidas pelo Atlas da Água (10),
verificamos que estas não ficam muito díspares, embora a variação entre a margem esquerda e a margem
direita sejam claras, consequência possível do declive do leito do rio que é determinante para a configuração
das suas margens e que não é exequível no nosso modelo.
Este novo modelo elaborado no QGIS é, nunca é demais enfatizar, apenas uma projecção possível, com todas
as falhas e potenciais erros que lhe possam ser apontados. As limitações do programa acrescem as limitações
dos dados topográficos disponíveis. A aplicação destes dados nas ferramentas digitais permite apenas
estabelecer uma mera proposta que ajuda a visualizar um pouco melhor esta realidade tão diversa e distante
da nossa, sem, contudo, ter a pretensão de estar a recriar uma imagem exacta da mesma.
Fig. 9 – Mapa hipsométrico com sobreposição das áreas inundáveis através de shapefiles fornecidas pelo Atlas da Água.
93
Ainda assim, a bem da curiosidade inquisitiva
de qualquer investigador, podemos, contudo,
tentar extrapolar um pouco estes valores e
estender o limite das zonas inundáveis até 20,
25 e 30 metros, de forma a mostrar, sobretudo
no litoral, as possíveis variantes (Fig. 10).
A opção pelos 15 metros parece-me ainda mais
conveniente à analise que procuramos fazer
neste seminário, uma vez que este valor
parece revelar uma maior proximidade com a
situação do Mondego à época.
Assim, voltando ao nosso parâmetro dos 15
metros de altitude como zonas submersa,
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
95
«A circulação aquática requer pontos de contacto a que chamamos “espaços portuários” (…)
independentemente dos equipamentos portuários que implicam uma arquitectura especializada.»
96 «O espaço portuário resulta da apropriação dos pontos (de escoamento e troca e de circulação de pessoas)
em que a natureza permite o contacto entre a terra e a água» (Blot, 2003: 32 e 84).
Já aqui fundamentei que a circulação aquática no Mondego remonta até tempos antigos.
Se para muitos investigadores o corredor Buarcos - Figueira da Foz - Verride - Santa Olaia - Montemor-o-Velho
e Aeminium, compunha um complexo portuário já bem estabelecido aquando da época romana, para a Proto-
história não seria deveras muito diferente.
A circulação de produtos inter-regional e mesmo trans-regional é algo que parece pacificamente aceite entre
os investigadores desde o II milénio. Todavia, os dados de que dispomos para esta região não nos permitem
aferir muitas conclusões acerca de uma fase mais precoce, porém, durante o I milénio é possível questionarmo-
nos acerca da existência de uma rede comercial entre as diferentes zonas da nossa área e, provavelmente,
entre esta e outras regiões mais longínquas.
Comecemos pelos dados mais concretos que temos. Santa Olaia, o nosso ponto orientador na zona estuarina
do Mondego, uma das feitorias fenícias fundadas no nosso território, tratar-se-ia de um importante ponto de
trocas que controlaria a actividade comercial entre as comunidades indígenas e os povos fenícios. Uma estreita
relação que assentaria, sobretudo, na troca de minérios, explorados pelas comunidades locais, por produtos
97
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Se analisarmos o nosso mapset com atenção, considerando tudo o que já foi dito, podemos observar a posição
estratégica de alguns dos povoados no estuário do Mondego, que parecem formar um possível corredor de
«pontos de controlo» fluvial: Lavos – Santa Olaia – Montemor – Aeminium. Efectivamente, o crescimento de
Montemor e Aeminium parece ter origem nesta época.
Por outro lado, face à sua posição privilegiada, relativamente perto à foz do Mondego, a uma altitude de cerca
de 143 metros, o Castro de Tavarede teria, com certeza, uma função relevante durante o I milénio como
possível ponto primeiro de controlo. Através dele seria possível, não apenas controlar uma vasta área da
paisagem envolvente, como estabelecer um bom controlo visual da ligação entre a zona estuarina e o
Atlântico.
Por fim, junto às ramificações fluviais do Mondego surgem-nos outros pontos relevantes, que sabemos terem
atingindo um nível e desenvolvimento consideráveis ainda nesta época, como é o caso do Castro de Soure,
Conimbriga e, talvez até, Penacova. Considero, até, que estes pontos terão desempenhado um papel
estratégico no estabelecimento de uma rede comercial que possivelmente abrangeria toda esta área, através
de contactos entre os vários povoados, estabelecendo-se rotas mercantis onde circulariam os minérios e os
bens de troca.
Raquel Vilaça, que tem estudado esta zona, menciona a importância de sítios como Conimbriga como parte do
98 hinterland junto a Santa Olaia, referindo, igualmente, o interesse de Tavarede, Chãs, Pardeiros e Sebadal na
análise das ramificações, para norte, do chamado “mundo orientalizante” (Vilaça, 2008).
A importância de Conimbriga não deve aqui passar despercebida, sendo merecedora de destaque. A sua
ligação directa com o chamado “mundo orientalizante”, trazido através do porto de Santa Olaia, torna-a num
dos pontos de difusão mais importantes da nossa zona. Aliás, ao contrário do que se pensaria há uns tempos
atrás, esta não é uma zona isolada, pelo contrário, surgem vários povoados que se implantam numa
determinada área em seu redor. Ao estabelecer uma viewshed para este povoado, apenas podemos perceber
um bom controlo visual, sobretudo para norte-noroeste, que abarca uma via directa de comunicação fluvial
com o Mondego (Fig. 14). Ainda que estes resultados não sejam exactamente correctos, havendo todo um
conjunto de condicionantes previamente referidos, ao qual acresce o facto de o olho humano ser muito mais
versátil do que um mecanismo matemático, o certo é que o seu resultado não deixa de ser curioso e pode ser
revelador da posição estratégica deste povoado.
Não obstante, sendo certo que o estabelecimento de uma rede comercial estimulada pelos contactos com os
povos fenícios é algo de extrema relevância na análise destes possíveis corredores de comunicação, não posso
deixar de referir que estas trocas poderiam ir muito além da vertente “mercatória”. Poderiam servir de meios
de comunicação entre zonas com diferentes potencialidades, através dos quais se suprimiriam necessidades
básicas, trocando produtos abundantes numa região, mas escassos noutras, bens de primeira necessidade,
99
deslocação no espaço. Essa resistência ou atrito é expressa nos valores de cada pixel da «superfície de custo»
calculada. Assume-se também que percorrer determinada distância tem um custo, medido em tempo ou
energia gastos, expresso no raster “Distância-Custo”» (Osório e Salgado, 2011).
Assim, previamente, criamos uma «superfície de fricção» da área, criamos uma «superfície de custo» na qual
determinamos o nosso ponto central a partir do qual o programa calcula o percurso de “menor esforço”, ou
seja, de mais fácil circulação, mediante a apresentação de um ponto de chegada. No caso, optei por criar dois
pontos centrais, do qual partiriam os chamados “corredores óptimos”: Conimbriga e Santa Olaia.
100
Na análise que tem sido feita, tenho-me limitado aos possíveis contactos estabelecidos dentro da nossa zona,
todavia, como já aludi, a existência de contactos trans-regionais é um dado adquirido. Por exemplo, Maria Blot
chama a atenção para a existência de vestígios que indicam contactos fluviais entre Santa Olaia e a zona
mineira da Beira Interior (Blot, 2003).
Não nos podemos esquecer, também, que a par do estanho e cobre (principais elementos para a liga de
bronze), também se exportavam outro tipo de minérios, nomeadamente, ouro. Isto pressupunha um maior
envolvimento entre diferentes regiões.
Recorrendo ao mapset base de análise, procurei verificar a implantação destes povoados relativamente às
zonas de minérios, através da sobreposição da shapefile com os sítios com um novo layer contendo a Carta
Mineira de Portugal (13), previamente georreferenciada. Procurando determinar uma possível área de
exploração atribuí a cada sítio buffers de 5, 10, 15 e 20 km de raio, tendo por base a premissa de que numa
hora de marcha percorremos 5 km (Fig. 17). Considerei que mais longe do que isso seria expandir demasiado a
nossa área, inclusive para potenciais zonas de exploração de outras áreas.
A aplicação de buffers, a um ponto centróide que marca o sítio, possibilita a delimitação de territórios através
da atribuição de um valor de raio mediante o qual a ferramenta cria uma circunferência em torno do sítio
escolhido, formando uma área envolvente ao mesmo. Neste caso, isto permitiu criar em torno de cada sítio
uma possível área de exploração. Contudo, o que pretendo aqui, acentuo, não é a análise independente de
povoados mas sim a análise do povoamento como um todo, ou seja, interessa, antes, determinar uma possível
área de exploração não para cada povoado em si mas para a região do Baixo Mondego no geral.
Assim, uni estas áreas numa só, juntando os vários buffers, através da aplicação da ferramenta de
geoprocessamento «forma convexa». Obtive, assim, uma área geral de exploração possível, dentro da qual se
encontram os sítios e que se expande à razão de 5 a 20 km de acordo com os buffers, determinada, portanto,
pelos pontos delimitadores dos sítios mais junto ao limite do território (Fig. 18).
Dentro destas áreas possíveis podemos observar o tipo de minérios que poderiam ser explorados pelos
diferentes povoados. O conjunto das Chãs, por exemplo, encontra-se numa posição privilegiada junto a
minérios de ferro, carvão e chumbo e manganês. Junto a Tavarede e Castro encontra-se uma importante fonte
de carvão, ao passo que perto do Castro de Soure é possível, além de carvão, a exploração de gesso. Aeminium,
por sua vez, encontra-se junto a minérios de chumbo. Seguindo o rio Ceira, podemos chegar a uma fonte de
estanho, onde, aliás, existem indícios da exploração de estanho de aluvião neste rio. O cobre, possivelmente,
viria através dos contactos com a Beira Interior, mencionados mais atrás, ou, quiçá, de contactos com o Sul. 101
As informações dadas por este mapa, contudo, são limitadas. Desde logo, não reflecte a recolha e possíveis
trocas de outros bens, como o sal. Também não revela a exploração de calcários, nomeadamente para fabrico
de cal, do qual há indícios, por exemplo, em Santa Olaia, entre outros. Efectivamente, a mineração era uma
actividade de considerável importância, não apenas na recolha de matérias-primas, como calcários, xistos,
granitos, etc., como também para a extracção de minerais, que fica muito mal representada apenas com
recurso a este mapa. É necessário, pois, conjugar a leitura deste com a análise do mapa litológico, apresentado
na figura 2.
Não obstante, a imagem criada, em conciliação com os possíveis traçados dos «caminhos óptimos» e vias
fluviais (Fig. 19), permite perceber uma possível área de exploração, dentro da qual circulavam bens, matérias-
primas e pessoas, numa rede complexa de contactos inter e trans-regionais, a média e longa distância.
Podemos estar aqui perante um dos mais antigos complexos de comércio mercantil marítimo desta região.
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Fig. 18 - Possível área de exploração mineira da região do Baixo Mondego: sobreposição das áreas totais dos buffers.
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Fig. 19 - Sobreposição dos “caminhos óptimos” e da rede hidrográfica no mapa anterior.
Conclusão
Durante este seminário foram-nos apresentadas as vantagens da aplicação dos SIG à análise arqueológica. De
facto, estas ferramentas permitem auxiliar a interpretação de resultados através da inserção de dados
previamente recolhidos nas ferramentas certas. Estas trabalham esses dados, fornecendo resultados que
necessitam de ser trabalhados e interpretados cuidadosamente. Em concreto, o SIG não é uma ferramenta de
interpretação arqueológica, é apenas um mero auxiliar dessa interpretação, permitindo agrupar a informação
de uma forma mais versátil e compacta, possibilitando a sua livre manipulação e oferecendo um conjunto de
ferramentas que permitem estabelecer cálculos que de outra forma levariam o dobro ou o triplo do tempo,
apresentando os resultados de forma muito mais “limpa”.
Não obstante, as suas limitações são ainda consideráveis, característica comum às mais variadas ferramentas
computadorizadas – os seus cálculos são matemáticos, falta-lhes a vertente humana. Facto pelo qual os seus
resultados devem ser sempre cuidadosamente analisados e interpretados – nós é que lhes vamos atribuir essa
vertente humana.
A par destas limitações, deparamo-nos ainda com outros obstáculos de ordem técnica. Ao trabalharmos com
um Open Source, apesar de todas as suas vantagens, somos constantemente confrontados com bugs ou erros
de programação com os quais nem sempre é fácil lidar, mesmo possuindo alguns conhecimentos a nível
informático. Alguns são mesmo incontornáveis face a quem pouco ou nada percebe de programação.
Sobre as vantagens e desvantagens do programa, com certeza muito já foi sendo dito ao longo deste
compêndio. Não será relevante alongar-me mais sobre o assunto.
No âmbito deste trabalho em concreto, a aplicação das ferramentas SIG possibilitou um novo tipo de
abordagem a algumas problemáticas há muito atribuídas à implantação e distribuição do povoamento na zona 105
do Baixo Mondego. Muitas questões ficaram certamente por responder. Ainda assim, considero que alguns
resultados obtidos são de extrema relevância para futuras abordagens a este tema. Considero que foi possível,
mediante a aplicação destas ferramentas, suportar algumas conclusões que, não sendo inteiramente novidade,
pelo menos, corroboram anteriores especulações.
Para uma melhor exploração destes recursos informáticos era necessário, antes de mais, um entendimento
mais aprofundado das suas ferramentas e, sobretudo, era imprescindível um melhor conhecimento da região
na época em análise. A falta de uma investigação mais profundada deste território é perturbadora se
considerarmos todo o potencial aqui ainda obscurecido.
Talvez umas das potencialidades deste trabalho seja essa - chamar a atenção para potenciais zonas de estudo e
questões a abordar. Seria já um bom contributo. No fundo, trata-se aqui apenas de uma abordagem global de
um território relativamente extenso cujas potencialidades se concentram em cada uma das suas zonas, à
espera de serem descobertas.
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Recursos informáticos
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http://www.maiscentro.qren.pt/private/admin/ficheiros/uploads/PTD_BAIXO%20MONDEGO.pdf
http://mapasepiratas.blogspot.pt/2012/04/modelo-global-de-elevacao-do-terreno.html
http://coimbraantiga.blogspot.pt/
Notas
(1) É uma das mais antigas unidades geomorfológicas da Península Ibérica, correspondendo a uma antiga cordilheira formada após a
colisão da Laurásia com Gondwana durante o Paleozóico, apresentando-se hoje em dia muito erodida. Este maciço corresponde ao troço
ibérico da grande cadeia hercínica da Europa. Tipos de rochas: xistos e os granitos.
(2) Consideram-se, assim, as seguintes unidades: zona cantábrica; zona asturo-leonesa; zona galaico-transmontana; zona centro-ibérica;
zona Ossa-Morena; zona sul-portuguesa. Sendo que apenas estas últimas quatro incluem o território nacional.
(3) Um Modelo Global de Elevação de Terreno elaborado por uma parceria entre a NASA e o METI (Ministério da Economia, Comércio e
Indústria nipónico), que nos fornece uma boa visão do terreno.
(4) Estas coordenadas foram ocasionalmente afinadas mediante comparação com o Google Earth.
(5) http://arqueologia.igespar.pt/index.php?sid=sitios.resultados&subsid=50127
(6) Possível ocupação defendida por Jorge de Alarcão para aquele local (Alarcão, 2004: 13).
(7) Algumas indicações de Nelson Correia da Silva parecem apontar para a localização de um povoado castrejo nesta zona, o que parece ser
corroborado pela toponímia do sítio (Alarcão, 2004: 13).
(8) Ajustamentos isostáticos são mecanismos de conservação do equilíbrio entre a litosfera e a astenosfera, defendidos por John Pratt e
George Airy em meados do séc. XIX. A hipótese de Airy justifica as diferenças de profundidade da raiz do relevo na crosta continental ou da
crosta oceânica. A hipótese de Pratt justifica as diferentes elevações da crosta continental e da crosta oceânica relativa a um nível de
compensação isostático. In http://omundodageologia.blogspot.pt/2011/10/ajustamento-isostatico.html.
