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APLICAÇÕES SIG EM

ARQUEOLOGIA NO
TERRITÓRIO NACIONAL
MARCOS OSÓRIO (Coord.)

SEMINÁRIO SIG EM ARQUEOLOGIA


MESTRADO EM ARQUEOLOGIA E TERRITÓRIO • FLUC • COIMBRA • 2013
Índice

Introdução aos SIG em Arqueologia através do programa Quantum GIS ..………………………………………. 2


Marcos Osório
Gouveia: aplicação de ferramentas SIG ……..………………………………………………………………………………….… 14
Isabel Cavaco
A arte rupestre e a ocupação humana do Vale do Côa - segundo uma perspectiva espacial …………… 24

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


Ana Rita da Silva
Aplicação dos SIG na análise da dinâmica viária: estudo da Carta Militar de Portugal nº 250 .…….….. 36
Bruno Bairrão de Freitas
Povoamento proto-histórico no Baixo Mondego. Breve abordagem à problemática da implantação
do povoamento com recurso aos SIG ….…………………………………………………………………………………….…….. 82
Daniela Simões
Ferramentas SIG aplicadas ao território de Tomar…………………………………………………………………….…….. 108
Diogo Matos
Para uma análise espacial da exploração mineira em Vila Velha de Ródão .………………………….………… 122
Fábio Fernandes
Vias romanas e povoamento romano no Conventus Bracarensis, sob uma abordagem SIG ……..……… 136
Fábio Amílcar Vieira
Contributo dos SIG para uma melhor gestão e interpretação do património histórico e arqueológico
do Município de Cantanhede …..……………………………………………………………………….…………………………..… 150
Guilherme Cruz
Arqueologia da freguesia de Castelo Branco …………………………………………………………………………….…..… 164
João Frias
Práticas funerárias e cultuais do Bronze Final da Beira Alta: o caso das necrópoles da Serra da Muna
e Casinha Derribada (Viseu) ………..…………………………………………………..………………………………….…..……… 184
Luís Costa
A Arqueologia no Baixo Vouga até ao I milénio a.C.: questões e propostas ……………………….……….…… 198
Luís Fareleira

1
Introdução Objectivos e temáticas
aos SIG em O seminário SIG em Arqueologia, integrado no Mestrado de Arqueologia e
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Território, tinha por objectivo introduzir os alunos nos princípios básicos do


Arqueologia funcionamento dos Sistemas de Informação Geográfica e dar a conhecer as
suas potencialidades aplicadas à Arqueologia.
através do De forma a suscitar alguma motivação para a temática, convidámos os

programa mestrandos a desenvolver uma abordagem prática a um território particular,


por intermédio das ferramentas disponíveis nos SIG. Os alunos procuraram
Quantum GIS dar resposta a determinadas questões da investigação arqueológica, com
base nos conhecimentos adquiridos durante a componente curricular do
Marcos Osório seminário, através da concepção e manipulação de dados espaciais e
alfanuméricos.
Para que estes trabalhos não se limitassem a um mero desempenho
académico, foram agora reunidos com vista à apresentação de uma
publicação conjunta. Nestes artigos são oferecidos diversos exemplos
portugueses de aplicação SIG em contexto arqueológico, constituindo um
forte contributo para uma temática ainda com poucas referências no país.
Demos liberdade aos alunos de poderem escolher o âmbito geográfico de
incidência do seu estudo, tendo a maioria investido nas zonas que melhor
conhecem, onde residem ou nas quais têm vindo ou pretendem
futuramente desenvolver investigação.
As áreas analisadas circunscrevem-se praticamente à região centro (embora
exista um estudo produzido a norte do rio Douro) e os territórios escolhidos
estavam já relativamente bem estudados, do ponto de vista arqueológico,
apresentando geralmente uma malha de povoamento antigo intenso, tendo
até sido incluídas algumas estações arqueológicas emblemáticas, como
Conimbriga, Bracara Augusta, Sellium ou todo o Vale do Côa.
Alguns estudos cingiram-se aos limites municipais, como os concelhos de
Gouveia, Cantanhede ou Tomar, outros abrangeram zonas geográficas mais
extensas, nomeadamente os que incidiram nas bacias hidrográficas do Baixo
Vouga, do Baixo Mondego e do Baixo Côa. Temos também algumas
abordagens mais circunscritas, como a viação antiga em torno de Bracara
Augusta e Soure, o povoamento na freguesia de Castelo Branco, a
2 mineração romana na freguesia de Vila Velha de Ródão ou as necrópoles
pré-históricas da região de Viseu.
A diversidade de âmbitos cronológicos e de objectivos de investigação, bem
como os diferentes processos de obtenção das respostas, condicionaram as
ferramentas que cada estudo utilizou. Houve trabalhos que pretenderam uma diacronia de cronologias desde a
Pré-história à Época Moderna, especialmente aqueles que trabalharam dentro de rigorosos limites
administrativos, mas houve estudos focados em épocas ou tipos específicos de ocorrências arqueológicas:
como a viação romana e medieval; a arte rupestre pré e proto-histórica ou a mineração romana.
No geral, estas abordagens regionais apropriaram-se, de forma inédita, de diversas aplicações SIG com vista a
gerar nova informação e proporcionar aos investigadores destes períodos cronológicos e destes territórios,
dados complementares às escavações e prospecções que aí tenham desenvolvido.
Os onze contributos que agora se apresentam reflectem o enorme esforço de aprendizagem despendido pelos
mestrandos para conseguir, apenas em três meses, atingir patamares próximos dos investigadores que
trabalham nestas áreas há alguns anos. Esperemos que o caminho trilhado não seja em vão e que surjam novas
oportunidades para poderem aplicar estes conhecimentos adquiridos.

Vantagens e limitações

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Naturalmente, são muitas as vantagens da aplicação dos SIG, não fosse esta uma vertente da investigação em
várias ciências sociais e humanas - e agora também na Arqueologia - em franco desenvolvimento, sobre a qual
têm já sido efectuadas reuniões de investigadores, publicações da especialidade, pós-graduações e mestrados.
A principal vantagem dos SIG é a possibilidade de armazenamento, análise e representação tanto de dados
espaciais como não espaciais (Parker, 1988: 1547), sendo o único sistema que consegue analisar espacialmente
a informação e integrá-la com os conteúdos alfanuméricos (Salgado, 2005: 2).
E considerando que a Arqueologia é por excelência um campo privilegiado de informação com incidência
geográfica, com necessidades muito próprias de apresentá-la a diversas escalas de aplicação (Santos, 2006: 1),
os SIG mostram um grande potencial na adaptação ao estudo do passado, abrindo agora a possibilidade de ter
os elementos arqueológicos devidamente georreferenciados e de cruzá-los com imensas variáveis espaciais e
descritivas.
Deste modo, passamos a ter soluções mais rápidas e menos complicadas para analisar a componente espacial
da investigação arqueológica, de um modo que mais nenhuma outra alternativa informática de apoio à
investigação arqueológica consegue.
No entanto, os SIG são muito mais do que um mero editor de mapas com pontos coloridos. São sistemas que
possibilitam a rigorosa gestão de toda a informação arqueológica disponível, facilitando a sua rápida
visualização, edição e análise. É possível agora, com exactidão geométrica, confrontar núcleos de povoamento
com redes viárias ou hidrográficas; sobrepor zonas de habitat a áreas demarcadas por tipos de solo ou de
substrato geológico; relacionar as ocorrências patrimoniais com determinadas peculiaridades físicas, como o
grau de declive ou a orientação das encostas, entre muitas outras possibilidades.
Apesar de todas estas vantagens, não devemos esquecer que os SIG continuarão a ser apenas um simples
instrumento para o investigador atingir os objectivos propostos e não um fim em si mesmo. Estes sistemas
informáticos não fornecem a resposta a todas as questões do passado histórico, mas são apenas mais um
recurso para a análise e interpelação dos dados, exibidos na forma de mapas ou de relatórios.
Na Arqueologia, o método soberano de obtenção de conhecimento continua a ser a escavação arqueológica e
só dessa forma os dados disponibilizados pelos SIG poderão ser inteiramente avaliados. Contudo, na
impossibilidade de dispor de orçamento e tempo suficiente para escavar os diversos testemunhos de ocupação
humana de uma região e extrair as respectivas conclusões, é através dos SIG que efectuamos as abordagens
essenciais a esse povoamento antigo.
Como era previsível, os trabalhos finais deste seminário depararam com alguns obstáculos para alcançar com
sucesso o objectivo proposto. Em primeiro lugar, pelo escasso tempo de formação, de consolidação de 3
conhecimentos e de manuseamento destas ferramentas. Depois, pelas dificuldades em garantir o acesso
gratuito a alguns softwares SIG e à informação geográfica de cada região estudada. E para estes dois desafios
houve distintas soluções, que conduziram a diferentes desfechos.
No primeiro caso, ultrapassámos os problemas decorrentes do custo elevado da licença de utilização dos
softwares comerciais, escolhendo como ferramenta de trabalho, entre as opções Open Source disponíveis, o
programa Quantum GIS (versão 1.8.0), que neste âmbito se destaca nitidamente.
É um software fiável e intuitivo para qualquer utilizador comum, traduzido em vários idiomas e com manuais
em língua portuguesa. Tem exigências de hardware reduzidas e até ocupa um espaço limitado. O programa
tem sofrido grandes melhorias e permite hoje resultados ao mesmo nível que os softwares comerciais mais
tradicionais, devido ao constante aparecimento de novos plugins.
Um outro software Open Source usado na parte final do seminário, através de uma aplicação existente no
próprio programa QGIS, foi o GRASS (Geographic Resources Analysis Support System). Não foi tão bem
aprofundado como o anterior, dado o tempo limitado do semestre e o seu nível mais elevado de exigência,
impedindo uma utilização generalizada em todos os trabalhos apresentados. Mesmo assim, foram ensinadas
nas aulas algumas aplicações GRASS: em especial o cálculo de superfícies de custo e de caminhos óptimos, de
cujo potencial alguns mestrandos souberam tirar partido.
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O segundo desafio anteriormente referido prende-se com as dificuldades de obtenção de informação