(11) Em geografia urbana, hinterland corresponde a uma área geográfica servida por um porto e a este conectada por uma rede de
contactos, através da qual recebe e envia mercadorias (do porto ou para o porto). Aplicando este termo analogicamente à época em
análise, podemos considerar, então, que se trata da área de influência de um sítio portuário que centraliza uma significativa actividade
económica, gerando uma rede de trocas entre distintos sítios.
(12) Utilizando, no seu cálculo, o relevo – com base em «superfícies de fricção» e «superfícies de custo» que criamos previamente mas,
também, considerando a gravidade como factor e prevendo o escoamento das águas como parâmetro determinante do percurso de
“menor custo”.
(13) Carta Mineira de Portugal à escala 1:500000, 1960, Serviços Geológicos de Portugal.
107
Ferramentas Introdução
SIG aplicadas Este trabalho incide na aplicação de algumas ferramentas SIG ao território
do concelho de Tomar, com o intuito de estudar a ocupação e utilização da
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
ao território área em questão nas épocas romana e medieval. A escolha deste tema
prende-se com o facto de ser um concelho repleto de história, cujos
de Tomar primeiros indícios de ocupação humana remontam ao Paleolítico, e onde o
conhecimento arqueológico ainda carece de investigação. Esta falta de
Diogo Matos investigação referida não só é visível pela observação do mapa de
distribuição dos sítios romanos e medievais (Figs. 3 e 9), no qual se
identificam vastas áreas sem qualquer tipo de indício mas cuja toponímia ou
localização poderão indicar uma prévia ocupação do local, como é
mencionada nos artigos publicados pelos investigadores que se dedicaram
ao estudo desta região. Assim sendo, após a análise dos dados obtidos
vamos tentar avançar com uma imagem mais nítida acerca da ocupação do
território em estudo e da sua evolução da época romana para a época
medieval.
Para que tal fosse possível procedeu-se, em primeiro lugar, a uma pesquisa
no Portal do Arqueólogo (DGPC) a todos os sítios arqueológicos inseridos na
baliza cronológica abordada. Posto isto, criou-se uma base de dados para
cada período histórico, com a designação do sítio; o seu CNS (Código
Nacional de Sítio); tipo de sítio; localização e coordenadas. Feita a base de
dados iniciou-se uma pesquisa bibliográfica sobre o concelho de Tomar na
época romana, o seu papel como capital de civitas e o seu território rural,
complementando os dados obtidos com informações acerca do território
concelhio em época medieval.
De seguida, procedemos com o uso do programa Quantum Gis e as suas
aplicações SIG em arqueologia. Dadas as limitações do programa, associadas
à pouca informação arqueológica do concelho, não foi possível utilizar todas
as ferramentas que esta plataforma disponibiliza, no entanto tentámos, na
medida do possível, cumprir com os objectivos a que nos propusemos acima,
utilizando as ferramentas que considerámos úteis para o tema em questão.
Contextualização geral
108 O concelho de Tomar insere-se no distrito de Santarém. As suas fronteiras
concelhias são Ourém e Ferreira do Zêzere a norte, Entroncamento e Vila
Nova da Barquinha a sul, Abrantes a leste e Torres Novas a oeste (Batata,
1997: 23). Está situado em “terrenos de idade terciária, sob o nome de
Complexo Lacustre Miocénico” (Ponte, 1993: 163) e a sua geomorfologia é composta por “um conjunto de
calcários, margas, argilas, leitos de areias e de cascalheira, entrecortados pelo Nabão e seus afluentes” (Ponte,
1993: 163). No referente à rede hidrográfica, o concelho é atravessado pelo rio Nabão, cuja nascente se situa
no concelho de Ansião; tem o rio Zêzere como limite leste; e um conjunto de ribeiras, das quais se destaca a
ribeira da Beselga, pela sua proximidade a sítios arqueológicos de época romana.
Tendo em conta que a baliza cronológica deste trabalho está situada entre a época romana e a medieval
avançamos com uma contextualização para os dois períodos em questão.
A actual cidade de Tomar está sobre os vestígios da cidade romana de Sellium, capital da civitas com o mesmo
nome. Fundada por Augusto durante a reorganização político-administrativa do território peninsular, terá sido
inicialmente um oppidum stipendiarium, sendo elevada à categoria de municipium na época Flaviana, como
comprova uma inscrição votiva ao Genio municipii reutilizada na construção da torre de menagem do castelo
(Alarcão, 1992: 10; Ponte, 1993: 165; Ponte, 2012: 15). É mencionada pela primeira vez nas seguintes obras:
“Geografia, de Ptolomeu; Livro IV da Historia Naturalis, de Plínio, o Antigo; o Itinerário, de Antonino e a
As intervenções arqueológicas feitas no concelho cingem-se principalmente ao território urbano. Por um lado
surgem novos dados para uma análise da evolução da malha urbana de Tomar, por outro o meio rural
apresenta-se como um espaço com poucos indícios de ocupação, seriam espaços vazios? Tal cenário parece
pouco provável, já que o concelho além das suas características favoráveis para o desenvolvimento da
actividade agrícola; tem boas vias fluviais, como os rios Nabão, que atravessa o concelho, e o Zêzere, que
delimita o concelho a leste; e, pelo menos desde a época romana, que a sua rede viária é de elevada
importância, por estar num ponto central entre as civitates de Scallabis e de Conimbriga.
Uma das principais condicionantes é a falta de conhecimento mais preciso da rede viária de época romana.
Sabemos que algumas vias passavam no concelho, pressupõe-se algumas das localidades em que passariam, no
entanto apenas pequenos troços são conhecidos e poucos marcos miliários foram identificados na região.
Infelizmente devido a falhas informáticas não nos foi possível cruzar estas informações com os dados que se
poderiam obter através da criação de caminhos óptimos, como tal não ousamos avançar com propostas de
redes viárias.
Para a época medieval, podemos assumir que as vias romanas seriam utilizadas, já que a rede viária da civitas
de Sellium estaria num ponto central com acesso a cidades como Lisboa, Santarém e Conimbriga, que
eventualmente teria ligação à cidade de Coimbra. No entanto, no decorrer da pesquisa bibliográfica apenas nos
deparámos com um mapa das vias da vila de Tomar e seus arredores (Fig. 1). Parte do traçado das vias
medievais da vila coincidem com as estradas romanas da cidade de Sellium, indicando que a cidade seria um
ponto de confluência das vias que atravessariam o concelho, como se pode observar nas figuras 1 e 2. Contudo
voltamos a ir de encontro à pouca informação existente para a rede viária romana no concelho.
Para as vias fluviais, textos referentes à lenda de Santa Iria indicam que o corpo desta teria descido o rio
Nabão, chegando a Santarém, uma referência à utilização deste como possível via fluvial entre estas duas
cidades. Já para a utilização do rio Zêzere como via fluvial das comunidades que ocuparam o território pouca
informação se conhece.
Tomar romano
A cidade de Sellium, como referido acima, terá sido fundada por Augusto. Desde cedo que se destacou pela sua
localização estratégica numa zona de confluência de vias romanas (Fig. 2). Além de ponto central, encontra-se
situada no vale fértil do Nabão, que atravessa a cidade e se apresenta como principal via fluvial do território.
110
Algumas das intervenções levadas a cabo na cidade permitiram identificar um mercado interno dominado por
cerâmicas de produção local e de importação, das quais destacamos as cerâmicas de paredes finas, datadas do
século I d.C., oriundas dos centros de produção de Mérida e da Bética, algumas produções de Braga e ainda
importações da Itálica Central (Ponte, 1995a: 11). Estes dados apontam para uma cidade desenvolvida
economicamente, com uma rede comercial de longo alcance e a presença de uma elite local, associada aos
produtos de importação.
Fig. 1 – A vila de Tomar e a sua zona periférica nos fins da Idade Média (In Ferreira e Duarte, 1992: 147).
Para uma melhor compreensão da ocupação territorial, inserimos a carta de solos da região (Fig. 4) e
adicionámos um buffer de 1000 metros em torno de cada sítio (Fig. 5), de forma a criar uma relação de
proximidade com as vias fluviais e com as principais zonas férteis do concelho. Estas ferramentas foram
aplicadas para ambos os períodos cronológicos.
A aplicação de métodos SIG a esta realidade arqueológica veio permitir a identificação de duas zonas com
maiores indícios de ocupação: o núcleo urbano, no centro do território do concelho, junto ao Nabão,
111
delimitado a verde na figura 3; e uma zona de cariz rural, já mais dispersa, composta por villae, casais rústicos e
alguns vestígios diversos, próximo da ribeira da Beselga e do limite do concelho de Tomar com o de Torres
Novas, delimitada a vermelho na figura 3.
O núcleo rural junto da ribeira da Beselga explica-se pela proximidade deste curso de água, pela grande área de
solos férteis, propícios ao desenvolvimento da actividade agrícola (Fig. 4) e pela proximidade à via Olisipo-
Bracara Augusta, que passaria na área em questão (Alarcão, 1992). No entanto, actualmente apenas se
conhece um pequeno troço de estrada na região, insuficiente para compreender o seu traçado. Nesta região
foram identificadas quatro villae e três casais rústicos, que pela adição de buffer de 1000 metros (Fig. 6)
podemos verificar que os dois casais rústicos existentes se encontram a uma distância inferior a 1 km das villae.
Seriam estes a pars rustica das villae? Seria a sua utilização comum aos vários proprietários da região?
A aplicação da Triangulação de Delaunay veio corroborar a importância da ribeira da Beselga e da localização
estratégica dos sítios (Fig. 7), já que estes se inserem numa zona de solos agrícolas, próxima de um importante
curso de água e de uma via que passaria na região (Mantas, 1992: 34).
Ainda acerca do povoamento rural romano no concelho de Tomar, destacamos a existência de um casal
rústico, situado a leste e junto ao rio Zêzere, próximo de uma área florestal, cujos vestígios arqueológicos são
compostos por vários fragmentos de escória (Portal do Arqueólogo: CNS 32810). Infelizmente não foram
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
identificadas minas na região que permitam associar a sua localização ao uso destas pelas populações da
época, no entanto como é o único sítio romano no concelho nas imediações desta via fluvial seria interessante
prospectar a área.
112
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 3 – Sítios romanos do Concelho de Tomar e principais núcleos de ocupação.
113
114
Além do pouco conhecimento existente acerca do meio rural do concelho de Tomar, em época romana, surge
também uma carência de dados referente ao estudo das necrópoles e enterramentos da época. São
conhecidos apenas três locais associados a enterramentos romanos: o primeiro, em meio rural, o único
conhecido a norte da cidade, composto por duas sepulturas escavadas na rocha (Portal do Arqueólogo: CNS
1819), e dois em meio urbano. No entanto, destes últimos dois, apenas um tem indícios de ter sido usado como
necrópole, entre o século V e o século XVI d.C. (Portal do Arqueólogo: CNS 3615) (Fig. 8) e situa-se a escassos
metros do Fórum romano da cidade.
115
Tomar medieval
Para a época medieval, o concelho de Tomar apresenta poucos dados referentes a uma ocupação visigótica e
islâmica, sabe-se que esta terá existido, como se pode observar nos dados já mencionados, no entanto mais
estudos seriam necessários, já que são momentos de ocupação com poucos dados arqueológicos. Em 1159 o
território de Tomar, inserido no território de Ceras, é doado à Ordem do Templo e, em 1160, Gualdim Pais
inicia a construção do castelo. Tendo em conta que estava situado numa região de fronteira, mais propícia a
ataques, tornou-se necessário um repovoamento da região, já que esta havia estado sobre domínio islâmico.
Para tal, e segundo informações retiradas do Foral de Tomar de 1162, o território terá sido repovoado com
população coimbrã, com imigrantes francos e galegos, bem como muçulmanos que terão optado por residir na
região (Conde, 1996: 201). Além destes dados acerca da proveniência dos seus habitantes, indica também uma
economia apoiada na agricultura (Conde, 1996: 205).
Numa fase inicial o núcleo urbano estaria situado dentro das muralhas do castelo, já que se viviam tempos de
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
instabilidade perante um possível avanço islâmico (Batata, 1997: 113). Ainda no século XII há referência à
existência de um arrabalde junto ao rio Nabão (Rosa, 1972: 46).
As ferramentas SIG utilizadas para a época medieval não diferem das de época romana. Em primeiro lugar
criou-se um mapa com a distribuição dos sítios medievais, inseridos sobre a carta de solos do concelho (Fig. 9).
Perante a observação do mapa, e comparando a distribuição dos sítios medievais em relação aos sítios
romanos, é visível um abandono de grande parte da zona sudoeste do concelho, perante uma centralização
territorial em torno da vila medieval de Tomar, que assume o lugar de polo central, onde estaria sediado o
116 poder senhorial (Conde, 1996: 194).
O castelo de Tomar, localizado estrategicamente num no topo da encosta da margem direita do Nabão, além
da sua utilidade defensiva, foi o principal centro dinamizador da região em época medieval. Além de ter o
controlo visual do vale do Nabão, veio a permitir a expansão da área urbanizada junto ao rio e à ponte velha da
cidade, o que resultou no desenvolvimento agrícola, tecnológico e comercial da região. Como já sabemos, os
ricos solos do território eram bastante propícios à actividade agrícola, e, com base nas informações retiradas
dos forais de 1162 e 1174, sabe-se que se produziam cereais, vinho e que havia o comércio do linho (Conde,
1996: 205). Dado que o linho é um tipo de tecido mais rico, podemos assumir que se inseria numa ampla rede
de comércio, o que vai de encontro à evolução das actividades económicas demonstradas através de ambos os
forais: em 1162 as informações remetem para uma rede tributária baseada exclusivamente na agricultura; com
o foral de 1174 vemos um desenvolvimento da actividade mercantil, através da «designação concelhia do
almocaté, para supervisionar o mercado local, o refreamento dos falsários de medidas, ou a punição pela
venda de vinho no período de relego» (Conde, 1996: 211).
Com a aplicação da Triangulação de Delaunay (Fig. 10), verificamos uma redução da área de exploração em
relação à época romana, indo de encontro à ideia de que teria ocorrido uma centralização da ocupação
humana.
Após a descrição do tipo de economia local, podemos observar através da análise da figura 11 a relação dos
sítios medievais com as vias fluviais. Em comparação à época romana, a ribeira da Beselga perde importância,
dado que apenas dois casais rústicos se encontram na proximidade; já a ribeira da Lousã, a leste, apresenta
mais vestígios de ocupação; o rio Nabão volta a apresentar-se como principal via fluvial; e o rio Zêzere apenas
tem um sítio na sua proximidade, por sinal o mesmo sítio da época romana.
117
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Para os espaços funerários encontramos duas tipologias diferentes: as necrópoles, localizadas na figura 12; e as
sepulturas escavadas na rocha, identificadas na figura 13. Das necrópoles, destacamos a que está situada em
núcleo urbano, junto da Igreja de Santa Maria dos Olivais, cuja cronologia vai do século V ao XVI.
118
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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Para uma Introdução
O propósito para o desenvolvimento do seguinte trabalho destina-se a
análise melhor compreender a forma como é entendido e valorizado o património
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
então as conheiras na área pesquisada, entre os rios Tejo e Ocreza e alguns dos seus afluentes. O investimento
calculado para as explorações, como a construção de canais, drenagem de zonas para chegar a depósitos de
leito, a necessidade de barragens, encontra em si uma urgência em requerer uma mão-de-obra, além de um
pouco especializada, em grande quantidade, assim pressupõe-se meios de subsistência para uma população
que trabalharia nessas explorações. Alguns habitariam junto a essas explorações, porém existem poucas
evidências de ocupação habitacional tendo como exemplo apenas com maior expressão o sítio do Monte do
Chaparral. Desta forma poderemos concluir que a maioria dos contextos habitacionais associados às
populações mineiras seria localizada na periferia das explorações em contextos de aldeamentos pobres.