geográfica para cada território abordado, com a qualidade e o rigor necessários às análises espaciais
produzidas em ambiente SIG.
Os ficheiros de altimetria e os raster temáticos usados não foram os mais fiáveis, devido às limitações no
acesso às fontes oficiais, tendo nós recorrido a outras soluções gratuitas, como por exemplo ao Advanced
Spaceborne Thermal Emission and Reflection Radiometer Global Digital Elevation Model (Aster GDEM)
fornecido pela NASA e pelo METI (Ministry of Economy, Trade and Industry of Japan). Obviamente que, no caso
da altimetria, não havendo a disponibilidade das curvas de nível do território nacional, com o rigor de 10
metros (propriedade dos serviços do IGeoE), a fiabilidade das bacias de visão e dos caminhos óptimos
calculados nas superfícies geradas por essa fonte externa ficou sempre aquém do que se poderia obter com a
cartografia do Exército Português.
Felizmente que ainda temos para o território nacional a informação georreferenciada disponível no Atlas do
Ambiente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e no Atlas da Água do Sistema Nacional de Informação de
Recursos Hídricos (SNIRH), que, embora pouco pormenorizada, proporciona os dados essenciais referentes, por
exemplo, à hidrografia, ao tipo de solos ou à geologia. Estas cartas temáticas em formato vectorial ou raster
não foram porém as mais apropriadas para análises a escalas maiores. Esta limitação desencorajou a
extrapolação de conclusões, por exemplo, da sobreposição de núcleos de povoamento antigo às manchas de
capacidade de solos ou às áreas mineiras – um cruzamento interessante em qualquer estudo arqueológico, que
em ambiente SIG pode ser executado em poucos minutos. Mesmo assim, houve trabalhos que promoveram
pontualmente esse confronto, apesar das contrariedades referidas, com resultados aceitáveis.
Por outro lado, a inexistência de cadastros sistemáticos e precisos dos sítios arqueológicos em Portugal, aos
quais os mestrandos pudessem recorrer, foi mais uma das limitações sentidas. O escasso tempo disponível para
este seminário impedia a realização do levantamento da totalidade dos sítios através de batidas de campo. Por
isso, temos consciência de que as conclusões aqui expressas estarão sempre condicionadas pela falta de um
programa de prospecções intensivas que possibilitaria um conhecimento mais profundo do território.
A solução encontrada foi o recurso ao inventário nacional de sítios arqueológicos, facultado pelo Portal do
Arqueólogo da Direcção-Geral do Património Cultural. Apesar de constituir um grande contributo para o
conhecimento do potencial arqueológico nacional, esta base de dados não possui uma listagem completa dos
sítios de cada concelho. Todavia, este catálogo passou recentemente a associar um par de coordenadas
geográficas aos sítios registados. Agora, através de um plugin do QGIS que permite carregar no ambiente de
trabalho ficheiros de texto que contenham coordenadas X e Y (Fig. 1), convertendo-as em shapefile de pontos,
4 pode-se visualizar e analisar esses sítios arqueológicos sobre qualquer base cartográfica do território nacional.
Tal como foi expresso nos trabalhos dos alunos, algumas destas coordenadas não incidiam exactamente nas
áreas arqueológicas, devido a erros e a falta de rigor das fontes e dos processos de referenciação geográfica
decorrentes deste cadastro nacional. Estas imprecisões são uma das principais lacunas desta base de dados,
que a DGPC tem actualmente procurado melhorar. Frequentemente, os próprios mestrandos tiveram de
proceder à correcção da localização destes sítios sobre a ortofoto, através das ferramentas de edição de
informação vectorial do QGIS.
Porém, apesar de todas estas limitações descritas, importa salientar que houve manifesto empenho destes
trabalhos em recorrer ao máximo de ferramentas e aplicá-las ao território estudado, extrapolando delas os
dados possíveis e alcançando respostas para algumas das problemáticas que foram colocadas.

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Fig. 1 – Ambiente de trabalho do QGIS, utilizando o plugin de carregamento de ficheiros com coordenadas X e Y.

Principais ferramentas empregues


O potencial dos recursos disponibilizados pelo QGIS para a investigação arqueológica é elevado. Estes estudos
não recorreram a todos, mas optaram por aqueles que eram possíveis e necessários, em função das
problemáticas, do grau de exigência e das dificuldades sentidas na informação espacial adquirida.
Podemos agrupar as funcionalidades do QGIS mais utilizadas na análise arqueológica patente nestes trabalhos
pelos seguintes tipos de aplicações:

Edição de informação vectorial


Entre as operações mais elementares realizadas através dos SIG encontra-se a edição de pontos, linhas e 5
polígonos que constituíram a informação vectorial alvo de análise nestes estudos regionais.
Esta aplicação foi essencial para assinalar as estruturas, as áreas de vestígios, os caminhos ou os
emparcelamentos fundiários sobre a ortofoto disponível na web através das fontes do Google e do Bing, dada a
impossibilidade de se deslocar aos locais arqueológicos com instrumentos de georreferenciação exacta; ou
então para efectuar pequenas correcções e acrescentos na geometria das figuras obtidas através da
importação de coordenadas pelo plugin referido atrás (Fig. 1), ou por ficheiros *kml (Google Earth), ou
levantamentos em formato *dxf (AutoCAD) (Fig. 2) ou dados *gpx (GPS).
Por este meio se corrigiram erros de localização, se desenharam os limites das áreas de dispersão de achados,
se cortou, uniu, desagregou ou apagou parte da informação vectorial para o posterior confronto desses
elementos com outras superfícies raster.
Estas operações de edição vectorial que muitos mestrandos aproveitaram, sempre que havia um conhecimento
mínimo sobre os sítios arqueológicos e o seu contexto envolvente, foram extremamente importantes para
desenhar, por exemplo, as plantas das estruturas defensivas de um povoado, as redes viárias de uma região ou
as malhas urbanas de um centro histórico.
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Fig. 2 – Importação de um ficheiro do programa Autodesk AutoCAD (no formato *dxf) relativo ao levantamento
topográfico do castelo de Alfaiates (Sabugal), sobreposto à ortofoto.

Classificação da informação vectorial


A informação vectorial pode ser representada graficamente no QGIS através de diferentes cores, formas ou
simbologias, que visam a sua distinção com base em diferentes atributos e o estabelecimento de hierarquias
6 ou tipologias desses dados geométricos. Assim, numa amálgama de pontos, linhas e polígonos é possível
distingui-los entre si com o apoio da respectiva simbologia escolhida, acompanhada de uma legenda
interpretativa, dando maior leitura à informação mapeada.
O QGIS oferece várias opções no respectivo painel de Estilo da camada, onde se poderá alterar a cor ou a
morfologia, adicionar símbolos marcadores aos pontos e texturas de preenchimento para os polígonos, bem
como colocar rótulos (labels). Alguns alunos recorreram até ao leque disponível de opções de ‘Imagens SVG’,
dando ainda maior informação na própria simbologia dos elementos assinalados.
É uma aplicação simples e rápida, para exibir a informação geográfica através de cuidada selecção de cores e
morfologias, conforme o gosto de cada um. Foi utilizada por exemplo para distinguir sítios de cronologias
distintas num mesmo território ou para individualizar os vários traçados viários propostos pelos sucessivos
investigadores.

Pesquisas por atributos


Toda a informação vectorial disponível nos SIG tem uma tabela de atributos associada, onde constam as
características que melhor definem esses dados espaciais. No decurso das análises, estes elementos podem ser
manuseados através de consultas: um recurso empregue para localizar todos os itens com determinadas

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características, seja a cronologia, a tipologia, a localização administrativa ou qualquer outro campo previsto na
tabela.
Esta selecção por atributos adequa-se a uma infinidade de propósitos no processamento da informação
geográfica, actuando como filtros sobre os elementos dessa camada, de forma a operar separadamente esses
mesmo elementos. Esta possibilidade foi aproveitada especialmente pelos alunos que abordaram o território
numa perspectiva diacrónica, tendo necessidade de examinar os testemunhos de povoamento por épocas
distintas ou de destacar alguns elementos espaciais em função de determinadas características. O benefício
destas pesquisas é a possibilidade de escolher uns em detrimento de outros, distingui-los ou destacá-los, com o
objectivo de visualizar apenas essas opções numa superfície cartográfica.

Os três tipos de aplicações SIG descritos até aqui são de reduzida dificuldade, mas sem eles não seria viável a
apresentação e análise dos dados relativos à temática abordada ou seria mais morosa a sua realização,
recorrendo a outras soluções informáticas.

Geoprocessamento da informação vectorial


A flexibilidade dos dados de tipo vectorial possibilita a execução de uma série de operações para interpelação
dessa informação. São ferramentas simples, mas bastante úteis para determinadas análises espaciais, das quais
as mais utilizadas nestes trabalhos foram os buffers, o diagrama de Voronoi e a Triangulação de Delaunay.
Não tendo sido pensadas especificamente para a Arqueologia, pois são operações matemáticas desenvolvidas
por outras áreas científicas, cedo foram empregues em situações particulares da investigação arqueológica, por
oferecerem resultados substanciais para a compreensão da ocupação humana de um território, definindo por
exemplo a sua extensão, os seus limites ou as suas relações espaciais.
A fiabilidade e pertinência destes exercícios foram discutidas pelos mestrandos, o que não impediu que através
da sua utilização tivessem chegado a determinadas conclusões, sempre que não houve possibilidade de definir
de outra forma a área de influência de um determinado núcleo de povoamento ou os seus limites territoriais,
como por exemplo através do cálculo do respectivo tempo de marcha.
Entre as operações de análise espacial vectorial mais comuns encontra-se o buffer, que é um instrumento de
cálculo elementar de áreas em função de determinada distância a um objecto específico, seja ele ponto, linha
ou polígono (Mano, 2012: 23).
A sua aplicação a um conjunto de núcleos populacionais, por exemplo, origina imediatamente as hipotéticas
áreas de controlo territorial dessas comunidades, variando conforme os valores numéricos atribuídos, e
permite estabelecer as relações entre esses habitats e outros dados espaciais adjacentes, como a hidrografia, a 7
rede viária ou as áreas de exploração mineira.
Por outro lado, para resolver problemas que envolvam o conceito de proximidade entre diversos centros de
povoamento podemos também utilizar o diagrama de Voronoi, que estabelece os limites intermédios entre
vários pontos, fazendo passar por eles alinhamentos rectilíneos, que, numa malha de múltiplos sítios, acabam
por gerar áreas poligonais, correspondentes aos seus potenciais territórios.
Este exercício é amplamente empregue no contexto da geometria computacional para responder a questões
de ordem geográfica como, por exemplo, quais as regiões menos ocupadas ou qual o vizinho mais próximo de
um sítio. O método tem sido aproveitado há já algum tempo pelos estudos da arqueologia espacial
processualista, através dos chamados “polígonos de Thiessen”, mas ainda hoje se continua a discutir a sua real
capacidade de leitura do espaço ocupado pelas primitivas comunidades.
Apesar de esta operação não produzir mais do que uma aproximação teórica, permite detectar, por exemplo,
coincidências entre os contornos das áreas poligonais e os acidentes geográficos existentes nesse território:
sejam as linhas de água ou as formações orográficas. Não tendo informações mais concretas à disposição, nem
outras ferramentas auxiliares, e querendo obter um diagnóstico preliminar sobre o padrão de ocupação
humana de uma região, esta aplicação fornece resultados elementares, e alguns mestrandos recorreram a ela,
pois o QGIS permite a sua rápida execução.
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Quanto à Triangulação de Delaunay, sendo outra operação computacional que não foi criada propriamente
para a Arqueologia, pode ser aproveitada com o objectivo fundamental de definir quais as conexões mais
directas entre vários sítios arqueológicos, como por exemplo entre povoados e minas ou entre cidades e portos
marítimos. Sabemos que essas ligações raramente seriam viáveis por diversos condicionalismos naturais, mas
dão eventuais pistas sobre as vias de comunicação entre os sítios, especialmente em zonas de menor
irregularidade do relevo, definindo áreas susceptíveis de apresentar testemunhos da primitiva rede viária.
Obviamente que estes exercícios deveriam incidir apenas sobre sítios e ocorrências contemporâneas, deixando
de ter sentido se não sofreram ambos ocupação no mesmo período cronológico (Renfrew e Bahn: 1993: 167).

Interpolação de informação vectorial (Modelos Digitais de Terreno).


Para ter uma noção do território estudado, do ponto de vista da altimetria, é possível fazer a conversão das
curvas de nível e dos pontos de cota (informação vectorial de tipo linha e ponto) numa superfície raster,
através de uma interpolação (Mano, 2012: 22). O resultado é vulgarmente designado como Modelo Digital de
Terreno (MDT), que é um mapa de elevação classificado por cores, em que o valor de cada célula representa a
altitude do terreno por ela abrangido.
Posteriormente, por meio de outras ferramentas de análise matricial, se atribuirmos a cada célula desse raster
um determinado valor de iluminação (especificando o “azimute de orientação” e a “altitude de iluminação”),
podemos criar uma segunda superfície com o efeito de sombreamento (hillshade), que simula o relevo desse
mapa de elevação. Sobrepondo a cartografia colorida da altimetria a esse raster e dando-lhe ligeira
transparência, obtém-se um mapa hipsométrico que ajuda a compreender de forma bastante empírica o
território estudado e constitui um suporte cartográfico de boa leitura para a representação da restante
informação vectorial pontual, linear ou poligonal (melhor do que sobre meras curvas de nível desenhadas ou
do que a carta militar com demasiada informação).
Mas as suas vantagens são muito mais amplas, destacando-se a possibilidade de derivar dele outro tipo de
mapas, como por exemplo dos declives ou da exposição solar, que combinados com uma carta temática de
capacidade de solos, através de uma análise simplificada, permitem determinar quais as áreas de maior
potencial agrícola de um determinado território (Santos, 2005: 36).

Análises espaciais de informação raster


O MDT é o meio mais usual de processamento de análises espaciais raster que tenham por objectivo modelar e
8 visualizar fenómenos históricos e pré-históricos relacionados com a topografia, como por exemplo a
visibilidade da paisagem e o custo de deslocação pelo terreno.
Estas análises foram mais complexas, especialmente devido à menor qualidade da informação geográfica
disponível e às complicações decorrentes do seu manuseamento, que influíram decisivamente no cômputo
final. Só com valores altimétricos de intervalo mínimo de 10 metros se poderia almejar resultados mais
satisfatórios, o que não aconteceu com as curvas de nível de 30 em 30 metros do MDT adquirido gratuitamente
para estes trabalhos académicos.
Apesar destes contratempos, um dos exercícios mais frequentes foram as bacias de visão (viewsheds), que são
simulações executadas para definir o território que é visível por um determinado observador. Por meio de
operações aritméticas de reclassificação dos valores de elevação de cada uma das células mínimas do MDT, o
programa produz uma nova superfície matricial, em que cada pixel representa o terreno que um ou vários
observadores conseguem avistar desde uma localização específica (Osório e Salgado, 2007: 16). Esta aplicação
permite assim categorizar as visibilidades e as intervisibilidades humanas dentro de um espaço geográfico
circunscrito.
Embora existissem outras formas de obter estas bacias visuais, como por exemplo através dos algoritmos
“r.los” e “r.viewshed” do software GRASS, optámos por recorrer ao plugin “Visibility Analysis” do repositório do
QGIS 1.8.0. A aplicação é bastante intuitiva e de pouca complexidade, podendo-se inserir as coordenadas do

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local de observação no menu ou seleccioná-lo directamente no modelo digital de terreno (Fig. 3).

Fig. 3 – Ambiente de trabalho do QGIS, no decurso da aplicação do plugin “Visibility Analysis”, com o resultado final do
cálculo da bacia de visão.

A localização e a elevação do posto de observação podem ser determinadas pelo próprio utilizador, pois 9
condicionam fortemente a amplitude dos resultados (Osório e Salgado, 2007: 16). É consensual dar-se o valor
de 1,80 metros de altura, no campo definido como Observer Height (ver Fig. 3), correspondente à estatura de
um adulto. Mas pode ser atribuída uma dimensão superior, sabendo da existência de muralhas, torres ou
outras construções que alargariam o campo de visão num determinado sítio, alterando significativamente a
mancha final.
Este exercício tem sido empregue por diversos investigadores que trabalham com os SIG, para determinar com
maior exactidão as áreas visíveis e invisíveis desde um sítio, que dificilmente se poderiam avaliar por outros
meios. Os maiores benefícios, porém, advêm da simulação da primitiva bacia de visão que se obtinha do topo
de uma construção actualmente arruinada. Mesmo assim, algumas críticas que lhe são feitas são válidas,
nomeadamente a questão do algoritmo não ter em conta a cobertura vegetal e outras barreiras visuais
possivelmente existentes.
Para potencializar ao máximo esta ferramenta informática e aproximá-la da realidade seria desejável a
execução de múltiplas viewsheds (a chamada “visibilidade acumulada”), desde vários pontos da estação
arqueológica (por exemplo, nas extremidades dos traçados amuralhados ou nas distintas encostas de um
relevo) e não somente de uma única posição. Do somatório desses cálculos individuais, unidos por meio da
ferramenta matricial “Juntar”, obtém-se uma mancha geral mais próxima do campo de visão potencial. Na
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verdade, o alcance visual que um sítio detinha e a sua importância para a ocupação local não poderiam ser
pensadas apenas de um ponto, mesmo que seja o mais elevado, pois a visibilidade altera-se significativamente
a diferentes cotas ou localizações.
O mapeamento destas manchas de visibilidade dá-nos a possibilidade de confirmar se determinados caminhos,
estruturas tumulares ou áreas mineiras eram visíveis desde os povoados ou se esses assentamentos avistavam
outras comunidades vizinhas, com maior precisão do que a observação directa no local.
Esta foi uma das operações que os mestrandos mais ambicionaram concretizar nos seus territórios, de acordo
com as problemáticas propostas, e com a qual alcançaram bons resultados. Nos trabalhos apresentados foram
efectuados os exercícios de bacia de visão de algumas interessantes estações arqueológicas como Conimbriga,
Santa Olaia, Bracara Augusta, alguns povoados da região de Gouveia e os monumentos funerários da Serra da
Muna e da Casinha Derribada (Viseu) - sítios onde julgamos que nunca tinham sido realizados cálculos desta
natureza. Mas é evidente que estas abordagens não poderão ficar por aqui e carecem de futuras reformulações
e consequentes interpretações.
Por fim, refira-se que apesar de não ter sido incluído no programa da disciplina o cálculo dos tempos de marcha
para definir os hipotéticos limites territoriais de um povoado, foi testada uma outra aplicação mais complexa,
também a partir de uma superfície de custo (ou de fricção) do terreno, para avaliar os percursos óptimos entre
dois pontos. Este exercício foi executado no software GRASS, com recurso aos algoritmos “r.walk” e “r.drain”,
tendo em conta a altimetria, a hidrografia e os leitos de cheias da Reserva Ecológica Nacional (REN) (sobretudo
nos trabalhos que abrangiam bacias hidrográficas), que é uma informação que os municípios possuem,
devidamente georreferenciada.
Os principais factores físicos que condicionam a mobilidade são os declives e a transposição de linhas de água,
mas consideramos que a informação relativa aos leitos de cheia também é fundamental para estas estimativas,
sendo muitas vezes esquecida no cálculo dos caminhos óptimos. São zonas que se apresentam periodicamente
alagadas e densamente revestidas de vegetação, aumentando a resistência do terreno à mobilidade humana
(Osório e Salgado, 2012: 90).
Apesar da sua enorme capacidade analítica, não foi possível explorar todo o potencial do software GRASS,
durante o seminário. Os exercícios exigem uma preparação morosa da base de trabalho, em comparação com
os restantes ensinados nesta disciplina, e estão também dependentes da qualidade de referenciação
geográfica da informação espacial. Alguns trabalhos não puderam concluir a tempo os respectivos cálculos
testados neste programa, mas houve um esforço de todo o grupo em recorrer a esta aplicação e extrair dela o
máximo rendimento.
10 Foram mesmo assim conseguidas algumas simulações de percursos óptimos, especialmente nos trabalhos que
versaram a temática da viação na região do Baixo Mondego, de Soure, de Braga e de Gouveia. Nesses estudos
foram assinalados os melhores traçados que atravessavam os respectivos territórios, chegando mesmo a
discutir-se, de forma muito crítica, os resultados obtidos, em relação às propostas feitas por anteriores
investigadores.
Destaco ainda uma outra aplicação do GRASS utilizada em alguns trabalhos, por exemplo nos estudos que
incidiram em Bracara Augusta, Conimbriga e Soure, que é o MADO (Modelo de Acumulación de
Desplazamiento Óptimo), que simula os trajectos preferenciais que irradiam de um determinado ponto, como
por exemplo um povoado ou um castelo, sem um destino determinado (Fábrega-Álvarez et alii 2011: 257).
O cálculo é executado através do algoritmo “r.terraflow”, a partir de uma superfície de custo acumulado pré-
definida, gerando múltiplos outputs desde o ponto de irradiação. A ferramenta tem sido usada especialmente
em modelos hidrológicos, para calcular as redes de escoamento de fluidos e os caudais hidrográficos, tendo
sido eficazmente aplicada à Arqueologia por um investigador espanhol (Fábrega-Álvarez 2006: 8), e à qual nós
próprios recorremos anteriormente de forma muito proveitosa (Osório e Salgado, 2012: 91).
A capital de um município romano (como o caso de Bracara Augusta ou Conimbriga aqui abordados) é das
situações típicas de maior utilidade deste exercício computacional, pois sabemos que estes centros urbanos

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eram acedidos por vias de variadas proveniências, hoje desconhecidas. Confrontando os resultados obtidos no
MADO com os traçados já propostos, tendo ainda em conta os miliários descobertos e outras referências
documentais existentes, poder-se-á confirmar alguns percursos indicados e sugerir novos itinerários.
Nos trabalhos realizados pelos alunos foi possível chegar à conclusão que as anteriores propostas não
correspondiam muitas vezes aos trajectos mais cómodos e que este desfasamento poderia dever-se à
marcação de vias romanas sem recurso a trabalho de campo ou pela definição de caminhos meramente
coincidentes com os locais de achado de miliários e outras estruturas arqueológicas, podendo não
corresponder ao melhor trajecto feito pelas comunidades primitivas.
Algumas vias poderiam estar condicionadas pela localização de determinada ponte romana, num ponto
estreito do curso de água, influindo nos itinerários viários que a serviam e que, por vezes, não seriam os mais
naturais, mas existe uma elevada probabilidade de os corredores naturais de passagem por determinado
território terem sido transitados ao longo de várias épocas.
Os SIG mostram pois uma enorme vocação para a investigação sobre a viação antiga, passando a constituir um
instrumento fundamental, juntamente com os meios tradicionalmente empregues neste tipo de estudos, para
definir as primitivas redes de comunicação entre comunidades, em diferentes épocas (Fábrega-Álvarez et alii
2011: 254).

Considerações finais
Em resumo, podemos afirmar que o conjunto de abordagens regionais reunidas nesta publicação prima pela
originalidade, pois os SIG ainda são ferramentas recentes na investigação arqueológica, não acessíveis a todos
os utilizadores informáticos e investigadores de Arqueologia e História Antiga. Esta disciplina do 2º ciclo da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra concede pois mais um recurso de análise para os arqueólogos
formados na instituição.
Este trabalho colectivo foi um prémio para os mestrandos do curso de Arqueologia e Território que se
empenharam em apropriar-se destas ferramentas para concretizar um estudo sério de uma determinada
região, culminando todo este processo de aprendizagem com uma abordagem baseada nos conhecimentos
adquiridos. O nosso objectivo de introduzir estes futuros investigadores na utilização prática destas
ferramentas, em detrimento de uma mera formação teórica e introdutória aos SIG, tem aqui o seu ponto alto.
Almejamos que as conclusões expostas não tenham sido feitas em vão e possam agora ser usufruídas por
aqueles que estudam estes mesmos territórios e pretendam neles aumentar o conhecimento da sua primitiva
ocupação. Ao disponibilizar online estes trabalhos, num formato legível, fácil e armazenável, estamos a dar 11
continuidade ao esforço e a permitir que tenha outra projecção e aproveitamento futuro.
Era desejável para todos nós que este investimento não ficasse por aqui e que os próprios autores dos
trabalhos pudessem, nas suas teses e nas suas investigações futuras, recorrer mais vezes a estas operações
informáticas, ultrapassando as dificuldades e limitações destes exercícios académicos e promovendo
contributos vários para o progresso do conhecimento arqueológico no território português.