Quanto à mineração de outro tipo de matérias-primas como o cobre, as técnicas de exploração seriam
diferentes, pelo que são identificados os filões e procedendo a escavação em galerias como é o caso das minas
de cobre da Buraca da Moura.
Após a vasta exploração de recursos mineiros por parte do Império Romano, no período visigótico
encontramos exploração, no entanto em menor escala. Entramos em período medieval, sem que tenhamos
registos significativos de grandes explorações também, porém poderemos, através de algumas referências
bibliográficas, inferir com algum grau de certeza que se procederia à extração do precioso metal (ouro), das
margens do tejo recorrendo à técnica da “bateia”.
Encontramos outros exemplos de exploração mas já no reinado de D. João III, onde temos na revista
“Panorama”, algo que nos indica que o rei possuía um cetro feito em ouro proveniente das águas do Tejo.
D. João III “mandou fabricar um sceptro das palhetas de fino ouro encontradas nas arêas deste rio [Tejo];
Duarte Nunes de Leão testifica que o viu, e se guardava no real tesouro.” Surge ainda referência por José
Pinheirinho: sabe-se que D. João III possuía um ceptro em ouro, para o qual dera o desenho Francisco de
Holanda, que asseverava terminantemente que: “o precioso objeto fora feito com uma barra de ouro tirada de
uma mina de ouro descoberta por Ayres de Quental; a mina que ele descobriu foi a do Rosmaninhal, na
província da Beira Baixa, próximo da raia. Este Ayres de Quental foi feitor-mor dos metais nos reinados de D.
Manuel I e de D. João III, e parece ter sido um dos portugueses mais notáveis nesta especialidade”.
Esta atividade perdura pelo século XVIII até ao século XX sendo que existem referências de explorações
sazonais nos meses do verão, no entanto, e sendo caso interessante, por parte de populações provenientes de
Arganil, cujos locais mencionam como “gandaeiros”.
Hoje apenas encontramos um local junto à Foz do Cobrão que apresenta demonstrações de exploração do
ouro, utilizando a técnica de “bateia”. Um panorama, embora de pequena relevância, mas conotado de grande
significado pois acarreta em si toda uma memória dos tempos das grandes explorações, carregadas de todo o
124 significado e esperança que levou muitos a passarem largas temporadas em busca do ouro, como
oportunidade de enriquecimento, muitas vezes logrado.
Ainda durante o século XX, para as minas de cobre, encontramos conceções atribuídas e em funcionamento até
à década de 1980, sendo que a última exploração em Vila Velha de Ródão encerra em 1986 e é a concessão do
Rio Enxarrique. Estas últimas concessões estavam a cargo da Empresa Portuguesa de Estanhos, Lda. e tinham
como concessões as minas: Peladas do Cobre (1968); S. Pedro, o Cabeiro; Sítio do Cobre; Vila Velha de Ródão
nº 2; e Ribeiro de S. Pedro nº 2 e nº 3 (1986).
Estes sítios, e também os de época romana, são atualmente identificados por se diferenciarem na paisagem
com grande escombreiras de escorrimento resultantes da extração do minério das galerias e o seu posterior
tratamento. Para a época romana temos dois grandes locais ainda hoje identificáveis, em Fratel o sítio “Cova da
Moura” e em Vila Velha de Ródão “Buraca da Moura – Tostão. Este segundo sítio torna-se interessante por se
terem lá identificado quatro fornos de fundição, e a sua exploração deveria ser feita em vala aberta e galerias.
Este sítio provavelmente já seria explorado em período pré-romano, pois encontramos o povoado do
“Castelejo do Tostão”, a cerca de 200 metros de distância das minas. Esta mina possui também vestígios de
exploração já durante o século XX, sendo apelidadas de “Minas de São Pedro de Cabeiro”.
É assim um dos melhores exemplos de uma ocupação e re-exploração de longa duração.
nunca demais relembrar, únicas no país, país este que se recusa a vincular a sua importância para a defesa de
uma identidade e como caráter essencial para a demarcação da região.
Entre a lista das ferramentas utilizadas para o desenvolvimento deste projeto em Quantum GIS, temos o mapa
de pontos classificados em distintas bases cartográficas, as pesquisas por atributos, os marcadores SVG, a
categorização de simbologia de informação, a composição de tabelas de atributos, as pesquisas por localização,
a relação entre layers, o corte vetorial, a união de camadas vetoriais, a georreferenciação de cartografia, os
buffers, os polígonos de Voronoi, a Triangulação de Delaunay, os perfis de terreno, a análise de dados raster e a
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 5 – Distribuição de minas com buffer de 1500 metros e cálculo através de Polígonos de Voronoi para determinação
de áreas correspondentes às zonas de conheira e territórios sob influência. Relação com os sítios romanos existentes.
131
Fig. 7 – Polígonos de Voronoi sobre área de influência das minas, em conjunto com a Triangulação de Delaunay sobre os
sítios romanos. Interceções destes dois elementos com as diversas conheiras.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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Fig. 8 - Perfil de terreno com orientação sul/norte e diferentes momentos de depósitos quartzíticos.
Conheiras e as suas dependências
Provavelmente o maior fenómeno geológico que despertou o interesse da cultura romana, foi decididamente
as conheiras, antigos depósitos quartzíticos acumulados ao longo de milhões de anos, que escondem depósitos
auríficos erodidos e desprendidos dos seus veios de quartzo, por uma viagem, tendo como destino a deposição
junto às Portas de Ródão. É possível verificar no terreno, e num perfil efetuado na região sul da freguesia de
Vila Velha de Ródão, o local com maior concentração de conheiras, em três momentos de depósito destes
sedimentos. O perfil foi elaborado no sentido sul-norte (Fig. 8).
A sua distribuição permite-nos também calcular, com a ajuda da Triangulação de Delaunay, trajetos diretos
entre elas, entre sítios romanos e entre minas (Fig. 6), verificando o cruzamento de muitas das trajetórias
calculadas, podendo assim indicar possíveis acessos e vias de comunicação, sem ter em conta, no entanto, a
topografia ou a densidade vegetal, mas sim o percurso mais curto que une dois ou mais pontos.
Embora encontremos um grande vazio na zona central da atual freguesia, e não tendo em conta os elementos
Conclusão
Toda esta abordagem ao tema da mineração e da exploração dos recursos mineiros e hídricos da região de Vila
Velha de Ródão, tem como intuito o não esclarecimento de aspetos específicos de técnicas de trabalho nem de
análise química de graus de sucesso na exploração destes recursos, pelo que não foram feitas referências de
âmbito específico sobre essa matéria. Pauta-se sim, pelo interesse em divulgar e salvaguardar um património
do qual os habitantes locais ainda prezam, com o qual se identificam e a importância que estes sítios
arqueológicos representam ainda como contributo para a memória coletiva daqueles que intimamente
estiveram ligados a ele. Assim a herança presente na etnografia local ainda espelha aspetos claramente
evidentes de uma sociedade e de uma ocupação do território de vários milénios de existência que resultaram
naquilo que hoje é a sociedade que se conhece e que respeita esta “heritage” ou bagagem identificativa como
sendo sua, carregada de orgulho cultural.
Por fim, resta demonstrar a vontade que, num futuro próximo, esta região possa beneficiar e dar a conhecer-se
ao exterior, pois nela residem, mais do que potencialidade para o desenvolvimento, indicadores para melhor
conhecer um território cheio com 600 milhões de anos de vivências, cicatrizes e memórias, enquadrados em
paisagens idílicas, onde cada espaço celebra um segredo e cada gente conta um passado áureo.
133
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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Vias romanas e 1.Introdução
povoamento 1.1 Contextualização da área estudada
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
140
Se tivermos ainda em conta outros factores, como a rede hidrográfica da região de Braga (Fig. 5), podemos ver
que o povoamento, neste caso o romano (ainda que o medieval não difira em muito), obedeceu sempre a
regras simples de organização territorial.
No caso de Braga e concelhos vizinhos, podemos constatar que as comunidades romanas que aí existiram
procuraram sempre manter-se perto de recursos naturais como a água, bem essencial para o crescimento
demográfico e várias “indústrias” (como a exploração mineira), sendo óbvia a proximidade entre sítios e
recursos naturais bem como de redes viárias para o escoamento dos produtos, sejam eles matérias-primas das
villae na forma de bens de consumo, ou na forma de minérios para posterior transformação ou comércio a
nível regional ou para exportação. Sem dúvida, e como ainda hoje se observa, o caminho mais rápido e mais
barato, é muitas vezes encontrado sob a forma do transporte náutico de mercadorias.
Apesar de todas as interpretações e propostas aqui apresentadas, acho que devo salientar o facto de que este
estudo foi feito usando um número relativamente limitado para cada local/concelho logo, os resultados estão
bastante condicionados pelos dados disponíveis levando a que não se possa nunca afirmar nada como
absolutamente verossímil, sendo já essa a postura correcta a adoptar em qualquer pensamento arqueológico.
141
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 6 –
Viewshed do
Castro da Sola.
143
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Antes de qualquer outra observação que aqui se venha a expor, devo salientar que não foi o propósito desta
pequena exposição pôr em causa as propostas de nenhum dos investigadores envolvidos na elaboração das
inúmeras vias em estudo. O objectivo era e é propor mecanismos mais viáveis/acessíveis para a elaboração de
possíveis caminhos de forma mais eficaz e aberta à aprendizagem rápida de qualquer futuro investigador
“encurtando” a necessidade de conhecimentos obrigatórios para a criação de propostas de vias, seja em que
período for (ainda que a partir do período cronológico da denominada Proto-história e para tudo aquilo que a
antecede, seja cada vez mais difícil o uso de modelos fixos informáticos, fruto das características
ideológicas/culturais especificas desta “gaveta” temporal).
Dito isto, penso que ficou provado através dos mapas apresentados, nomeadamente as figuras 10, 11 e 12, as
enormes potencialidades de uma análise “virtual” de possíveis redes viárias no território nacional.
Enquanto autores como Mário Saa e Vasco Mantas (entre outros) procuram estabelecer as suas propostas de 145
caminhos a partir de sítios devidamente identificados e balizados no período romano (e relatos dos autores
clássicos), estas ferramentas têm todo o terreno em questão e, devidamente calibradas, podem até gerir-se
através de variáveis estabelecidas pelo utilizador para encontrar possíveis caminhos para sítios arqueológicos
mais isolados que não possuam quaisquer vestígios arqueológicos entre estes e possíveis centros urbanos ou
outro qualquer lugar à escolha.
Deixo ainda, em jeito de crítica, a ressalva de que muitos dos autores que até aqui se dedicaram ao estudo
destas chamadas “redes viárias”, em particular as de natureza romana, têm-no feito através da marcação
arbitrária de pontos fixos (em sítios ou vestígios arqueológicos), que muitas vezes não me parecem ser as
melhores escolhas, ainda que a minha pouca experiência não me permita extrapolar muito mais… Penso,
contudo, que se esquece muitas vezes a correcta análise do espaço de uma perspectiva “arqueogeográfica”,
marcando rotas demasiamente rígidas e pondo de parte factores de natureza mais volátil como a vontade
humana e as características do próprio terreno, incluindo mesmo nisto a própria visita aos locais que por vezes
nos podem guardar surpresas.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 10 – Caminhos Óptimos, em comparação ao MADO e Rede Viária, sobre mapa de relevo.
Explicando então de forma simplista as ferramentas usadas, nomeadamente os caminhos óptimos e o MADO,
para que o leitor perceba facilmente a forma como se processam, só é necessário ter em conta que tanto um
como o outro se baseiam em regras da Física, neste caso o efeito da gravidade na escorrência da água com
uma superfície de fricção (às escolha do utilizador) previamente estabelecida: à partida a água irá procurar o
caminho de “menor custo” de um ponto para o outro, e no caso do MADO, de um ponto central para todos os
caminhos possíveis na região escolhida.
Nos casos que analisei, acho que é evidente a sobreposição dos caminhos propostos a muitos caminhos
actuais, seja através do MADO ou dos caminhos óptimos, bem como de caminhos romanos já previamente
146 estudados e definidos pelos autores indicados. Não só isso, mas também se pode observar que estas
ferramentas percorrem um caminho muito mais “realista” podendo servir como um mecanismo excelente para
delimitar zonas de estudo, seja em campo seja em laboratório.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 11 – Plano pormenorizado da ocupação antiga de Braga, sobre a ortofoto Bing Aerial
147
Fig. 12 – Rede viária romana e sítios romanos em Braga, sobre a carta militar.
3. Conclusão
Não querendo aqui repetir o que já por várias vezes neste capítulo procurei referir, afirmo sem dúvidas, que
cada vez mais o caminho correcto a seguir será o uso de plataformas como o Quantum GIS na elaboração tanto
de mapeamentos, como na investigação de fotografias aéreas, de regiões e cronologias específicas, resultando
na melhor maximização possível de pessoas e recursos para um qualquer estudo arqueológico.
A título de exemplo, através deste programa Open Source devidamente interligado com uma cuidada análise e
interpretação em “arqueogeografia” poderemos cada vez mais e melhor localizar zonas de interesse
arqueológico sem a habitual deslocação ao terreno de vários arqueólogos, resultando numa enorme eficiência
e num estudo muito mais abrangente de uma região como aqui procurei provar: utilizando apenas um simples
computador e toda uma parafernália de instrumentos informáticos foi-me possível localizar inúmeras possíveis
vias de comunicação entre sítios, e dos mesmos para o centro urbano, podendo-se facilmente criar zonas mais
precisas de prospeção ao longo das mesmas propostas, sem “sair de casa” e sendo o mais gasto a electricidade
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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WEBOGRAFIA:
Notas
(1) De forma sucinta e de maneira a que o leitor possa facilmente entender o seu propósito básico, esta ferramenta simula a dispersão de
um “volume de água” através de um território predefinido pelo utilizador da dita aplicação, possibilitando a criação de sítios de “menor
esforço” para a deslocação humana e obviamente, correntes de água (sejam elas aluviais ou fluviais), ocorrendo por vezes sobreposições
desta ferramenta com linhas de água já existentes.
Este facto não invalida de todo o resultado, pois em alguns casos não seria de forma alguma impossível pensar no uso de barcas para fazer
trechos de caminho mais fácil e rapidamente.
149
Contributo Nota introdutória
Desde que se começa a assumir como ciência que a arqueologia teve a
dos SIG para necessidade de apresentar os dados do seu trabalho tendo em conta uma
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
uma melhor perspetiva espacial. Os mapas de distribuição, quer a micro ou macro escala,
foram sempre uma forma de registo indispensável na atividade do
gestão e arqueólogo (Gamble, 2001: 139 apud Santos, 2006). Já no século XVIII são
interpretação encontrados muitos mapas de detalhe sublime, de sítios e escavações e até
mesmo como de espólio detalhadamente cartografado in situ (Weatley et alii,
do património 2002: 3 apud Santos, 2006: 1).
Aquando das primeiras aplicações de SIG por parte de arqueólogos, esta
histórico e investida foi no sentido de agregar a informação dispersa pela vária
arqueológico cartografia de forma a perceber melhor o espaço e a forma como este
condiciona as interações humanas das gentes que nele habitam ou
do Município simplesmente circulam (Santos, 2006: 2). Em 1976, dois arqueólogos
britânicos (Ian Holder e Clive Orton), publicam uma obra dedicada às
de vantagens da análise espacial em arqueologia, valorizando o cálculo e
Cantanhede representação computacional na investigação arqueológica.
Guilherme Cruz Se inicialmente a aplicação dos SIG em arqueologia esteve assente
primordialmente em mapas distribuição espacial, sensivelmente desde os
meados dos anos 90 do século XX, que as ferramentas SIG têm sido
exploradas no sentido de ajudar a fundamentar novos conceitos teóricos,
através dos seus resultados (Church et alii, 2006: 135 apud Santos, 2006).
No entanto a aplicação dos SIG na arqueologia tem, a meu ver, que ser
entendida com certa cautela e distanciamento. Ainda que eu próprio os
reconheça como uma mais-valia no campo da investigação, os seus resultados
devem sempre interpretados atendendo a certas condicionantes como por
exemplo, o meio envolvente e o período histórico em causa, condicionantes
estes que como todos bem sabemos são fundamentais na determinação do
modelo de assentamento escolhido em determinado momento da História.
Os SIG são efetivamente uma ferramenta muito útil na Ciência Arqueológica,
mas não conseguem dar resposta a todas as questões que temos que colocar
aquando do exercício da nossa atividade. Em boa verdade, os SIG não passam
de programas informáticos, criados a partir de algoritmos matemáticos, bem
como os resultados que estes produzem através das suas diversas funções, e
150 como tal penso que estes nunca conseguirão explicar o comportamento
humano, que como humano que é, é dotado da imprevisibilidade
característica.
Atentando a estas condicionantes naturais dos SIG, irei ao longo deste pequeno exercício tentar fazer uma
correta análise espacial, recorrendo a algumas ferramentas do programa de Open Source, Quantum GIS, que
irei referir ao longo da realização do trabalho, bem como a sua explicação, correspondente justificação para a
sua utilização e respetivos resultados.
De um universo de 214 sítios arqueológicos presentes do Município de Cantanhede, sensivelmente 40% dos
sítios são da Pré-História, 15% são do período romano, 5% são da Proto-História, apenas 2% correspondem ao
período do Medievo e 8% dos sítios possui mais do que uma ocupação na diacronia, que de sítio para sítio,
varia bastante. Infelizmente os trabalhos até ao momento desenvolvidos ainda não conseguiram dar resposta a
todos os espaços, pelo que cerca de 30% dos sítios arqueológicos permanece com uma cronologia ainda
indeterminada. Compreenda-se ainda que poderão, atualmente, existir outros sítios identificados, porém
apenas tive acesso a estes 214.
Descrição do município
Apenas as freguesias de Murtede, Cordinhã, Outil, Cadima e Portunhos apresentam uma altimetria de
destaque no Município, com cotas na ordem dos 150 metros. Simplificadamente, a rede hidrográfica deste
Município divide-se em duas bacias fluviais principais, a do Vouga, que é a principal subsidiária dos recursos
hídricos do espaço abordado neste trabalho, e a bacia fluvial do Mondego. Entre a bacia do Vouga
encontramos por exemplo, o rio Levira, Boco e Vala Veia, cursos de água de pouca volumetria. Da bacia do
Mondego destaca-se claramente a ribeira de Ançã, cuja volumetria é já mais considerável em relação às
anteriores, mas que no entanto varia muito consoante a estação do ano em causa
Existem ainda pequenos cursos de água que efetuam a sua drenagem diretamente no Oceano, percorrendo
estes um trajeto quase retilíneo, no sentido leste-oeste.
Ainda que naturalmente a cobertura vegetal seja o resultado de uma interligação entre factores de ordem
climática, topográfica, litológica, biogeográfica e antrópica, crê-se que o concelho de Cantanhede seja hoje o
reflexo de uma profunda humanização ocorrida desde a Pré-história (Ribeiro, 1987 apud Cruz, 2003: 15).
Atualmente, no Município, por entre a flora predomina o pinheiro, quer o bravo, quer o manso. O pinheiro
bravo encontra-se mais disseminado nas freguesias interiores de Ançã e Portunhos, já o pinheiro manso
encontra-se mais a litoral, travando “o avanço do ‘manto eólico’ para o interior” (Barbosa et alii, 1988 apud
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Cruz, 2003: 15). Os campos agrícolas gravitam em torno dos aglomerados populacionais, a vinha é a cultura de
maior destaque, influenciada naturalmente pela proximidade geográfica de algumas das freguesias com a
Bairrada, cujas vinhas se inserem ainda na “Rota do vinho da Bairrada” assentes primordialmente em solos
calcários.
Fig. 3 – Distribuição
dos sítios
arqueológicos por
cronologia.
152
Análise espacial
A utilização dos SIG na análise de sítios arqueológicos no Município de Cantanhede, mostra-se sem dúvida
como uma mais-valia na produção de conhecimento sobre as preferências do assentamento humano, ao logo
da diacronia para este espaço em causa. Porém, se como em todo e qualquer trabalho a leitura bibliográfica se
mostra essencial, nesta análise em SIG para além de essencial mostra-se determinante na interpretação dos
dados cartográficos.
No que toca aos critérios de implantação, o município confronta-se com uma concentração de sítios nas
freguesias mais interiores, nomeadamente Ançã, Outil, Cadima, Cantanhede, Cordinhã, Bolho, Sepins e
Portunhos, que destacadamente entre todas é sem dúvida a freguesia que apresenta mais ocorrências (59
sítios).
Como já referi anteriormente, o Município de Cantanhede caracteriza-se de forma geral por ser uma região
aplanada, com cerca de 70% do seu espaço abaixo da curva de nível dos 100 metros. Como é observável a
153
Os recursos hídricos são outro fator que se mostram incondicionalmente importantíssimos quando tentamos
perceber o porque da dispersão humana pelo espaço. A água é um elemento fundamental na manutenção
saudável da vida, quer seja da espécie humana ou das espécies animais e vegetais. Como já anteriormente
havia referido, o Município de Cantanhede carece de um curso de água de dimensão considerável à escala
nacional. Na verdade, assiste-se à presença de pequenas valas e ribeiras que se concentram principalmente no
Maciço Antigo calcário, em muito maior quantidade do que na cartografia que apresento, mas a que
infelizmente não tive acesso.
Após uma pesquisa por atributos, sendo a cronologia o atributo em causa, realizei buffers de 500 metros e
1000 metros dos sítios arqueológicos, com o objetivo de perceber a distância média destes em relação a cursos
de água de maior significância existentes no território, que represento na cartografia (Figs. 4 e 5).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
154
Fig. 7 – Buffer
de 500 metros
dos sítios
romanos.
155
Fig. 9 – Buffer de 500 e
1000 metros dos sítios
com mais que um
período de ocupação.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Após a visualização de sítios da ampla cronologia presente no concelho, entendo que de forma consistente a
grande maioria dos sítios possuí um curso de água dentro do buffer com raio de 500 metros. No entanto, tal
como podemos observar nos diversos mapas expostos (Figs.4 a 9), existe ainda um volume considerável de
sítios que encontram apenas um curso de água, presente na minha cartografia, no buffer com raio de 1000
metros. Deste modo mais raro, é claro o caso de sítios que distam mais de mil metros em relação a um curso
de água assinalável. Porém a existência destes sítios mais distantes de curso de água não significa que para
estes assentamentos a abundância de água fosse um bem secundário. Como já anteriormente referi, a água
apresenta-se sempre como um bem essencial para a vida, mostrando-se determinante no momento da escolha
do local de assentamento. Na verdade, estes sítios, embora estejam ligeiramente distantes dos cursos de água
de maior dimensão na região, podem suprir as suas necessidades em cursos de água de pequena dimensão,
abundantes principalmente no Maciço Antigo. Outra possibilidade que se põe para estes sítios que distam dos
cursos de água, é a possibilidade das pequenas ribeiras e valas terem alterado consideravelmente o seu curso
ao longo dos tempos. Pessoalmente, considero que esta explicação assentará com particular expressão e
relevância, na região da Gândara e na faixa litoral dunar, que pela qualidade dos seus solos arenosos terá ao
longo dos tempos sofrido consideráveis mutações.
Carlos Simões afirma-nos que o litoral do município e parte da Gândara seria composto por um sistema lagunar
(Cruz 2003: 15), afirmação esta que é reforçado perante presença de topónimos como Feiteirinhas da Lagoa,
Lagoa, Lagoa do Bunho, Lagoa do Frade, Lagoa dos Bois.
Veja-se ainda que alguns destes topónimos, como Freiteirinhas da Lagoa, dizem respeito a freguesias, como a
dos Covões, que se encontram localizadas no Maciço Antigo, numa posição já bem interior no município. Assim
penso que não cometerei erro algum ao propor que grande parte do espaço aqui abordado seria uma extensa
156 área lagunar.
No espaço continental português, a cota média do nível do mar terá sido definida algures entre 5000 e 3000
BP, verificando-se um período de estabilização apenas marcado por pequenas alterações (Freitas, Conceição e
Andrade e César, 1998). Estes autores defendem que nos últimos 5000 anos, o Litoral entrou num progressivo
equilíbrio, ocorrendo um processo de assoreamento de zonas estuarinas e crescimento de restingas arenosas,
transformando parte significativa dos estuários em lagunas. Em Aveiro a referência mais antiga para uma
barreira detrítica separando o espaço lagunar do oceano, data do século X. Antes desta data o cordão litoral,
que hoje bem conhecemos entre Espinho e o cabo Mondego, não existiria. Na verdade, terá sido a formação
deste cordão, que contempla o litoral do município, que encerrou o espaço lagunar da ria de Aveiro, bem como
os espaços a ela diretamente ligados. Volto a lembrar, uma vez mais, que os cursos de água do município de
Cantanhede são grande parte deles subsidiários do rio Vouga.
De forma a encerrar a análise sobre implantação geográfica dos sítios arqueológicos, apliquei a ferramenta
Visibility Analysis. O que esta ferramenta possibilita, de forma simplificada, é uma elucidação sobre o campo de
visão que determinado sítio possuiria. Após uma análise de alguns sítios, dos vários períodos presentes,
constata-se que parece haver uma preferência pelo controlo visual das terras interiores, orientando-se
principalmente a leste e a sudeste.
A interpretação que deverá ser dada a esta ocorrência (Figs. 10 e 11), como já tenho vindo a exprimir, é que o
157
Fig. 10 – Bacia de visão do povoado proto-histórico da Eira Velha.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
O Diagrama de Voronoi
Se dúvidas não há sobre a mais-valia da aplicabilidade das ferramentas SIG em Arqueologia, penso no entanto
que teremos que ser críticos em relação a algumas delas, que por se mostrarem proveitosas em determinados
casos e em determinados espaços geográficos, não se mostram igualmente vantajosas noutro tipo de
realidades.
Um exemplo dessas ferramentas é com certeza a aplicação do Diagrama de Voronoi.
Primeiro, para defender esta minha posição penso que será benéfico explicar de forma sintética o que faz esta
ferramenta. O Diagrama de Voronoi realiza uma decomposição do espaço, determinada pela distância entre
dois ou mais objetos. Assim sendo, de que forma é que esta ferramenta pode contribuir para o estudo
arqueológico? Ao longo dos últimos anos, alguns autores têm vindo a aplicar este diagrama para tentar
determinar os limites do território dos sítios de ocupação humana, com principal relevo em espaços
habitacionais da Proto-História. Elisabette Alba aplicou este modelo num estudo sobre a organização do
território na Idade do Bronze e do Ferro na Sardenha Norte Oriental (2005). Com efeito, esta ferramenta tem
proporcionado a alguns investigadores resultados interessantes, coincidindo as linhas de divisão dos territórios
com divisões naturais do espaço, como encostas montanhosas e linhas de água de considerável dimensão, que
por isso são difíceis de transpor.
No espaço por mim estudado, faço uma avaliação inequívoca, esta ferramenta não nos fornece informação
158 passível de ser tida em linha de conta. Como tenho vindo a expressar, o concelho de Cantanhede é um espaço
aplanado, que apresenta uma ausência quase total de barreiras naturais, que se possam definir como
consideráveis divisores do espaço. A minha opinião é fortalecida ainda aquando da análise do povoamento ao
longo de alguns períodos da diacronia (Figs. 12 e 13).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 12 – Aplicação do Diagrama de Voronoi em assentamentos proto-históricos.
159
160
Fig. 14 – Buffer da zona de protecção da Fonte de Ançã sobre a ortofoto do Bing Maps.
Veja-se o exemplo da Fonte de Ançã, de forma muito simplificada, património classificado gozando de uma
zona de proteção envolvente de 50 metros, segundo o PDM vigente (Fig. 14). Através de um buffer,
delimitámos a zona abrangida por esta normativa, pelo que ao ocorrer alterações nos edifícios envolventes, o
arqueólogo desde que bem informado da realização dessas alterações, poderá precisar no imediato os espaços
que necessitam de acompanhamento ou trabalhos de minimização e quais não estão abrangidos por esta
necessidade.
Mas os SIG não ficam reduzidos só a este uso. Na verdade, no que toca a gestão, estes dão resposta a uma
série de necessidades, como por exemplo a simples definição na ortofoto da morfologia de estruturas
arqueológicas e do património edificado (Figs. 15 e 16).
Fig. 16 – Paços do
Concelho e Convento
de Nª Srª da
Conceição sobre
ortofoto do Bing
Maps.
161
Considerações finais
Ainda que o espaço por mim abordado apresente questões bastante interessantes, quer sejam relacionadas
com o tipo de assentamentos, quer seja pela natureza da sua distribuição, este espaço carece ainda de
escavações sistemáticas capazes de trazer à tona novos dados. Por outro lado, se a carência de dados
arqueológicos se mostra condicionadora, o trabalho de identificação de sítios, um pouco por todo o município,
permite-nos a partir de uma análise auxiliada com os SIG, elaborar conceções teóricas bastante interessantes.
A primeira passa naturalmente pela concentração de sítios arqueológicos nas freguesias mais interiores. Na
verdade, o sítio que se encontra mais a poente, o Cabeço do Bilro/Leitões 1, localiza-se na freguesia do
Corticeiro de Cima, na latitude de -8.687205 (WSG 84). O porque de não existir, pelo menos até à data,
nenhum sítio arqueológico a oeste deste, é sem dúvida uma questão que se mostra pertinente.
Conceição Freitas e César Andrade (1998) propõem que grande parte do atual município, pelo menos até
5000BP, faria parte de um golfo, que pela crescente de restingas arenosas terá isolado a atual fachada litoral,
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
162
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Editores.
Arqueologia Introdução
A freguesia de Castelo Branco abrange um vasto território com uma área
da freguesia total 169,66 km², o que a torna numa das maiores freguesias portuguesas.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
de Castelo Integra o mapa do concelho com o mesmo nome, que conta com um total de
25 freguesias. A cidade de Castelo Branco assume uma posição central no
Branco território da freguesia, que se estende entre os vales fluviais do Ocreza (a
norte) e do Ponsul (a sul). Estes dois rios definem o limite meridional e
João Frias setentrional da freguesia albicastrense.
Em termos arqueológicos, estão referenciados 50 sítios arqueológicos no
Portal do Arqueólogo para a freguesia de Castelo Branco, sendo que 44
apresentam coordenadas geográficas que permitem sua georreferenciação
em ambiente SIG. Por sua vez, a georreferenciação evidencia uma maior
concentração de vestígios a leste da cidade, ao passo que são escassas e
pontuais as evidências arqueológicas registadas fora do sector oriental da
freguesia, o que poderá reflectir uma necessidade de levar a cabo
investigações arqueológicas intensivas em todo o espaço da freguesia para
assim se conhecer melhor a dinâmica de ocupação deste espaço no passado.
Presentemente, os registos arqueológicos para a freguesia albicastrense,
mediante a análise da sua localização e respectiva bibliografia, parecem
apontar para uma ligação directa (e indirecta) às origens da cidade de
Castelo Branco, uma vez que os dados recolhidos permitem atestar, por via
da definição de padrões de povoamento, que o espaço da cidade e zonas
circundantes foram, desde tempos remotos, zonas preferenciais de fixação
das populações.