Bibliografia
ARONOFF, Stanley (1989) - Geographic Information Systems: a management perspective. Ottawa: WDL
Publications.
BOSQUE SENDRA, Joaquín (1992) - Sistemas de Información Geográfica. Madrid: Rialp.
BURROUGH, Peter Alan (1986) - Principles of Geographic Information Systems for land resources assessment.
Oxford: Clarendon Press.
FÁBREGA-ÁLVAREZ, Pastor (2006) - Moving without destination. A theoretical, GIS-based determination of
routes (optimal accumulation model of movement from a given origin). Archaeological Computing
Newsletter. 64, p. 7-11.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

FÁBREGA-ÁLVAREZ, Pastor; FONTE, João; GONZÁLEZ GARCÍA, Francisco Javier (2011) - Mobilidade e
materialidade: uma aproximação à análise da localização das estátuas-menir transfronteiriças (Norte de
Portugal e Sul da Galiza). Estelas e estátuas-menires da Pré à Proto-história. Actas das IV Jornadas Raianas.
Sabugal: Câmara Municipal, p. 245-270.
KVAMME, L. Kenneth (1999) - Recent directions and developments in Geographical Information Systems.
Journal of Archaeological Research. 7:2, p. 153-201.
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Municipal do Sabugal. Actas das IV Jornadas de Jovens em Investigação Arqueológica. Faro.
PARKER, H. D. (1988) - The unique qualities of a Geographic Information System: a commentary.
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MACIVER, Cathy (2010) - QGIS Beginners Manual (versão Tethys 1.5.0). ARCH Highland.
MANO, André (2012) - Guia de Introdução ao Quantum GIS (QGIS). Curso livre de SIG em Arqueologia
promovido pelo Campo Arquelógico de Mértola. In www.academia.edu.
MATOS, João (2001) - Fundamentos de Informação Geográfica. 2ª Edição. Lisboa: Edições Lidel.
RENFREW, Colin; BAHN, Paul (1993) – Arqueología: Teorias, métodos y práticas. Madrid: Ed. Akal.
RIBEIRO, Maria do Carmo (2001) - A Arqueologia e as Tecnologias de Informação. Uma Proposta para o
Tratamento Normalizado do Registo Arqueológico. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade do
Minho.
SALGADO, Telmo (2005) - Georeferenciação da Carta Arqueológica do Concelho do Sabugal. Dissertação de
Pós-graduação em Sistemas de Informação Geográfica e Metodologias para a Aquisição de Informação,
apresentada à Universidade Atlântica. Oeiras.
SANTOS, Pedro José da Silva (2006) - Aplicações de Sistemas de Informação Geográfica em Arqueologia. Tese
de Dissertação de Mestrado apresentada ao ISEGI (Universidade Nova de Lisboa). In
http://www.isegi.unl.pt/servicos/documentos/TSIG017.pdf acedido a 31-3-2009.

12
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
SEMINÁRIO SIG EM ARQUEOLOGIA
Apresentação dos trabalhos finais

13
Gouveia: Introdução
Aplicação de Ao propor-me fazer este trabalho, decidi optar pelo concelho de Gouveia, no
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

sentido de fazer uma análise espacial ao mesmo. A razão da minha escolha


ferramentas prende-se com o simples facto de Gouveia ser a minha cidade natal e ter
pretensões de seguir o estudo do concelho no futuro. No que diz respeito à
SIG época a analisar, não escolhi uma em particular, tendo em conta que não
Isabel Cavaco consistia uma mais valia determinar uma específica.
Na escolha dos sítios arqueológicos a trabalhar, optei por não incluir os sítios
classificados como vestígios diversos, vestígios de superfície, achados isolados,
indeterminados e ainda os sítios que não apresentam coordenadas, limitando-
me a povoados, estruturas, inscrições e arte rupestre.
Foi a partir de 1881, aquando da Expedição à Serra da Estrela, realizada por
Martins Sarmento que esta região obteve um melhor conhecimento das
paisagens arqueológicas. Ainda que alguns monumentos megalíticos
predominassem na paisagem e algumas edificações de origem romana, nada
mais lhes era associado, nem as gentes lhes davam a devida importância.
Hoje, e após vários trabalhos de investigação, conseguimos delinear uma
imagem bem diferente. Temos agora conhecimento do quanto esta região é
rica em termos histórico-culturais mas também, muito acentuadamente, em
termos arqueológicos. Percebemos o quanto foi intensa a ocupação da
paisagem e como ela se encontra coberta por um vasto número de sítios
arqueológicos de diversos tipos e ordem cronológica, assim como de
implantações diversas.
Concelho muito rico em património cultural, histórico e arqueológico (Fig. 1), é,
por vezes, a partir deste testemunho falado e dado em herança que vamos
investigar e encontrar um legado rico e vasto que os nossos antepassados nos
deixaram. Mas também, por vezes, a quase promessa de existência de algo
num determinado sítio ou lugar, que a sua designação quase testemunha,
deixa-nos defraudados, seja porque já nada existe, porque alguém adulterou
ou a ignorância ou a sua desvalorização pelas gentes destruiu.
Orientei os meus objetivos gerais por ferramentas e não tanto por
problemáticas. No entanto, aquando da aplicação das ferramentas, idealizei
propósitos específicos e não utilizei dados aleatoriamente, pois não me
14 pareceu uma decisão apropriada. A razão da minha decisão incide no facto de
ter poucos conhecimentos e experiência no programa, preferindo desenvolvê-
los a aplica-los num estudo concreto. Assim sendo, propus corrigir alguma
informação espacial que possa estar incorreta, abordei a inserção de
coordenadas, MDT e MDE, bacias de visão (“Visibility analysis”), caminhos ótimos, buffers, e pesquisas por
atributos.

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Fig. 1 – Localização dos sítios arqueológicos do Município de Gouveia

Desenvolvimento
1. Edição de informação vetorial
A informação espacial que possuía da hidrografia nacional não era precisa e escasseava em informação.
Como tal, redesenhei e acrescentei linhas completando o shapefile original da hidrografia (Fig. 2). Criei também
um shapefile de polígonos para a represa do Vale do Rossim, recorrendo ao módulo OpenLayers Plugin como
base de trabalho.

Fig. 2 – Linhas de água no


Município de Gouveia.

15
2. Buffers
O mundo funerário foi outro tópico que pretendia explorar.
Antes de mais, determinei a dispersão das sepulturas e necrópoles, através de uma simples pesquisa.
Tendo em conta que era comum em tempos medievais encontrarem-se sepulturas perto de vias de
comunicação, determinei através da análise da sua dispersão uma hipotética via, representada pela reta
presente na figura 4. Existem de facto vias e calçadas conhecidas em Gouveia, mas, novamente, as
coordenadas não são elucidativas, referindo-se apenas a um ponto específico. As coordenadas da calçada da
Texugueira-Parigueira apontam que esta se encontra perto da possível via que determinei, mas não conheço o
traçado da calçada em questão.
Considerando também que perto de necrópoles se podem encontrar povoados, resolvi aplicar a ferramenta de
buffers às necrópoles, e determinar um raio de quinhentos metros onde se poderia realizar uma prospeção
com o objetivo de se encontrarem, então, aglomerados populacionais. Devo sublinhar que não incluí neste
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estudo a necrópole do Risado, pela razão que já é conhecido um povoado no local, e que, presentemente, se
estão a efetuar escavações no mesmo.
As necrópoles situadas no concelho de Gouveia são todas de pequena dimensão (note-se que haveria, com
certeza, outros tipos de enterramentos), possuindo, a maior, nove sepulturas, se não estou em erro; deduzo,
assim, que estas necrópoles estivessem associadas a aglomerados familiares de pequena ou média dimensão
que, provavelmente, se ocupavam de tarefas agrícolas e pastorícias. Determinei a distância a utilizar nos
buffers através desta dedução (Fig. 3).

Fig. 3 – Aplicação de buffers nas principais necrópoles do município de Gouveia, sobre ortofoto Bing Aerial View.

3. As bacias de visão (viewsheds)


Tendo realizado recentemente um trabalho centrado no Penedo dos Mouros, um povoado fortificado com
16 ocupação neolítica e medieval, situado na freguesia do Arcozelo, e constatando a referência uma boa
visibilidade a partir do sítio, aproveitei a oportunidade para verificar através de uma bacia de visão esta
hipótese. Também verifiquei a extensão de visibilidade de outros três povoados - o Castelo, o Risado e o
Castelejo - de ocupação proto-histórica e romana, considerando que os quatro sítios se encontram numa
relativa proximidade entre si. Poder-se-á considerar que o Penedo dos Mouros terá sido um posto de controlo
e um local de armazenamento de reservas alimentares.
Localizado na freguesia do Arcozelo, o Penedo dos Mouros encontra-se a 456 m de altura e articula-se numa
série de estruturas que ocupam um grande conjunto de penedos graníticos e a área imediatamente
envolvente, que terão sido abandonadas entre os séculos X-XI. As características arquitetónicas e os resultados
das escavações permitem interpretar o Penedo dos Mouros como um castelo roqueiro. Como no século XII este
local já não é mencionado no foral, é provável que tivesse sido abandonado na centúria anterior. Considera-se
que o sítio terá sido ocupado também no Neolítico Antigo e Médio.
Relativamente ao Castelejo, trata-se de um local alto e de difícil acesso, devido ao relevo e ao facto de estar
perto da ribeira de Gouveia, de difícil transposição a uma altitude de 350 m. Consiste num povoado fortificado,
tendo sido encontrados à superfície cerâmicas proto-históricas e alto-medievais. O sítio é delimitado por restos
de uma muralha ali existente. «Aparentemente, parece tratar-se ser um sítio fortificado durante a Proto-
História, que deverá ter sido abandonado no espaço de tempo que medeia o início da romanização e a Alta

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Idade Média, para ser novamente ocupado quando a instabilidade da zona impeliu a população a procurar
locais com características mais defensivas» (Tente, 2007: 349). Toda a área é muito montanhosa e com alguns
corredores labirínticos entre as rochas, desaparecendo por vezes debaixo de enormes penedos. Segundo
testemunhos orais, estes corredores serviriam para os habitantes do castelo poderem descer ao rio sem serem
vistos.

Fig. 4 – Bacias
de visão do
Castelo, do
Risado, do
Penedo dos
Mouros e do
Castelejo.