Destacam-se de forma evidente três núcleos populacionais topologicamente
distintos: O Monte da Cardosa, em cuja encosta orientada a leste se ergueu
o burgo medieval (a partir do qual se desenvolveu a actual cidade), o espaço
do denominado ‘triângulo arqueológico de Castelo Branco’, compreendido
entre as ermidas de São Martinho, Sant’Ana e Sr.ª de Mércoles e um terceiro
núcleo, em S. Bartolomeu, a cerca de 5 km da cidade.
Desta forma, esta análise centra-se sobretudo no território limítrofe da
cidade albicastrense a leste/sul, onde a concentração de vestígios é mais
significativa, com destaque para a áreas do ‘triângulo arqueológico’
(povoamento romano) e da Cardosa (povoamento medieval). A Proto-
164 História, nomeadamente o Idade do Bronze e a transição para o Ferro
marcam presença significativa quer no topo do Monte da Cardosa, onde se
terá desenvolvido um povoado fortificado (local onde hoje se ergue o castelo
medieval) e na relevante estação arqueológica do Monte de S. Martinho, que merecerá uma análise mais
detalhada.
Fig. 1 – Localização dos sítios arqueológicos da freguesia de Castelo Branco, com base nas coordenadas do Portal do
Arqueólogo. As linhas azuis correspondem aos principais cursos fluviais da freguesia, com destaque para o rio Ocreza,
que delimita a freguesia a norte e o Ponsul, que delimita a sul. A laranja demarca-se a área urbana de Castelo Branco.
165
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 2 – Projecção dos sítios arqueológicos da freguesia de Castelo Branco sobre Modelo Digital de Terreno (MDT).
Proto-História
Povoados de altitude – Monte de Cardosa e Monte de São Martinho
Fig. 3 – Localização do Monte da Cardosa (a NO), do Monte de S. Martinho (a SE) e dos sítios arqueológicos envolventes:
Pré-História (amarelo), Proto-História (verde), Período Romano (laranja) e Idade Média (púrpura).
Neste caso, a campina de Idanha reúne alguns dos povoados de altitude melhor estudados (por iniciativa de
Raquel Vilaça) para o a Idade do Bronze (sobretudo Bronze Final) e transição para a Idade do Ferro, embora
este período careça, para já, de informação arqueológica mais significativa que permita uma melhor 167
compreensão da distribuição e dinâmica interna destes povoados. São assim exemplo os povoados da
Cachouça, Monte do Trigo, Alegrios, Moreirinha e Monsanto (Idanha-a-Nova) e mais a norte, Monte do Frade
(Penamacor), que se destacam pela sua relevância informativa para o estudo da Proto-história da Beira Interior
Sul.
A sul da Campina de Idanha, no actual concelho de Castelo Branco, pelo menos dois locais são amplamente
destacados na paisagem: o Monte de São Martinho e o Monte da Cardosa (Castelo Branco), apesar de, para
este último sítio, a informação relativa ao assentamento pré-romano ser muito pobre e meramente referencial.
A cidade de Castelo Branco desenvolveu-se a partir da vertente sul/sudeste do Monte da Cardosa. São
Martinho dista cerca de três quilómetros da Cardosa nessa mesma orientação, elevando-se a uma cota máxima
de 435 m. Para sul de São Martinho, em direcção a Malpica do Tejo/Monforte da Beira, a planície dá lugar ao
vale pouco pronunciado do Ponsul, a cerca de cinco quilómetros de São Martinho.
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Fig. 4 – Relação entre o Monte da Cardosa e Monte de São Martinho com a área urbana da cidade (laranja), assim como a
serrania da Cardosa (amarelo), em cuja extremidade sudeste se ergue o respectivo monte.
168
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 5 – Projecção da linha de cálculo do perfil de terreno entre o Monte da Cardosa (a NO) e o Monte de São Martinho (a
SE), onde se destaca claramente o perfil acentuado destes dois cabeços, evidenciando também a plataforma planáltica
localizada entre os dois montes, sobre a qual se desenvolveu a cidade. As cotas de altitude são destacadas neste perfil,
verificando-se que a Cardosa ultrapassa os 450 m de altitude, enquanto os 435 m de São Martinho, referenciados na
bibliografia, são confirmados pelo gráfico, que coloca a altitude máxima de São Martinho entre os 400 m e os 450 m.
Fig. 6 – Vista sudeste, a partir do Monte da Cardosa, na direcção do Monte de São Martinho. As setas brancas definem a
zona de projecção da linha de cálculo do perfil de terreno feito em ambiente SIG.
169
Definindo-se como um povoado de altitude, que conheceu uma longa diacronia de ocupação desde os finais do
II milénio a.C. até ao período romano, e considerando-se o inicio da sua ocupação no Neolítico ou Calcolítico,
São Martinho define-se como um exemplo típico do padrão do povoamento do final da Idade do Bronze e inicio
da Idade do Ferro na Beira Interior (sobretudo na Beira Interior Sul), onde a geografia da paisagem se reveste
de um poder simbólico indissociável do factor visual que os sítios de altitude proporcionam na paisagem, polos
de fixação das populações (em detrimento das terras baixas de planície) e simultaneamente locais sacralizados,
muitos deles até à actualidade, como é exemplo São Martinho, entre outros exemplos de sítios de altitude.
170
Fig. 7 – Localização da estação arqueológica do Monte de São Martinho e rede de caminhos rurais em volta.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 8 – O Monte de São Martinho representado no MDT a tons alaranjados (correspondente às cotas de maior altitude),
em contraste com a baixa altitude do vale fluvial da ribeira de Mércoles (em tons esverdeados).
A ladear a entrada pelo acesso principal a NO, junto à ermida, são visíveis duas cinturas de muros a descoberto
que se crê serem de sustentação da plataforma. Apesar de coberto por densa vegetação arbustiva, são visíveis
taludes que ladeiam a plataforma em todo o seu comprimento, sobretudo nas vertentes norte e Sul,
terminando no extremo oposto da plataforma junto a um marco geodésico construído sobre o afloramento
quartzítico. Existe a possibilidade de este talude acompanhar o traçado de uma muralha proto-histórica que
definiria o povoado fortificado de São Martinho. Terá sido junto a este talude que Francisco Tavares Proença
Júnior conduziu escavações, entre os anos de 1903 e 1906, identificando, segundo os seus apontamentos, um
sector da muralha do povoado.
É também de salientar a
densa cobertura vegetal
que hoje cobre o monte,
171
árvores como oliveiras,
carvalhos e alguns sobreiros, uma visão que contrasta radicalmente com o aspecto despojado de vegetação do
local, registado em foto por Tavares Proença Júnior nos inícios do séc. XX.
Período Romano
O triângulo arqueológico de Castelo Branco (São Martinho/Sant’Ana/Sr.ª de Mércoles)
Dos povoados de altitude proto-históricos segue-se a ocupação das terras baixas e aluviais, característica do
povoamento durante o período romano, representado na área do triângulo arqueológico, com especial ênfase
no eixo entre as capelas de Sant’Ana e Sr.ª de Mércoles, dois dos sítios que correspondem aos vértices do
referido triângulo, aos quais se junta a ermida de São Martinho.
Estão referenciadas nesta zona, para o período romano, entre outras coisas, uma inscrição, uma necrópole
(Sant’Ana), a villa da Sr.ª de Mércoles (nos terrenos da actual Quinta da Sr.ª de Mércoles), uma via romana no
sopé de São Martinho e uma barragem romana na ribeira de Mércoles. Aliás, o povoamento desta área (i.e. do
espaço do triângulo arqueológico) parece ter-se desenvolvido, para norte do Monte de São Martinho, numa
relação de proximidade ao curso de água.
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Fig. 10 – Triângulo arqueológico de Castelo Branco, com os vértices nas ermidas de São Martinho, de Sant’Ana e Sr.ª de Mércoles.
Alguns autores, como Jorge de Alarcão, defendem a possibilidade da presença neste espaço de uma relevante
povoação do período romano, chegando mesmo a admitir a hipótese de uma cidade romana (ideia reforçada
por algumas estruturas e vestígios do período romano encontrados nesta área), que surge referenciada na
documentação com o nome de Belcágia. Alarcão admite ainda a possibilidade de aqui se localizar a capital dos
Tapori. Se essa capital corresponde ou não a Belcágia, é uma questão que permanece em aberto e que não
será respondida (ou pelo menos, melhor elucidada) enquanto não forem levados a cabo trabalhos de
escavação arqueológica, que permitam um maior conhecimento da dinâmica do povoamento romano desta
zona limítrofe da actual cidade de Castelo Branco.
A análise destes espaços fornece pistas relevantes para a definição dos padrões de povoamento do território
albicastrense, na longa diacronia. A presença romana é aqui bastante evidente, tendo em conta os diversos
172 vestígios encontrados, sendo interessante verificar que a forma do “triângulo” parece coincidir com a área de
dispersão dos vestígios romanos nos campos da Sr.ª de Mércoles/São Martinho.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 11 – Sobreposição das áreas de dispersão dos vestígios proto-históricos (verde), romanos (laranja) e medievais
(púrpura), no triângulo arqueológico de Castelo Branco.
173
Fig. 12 – Sugestão de padrões de povoamento por cronologias para o território de Castelo Branco, com base na dispersão
de vestígios.
A dispersão de diversos tipos de materiais do período romano pela área do triângulo arqueológico leva a crer
que no actual limite E/SE da cidade se poderá ter desenvolvido um núcleo de povoamento romano (cidade?). É
também na área do triângulo arqueológico que se concentra a maior percentagem de sítios arqueológicos
referenciados no Portal do Arqueólogo, para a freguesia de Castelo Branco. Desta forma, é possível sugerir
alguns padrões de povoamento para o território de Castelo Branco desde a Proto-História (Bronze Final/Ferro
Inicial), passando pelo período romano e terminando na Idade Média, com base nos núcleos onde estes
parecem ser mais significativos em termos de quantidade de achados.
Para a Pré-História, os dados existentes até à data são muito pontuais, não existindo informação substancial
em termos de vestígios que possibilite uma identificação de um padrão de povoamento, razão pela qual se
optou por deixar de parte esta cronologia para este estudo.
Desta forma, a definição de padrões geográficos de povoamento com base na dispersão dos vestígios de
natureza arqueológica leva-nos a crer que a dinâmica de povoamento do território de Castelo Branco poderá
ter-se desenvolvido nos seguintes polos: o povoamento proto-histórico em São Martinho, Cardosa e Barrocal; o
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
175
Fig. 13 – Localização hipotética do povoado proto-histórico do Monte da Cardosa (no espaço da alcáçova medieval).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 14 – Monte da Cardosa (Castelo Branco): castelo medieval e centro histórico (encosta E/SE) com respectiva cintura de
muralha (traçado conjectural). Quarteirões residenciais destacados a laranja e projecção dos arruamentos principais.
Fig. 15 – Monte da Cardosa: reconstituição conjectural da planta da alcáçova do castelo medieval templário, a partir da
176 planta de Nuno Villamariz Oliveira (2010), à escala 1:1000.
Outras observações decorrentes do SIG
Identificação de estruturas.
A análise do terreno mediante a utilização de imagem de satélite (Bing ou Google Earth) permitiu assinalar, no
sopé do monte de São Martinho, o percurso do gasoduto instalado a sul de Castelo Branco, que percorre o
sector sul/leste da freguesia. O percurso desta infra-estrutura encontra-se bem destacado pela desmatação do
solo efectuada com vista à definição do corredor de instalação do gasoduto. Isto permitiu delinear, em
ambiente SIG, uma linha que acompanha o percurso do gasoduto ao longo de todo o concelho de Castelo
Branco e não apenas da freguesia. Por sua vez, mediante uma análise ao histórico de intervenções na estação
arqueológica do Monte de São Martinho (Portal do Arqueólogo), encontram-se registadas campanhas de
prospecção sistemática no sopé do monte durante o ano de 1999, com vista à prospecção prévia antes do
início de obra e ao acompanhamento efectuado durante a execução de obra.
O percurso do gasoduto é facilmente identificável no sopé de São Martinho, nomeadamente nas encostas leste
Fig. 16 – Sítio de São Martinho III (com diversos vestígios romanos) no corredor de passagem do gasoduto (linha branca).
177
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 17 – Sítios da Tapada do Poço (estação de ar-livre pré-histórica) e Tapada do Poço I (casal rústico medieval) no
corredor de passagem do gasoduto (linha branca).
Fig. 18 – Topónimos comuns às propriedades rurais e aos sítios arqueológicos: Desembargadores, Fonte da Mula e
Rebouça.
179
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 19 – Rede de caminhos rurais a nascente de Castelo Branco, no espaço compreendido entre as estradas N18-8 (a sul)
e N233 (a norte), rio Ponsul (a sudeste) e o limite da freguesia (a nordeste).
Considerações finais
O recurso ao software SIG, como é o caso do Quantum GIS utilizado neste estudo, têm-se revelado, nos últimos
anos, um campo com franco potencial de crescimento e adaptabilidade à investigação arqueológica,
providenciando um suporte essencial à informação espacial e ao estudo territorial em contexto arqueológico. O
backup de elementos e tipologia de informação que se pode projectar, analisar e cálcular em ambiente SIG,
dificilmente pode ser replicado por outros meios, sem evitar lacunas ao nível da informação disponibilizada e
concentrada num só suporte.
A proposta de uma abordagem arqueológica à freguesia de Castelo Branco tem por base vários factores, desde
logo a identificação de padrões de povoamento do território que hoje corresponde à circunscrição
administrativa da Junta de Freguesia de Castelo Branco, com vista a um melhor conhecimento do seu passado
histórico e sobretudo, arqueológico.
A referenciação dos sítios arqueológicos em ambiente SIG aponta para uma grande lacuna em termos de
investigação arqueológica na freguesia, com grandes áreas que se apresentam vazias em termos de informação
arqueológica em pleno contraste com outras onde essa informação é tendencialmente concentrada, como é o
caso dos territórios limítrofes da cidade. Procurar conhecer os contextos arqueológicos da freguesia é
portanto, até à disponibilização de mais informações, procurar conhecer as origens da própria cidade que, não
180 obstante ser uma capital de distrito, apresenta ainda informação muito residual e pouco aprofundada no que à
sua arqueologia diz respeito, ao contrário de outras cidades portuguesas de igual estatuto. No entanto, a
informação existente, suportada pela consulta bibliográfica, permite a obtenção de algumas conclusões
interessantes quando suportada por uma análise a posteriori dos dados do SIG.
A complementaridade das informações bibliográficas e dos dados em ambiente SIG é, para todos os efeitos,
uma das vias mais sólidas para a concepção de novas informações (e conclusões), sobretudo quando os dados
já conhecidos são complementados por outros elementos que resultam desta análise. Exemplo disto é, como já
foi exemplificado anteriormente, cruzar, em ambiente SIG, dados pré-existentes por referenciação (ex. sítios
arqueológicos) ou presentes noutros suportes (ex. propriedades rurais assinaladas na Carta Militar de Portugal)
com dados novos (ex. caminhos rurais traçados com base em imagens de satélite).
É a partir deste “diálogo” de informações que nasce informação complementar inédita: verifica-se, por
exemplo, uma coincidência entre topónimos de sítios arqueológicos e propriedades rurais, que por sua vez se
encontram integrados numa vasta rede de caminhos rurais que poderão incluir, mediante uma investigação
mais aprofundada, uma rede de caminhos antigos ao ligar um ou mais sítios arqueológicos. Da mesma forma,
parece existir uma relação de proximidade e semelhança (em termos de dinâmica de povoamento) entre os
Montes da Cardosa e o Monte de São Martinho (este último considerado um povoado fortificado proto-
histórico “clássico” e, sem grandes dúvidas, a estação arqueológica mais relevante da freguesia), informação
Bibliografia:
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CRISTÓVÃO, José (2004) - O Monte de S. Martinho e as suas proximidades na Época Romana: cem anos de
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Beira Interior. Dissertação de Mestrado em Arqueologia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade
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Portugal. Vol. 3 (Arkeos; 21). Tomar, p. 101-108.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
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VILAÇA, Raquel (2010) - Da Idade do Bronze à Romanização no Centro Interior: espaços, territórios e
sociedades. Congresso Internacional de Arqueologia “Cem anos de investigação arqueológica no Interior
centro (Materiaes; nº especial). Castelo Branco: Museu Francisco Tavares Proença Júnior, p. 149-176.
182
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
183
Práticas Introdução
Os objetivos iniciais deste seminário, tendo em conta a temática e os casos
funerárias e de estudo utilizados, visavam perceber sobretudo a localização e
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Desenvolvimento
O trabalho prático realizado para este seminário e as questões que foram colocadas e exploradas no
desenvolvimento do mesmo, encontram-se condicionadas ao tipo de sítio arqueológico que é abordado, tendo
em conta que são locais de carácter funerário ou cultual. A abordagem feita teve em conta essa natureza do
sítio, podendo a análise e as questões colocadas serem diferentes, caso se tratasse de um sítio arqueológico de
natureza habitacional, por exemplo.
Sendo assim, e tendo em conta a abordagem e as questões colocadas nas publicações já existentes acerca do
sítio e de outros semelhantes, impõem-se certas questões que normalmente caracterizam mais este tipo de
sítios, como a sua implantação topográfica no terreno, o seu domínio na paisagem, a sua localização em termos
naturais, ou seja a proximidade aos elementos mais importantes da paisagem, considerados como locais com
simbologia mágica ou simbólica para as populações locais no final da Idade do Bronze, como os cursos de água
ou sítios naturais que sejam mais destacados na paisagem como zonas mais elevadas ou que exerçam um certo
domínio ou controlo visual da região.
Também a relação entre as matérias-primas usadas na sua construção e a oferta natural de matérias-primas na
região, bem como a sua ligação e importância para as populações vizinhas ou a dinâmica que formariam com
essas populações na vida social da região onde se localizam.
Fig. 1 – Implantação dos tumuli da necrópole da Serra da Muna (à esquerda) e os cinco tumuli do grupo da Casinha
Derribada (à direita), sobre excerto da carta militar n.º 178.
Este modelo é fundamental para o nosso estudo pois para além de nos dar uma perspectiva e uma
possibilidade de visão mais clara acerca da topografia da região, permite também, devido às suas
características e pelo facto de se tratar de um formato matricial no qual a cada pixel da imagem corresponde
um valor numérico, fazer muitas outras operações no software que são importantes numa análise deste tipo.
Como por exemplo, a elaboração de uma imagem em 3D da área de estudo, o chamado Modelo Digital
Terreste (Fig. 3), que permite fazer a mesma leitura do terreno em termos de perceber a sua topografia, não
apenas pela escala de cores, mas através da perceção dos declives e do seu relevo de uma forma mais
entendível.
187
Fig. 3 – Localização dos
monumentos funerários sobre
mapa de relevo.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Outra ferramenta que pode ser utilizada a partir do mapa altimétrico é a elaboração de perfis de terreno, que
dão outra leitura da topografia. Os perfis de terreno são uma ferramenta simples que permite fazer um
diagrama com as altitudes entre dois pontos escolhidos no mapa, permitindo efectuar uma análise do relevo da
região, perceber as diferenças de altitude entre os pontos escolhidos e observar graficamente as continuidades
ou descontinuidades do terreno, o que ajuda à sua perceção.
Utilizando a ferramenta de perfis de terreno foi possível elaborar uma série de diagramas altimétricos
escolhendo alguns pontos do terreno que permitissem ler a região onde se inserem os dois grupos de
monumentos estudados, lendo os perfis do terreno em diferentes direcções, passando sempre pelas
necrópoles da Serra da Muna e da Casinha Derribada, fornecendo mais um dado para o estudo da posição
topográfica de ambos os locais.
Por exemplo, uma das abordagens possíveis é a de perceber graficamente que o conjunto da Serra da Muna se
encontra no lado oeste do vale do Mundão e que os monumentos da Casinha Derribada se encontram no lado
oposto do vale e numa cota de terreno superior ao dos monumentos da Serra da Muna. Isto feito a partir de
um perfil de terreno em que se percorre um itinerário pelos monumentos dos dois conjuntos, como se observa
na figura 4.
Foram realizados dois outros perfis de terreno, também interessantes de observar, para analisar e identificar a
diferença de relevo entre os monumentos dentro da mesma plataforma, isto é, a plataforma da Serra da Muna
(Fig. 7) e a plataforma da Casinha Derribada (Fig. 8). Esta perceção do relevo de cada conjunto de monumentos
é interessante, pois a sua análise será como que uma leitura complementar a uma outra ferramenta usada
durante este trabalho, a identificação das bacias de visão de cada um dos monumentos.
189
A ferramenta que nos permite identificar o campo de visão de cada um dos monumentos – a bacia de visão -
faz uma análise a toda a área que é visível a partir de um ponto escolhido, e só é possível devido aos dados
fornecidos pelo mapa de altimetria já referido anteriormente.
Aplicando esta ferramenta a cada sítio, individualmente, que corresponde a cada ponto escolhido, o software
SIG dá-nos uma mancha de pixéis que correspondem àqueles que são visíveis do nosso ponto de vista.
Assim, para os três monumentos da Serra da Muna temos a figura 9, com a correspondente bacia de visão dos
monumentos 1, 2 e 3.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Ao observar estes dados, podemos fazer a comparação com aquilo que é a descrição da implantação dos
monumentos na paisagem referida na bibliografia. Podemos observar que o seu campo de visão se encontra
orientado para um controlo visual do vale do Mundão, igual para os três monumentos, sendo possível depois
observar algumas diferenças entre os três “cairn” devido às suas características especificas de implantação no
terreno.
Esta análise é facilitada, como foi referido acima, pela observação dos perfis de terreno elaborados para a
plataforma topográfica onde os monumentos foram construídos. Voltando à figura 7, e ao perfil que obtivemos
da plataforma da Serra da Muna, é possível perceber, por exemplo, que o monumento 3 tem um campo de
visão mais amplo sobre o território devido ao facto de estar construído a uma cota mais elevada que os outros
190 dois monumentos.
De realçar também que, de acordo com os dados fornecidos pela ferramenta das bacias de visão, apenas o
monumento 3 tem visibilidade para o conjunto da Casinha Derribada, o que mais uma vez se deve ao facto de
estar situado a uma cota superior.
Como vem referido na bibliografia, os três tumuli da Serra da Muna surgem na paisagem mais isolados uns dos
outros, aproveitando e ocupando áreas favorecidas pela inexistência de muito relevo, apesar da diferença de
cota entre os três, sendo que no caso do monumento 3, este aproveita uma superfície de cumeada de um
pequeno relevo que lhe dá um maior destaque visual e uma ampla abertura para o vale do Mundão.
Já em relação ao monumento 1, o seu domínio visual sobre o vale do Mundão é maior que os outros
monumentos, devido também à sua implantação no terreno, pois encontra-se mais a sul que os outros dois,
numa zona mais baixa e orientada para o vale.
Outro aspeto em que a análise das diferentes bacias de visão corrobora a informação bibliográfica é a de que
os monumentos não são visíveis entre si, também pela diferença de cotas, bem como dada a sua natureza
construtiva, em pouca altura.
Em relação aos cinco monumentos do conjunto da Casinha Derribada, os resultados obtidos com as bacias de
visão são observáveis na figura 10.
domínio visual muito maior que ultrapassa o próprio vale do Mundão, abrangendo mais paisagem envolvente.
Este maior domínio visual resultante da minha análise aos monumentos 1 e 2 já fora referido na bibliografia
referente à Casinha Derribada, mas apenas relevando a posição do monumento 1, em que se refere que a
topografia confere ao monumento 1 uma relativa monumentalidade e controlo visual de todo o espaço
envolvente.
Para a época de que são datadas estas duas necrópoles, e para a sua construção e utilização, o tipo de
povoamento da região ainda não se encontrava caracterizado pelos povoados fortificados de altura do Bronze
Final, como o de Santa Luzia, mas existia um povoamento disperso pelos vales e zonas mais baixas do
território, mais propensos a uma prática agrícola.
É neste contexto que se encaixam as características de implantação destes monumentos no terreno, a
localização destes locais de culto no alto das plataformas mais elevadas da região, aproveitando as cumeadas,
declives ou esporões, sobretudo nesta região da Beira Alta, uma zona com vários acidentes e elevações do
terreno.
Essa posição de destaque poderia servir como uma forma de reunir as populações que se encontravam
dispersas pelas terras baixas deste território, como fator agregador das comunidades, num momento anterior
ao aparecimento dos povoados de altura fortificados, que vieram a reunir algumas populações num seu habitat
delimitado e onde se concentrariam depois todos os aspetos da vida económica, social e politica dessas
populações, em áreas contiguas a esses povoados, como é o caso das necrópoles.
Esta localização dos monumentos funerários da Serra da Muna e da Casinha Derribada nos pontos mais
elevados dos montes leva-nos também para outra possível explicação e significado, para além do fator
agregador e da marcação da paisagem. Estes locais identificadores da paisagem podem já conter significados
simbólicos ou religiosos, em termos de fenómenos naturais e características da paisagem que carregam essa
simbologia para os habitantes da região. Podiam ter o significado de lugares naturais sagrados ou mágicos, e
por isso seriam santuários para essas populações que viviam em comunhão bastante próxima com aquilo que a
natureza lhes dava, sendo a sua base económica sustentável a agricultura e o aproveitamento dos vários
recursos naturais. 193
Dentro desses recursos indispensáveis aos indivíduos da região, e que teriam certamente também uma
importância simbólica ou sagrada, encontramos os rios e as linhas de água mais importantes desta área de
estudo, onde se situam a necrópole da Serra da Muna e da Casinha Derribada, que são também um elemento
de estudo e análise importante a partir das ferramentas fornecidas pelo SIG.
precisamos, juntando as linhas de água e os sítios arqueológicos estudados num mesmo formato, em que é
possível apresentar apenas essa informação escolhida e fazer o seu manuseamento, conforme podemos ver na
figura 12.
Fig. 12 – Localização dos monumentos da Serra da Muna e da Casinha Derribada, na parte do concelho de Viseu
abrangida pelas cartas militares n.º 166, 167, 177 e 178, com as respectivas linhas de águas mais importantes da região.
Outra ferramenta que também ajuda a perceber a área de influência ou a proximidade às linhas de água mais
importantes da região, partindo do local onde se encontram os sítios que nos encontramos a estudar, são os
buffers. Esta aplicação permite traçar uma circunferência com um valor de raio entendido, definindo uma área
de influência, apenas geométrica, pois não tem em conta outras condicionantes, como sejam a distância
percorrida em tempo ou as dificuldades do terreno, que não seja a distância entre o ponto do qual partimos e
o raio que definimos para a circunferência.
Neste caso, a aplicação da ferramenta buffer foi realizada para os três monumentos da Serra da Muna e para os
cinco da Casinha Derribada, tendo em conta que se pretendia fazer uma análise da proximidade dos locais aos
194 rios e ribeiras da região, e que esse buffer ajudasse a ter uma maior perceção acerca da proximidade ou não da
Serra da Muna e da Casinha Derribada com essas linhas de água.
A análise resultante da aplicação de um buffer de 5,5 km de raio a cada um dos tumuli da Serra da Muna e da
Casinha Derribada, respectivamente, é observado na figura 13.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 13 – Buffer de 5,5 km a cada tumuli da Serra da Muna e da Casinha Derribada.
A definição de uma área de 5,5 km de raio à volta de cada monumento, ajudou-nos, por exemplo, a analisar
que o rio Vouga constituía uma fronteira territorial bastante importante para a nossa área de estudo, se não
fosse possível atravessar o rio no seu curso natural e fosse necessário percorrer um longo caminho para o fazer
fora do seu curso ou numa zona em que existisse um menor caudal. Marcando uma fronteira terrestre a norte
das duas necrópoles, que definisse uma área de influência às respectivas necrópoles e para as populações que
exerciam os seus ritos sociais nesses locais, definiria uma área de vivência e de agregação mais pequena do que
era suposto pensar a uma escala maior de análise, uma espécie de demarcação territorial de um grupo de
diferentes comunidades que viveriam dentro das suas fronteiras mais próximas e simbólicas que seriam estes
cursos de água.
Outra observação interessante a retirar da elaboração destas imagens é que, no seu conjunto, a Serra da Muna
e a Casinha Derribada encontram-se no centro ou no encontro destas linhas de água mais importantes da
região. Parece existir um entendimento na construção destes elos de ligação com o mundo simbólico e
religioso, bem no centro do território que ocupam estas populações e da sua paisagem, marcando visualmente
ou apenas simbolicamente o coração do seu território com os seus antepassados, talvez uma forma de
devolver os seus antepassados a todas essas populações que viviam dispersas devido à sua atividade
económica, mas que se sentiriam parte integrante de uma comunidade maior que partilhava dos mesmos
valores e que afirmaria essa posição colocando aqueles que já tinham morrido, e as suas crenças e rituais, num
lugar da paisagem que chegasse a todos, que estivesse à mesma distância tanto ao nível geográfico, físico e
espiritual.
A relação entre os monumentos da Serra da Muna e da Casinha Derribada com os recursos naturais da região,
deve ter em conta uma análise mais focada nos monumentos em si, na sua construção e não tanto nas suas
significâncias. É necessário reconhecer que estes monumentos, apesar de serem de dimensões mais reduzidas,
vinham numa tradição da construção de estruturas megalíticas presentes em momentos anteriores desta
região.
Estes monumentos, tipificados como “cairn” por serem pequenas construções de pedra (matéria-prima
construtiva principal), tinham uma forma de serem realçados e destacados pelo uso de matéria-prima que
fosse um pouco contrastante com o resto do terreno em que se encontravam implantados. Sendo assim, e de
acordo com a informação bibliográfica, estes monumentos seriam construídos em grande parte com recurso à
matéria-prima mais abundante na região como é o caso do granito, mas também usando o quartzo como
elemento diferenciador e emprestando um impacto visual maior aos monumentos.
195
Essa referência é feita na bibliografia, destacando a implantação do conjunto da Casinha Derribada no local
chamado de “Monte Branco” ou “Penedos Brancos”, devido à grande quantidade de quartzo naquela área da
Serra do Mundão.
Fazendo a caracterização geológica desta área também é possível dizer que se trata de uma área do concelho
de Viseu que se encontra no “complexo xisto-grauváquico, de idade câmbrica e pré-câmbrica, com
intercalações de conglomerados constituídos por elementos de quartzo e quartzito”, sendo a região da Serra
do Mundão e Serra da Muna dominadas por uma paisagem granítica.
Neste caso, estes dados podem ser observados através da informação presente na Carta Litológica de Portugal,
assinalando os locais dos monumentos e usando novamente o exercício geométrico do buffers aos sítios, que
nos permitem fazer uma estimativa das matérias-primas existentes nas redondezas, novamente com um raio
de 5,5 km, o que dá aproximadamente um território teórico de exploração de uma hora de marcha, mas que se
encontra condicionado à região ou ao território mais pequeno que já antes referi como sendo talvez um espaço
de maior proximidade social entre os diferentes grupos de comunidades que povoavam dispersamente essa
área. Essa análise, através do uso destas ferramentas, é visível na composição da figura 14.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Conclusão
Em jeito de balanço deste trabalho, devo referir que a área de estudo que tinha definido à partida era
demasiado ambiciosa e assim sofreu alguns ajustes à medida que foi sendo desenrolado o trabalho, focando-se
apenas nas duas necrópoles do final da Idade do Bronze de Viseu - a Serra da Muna e a Casinha Derribada,
analisadas em conjunto devido às suas similitudes ao nível construtivo e da implantação na paisagem, bem
como devido à sua proximidade geográfica.