17
No que respeita ao Risado, situa-se no Arcozelo. Encontraram-se, aquando de um levantamento arqueológico,
materiais de construção, tegulae, tijolo tipo "burro" e um arranque de asa, considerando-se assim tratar-se de
um povoado de época romana. Tenho conhecimento que presentemente o sítio se encontra em escavação e,
pelo que consegui entender, se tratará de algo dentro dos parâmetros de uma villa.
Quanto ao Castelejo, trata-se de um povoado fortificado, atribuído à Idade do Bronze, localizado em Vila Cortês
da Serra. De acordo com a informação recolhida no Portal do Arqueólogo «são visíveis três linhas de muralhas.
Foram recolhidos à superfície e com a realização de uma sondagem cerâmica manual, a par de elementos de
mó manuais, alguma indústria lítica em quartzo, anfibolito com vestígios de polimento e seixos talhados. Dadas
as suas características (tipo de implantação, espólio, estruturas defensivas, etc.), este sítio apresenta
semelhanças nítidas com povoados próximos. O espólio recolhido durante uma pequena sondagem confirmou
tratar-se de um povoado com ocupações atribuíveis à Idade do bronze, o que não invalida ocupações
anteriores».
Eis as conclusões que posso retirar das bacias de visão efetuadas nestes sítios, todas elas limitadas ao concelho
de Gouveia (Fig. 4):
Nenhum deles é visível entre si. No entanto, considerando que o Penedo dos Mouros terá sido uma
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

estrutura defensiva (e consequentemente maior em altura), o raio de visão terá muito


provavelmente sido maior e, suponho, daqui seria possível ver, pelo menos, o Risado.
Dois dos sítios possuem uma capacidade de visão extremamente abrangente do concelho, o que
traduz, em termos de defesa, uma grande vantagem.
O Penedo dos Mouros, ao contrário do que esperava, possui uma visão delimitada, no sentido em
que possuí uma visão para a povoação do Arcozelo, mas nenhuma para a encosta da montanha que
lhe está oposta.
O Castelejo, por outro lado, possui uma capacidade de visão muito reduzida no que respeita aos seus
arredores imediatos, alcançado um raio máximo de cerca de 2 km, apesar de possuir um bom campo
de visão de parte da encosta serrana. O local em si, para além das defesas naturais que o material
rochoso lhe proporciona, não é bem visível de quem observa de fora. Para além de ser um local
fortificado, penso que seria um ótimo local de refúgio. O local encontra-se também protegido por
um ‘fosso natural’, estando grande parte rodeado pela linha de água.
Em conjunto, os quatro locais possuem um grande alcance visual.

Fig. 5 –
Sobreposição
das bacias de
visão dos quatro
povoados.

18
As conclusões que retirei advêm de uma segunda utilização da ferramenta, que foi necessária efetuar aquando
da alteração que fiz à localização do Penedo dos Mouros. Deparei-me também com alguns problemas técnicos
e, assim sendo, retomei o trabalho do início. Isto fez com que os resultados mudassem, inclusive as bacias de
visão cujas coordenadas se mantiveram, mas cujo ponto de partida mudou ligeiramente, apesar de não alterar
em muito os resultados. O Penedo dos Mouros deixou de deter visão para toda a encosta da Serra. Sublinho
assim a importância que a precisão das coordenadas tem nestes estudos e como uma pequena mudança pode
afetar resultados.

4. Caminhos ótimos
Sendo os caminhos ótimos outra ferramenta que queria aplicar, tomei novamente o conjunto de povoados
para os quais fiz as bacias de visão.
Em parte, os caminhos resultantes aproximam-se de caminhos existentes no presente (Fig. 6).

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Os caminhos traçados entre o Penedo dos Mouros, o Risado e o Castelo atravessam a povoação e seguem o
percurso da linha de água.
Quanto ao caminho definido entre o Penedo dos Mouros e o Castelo, este caminho não será necessariamente
o mais viável, apesar de ser o caminho com menor custo; a zona não apresenta grandes diferenças de relevo e
não se apresentam grandes obstáculos e, como tal, penso que um caminho mais direto seria verossímil.

Fig. 6 – Caminhos ótimos entre os povoados do Castelejo, Risado, Castelo e Penedo dos Mouros, sobre o MDT da região.
19
5. Correção de coordenadas
A inserção de coordenadas de grande parte dos sítios arqueológicos do concelho de Gouveia permitiu elaborar
um mapa de dispersão, mas um dos aspetos que me chamou à atenção foi o facto de que as coordenadas
fornecidas pelo Portal do Arqueólogo se encontram, não sei ao certo se todas, incorretas.
Assim sendo, tinha como objetivo corrigir as que fosse possível, com a ajuda da ferramenta OpenLayers plugin.
No entanto, o número de sítios arqueológicos que consegui corrigir reduziu-se apenas a dois, devido à grande
dificuldade em reconhecer os sítios em fotografia aérea, que tem uma definição de imagem limitada, e que se
escondem na paisagem.
Torna-se assim mais difícil a análise e compreensão dos padrões de distribuição dos sítios, que é de grande
importância para o entendimento da sua distribuição e organização em termos arqueológicos.
Um bom exemplo que advém desta dificuldade serão as três pontes, duas romano-medievais e uma medieval,
que se encontram localizadas no Rio Torto, na freguesia de Cativelos. Mesmo não considerando as limitações
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em termos de definição de imagem aérea, a visibilidade das linhas de água é impedida pela vegetação que as
cobre.
É possível ver pelo resultado das correções que realizei a divergência entre as coordenadas originais e as
coordenadas corrigidas, por exemplo no dólmen de Rio Torto (Fig. 7).

Fig. 7 – Localização exata do Dólmen de Rio Torto.

Conclusão
Penso que o Quantum GIS possui grandes potencialidades, apesar de os meus conhecimentos dentro deste
serem escassos.
A forma como o Quantum GIS permite visualizar os dados geográficos é uma mais-valia. Podemos manipular os
dados da forma que queremos e nos convém, acrescentá-los e retirá-los, movê-los e juntá-los, assim como
todo um leque de possibilidades que desconhecia antes de me iniciar em SIG.
Humildemente ignorante em Quantum GIS, penso que o que mais me fascinou quando comecei a trabalhar
20 com o programa foi algo tão simples como a possibilidade de inserir coordenadas e daí surgir a dispersão dos
sítios arqueológicos por todo o concelho, tarefa que sem este programa se tornaria muito mais demorada.
Por vezes as ferramentas mais simples são as mais produtivas e sem dúvida que a shapefile é uma dessas.
Desde os pontos aos polígonos, um mundo abre-se à nossa frente e representar sítios arqueológicos, caminhos
antigos ou traçados de castelos torna-se algo descomplicado e também versátil.

Fig. 8 – Traçado
hipotético de um eixo
de viação antiga, com
base na dispersão dos
núcleos de sepulturas
escavadas na rocha.

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A pesquisa torna-se também muito útil em termos de localização de conteúdos específicos, como foi no meu
caso com o estudo do mundo funerário e a procura de potenciais aglomerados populacionais.
Para além de ser lento em geral, dos problemas técnicos e dos encerramentos inesperados, posso apontar
outros aspetos numa perspetiva negativa, tendo sempre em conta que é um software Open Source, e que,
consequentemente, problemas surgem constantemente.
Uma das críticas, ou talvez lacuna seja uma melhor definição, remete-se às bacias de visão, apesar de se poder
aplicar a outras ferramentas. A “Visibility analysis” é feita com base num modelo digital de terreno, e apesar de
a bacia de visão ser concisa em termos de informação (que também pode ser influenciada de acordo com a
precisão das curvas de nível), há algo que falta nesta análise. Se pretendermos realizar uma análise altamente
precisa e minuciosa penso que falta considerar as seguintes variantes: as estruturas envolventes, a vegetação,
as rochas e este género de condicionantes. Temos também que ter em conta que a geomorfologia do presente
não é a mesma de há quinhentos ou mil anos atrás, o mundo muda. Um bom exemplo pode ser dado através
do Penedo dos Mouros. Para além de não possuir uma única ocupação, o que terá influenciado, desde já, a
resultante bacia de visão, é preciso também considerar que este seria uma estrutura de madeira assente num
conjunto de penedos, que já pereceu, e cujas dimensões são impossíveis de determinar. Aliás nesta análise
nem a própria altura do penedo é tida em consideração. Assim, apesar de não criticar totalmente o
funcionamento e resultados da ferramenta e de compreender que este tipo de exigências é um pouco elevado
e ilusório, penso que numa versão ideal da ferramenta todos estes aspetos, dentro do possível de determinar,
seriam tidos em conta. Devo também referir o tempo que a ferramenta demora a executar a análise, que
21
aumenta proporcionalmente ao tamanho da zona analisada, o que me parece absurdo. Um plugin para tornar
mais rápida a ferramenta seria uma brilhante ideia.
Quanto aos caminhos ótimos acho que a melhor forma de descrever a lacuna que esta ferramenta possui é
aplicando a expressão “levar tudo na frente”. O que eu quero dizer com isto é que, assim como as bacias de
visão, faltam aqueles pequenos vetores de análise, que acabam por ser tão importantes. E, novamente, a
paisagem de agora não é a mesma que era antes. Posso também referir o quão complicado é o processo para a
obtenção de um simples caminho; envolve uma série de passos específicos e, falhando algum, todo o trabalho
falha também.
Outro problema prende-se com as coordenadas gerais do projeto ou das camadas. Ou melhor, como estas
influenciam todo o nosso trabalho. Caso as coordenadas não se encontrem de acordo com as “necessidades”
do projeto, ou desta ou daquela ferramenta, uma série de problemas técnicos surge, e impedem-nos de
prosseguir com o objetivo.
Resumindo, penso que as lacunas se remetem a uma análise dos dados muito linear e computorizada, pobreza
em determinadas vertentes de análise e uma necessidade de visão humana.
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Projetos futuros.
Antes de mais, dentro do que for possível, corrigir as coordenadas dos sítios arqueológicos através da obtenção
de coordenadas no campo, assim como completar a base de dados que já criei. Retomando o tópico da
credibilidade das coordenadas do Portal do Arqueólogo, devo sublinhar que, infelizmente, e para além das
limitações já referidas, as análises resultantes de todas as ferramentas que utilizam estas coordenadas
(excetuando as que me foi possível corrigir) se tornam duvidosas e a veracidade científica muito relativa.
Para além da correção das coordenadas já existentes, gostaria de acrescentar aquelas que se desconhecem.
Por exemplo, a inscrição da Bravoíssa, em Melo, encontra-se num local recôndito, de difícil acesso e que, sem o
acompanhamento de alguém que conheça bem o percurso até lá, se torna extremamente difícil de encontrar, e
calculo que sejam estas as razões pelas quais não existem coordenadas. Já para não mencionar o cuidado que é
necessário ter com a vida animal da zona.
Gostaria ainda de traçar em QGIS as calçadas e vias de Gouveia, e assim confirmar ou desmentir a existência da
hipotética via que sugeri aquando da análise do mundo funerário.

Bibliografia
ALARCÃO, Jorge de (1993) - Arqueologia da Serra da Estrela. Manteigas: Parque Natural da Serra da Estrela.
TENTE, Catarina (1999) - Roteiro arqueológico de Gouveia. Gouveia: Câmara Municipal.
TENTE, Catarina (2000) - Estudo sobre as sepulturas rupestres, no atual concelho de Gouveia: 1993-1998.
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TENTE, Catarina (2007) - Lagares, lagaretas ou lagariças rupestres da vertente noroeste da Serra da Estrela.
Revista Portuguesa de Arqueologia. Lisboa. 10:1, p. 345-366.

22
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

23
A arte Introdução:
rupestre e a A arte do Vale do Côa e a ocupação humana
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O desenvolvimento da arte tem sido considerado como um dos maiores


ocupação desenvolvimentos de toda a Humanidade, uma vez que a capacidade de
humana do desenhar aquilo que percepcionamos, sentimos e vivemos implica por parte
de quem a faz um pensamento prévio e uma capacidade de abstracção. Esta
Vale do Côa - capacidade é atribuída ao homem desde tempos remotos (40.000 – 35.000
B.P.), continuando até aos dias de hoje, não de forma igual porque as
segundo uma comunidades e o entendimento e percepção do mundo vai mudando de
tempos em tempos e de comunidade para comunidade.
perspectiva Estudar um tema como arte rupestre implica desde logo uma dificuldade
acrescida, que é o facto de a arte ser muito subjectiva ainda nos dias de
espacial hoje, todos nós temos dificuldade em compreender um quadro de Salvador
Ana Rita da Silva Dalí, se este não explicasse o mesmo. Desta forma como podemos
compreender e chegar às intenções e ao pensamento de um artista
paleolítico ao desenhar algo se este se encontra silenciado há milhares de
anos. De facto, este é um problema a que provavelmente a comunidade
científica dificilmente conseguirão compreender, o único que estes podem
fazer é colocar diversas hipóteses, que através da relação entre arte rupestre
e modos de vida (quotidiano), estas podem-se encontrar mais próximas da
verdade ou não.
Este é um problema que os arqueólogos se têm questionado a partir do
momento em que se deu o aparecimento da primeira arte rupestre
(nomeadamente em grutas), e que a manifestação e a investigação das
gravuras de arte rupestre do Vale do Côa têm vindo a auxiliar esta
compreensão. Sendo assim, é no âmbito da construção da barragem junto à
foz do Côa que se dá a descoberta das gravuras rupestres, e que desde início
se tornaram muito controversas, nomeadamente em questões de datação,
havendo dois grupos de investigadores que tinham opiniões contraditórias:
em primeiro encontrávamos investigadores que defendiam uma cronologia
paleolítica das gravuras do Côa (Zilhão) e havia outro grupo que defendia
uma datação posterior para as mesmas (Dorn e Phillipsen, Watchman,
Bednarik) (apud Luís, 2005; Luís, 2008). Esta grande controvérsia deveu-se
24 também ao facto de haver uma disputa pela preservação da arte rupestre e
pela continuação da construção da barragem que iria inundar todo este
património, havendo pessoas que defendiam a preservação deste
património e outras que se encontravam a favor da construção da barragem.
No entanto, quando se confirmou a datação paleolítica destas gravuras e se refutou cientificamente as outras
(Zilhão, 1995), e aquando da mudança de governo resolveu-se a favor da permanência das gravuras e pela
abertura de um parque arqueológico (o primeiro desta natureza em Portugal).
O impacto do aparecimento das gravuras de arte rupestre teve um impacto enorme não só no âmbito da
investigação da própria arte rupestre, uma vez que anteriormente se acreditava que arte rupestre era mais
comum em grutas, o aparecimento do “santuário” rupestre veio desmitificar esta ideia. O aparecimento deste
elemento patrimonial provocou também uma mudança fundamental na actividade profissional da arqueologia
em Portugal.
A arte rupestre apresentou-se desde sempre como um tema muito complexo e de difícil compreensão (por
algumas das razões mencionadas acima), desta forma é natural que este tema seja muito discutido entre a
comunidade científica, e que diversos autores tentem explicar este fenómeno. Um aspecto que é interessante
de verificar é que o entendimento da arte rupestre vai evoluindo em consonância com a evolução do
pensamento arqueológico. É com esta evolução do pensamento arqueológico, com a colocação de novas

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


hipóteses e com a contrastação de teorias que já existem que se pode chegar a uma melhor compreensão do
que é a arte rupestre e que esquemas sociais e mentais esta poderia ter tido para as pessoas que as realizaram.
Depois de tudo o que foi mencionado acima podemos observar que a arte rupestre se apresenta como um
tema que tem inúmeras complicações inerentes ao seu estudo, e que um estudo levado a cabo neste âmbito
tem de levar em conta todas as suas problemáticas, apresentando-se a relação com sítios de habitat
fundamental para compreender este tipo de arte.
Sendo assim, o objectivo do trabalho pretende através do SIG fazer uma abordagem espacial das gravuras
rupestres e dos sítios de arte para perceber a sua relação e tentar chegar a algumas dinâmicas de povoamento
no mesmo vale. É importante mencionar que, na minha opinião, os resultados obtidos a partir dos SIG não
podem ser tomados como “resultados finais”, mas sim como pistas para novas interpretações e questões, uma
vez que um computador só tem atenção os dados geográficos, desta forma não conseguem problematizar
todos os aspectos da dinâmica humana.
Antes de prosseguirmos para uma problematização de algumas questões relativas à arte rupestre e à ocupação
humana e consequentemente a análise das informações espaciais, penso que é fundamental realizar uma
pequena caracterização geomorfológica do Vale do Côa, uma vez que são estas características que
condicionam a vida das populações.
O Vale do Côa apresenta algumas características únicas que são importantes mencionar, desde logo, a
orientação sul/norte do rio Côa não é das mais vulgares, sendo que a orientação mais comum dos rios é leste/
oeste (Luís, 2008). O rio desde logo apresenta-se como um elemento que gera uma enorme biodiversidade,
criando assim uma enorme quantidade de recursos. Este aspecto apresenta-se como um factor que de certeza
teve alguma importância para a atracção de pessoas que se verifica neste vale desde o Paleolítico Inferior. Há
ainda um aspecto que importa mencionar relativamente ao rio Côa, e este prende-se com o facto de este
apresentar-se com uma importante fronteira natural entre o «planalto da Meseta, e os declives mais
acentuados para Ocidente e Norte» (Luís, 2008). Esta importante fronteira natural serviu depois de base para o
estabelecimento de fronteiras territoriais (1).
Em termos geológicos estamos perante uma área que a sul é caracteristicamente granítica, enquanto a norte
os xistos predominam, tal como nos refere Luís Luís «o Baixo Côa integra-se na Zona Centro-Ibérica do Maciço
Hespérico e está dividido em duas grandes áreas, (…) A sul o rio atravessa os granitos hercínicos de diferentes
tipos e o vale é predominantemente rectilíneo (…) dando lugar ao complexo Xisto-Grauváquico (…) primeiro
através da formação de Rio Pinhão e depois das formações de Pinhão e da Desejosa» (Luís, 2008).
O vale do Côa experienciou algumas mudanças climáticas interessantes ao longo dos tempos, nomeadamente
na transição do Plistoceno para o Holoceno. É durante o Plistoceno que assistimos a uma mudança constante 25
entre períodos glaciares e interglaciares, que moldavam o povoamento da época não só neste vale, devido às
glaciações na Serra da Estrela, mas também em toda a Europa. É com o último glaciar e com a chegada do
Holoceno que se observa mais uma mudança climática importante nesta região, tornando-se o clima mais
ameno e consequentemente uma alteração no modo de vida das comunidades que aqui habitavam (Ribeiro,
1990). O clima actualmente no Côa apresenta grandes amplitudes térmicas, uma vez que há uma mudança na
temperatura drástica no Inverno e Verão (Luís, 2008). Estas alterações climáticas foram provocando também
uma mudança na fauna e flora da região ao longo dos tempos, sendo esta alteração também perceptível nas
próprias representações rupestre que se encontram espalhadas um pouco por todo o Vale.
Estes apresentam-se como alguns aspectos que importam mencionar relativamente à região em estudo.
Afiguram-se como elementos fundamentais para o conhecimento da evolução do vale ao longo dos tempos e
assim perceber também a evolução da ocupação humana no mesmo.

A longa diacronia de ocupação do Vale do Côa


O vale do Côa apresenta uma característica fundamental que o destaca de outros sítios em que exista arte
rupestre e ocupação humana, esta particularidade é o facto de haver uma ocupação ininterrupta deste vale
desde o Paleolítico Inferior, aparecendo as primeiras representações gráficas durante o Paleolítico Superior,
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

nomeadamente durante o Gravettense, e permanecendo praticamente permanente até época


contemporânea. Esta continuidade de ocupação e de representação no Vale não se apresenta sempre igual,
uma vez que as comunidades que ocuparam a região foram diversificando, mudando os seus modos de vida, e
consequentemente a concepção que as mesmas têm do mundo em que vivem, alterando também a
representação que faziam do seu mundo.
Dentro de mais de 25 núcleos de arte rupestre, existem dois períodos de arte que se destacam particularmente
e em que se conhece um maior número de painéis gravados, estes são o Paleolítico Superior e pela Idade do
Ferro (2). Depois do que foi referido até agora acho que uma pergunta essencial se coloca: o porquê de no Vale
do Côa se proceder a uma ocupação ininterrupta e a uma execução de pinturas rupestres? Em termos
territoriais, que características este vale apresenta para que as comunidades o escolhessem para realizarem as
pinturas rupestres? Várias ideias têm sido discutidas e penso que há um elemento que não pode ser posto em
causa, que é a estreita relação com a água que os sítios de arte rupestre têm e que sem dúvida também se
verifica no Vale do Côa. Um outro aspecto que importa referir é o facto de que os sítios de arte rupestre,
especificamente a arte rupestre de ar livre, que conhecemos localizam-se nos vales dos grandes rios como o
Douro, Tejo e Côa (Luís, 2008: 51).
Estas referências são elementos que ajudam a explicar o porquê da continuidade de representações rupestres
no Vale do Côa, para além de que isto também se pode relacionar com o facto de haver uma “memória social”
das comunidades, o que ajuda por exemplo a explicar a existência de arte rupestre de diferentes períodos num
único núcleo, ou mesmo num só painel. Um aspecto que importa também mencionar é o facto de o rio Côa,
como aliás já foi mencionado acima, apresentar recursos naturais e características geomorfológicas que
atraíam as comunidades para o mesmo. Por exemplo durante o Paleolítico, as comunidades eram atraídas para
a área do rio, e linhas de água, essencialmente durante a Primavera, pelos animais que se acercavam do
mesmo, enquanto durante os outros períodos cronológicos isto pode ser explicado pelas condições dos solos
que eram favoráveis à realização de actividades agrícolas e pastoris. Um outro aspecto que poderá ter
influenciado a grande presença de arte rupestre neste vale é a grande presença de xistos (uma rocha
relativamente fácil de gravar), visto que a maior parte dos núcleos de arte rupestre conhecido localizam-se
neste tipo de rochas. Podemos também tentar relacionar a ampla arte rupestre no Vale do Côa e a ocupação
humana do mesmo, atribuindo ao Côa uma “espécie” de corredor óptimo, por onde as comunidades poderiam
passar e estabelecerem-se.
Depois da análise de alguns mapas realizados em sistema de informação geográfica, pode-se observar que de
facto denota-se uma relação do povoamento paleolítico do Vale do Côa com as linhas de água, uma vez que
26 todo este povoamento se encontra próximo do Côa e de linhas de água subsidiárias ao mesmo (Fig. 1).
Fig. 1 – Mapa do
povoamento
paleolítico do Vale
do Côa.