Num futuro desenvolvimento deste tipo de análise, deve-se tentar ter em consideração o restante conjunto de
sítios desta natureza existentes na região, deste período cronológico, para um estudo de âmbito mais alargado,
juntando a estes dois sítios outros como a necrópole do Paranho (Tondela), Senhora da Ouvida e Rochão
(Castro Daire) e o sítio do Pousadão (Vila Nova de Paiva), de maneira a tentar usar as capacidades de análise e
as ferramentas disponibilizadas pelos SIG para estudar as características geográficas, topográficas e naturais
196 destes sítios, e da sua interligação com a paisagem, com os recursos naturais da região e com as suas
populações.
Fica para mim a ideia de que, e de acordo com a bibliografia e os autores utilizados como base teórica para
este trabalho, o estudo deste tipo de sítios, com estas características e funcionalidades a que lhes atribuímos,
tanto a nível da prática funerária como de outros rituais religiosos e simbólicos, deve ser orientado para uma
perspectiva que contemple principalmente a sua inserção e a sua implantação na paisagem e ligação com os
recursos naturais existentes na região. Não descurando também as simbologias atribuídas à paisagem pelas
populações que nela habitam e de onde deriva o seu sustento, já numa perspectiva de arqueologia da
paisagem, de significâncias dadas à paisagem, onde as ferramentas e aplicações SIG não deixam de ser muito
importantes e úteis para este tipo de análise, como foi feito neste trabalho.
Para além das ferramentas usadas e descritas neste trabalho, foram experimentadas outras aplicações
disponibilizadas nos SIG, mas quer pelos resultados obtidos, quer pela natureza dos sítios ou pelo seu número
reduzido, não achei que fizessem sentido: como os polígonos de Thiessen, o Diagrama de Voronoi ou a
Triangulação de Delaunay. Em minha opinião, são ferramentas que funcionam melhor, ou dão mais indicações,
se tivermos um maior número de sítios, que interajam de maneira diferente num espaço geográfico maior.
Não creio ser possível dizer que existe um controlo ou domínio em termos do território e a nível social e
económico entre a Serra da Muna ou a Casinha Derribada, como por exemplo se estivesse a estudar um
Bibliografia
CRUZ, Domingos Jesus (1989) - Expressões funerárias e cultuais no norte da Beira Alta (V-II milénios a.C.).
Estudos Pré-históricos. Viseu. 6, p. 149-166.
CRUZ, Domingos Jesus; GOMES, Luís Filipe Coutinho; CARVALHO, Pedro Sobral (1998) - Monumento 2 da Serra
da Muna (Campo, Viseu). Resultados preliminares dos trabalhos de escavação. Estudos Pré-históricos. Viseu.
6, p. 375-395.
CRUZ, Domingos Jesus; CARVALHO, Pedro Sobral de; GOMES, Luís Filipe Coutinho (1998) - O grupo de tumuli da
"Casinha Derribada" (conc. de Viseu). Resultados preliminares da escavação arqueológica dos monumentos 3,
4 e 5. Conimbriga. Coimbra. 38, p. 5-80.
VILAÇA, Raquel; CRUZ, Domingos Jesus (1999) - Práticas funerárias e cultuais dos finais da Idade do Bronze na
Beira Alta. Arqueologia. Porto. 24, p. 73-99.
197
A Arqueologia Introdução
O presente trabalho, enquadrado na unidade curricular de Sistemas de
no Baixo Informação Geográfica aplicados à Arqueologia, terá como objectivo abordar
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 1 – Apresentação gráfica da região de estudo: altimetria, linhas de água e o povoamento até ao I milénio a.C.
Todos estes terrenos têm um grau de fertilidade bastante elevado, sendo propícios para a agro-pastorícia. Hoje
199
em dia, os terrenos mais baixos são usados principalmente para a prática agrícola, bem como para a exploração
de sal.
Em relação à rede hidrográfica, o Vouga assume-me como o rio principal de toda a realidade em estudo. No
entanto, na sua zona estuarina, forma-se uma rede complexa de pequenos ribeiros e afluentes, a que uns
designam de Haff, e outros de Ria. No entanto, nota-se uma grande confluência dos cursos fluviais, criando
entre si uma rede entre o Baixo e o Alto Vouga.
A nossa análise centrar-se-á, porém, no paleo-estuário do Baixo Vouga e nas dinâmicas das suas comunidades.
Assim, a realidade actual acaba por ser drasticamente diferente do que a sua antiga forma. Um dos grandes
agentes de mudança nesta zona estuarina (se não o maior) foi a construção da Barra de Aveiro. De facto, a
assoreação do rio Vouga foi de tal forma violenta, que o contacto com o mar foi barrado, criando graves
problemas em termos de saúde pública, uma vez que as águas estagnadas acabariam por gerar grandes surtos
de doenças na população. Assim, a construção desta abertura para o mar foi uma obra imperativa para o bom
funcionamento de toda a comunidade.
É com este cenário de diversidade, complexidade e interdisciplinaridade que iremos abordar a questão do
povoamento do Baixo Vouga até ao I milénio a.C.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
O gráfico 1 mostra as realidades das flutuações do nível do mar. De facto, as suas variações são consideráveis,
não havendo uma evolução gradual da linha de costa. Parece ainda haver algumas dúvidas em relação ao seu
nível durante os anos, traduzindo-se na existência de duas linhas, mostrando o intervalo métrico que os
especialistas consideram aceitável para a sua subida.
Assim, é possível observar que deverá ter sido entre cinco mil e dois mil anos atras que o mar estabilizou. Da
mesma forma, é pertinente pensar que, durante o I milénio a.C., o mar se poderá ter situado a cerca de 3 ou 4
metros abaixo da cota actual.
Neste sentido é importante ter em conta que, estimando a «elevação de apenas 1 m do nível médio do mar
2
implicaria a submersão de cerca de 40000 km da superfície dos EUA (metade da área de Portugal
Continental)» (Freitas e Andrade, 2009: 40).
São os mesmos autores que abordam a questão das pequenas alterações deste nível, no sentido em que
existem durante a história do Homem algumas situações onde se verificaram algumas mudanças nas cotas das
águas vindas do oceano.
202
Gráfico 2 - Variação do nível do mar nos últimos
2500 anos na costa atlântica francesa (adaptado de
Dias, 1987; Freitas e Andrade, 1998: 66).
Achamos necessário alertar para mais uma questão pertinente. Estando o mar a uma cota inferior da actual
linha de água, a antiga linha de costa deveria se estender em 25 a 40 km. Não será de considerar esta paleo-
costa em termos arqueológicos?
Apesar do estudo ser de uma grande complexidade, quer em termos científicos, metodológicos, e
principalmente com grandes encargos financeiros, é de extrema importância ter em mente este tipo de
situações. Caso paradigmático disso é o assentamento conhecido como Doggerland (5), tratando-se de um
grande complexo do Paleolítico/Mesolítico, onde os arqueológos pensam que se poderá tratar de várias
comunidades, somando cerca de dez mil pessoas.
Este arqueossítio localiza-se no Mar do Norte, entre a Grã-Bretanha e a Dinamarca, estando por isso hoje
submerso pelo dito mar. As datações até agora apontadas para o seu desaparecimento encontram-se entre
18000 e 5000 anos antes do presente.
Apesar de ser um estudo envolto em controvérsia, e certamente com grandes problemáticas em termos
metodológicos, bem como dificuldades interpretativas, acaba por ser um despertar para uma vertente da
Arqueologia até aqui impossível de aplicar por falta de meios capazes de analisar estas realidades. É certo que
este tipo de estudos têm de ser feitos com cuidado, e a nosso ver, facilmente podem escorregar para o campo
da imaginação, deixando o campo reflectivo, analítico e interpretativo. Contudo, é uma prática inovadora e que
acaba por responder a todas estas questões que envolvem o povoamento antigo.
204
Fig. 2 – Imagem de
satélite (Google Earth)
da Península Ibérica.
A oeste, a sul e a leste é
possível ver as áreas onde
se poderia situar uma
paleo-costa há 18 mil
anos atrás.
205
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 3 – Realidade actual da área de estudo. De notar que o cordão que separa o estuário é artificial. A Barra de Aveiro é
uma estrutura que começou a ser construída no final do séc. XVIII, sendo ainda hoje alvo de pequenas intervenções.
J. Alvarinho Dias defende que no decurso da fase de estabilização do nível do mar, provavelmente nos últimos
5000 anos, “o litoral entrou progressivamente em equilíbrio tendo-se constituído os depósitos litorais” (Dias,
1987: 333), sendo geralmente aceite que o nível actual terá estabilizado entre 5000 e 2500 anos atrás.
Este investigador defende também que a laguna se tenha formado recentemente, há cerca de 1000 anos.
Apesar disso, o nível do mar poderia ser um pouco abaixo daquilo que estará hoje, traduzindo-se numa foz
diferente, havendo talvez zonas propícias à ocupação, que hoje se encontram submersas.
As alterações da linha de costa podem dar-se através de dois processos bastante distintos, porém claros:
através do litoral de arriba ou erosão, e litoral de baixo de acumulação. “É neste último que ocorrem as baías,
lagunas e estuários, locais onde as transformações evolutivas são mais notáveis a longo prazo” (Freitas e
Andrade, 1998: 64).
Os rios acabam por ter um papel decisivo nas dinâmicas da linha de costa. Sendo estes um grande veículo de
sedimentos (originando a sua posterior deposição), e visto estarmos num regime transgressivo, as zonas de foz
são alvo de um grande processo de deposição de terras, uma vez que os sedimentos fluviais “que eram
depositados no Oceano, serão agora depositados no interior do curso fluvial” (Freitas e Andrade, 1998: 67).
Desta forma, esta assoreação conjugada com o nível do mar resulta numa associação cada vez mais para o
interior, formando por exemplo as lagunas e os cordões de terras. Para os autores referidos, é entre 7212 e
3700 BP que esta evolução se faz à custa de uma barreia impermeável e à custa de sedimentos terrígenos.
Outra realidade que acaba por contribuir para este factor é a desmatação e desflorestação dos terrenos, o que
por sua vez leva a um processo de menor instabilidade de terras, acentuando o seu escorrimento para zonas
206 mais baixas.
Em relação à formação da foz de Aveiro, antes do séc. X, o “cordão litoral que se estende hoje entre Espinho e
o Cabo Mondego, encerrando o espaço lagunar da Ria de Aveiro não existiria, e o litoral desenharia um golfo
amplo, aberto ao Oceano, onde desaguava o Cértima, o Águeda e o Vouga” (Freitas e Andrade, 1998: 68).
Amorim Girão, que escreveu uma das melhores obras sobre esta problemática, recorre-se da Arqueologia para
a explicar. No entanto, o autor relaciona a problemática do estuário com povoações que poderiam estar ligadas
à pesca, referindo a Agra da Pedra Moura e a povoação da Mamoa de Estarreja (arqueossítios que não
conseguimos localizar). No entanto, nada argumenta em relação à sua actividade piscatória.
O investigador fala-nos também de uma ilha (referida inicialmente por Martins Sarmento), a qual denomina de
Pelagia Insula. «Deve pois, ser a verdadeira afirmação de que à foz do Vouga aproavam navios fenícios,
Cartagineses, e depois Romanos» (Girão, 1922: 60).
Interpreta esta ilha como sendo o local de refúgio das populações aquando a conquista romana. «Ali, junto à
nova foz do Vouga se fundou a povoação de Aveiro» (Girão, 1922: 62). Girão afirma que esta zona tinha a
denominação de Aviarium.
Alberto Souto socorre-se igualmente desta suposta ilha, mas defende que o estuário da altura não seria muito
diferente do que se regista hoje. Segundo este, é possível a existência de um acidente geográfico – como uma
ilha – na orla costeira da região, localizando-a hipoteticamente entre o Vouga e o Mondego.
sabemos que já existiriam intervenções arqueológicas recentes, e por isso aguardamos com espectativa a
publicação dos resultados.
Para a conjugação de todos estes dados, há três registos de povoamento que achamos de grande importância
para uma tentativa de aproximação acerca do paleo-estuário do Vouga. Entre eles incluem-se o Serrado em
Ílhavo, o Crasto da Agra e as estações da Marinha Baixa e Torre localizadas em Cacia. No entanto, tanto no caso
do Serrado como no Crasto da Agra as informações que chegam até nós são escassas, mas suficientes para
indicar uma ocupação daquele espaço.
Estes assentamentos acabam por ter uma grande relevância no sentido em que são os mais chegados à costa.
De facto, o Serrado (tratando-se de vestígios pré-históricos) situa-se a uma cota de 6 m acima do nível do mar,
o Crasto da Agra encontra-se a 12 m e os casos de Cacia situam-se a uma cota entre os 8 e 12 m.
No caso do arqueossítio de Ílhavo, existem poucas informações sobre estes trabalhos, e os seus resultados
acabam por ser pouco claros, tanto que a sua cronologia atribuída foi dada como da “Pré-História”. Esta
designação acaba por abarcar uma larga diacronia, e mesmo vários milénios. Contudo, esta localização é um
exemplo perfeito da importância das alterações do nível do mar, pois confirmando-se uma ocupação deste
espaço, não poderia (ou não deveria) instalar-se em terrenos alagadiços ou pantanosos. Contudo, apenas um
estudo mais alargado poderá dar mais informações.
O caso do Crasto da Agra é mais interessante. Apesar de nunca ter sido publicado nenhum artigo sobre as
escavações, através de informações dadas pelo Doutor Fernando Almeida, a quem agradecemos
profundamente a disponibilidade, foram encontrados alguns materiais datados do período Calcolítico (a
direcção arqueológica da escavação esteve a cabo da Doutora Isabel Pereira). Apesar de este se localizar em
terrenos da Universidade de Aveiro, os trabalhos arqueológicos foram escassos, não se sabendo se terão
seguimento. Contudo, as construções do alargamento do campus da universidade continuam, apesar de não
haver nenhum acompanhamento arqueológico.
208
No entanto, se chegar a confirmação deste sítio datar do Calcolítico, entraremos numa baliza cronológica por
volta do III milénio a.C. Justamente, por esta época a linha de costa poderia ser dramaticamente diferente, no
sentido em que o processo de assoreação poderia não ter a extensão que tem hoje, fazendo com que a foz do
Rio Vouga pudesse ser mais recuada. De outro modo, a sua localização dá-nos uma informação muito concreta:
o nível das águas, nesta zona, não deveria passar a cota dos 12 m.
O caso das estações de Cacia é mais interessante do ponto de vista arqueológico. Pelo que se escreveu durante
algum tempo sobre esta zona, parece que se observou a presença de âncoras de tipologia romana nos seus
terrenos (Pereira, 1907; Girão, 1922; Souto, 1923). Estas, como foi dito anteriormente, situam-se a uma cota
entre os 8 e os 12 m. No entanto, se estes vestígios romanos foram encontrados a uma cota negativa da actual,
poderá indicar que o mar se encontraria a uma cota que recentemente foi enchida por depósitos de aluvião,
revelando também a presença de um caudal volumoso o suficiente para a navegação de embarcações de
alguma dimensão.
Posto isto, há que reflectir num outro factor importante: as águas poderiam ocupar uma cota que hoje
consideramos como negativa. Devido, justamente à assoreação ocorrida ao longo do tempo, os sedimentos
depositados criaram estratos de terra e argilas que ocuparam os espaços de leitos e margens. Desta forma,
todo o estuário poderia ter uma configuração diferente, não só apenas ao nível da largura das suas margens,
bem como da profundidade das águas por ele preenchidas.
Esta assoreação deve ter ocorrido, tal como referido anteriormente e depois da análise dos dados, após o início
da Era de Cristo. Em termos geológicos, enquadra-se no Holocénico, integrada no Quaternário. Com a aplicação 209
do shapefile relativo às formações do Quaternário, fornecido pelo Atlas do Ambiente, os resultados são
bastante interessantes.
A imagem, tal como é dito na legenda (Fig. 4), mostra-nos as deposições formadas ao longo do Quaternário. De
facto, é extremamente interessante verificar que esta área não ultrapassa as áreas assinaladas como sendo
parte do povoamento antigo, parecendo que estes poderiam indicar uma antiga linha de costa. Em relação ao
caso de Cacia, se esta deposição for resultado da sedimentação do rio Vouga, é de certa forma uma
confirmação que este seria um povoado costeiro, podendo ser mesmo um pequeno porto.
Para além destas informações, o mapa apresentado mostra também a localização dos rios Vouga, Cértima e
Águeda. Como foi dito anteriormente, há suspeitas que a foz do Vouga poderia ser na confluência destes rios, a
cerca de 20 km da linha de costa actual (e de facto, essa é a distância real apresentada no mapa). Podemos
estar perante uma representação do que seria a foz do Vouga em tempos recuados? Será complicado de
responder afirmativamente.
Aliado ao nível do mar, ao grande processo de depósito de sedimentos vindos dos cursos fluviais, existe
também a questão dos paleo-leitos que esta zona poderia ter, e que hoje só com o recurso a prospecções
geomagnéticas e geofísicas a questão poderá ser respondida.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Contudo, a posição dos assentamentos esta perfeitamente alinhada com a representação dos depósitos do
Quaternário, o que poderá ser um sinal de que será este o caminho a percorrer para chegar a uma conclusão
mais coesa e coerente.
Decidimos apresentar também uma análise a partir das curvas de nível das cartas militares de Portugal. Esta
partiu da observação das cotas dos assentamentos ali situados, que se encontram à volta dos 12 m acima do
nível do mar. No entanto os resultados não foram tão esclarecedores.
Recorrendo ao tratamento de modelos digitais de terrenos fornecidos pela NASA/METI (imagine-se onde
chegou hoje a globalização do conhecimento!), decidimos atribuir a todas as cotas entre os 0 e os 12 m acima
das águas do mar, a cor azul, tentando demonstrar como seria o estuário se o mar estivesse nesta cota.
Contudo, a proposta apresenta graves erros, desde logo em relação aos assentamentos, uma vez que estes se
encontram em zonas supostamente inundadas, situação que é obviamente errónea. Somando a isto, a escolha 211
da cota dos 20 m acaba por ser perfeitamente arbitrária, e por isso, vale o que vale.
No entanto achamos pertinente o facto de esta proposta se assemelhar bastante à apresentada atrás, no
Gráfico 3, bem como a tantas outras propostas apresentadas por diversos autores. Será que poderá ter algum
valor? Seguindo a linha de raciocínio proposta atrás, o nível das águas poderia ocupar um leito que se situaria a
uma cota inferior. Partindo do pressuposto que os sítios arqueológicos se localizam a uma cota de 12 m, e esta
proposta se situa numa cota a 20 m, a diferença entre os valores resulta em 8 m. Queremos com isto dizer que,
para esta configuração se apresentar como proposto, o fundo do leito deste paleo-estuário deveria estar à cota
actual de quatro metros (e portanto, oito metros abaixo dos doze referidos), de forma a suportar este grande
volume de água.
Apesar de estarmos conscientes que esta proposta poderá ser perfeitamente descabida, devemos lembrar que
o presente estudo se afirma como sendo de carácter introdutório, tendo como objectivo máximo lançar
questões e levantar dúvidas. De facto, sem um estudo geofísico destas realidades, não será possível aferir qual
seria a realidade geográfica deste local. Sem querermos parecer presunçosos ou arrogantes, a Ciência faz-se
exactamente de erros, e de tentativas falhadas. Provavelmente, esta será mais uma.
Com base nas propostas feitas anteriormente, iremos tratar aqui do carácter arqueológico do Baixo Vouga.
Nesta região, existem três referências em termos de trabalhos arqueológicos, isto é, sítios que se conhecem
melhor em termos arqueológicos, sendo eles o Cabeço do Vouga, o sitio da Torre e da Marinha Baixa (em
Cacia) e o Castro de Salreu.
Do último apenas sabemos que foram realizadas escavações e que provavelmente corresponderá a um castro
da Idade do Ferro (6). Ao que conseguimos perceber ainda nada foi publicado, pelo qual aguardamos os
resultados com bastante interesse.
Em relação ao Cabeço do Vouga e às realidades arqueológicas de Cacia, estão melhor estudadas, embora a
última ainda num estado bastante prematuro. No entanto, são as informações disponíveis, e para já só é
possível levantar algumas questões e lançar meras hipóteses.
O Cabeço do Vouga
O Cabeço do Vouga situa-se num relevo com duas zonas perfeitamente distintas. A leste situa-se o Cabeço
Redondo, com uma altura máxima a rondar os 90 m de altura, e a oeste, o Cabeço da Mina onde o seu ponto
mais alto está a 62 m a cima no nível do mar. Entre estes dois cabeços, existe uma depressão onde se encontra
actualmente a Capela do Espirito Santo. Na paisagem envolvente, este cabeço acaba por ter alguma
visibilidade, uma vez que a altura média nos terrenos à sua volta ronda entre os 25 e os 40 m.
O Cabeço do Vouga situa-se entre dois rios: o rio Vouga a nordeste, e o rio Marnel a sudoeste. Hoje em dia,
toda esta região é marcada por uma grande cobertura arbórea (protagonizada por eucaliptos), bem como uma
grande presença de campos agrícolas, associados aos terrenos de aluvião que marcam toda esta zona. Em
termos arqueológicos, o rio Vouga é muito mal conhecido. O Cabeço do Vouga será o exemplo mais marcante
no que toca à ocupação diacrónica nesta zona do Baixo Vouga.
A percepção das dinâmicas sociais e económicas deste sítio poderá trazer pistas importantes para o
conhecimento de toda a realidade da região, uma vez que uma das problemáticas mais veementes neste
estudo será o próprio reconhecimento da foz do Vouga, dados que ainda são escassos, visto que a investigação
arqueológica não tem, infelizmente, um papel relevante nesta região.
O assentamento foi escavado por Rocha Madahil (1941) bem como por Sousa Baptista (1950), onde o primeiro
escavou o Cabeço da Mina, e o segundo o Cabeço Redondo. De uma forma sumária, Rocha Madahil detectou
durante o seu processo de escavação (ainda que arbitrário e sem grande metodologia arqueológica), uma
grande muralha, quatro estruturas circulares (que interpretou como sendo bastiões, mas que durante
212 trabalhos posteriores se revelaram como sendo contrafortes de muralha), uma cisterna de águas pluviais e
ainda uma estrutura de carácter circular, datando-a do período pré-romano.
Já Sousa Baptista acabou por ter um trabalho bem menos denso e complexo no Cabeço Redondo, mas onde
detectou três patamares, todos eles com taludes associados. No entanto, os seus resultados acabaram por ter
como base as estruturas encontradas por Madahil no Cabeço da Mina, uma vez que a altura das muralhas do
Cabeço Redondo foram atribuídas como sendo sensivelmente as mesmas do que as do Cabeço da Mina, sendo
uma atribuição, a nosso ver perfeitamente arbitrária.
Na década de 90, Fernando Silva e a Câmara Municipal de Águeda decidiram, e muito acertadamente, a
reactivação do estudo do Cabeço da Mina. Os resultados de seis campanhas de escavação (desde 1996 a 2001)
foram impressionantes. O sítio é um perfeito exemplo de um assentamento da Idade do Ferro (ou até
posterior) que foi posteriormente ocupado pela presença romana. Aqui, é possível encontrar algumas
estruturas de carácter circular (por vezes ainda usadas em período romano), uma zona provavelmente
habitacional provavelmente anterior à ocupação romana, bem como algumas estruturas em negativo,
revestidas de opus signinum, que o autor considerou como sendo tanques de produção de garum. Estes
estudos estão presentes nos seus relatórios de escavação, infelizmente nunca publicados, bem como no Guia
ao Turista do Sítio da Mina (Silva, 1996-2001). Porém, até hoje grande parte dos materiais ainda não foram
estudados, impossibilitando assim datar com certeza grande parte das estruturas, bem como a funcionalidade
A nosso ver, os estudos feitos carecem de uma maior componente relacionada com a interpretação dos
próprios resultados. Desta forma, gostaríamos aqui de tentar lançar algumas questões relacionadas com o
entendimento deste sítio.
Durante a descrição de Sousa Baptista sobre o Cabeço Redondo, foram avançadas algumas hipóteses no que
213
toca à existência de uma estrutura amuralhada neste cabeço.
Relembrando esta descrição, Sousa Baptista identificou três plataformas. Um recinto interior definido por uma
muralha, um segundo patamar com cerca de trinta metros de largura, e ainda um terceiro patamar em que as
suas indicações acabam por ser difusas. A sul, refere que o muro inflecte, podendo corresponder a uma
entrada. Através da (tentativa) de análise do Cabeço Redondo, identificou-se algumas irregularidades que
podem indicar a presença de algum tipo de estruturas.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 8 – Tentativa de fotointerpretação do Cabeço Redondo. A vermelho, o contorno exterior e a branco algumas formas
interessantes que foram “identificadas”.
Neste pequeno exercício de fotointerpretação, tivemos por objectivo analisar as hipóteses lançadas por Sousa
Baptista. Por um lado, representado a vermelho, parece haver um contorno visível na vertente norte do
Cabeço Redondo (Fig. 8). Temos muitas dúvidas em relação à sua planta, no sentido em que em algumas zonas
este contorno fica praticamente imperceptível. Associamos esta forma a uma possível muralha exterior que
poderia circunscrever o cabeço.
A preto assinalámos as formas que nos pareceram existir no interior deste “recinto”. A que se localiza no
centro apresenta uma morfologia difusa, mas que se poderá assemelhar à forma “sub-elipsoidal”. Aquando da
sua identificação, Sousa Baptista referiu existir uma muralha com a forma aqui apresentada. Em relação à
forma mais a sul, e mais pequena, poderá corresponder à “entrada” mais meridional, identificada também pelo
autor citado. Não queremos com este pequeno exercício reflexivo tentar corroborar o pensamento de Sousa
Baptista, apenas tentar verificar se existe alguma conexão entre o registado, e o que se pode observar.
Uma vez mais, queremos reforçar a ideia de que se trata apenas de uma pequena abordagem, que no fundo,
vale o que vale. No futuro, temos intenções sérias em fazer um estudo com base neste tipo de observações.
Na mais recente publicação do Cabeço do Vouga, o Guia das Ruínas do sítio, são-nos apresentadas algumas
214 peças que chamam à atenção de contactos exteriores transmediterrâneos, dadas como Fenícias ou Púnicas
(Fig. 9). A presença deste espólio levanta questões importantes no que toca às dinâmicas económicas do
Cabeço do Vouga. O que nos remete para um outro aspecto: qual seria a importância do sítio apresentado para
a região do Baixo Vouga?
Fig. 9 – Espólio apresentado no “Guia das
Ruinas do Cabeço do Vouga” (Silva, 2010).
Na figura 10 pode-se ter uma imagem panorâmica da região do Cabeço do Vouga. De facto, a norte é possível
observar a existência de uma ponte romana que daria um acesso bastante directo a toda a área envolvente ao
De facto, é Alberto Souto que observou estruturas graníticas estranhas à geologia local, que se encontravam a
cerca de 1 m da cota superficial. Tanto a Marinha Baixa como a Torre devem corresponder a uma área onde a
ocupação foi continuada.
As escavações permitiram detectar três fases distintas. A 1ª fase ficou marcada pela construção de dois
recintos delimitados por muros pétreos e sobrepostos por uma construção de terra argamassada – revelando
uma área de funcionamento de alguns fornos. Estes não deveriam estar ligados à produção de cerâmica, visto
que análises por difracção de raios X revelarem que o forno não atingiria as temperaturas necessárias para a
cozedura da cerâmica presente no local (Sarrazola, 2006: 16).
A 2ª fase passou por uma reorganização dos espaços funcionais, onde foram identificadas algumas estruturas
arquitectónicas bem como algumas estruturas em negativo, e ainda um pavimento de terra batida. Todo este
espaço está associado a uma linha de água, delimitada a ocidente.
A 3ª fase passou por uma submersão da Marinha Baixa, documentada pelo nivelamento dos derrubes das
construções de terra da fase anterior, bem como pela presença de um conjunto de buracos de poste.
Em termos de espólio, as cerâmicas romanas presentes datam do séc. IV e V, havendo também uma grande
quantidade de vidros presentes. O autor relaciona assim este espaço com a possibilidade de ser um centro de
produção e reciclagem de vidro.
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 11 – Localização do sítio arqueológico na CMP n.º 174 (1:25000).
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Ainda que a sedimentação só começasse a ter um maior impacte na foz, a partir do “equilíbrio” no que toca ao
nível do mar, isso não quererá dizer que ao longo do rio este fenómeno da baixa profundidade, baixo caudal e
até a existência de algumas ilhotas não fosse uma realidade. Como devemos então reflectir em relação a este
importantíssimo factor?
Fig. 14 – Excerto da Carta Mineira de Portugal (1960) com a área de estudo delimitada a preto, as extracções de cobre
assinaladas a verde e as extracções de estanho assinaladas a cor-de-laranja.
Pela Carta Mineira, é possível perceber muitas destas localizações de minérios se localizam perto dos rios,
neste caso do Vouga e do Caima (Fig. 14). Não temos conhecimento de se as comunidades saberiam destas
localizações ou se seria possível extrair o minério, dada a tecnologia existente (não sendo esta característica
aplicada ao caso romano). Contudo, apenas um estudo mais aprofundado sobre esta temática poderá
responder à hipótese que foi levantada.
No entanto, as informações e afirmações continuam a ser vagas e hipotéticas, uma vez que possuem pouco
fundamento argumentativo já que estamos perante uma situação onde temos uma clara falta de dados claros e
conclusivos. Existe uma grande lacuna no que toca aos estudos de carácter arqueológico na região do Baixo
Vouga, principalmente das redes viárias, tentando compreender as suas dinâmicas e as suas orientações.
Outra questão que acaba por ser decisiva é o entendimento da própria morfologia das redes fluviais, uma vez
220
que a acção humana, bem como o grande assoreamento da região, alteraram de forma muito significativa a
morfologia e os cursos de água, sendo assim os paleo-leitos um ponto fulcral no entendimento arqueológico da
região em questão.
Uma outra abordagem que carece de análise é a questão das vias fluviais, uma vez que se torna extremamente
complicado perceber estas realidades, sem a existência de dados concretos sobre as vias terrestres, e
principalmente sem a identificação de portos ou “simples angras ou praias abrigadas da vaga e do vento, onde
os navios podiam fundear ou varar em segurança” (Mantas, 2000: 24), o que acaba por ser uma tarefa
extremamente complexa.
De lembrar será também o facto da existência de construções mais antigas, proporcionando um melhor
entendimento entre as comunidades e as dinâmicas fluviais e marítimas. Relembrando Vasco Mantas,
invocando o «dique fenício de Tebbat-El-Hamman na Síria, (…) de cerca de 200 metros e que remontará ao
século XX a.C.» (Mantas, 2000: 25).
Conclusão
As hipóteses aqui levantadas tiveram por objectivo incentivar o estudo, o diálogo e a troca de ideias sobre a
Bibliografia
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Notas
(2) Especialista relacionado com as áreas de Ciências Marinhas, Geologia Costeira, Dinâmicas Sedimentares, Ordenamento da Costeiro e
Impactes das Alterações Climáticas – Faculdade de Ciências do Mar e do Ambiente, Universidade do Algarve.
(3) Professor Catedrático da Universidade de Aveiro. Vice-Presidente da Comissão Nacional de Geografia entre 2005 e 2007.
(5) http://www.nature.com/news/2008/080709/full/454151a.html
(6) http://www.cm-estarreja.pt/newstext.php?id=7397
(7) Embarcação típica de Aveiro, caracterizada por ter uma borda baixa, usando como métodos de propulsão a vela, vara e sirga – este
último usado para ultrapassar canais estreitos e juntos às margens. Hoje em dia o seu propósito já não é a apanha do moliço, e são usados
motores para a sua deslocação.
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