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Um outro aspecto mencionado acima relativamente à ampla diacronia de ocupação deste vale prende-se com
o facto de este ter nas suas imediações bons campos agrícolas que pudessem atrair as comunidades, neste
caso de períodos mais recentes (neolítico, calcolítico, etc.).
Na análise ao mapa da figura 2 podemos confirmar que alguns dos sítios do Neolítico (Quinta da Torrinha,
Quebradas e Almendra) ainda não se encontram em solos de muito boa qualidade (Classe F), no entanto
localizam-se perto de solos com uma qualidade mediana (Classe A+F). Tal facto pode dever-se à grande
mobilidade que ainda se assiste nestas comunidades, embora estas possuíssem alguns sítios de ocupação mais
sedentários (Carvalho, 1999; Luís, 2005). Os sítios encontrados no Vale do Côa referentes a este período e que
já foram mencionados têm sido explicados como locais onde se desenvolvia a actividade pastoril, associada à
caça (este é um elemento que também pode ajudar a justificar a localização destes sítios em solos que não são
de boa qualidade, ou de qualidade mediana), apresentando-se assim estes sítios com uma ocupação
pontual/sazonal. Verifica-se no entanto que há medida que as populações vão adquirindo um tipo de vida mais
sedentário, e que desenvolvem as técnicas agrícolas procuram tipos de solos de melhor qualidade, o que já é
possível observar durante a ocupação calcolítica do Vale, por exemplo nos sítios de Vale da Veiga e Castelo de
Algodres.

27
Acredito que depois da análise feita aos mapas apresentados, é possível responder às questões acima
mencionadas, apresentando-se os recursos e solos disponíveis no Côa como um elemento que terá atraído a
população e que terá contribuído para a ampla diacronia de ocupação deste vale.
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Fig. 2 – Mapa de capacidade de uso dos solos e ocupação neolítica e calcolítica.

Alterações na arte rupestre do Gravetto-Solutrense para o Magdalenense


A arte rupestre paleolítica, como já foi mencionado acima, é a que se melhor conhece no Vale do Côa, podendo
até fazer-se uma distinção entre períodos de gravação, atendendo a características técnicas e figurativas
dentro do Paleolítico Superior. Sendo assim, distinguem-se dois grandes períodos de representação rupestre
durante o paleolítico: o Gravetto-Solutrense e o Magdalenense. Antes de iniciar a análise espacial destes dois
períodos de gravação e consequentes sítios de ocupação humana, penso que é fundamental explicitar de
forma sintética que alterações ocorreram nas técnicas e figurações na arte rupestre de um período para outro.
Os núcleos de arte rupestre que têm uma cronologia Gravetto-Solutrense são o núcleo de arte rupestre da
Canada do Inferno, Fariseu (3), Penascosa, Quinta da Barca, Ribeira de Piscos e Rego de Vide. Durante o
Gravetto-Solutrense a técnica de realização de gravuras mais frequente é a picotagem, apresentando as
gravuras traços polidos e sempre muito vincados (Baptista, 2008). As representações mais comuns neste
período são as zoomórficas, representações com temática naturalista, que não se afastam de todo da arte
rupestre europeia. As representações zoomórficas mais conhecidas passam pelos herbívoros como a cabra,
cavalo, auroques, entre outros (Luís, 2005). Uma característica da arte rupestre do Gravetto-Solutrense é a
sobreposição de motivos, havendo rochas extremamente gravadas com os mesmos tipos de animais (Baptista,
2008). Progressivamente algumas destas características da arte gravetto-solutrense vão sendo abandonadas, e
novas técnicas e representações surgem durante o Magdalenense. Os núcleos de arte rupestre que têm uma
cronologia Magdalenense são o núcleo de Vale de Cabrões, Vale de Figueira, Vale de João Esquerdo, Vale de
28
José Esteves, Vale de Moinhos, Vermelhosa e Foz do Côa. Um elemento que caracteriza a arte rupestre
Gravetto-Solutrense é o facto de esta ser a que se reconhece melhor, talvez pelo facto de terem sido realizadas
através do método da picotagem. Esta técnica vai sendo progressivamente “posta de lado” em detrimento de
uma nova técnica: a incisão com traços finos ou múltiplos. Em termos de figurações, é durante o magdalenense
que começam a aparecer as primeiras representação antropomórficas e figuras híbridas, havendo uma
mudança também ao nível das figurações zoomórficas que se caracterizam agora por apresentarem uma maior
criatividade e um menor naturalismo (Baptista, 2008). Uma característica que representava a arte do Gravetto-
Solutrense e que também não se verifica muito durante o magdalenense é a sobreposição de motivos. A arte
durante o período magdalenense apresenta uma menor monumentalidade, o que pode talvez indicar que esta
assumiria um carácter mais privado (Baptista, 2008). Um outro elemento que representa a arte magdalenense
é a localização das suas gravuras encontrarem-se mais na foz do Côa.
Após esta breve descrição das alterações ocorridas da arte Gravetto-Solutrense para a Magdalenense impõem-
se algumas questões: o que terá conduzido a esta alteração? Terão sido elementos de ordem prática,
nomeadamente uma mudança no povoamento, ou terá sido antes uma mudança ao nível do pensamento e
concepção do mundo por parte das comunidades que proporcionou estas alterações? Após análise de um
mapa realizado em ambiente SIG foi possível observar que não existe uma alteração nítida de um povoamento

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do período Gravetto-Solutrense para o Magdalenense, mesmo até porque os mesmos sítios, como por
exemplo a Cardina, têm ocupação em ambos os períodos (Fig. 3). Um outro resultado interessante que resultou
da análise do mapa é que de facto se assiste a uma maior quantidade de sítios de arte rupestre magdalenense
na foz do Côa, no entanto, também aparece arte rupestre deste período mais a sul.

Fig. 3 – Mapa da arte rupestre gravetto-solutrense e magdalenense e da ocupação humana correspondente aos dois
períodos cronológicos.

29
Realizando uma análise comparativa entre a ocupação das duas margens durante o paleolítico superior,
podemos verificar que em termos de arte rupestre não se verifica nenhuma preferência específica durante o
gravetto-solutrense e o magdalenense por uma margem ou outra. Relativamente aos sítios de ocupação
humana verifica-se que no presente mapa há a preferência por uma das margens, no entanto, e atendendo ao
facto de não estar presente no mesmo mapa todos os sítios de ocupação humana, não creio que se possa
afirmar a preferência de uma margem para a implantação de sítios de habitat por outra. No entanto, quando
analisamos todo o povoamento (4) correspondente ao paleolítico, conseguimos observar uma preferência por
uma das margens do rio (margem leste), essencialmente no que concerne aos sítios de povoamento (Fig. 4).
Podemos então perceber que as alterações ocorridas na arte rupestre do Gravetto-Solutrense para o
Magdalenense muito provavelmente teriam sido causadas por motivos cognitivos e da concepção do mundo
para as comunidades do que por razões de alteração no povoamento, ou de ordem mais prática. Um dos
aspectos que se pode verificar também neste mapa é o facto de a arte rupestre mais antiga (gravetto-
solutrense) encontrar-se mais a sul do Côa, enquanto a magdalenense localiza-se mais junto à foz pode talvez
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indicar a presença de haver primeiro uma ocupação do sul do Côa e posteriormente seguir-se em direcção a
norte, no entanto, só com mais dados é que se poderia chegar a uma conclusão mais concreta. Poderá também
indicar-nos uma preferência, por qualquer razão a que não temos ainda acesso, da parte mais a sul do Côa
durante o Gravettense, e pela sua foz durante o Magdalenense.

Fig. 4 – Mapa do povoamento paleolítico do Vale do Côa.

Arte rupestre e ocupação humana na Idade do Ferro


A arte rupestre da Idade do Ferro, como já foi mencionado acima, apresenta-se como o segundo maior ciclo de
30 gravação no Côa. A técnica de gravação mais comum durante este período é a incisão fina através de uma
ponta, obtendo assim uma incisão de tipo filiforme pouco profunda (Luís, 2009). Os motivos que caracterizam a
arte rupestre deste período passam pela imagem do guerreiro, a figuração do cavalo, a representação de
armas (o que nos permite ter uma melhor percepção de como seria todo o armamento pré-romana, uma vez
que existem materiais que não se preservam no registo arqueológico). Uma característica que se encontra
associada à arte rupestre da Idade do Ferro é a cabeça de aves, encontrando-se esta associada a um
simbolismo da morte e do Além (Luís, 2009). Relativamente ao suporte onde a arte rupestre da Idade do Ferro
se insere, esta apresenta-se muito mais variada, aparecendo os mesmos motivos representados no Vale do
Côa, nomeadamente em cerâmica, estelas e ourivesaria. Como Luís Luís refere: «Interpretamos assim a arte
rupestre sidérica do Vale do Côa como um mecanismo de reprodução social. Ele não se inscrever apenas no
espaço, mas define-o e confere-lhe sentido» (Luís, 2009: 236). Em termos de localização geográfica, os painéis
gravados durante a Idade do Ferro localizam-se essencialmente na confluência do Côa e do Douro,
demonstrando assim uma estreita relação com a água e essencialmente com o Côa. A este rio tem sido
atribuída uma noção de fronteira natural, uma vez que este divide duas unidades geomorfológicas distintas,
servindo mesmo como fronteira entre territórios durante alguns períodos, como por exemplo durante a Idade
Média.
A localização da arte rupestre da Idade do Ferro poderia relacionar-se com esta ideia de fronteira? Uma outra

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questão que se coloca relativamente à arte rupestre diz respeito a uma mudança que se verifica na localização
desta, que agora se localiza mais em zonas periféricas e em cotas mais elevadas. Terá sido uma mudança no
povoamento que poderá ter conduzido a esta alteração na localização da arte? Será que existe alguma relação
(domínio visual) entre sítios de habitat e arte rupestre da Idade do Ferro?
Para se chegar a alguma conclusão no que concerne a esta última questão, foi realizado em ambiente SIG a
ferramenta “Visibility Analysis”, esta permite-nos observar o campo de visão de determinado povoado, desta
maneira a ferramenta apresenta-se muito útil para reflectir um pouco relativamente à relação entre sítios de
habitat e arte rupestre da Idade do Ferro. Ao analisarmos as bacias de visão realizadas a três povoados da
Idade do Ferro (Castelo Velho de Seixas, Castro da Marofa e Calábria / Monte do Castelo) (5) podemos observar
que aos povoados aqui analisados a bacia de visão destes não atinge nenhum sítio com arte rupestre
contemporânea (Fig. 6), tal conclusão demonstra que a arte durante a Idade do Ferro, pelo menos na área
analisada não serviria como um elemento definidor de fronteiras entre territórios de exploração.
Há apenas um povoado da Idade do Ferro (Castelo dos Mouros) que se relaciona com um núcleo de Arte
Rupestre (Contra-Embalse - Cidadelhe), tal facto pode dever-se ao facto deste se apresentar como um núcleo
mais “privado” do que os outros. Um aspecto que também se destaca relativamente a este núcleo de arte é o
facto de este localizar-se muito afastado dos outros núcleos, podendo assim talvez demonstrar uma relação
mais estreita com a comunidade deste povoado. No entanto isto apresenta-se como um caso em particular,
encontrando-se a maioria dos sítios de arte deste período afastados dos povoados. Luís Luís já tinha advertido
para o facto de a arte rupestre da Idade do Ferro do Vale do Côa não delimitar povoados, mas sim o território
(Luís, 2009: 236). O facto de a maioria da arte se localizar na confluência entre o Côa e o Douro pode
demonstrar a marcação desta fronteira entre territórios.
Relativamente ao facto de haver uma mudança na localização da arte rupestre da Idade do Ferro, e esta passar
a localizar-se em zonas mais periféricas e mais altas, a análise que se pode retirar do mapa realizado é que tal
não parece suceder-se. No entanto, é necessário ter em atenção que não estão todos os sítios de arte rupestre
da Idade do Ferro aqui georreferenciados. Tal facto fez com que fizesse uma pesquisa no site www.arte-coa.pt
(Fig. 5) dos sítios de arte rupestre deste período, e a análise deste mapa demonstra que de facto a localização
da arte rupestre da Idade do Ferro é mais periférica e encontra-se a cotas mais elevadas. Sendo assim, o
resultado obtido em ambiente SIG não se encontra totalmente correcto, devido à escassez de sítios de arte
rupestre deste período presentes no trabalho aqui realizado (6), podendo assim haver uma relação entre
alteração no povoamento e localização da arte rupestre.

31
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 5 – Povoamento da Idade do Ferro.

32

Fig. 6 – Bacias de visão de Castelo Velho de Seixas, do Monte do Castelo (Calábria) e do Castro da Marofa.
Ocupação moderna e contemporânea do Vale do Côa
A razão de não incluir no presente trabalho a ocupação romana e medieval do vale prende-se com o facto de
não existirem representações rupestres durante estes dois períodos, e visto que, o presente texto aborda a
relação entre arte rupestre e ocupação humana, considero que não é necessário a sua abordagem no mesmo.
Desta forma, «no Vale do Côa, ao ciclo artístico da Idade do Ferro, que marca localmente o fim das sociedades
sem escrita, com a inscrição da rocha 23 do Vale da Casa, segue-se um vazio até por volta do séc. XV/XVI,
quando surgem novos gravadores» (Luís, 2008: 121).
As particulares da arte rupestre destes períodos históricos é o facto de estas apresentarem escrita, uma vez
que já vivemos em períodos históricos, ao nível das representações encontramos a temática religiosa muito
presente, e mais recentemente cenas do quotidiano (Luís, 2008). A técnica de gravação apresenta-se a mesma
que em períodos anteriores, como a incisão e a picotagem.
Em termos de localização a arte rupestre destes períodos situam-se em antigos núcleos de arte já gravados.

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Algumas teorias interpretativas têm sido propostas para este facto, nomeadamente as representações
religiosas em antigos núcleos de arte rupestre paleolítica, têm sido atribuídas como sendo uma forma de
“sacralizar” estes locais de arte paleolítica.
Após a realizar uma análise ao povoamento e à arte rupestre do Vale do Côa durante o período moderno e
contemporâneo verificamos que de facto existe uma tendência para gravar em núcleos de arte já gravados
anteriormente. Na figura 7 é possível observar que o povoamento moderno da região encontra-se mais
disperso, enquanto o contemporâneo se apresenta mais concentrado. No entanto é necessário ter em atenção
que no mesmo elemento gráfico não se encontram expressos todos os elementos de povoamento
correspondente a estes dois períodos. Desta forma, a leitura que se realizou apresenta-se um pouco
condicionada.

Fig. 7 –
Mapa do
povoamento
moderno e
contemporâ
neo dos
respectivos
exemplares
de arte
rupestre.

33
Conclusão
Após uma análise espacial da relação entre sítios de ocupação humana e de arte rupestre percebemos que o
Vale do Côa esteve sempre sujeito a mudanças e dinâmicas populacionais intensas, o que acabou por conduzir
como é óbvio a uma mudança na concepção do mundo destas mesmas comunidades, culminando
consequentemente numa alteração da expressão artística.
Tendo em atenção as condicionantes que o presente trabalho tem, como por exemplo o facto de não termos
georreferenciados todos os sítios de diversos períodos, o que sem dúvida acabou por condicionar os próprios
resultados em ambiente SIG, e em consequência a leitura dos mesmos, acredito que a aplicação das
ferramentas de SIG, como por exemplo, as bacias de visão pode ser fundamental para a colocação de novas
questões e problemáticas referentes à arte rupestre e à ocupação humana do Vale do Côa, assim como a
contrastação ou não de algumas teorias aqui propostas, neste caso em específico verificou-se que a arte
rupestre da Idade do Ferro no Côa não teria servido como um elemento de delimitação de fronteiras entre
povoados. Denota-se também que ao longo do tempo a ocupação humana de certa forma se relacionou com o
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povoamento (não estando aqui a afirmar uma relação de dependência), observamos que por exemplo ao longo
do paleolítico os sítios de arte rupestre e os sítios de habitat se localizam mais próximos do Côa e de linhas de
água subsidiárias e temos o exemplo do Fariseu, em que se pode relacionar um painel gravado com evidências
de ocupação humana.
Numa região com uma extensão tão grande como o Vale do Côa, e apesar de este estar em constante estudo
por equipas do Parque Arqueológico do Vale do Côa, existem certos períodos cronológicos que precisavam de
um estudo mais aprofundado, como por exemplo a Idade do Ferro, através da escavação de mais povoados
deste período poderia ajudar a compreender melhor a dinâmica populacional deste período e a sua relação
com a arte rupestre.

Bibliografia
BAPTISTA, António Martinho (2008) – Aspectos da arte magdalenense e tardi-glaciar do Vale do Côa. Do
Paleolítico à Contemporaneidade: estudos sobre a história de ocupação humana em Trás-os-Montes, Alto
Douro e Beira Interior.
CARVALHO, António Faustino (1999) - Os sítios de Quebradas e Quinta da Torrinha (Vila Nova de Foz Côa) e o
Neolítico Antigo do Baixo Côa. Revista Portuguesa de Arqueologia. Lisboa 2:1, p. 39-70.
RIBEIRO, João Pedro Cunha (1990) - “Os primeiros habitantes” in Nova História de Portugal – In ALARCÃO, J. de,
ed. - Portugal das origens à romanização. Lisboa: Presença (Nova História de Portugal; I)
LUÍS, Luís (2005) - Arte Rupestre e ocupação humana no Vale do Côa: Balanço da Investigação do Parque
Arqueológico do Vale do Côa. Côavisão. Vila Nova de Fôz Côa. 7 (Actas do I Congresso de Arqueologia de Trás-
os-Montes, Alto Douro e Beira Interior), p. 31-60.
LUÍS, Luís (2008) - A arte e os artistas do Vale do Côa. Parque Arqueológico do Vale do Côa, Vila Nova de Foz
Côa.
LUÍS, Luís (2009) - “Per pectras et per signos”. A arte rupestre do Vale do Côa enquanto construtora do espaço
na Proto-História. Lusitanos y vettones: Los pueblos prerromanos en la actual demarcación Beira Baixa - Alto
Alentejo. [Memorias, 9]. Cáceres: Junta de Extremadura/Museo de Cáceres
ZILHÃO, João (1995) - The age of the Côa Valley (Portugal) rock art: validation of archaeological dating to the
Paleolithic and refutation of “scientific” dating to historic or proto-historic times. Antiquity. York. 69, p. 883-
901.
34
Notas

(1) O facto de se utilizar um elemento natural como um rio ou uma montanha para o estabelecimento de fronteiras territoriais não se
apresenta de todo estranho, e tem sido utilizado desde períodos remotos, nomeadamente em época medieval.
(2) É importante mencionar que a arte rupestre do Paleolítico Superior se encontra muito melhor estudada e conhecida que a da Idade do
Ferro, sendo agora importante haver uma dedicação maior ao estudo dos outros períodos de gravação no Vale.

(3) O núcleo de arte rupestre do Fariseu apresenta-se como um dos mais importantes, uma vez que ao realizarem-se escavações por baixo
das rochas gravadas, conseguiu-se uma datação segura das mesmas através da cultura material encontrada.

(4) Esta expressão não diz respeito a todo o povoamento Paleolítico do Vale do Côa, mas sim a todo o povoamento paleolítico deste
mesmo vale que se encontra na base de dados do presente trabalho, não incluindo na mesma todos os sítios encontrados.

(5) É importante que a escolha destes três sítios para a realização das bacias de visão procedeu-se de forma aleatória, o único factor de
escolha foi estes serem povoados ou povoados fortificados.

(6) Este vazio de sítios de arte rupestre no presente trabalho deve-se à falta de coordenadas disponíveis para os georreferenciar.

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35
Aplicação dos 1 - Apresentação do trabalho
1.1 - Introdução
SIG na análise
O presente trabalho surgiu em virtude de conhecimentos recentemente
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da dinâmica adquiridos, que de forma vigorosa, demonstraram os benefícios de aplicar


um modelo diacrónico na compreensão e interpretação da planimetria
viária: estudo viária. Conjuntamente, foi possível enquadrar este artigo como meio de
aprofundar trabalhos anteriores, todos sobre a realidade arqueológica do
da Carta território sourense.
Militar de Quanto surgiu a possibilidade de iniciar um estudo que valorizasse a
aplicação de metodologias inovadoras, pelo menos no panorama da
Portugal nº 250 arqueologia portuguesa, reconheci a oportunidade para desconstruir o
actual conhecimento, através de novas propostas e revisão de dados. Por
Bruno Bairrão de um lado, enquanto cidadão e arqueólogo, é meu dever procurar e cultivar a
Freitas excelência rompendo assim, com o modelo estático que em nada privilegia a
cultura. Por outro, é primordial observar determinados sítios ou locais como
a materialização de processos histórico e humanos, que assumem uma
posição basilar na construção da identidade cultural das comunidades. No
caso específico da Carta Militar de Portugal n.º 250 (1:25000), que engloba
grande parte do actual concelho de Soure, remete-nos para um dever cívico
com esta população, rica em património histórico-arqueológico, porém,
ainda por descobrir ou redescobrir.

1.2 - Organização, metodologia e objectivos


A organização interna do trabalho assenta em quatro pontos basilares. O
primeiro ponto corresponde à análise do espaço geográfico, CMP n.º 250, na
qual, procuramos descrever as características naturais, bem como,
disponibilizar um singelo leque da realidade arqueologia do território
seleccionado. O segundo ponto procurou repensar os pressupostos
epistemológicos e descrever, de modo conciso, os princípios básicos da
arqueogeografia. No terceiro ponto analisámos a planimetria viária,
corroborando ou negando hipóteses anteriores e enriquecendo com
propostas inovadoras. O quarto e último ponto, foi dedicado ao estudo de
fotointerpretação. Em suma, encontra-se estruturado em dois modelos
36 principais: um explicitamente metodológico e teórico e outro prático.
2. Território
2.1. Geografia
Antes de caracterizar o quadro físico da área seleccionada é necessário justificar a escolha de analisar um
território específico, na qual, o conceito está inteiramente associado à noção de poder e de delimitação
jurídico-administrativa de um espaço humanizado. O estudo das dinâmicas viárias e o uso dos Sistemas de
Informação Geográfica justificam, sem dúvida, uma metodologia que vise analisar o espaço físico, ausente de
qualquer compartimentação ou divisão artificial, perfeitamente moderna e nada esclarecedora da dinâmica
humana das sociedades antigas. Ou seja, os elementos que surgem como catalisadores ou inibidores dos
itinerários viários correspondem, especialmente em época anteriores, as características físicas do espaço, como
rios, vales e montanhas. Todavia, face aos limites do trabalho, determinamos que era necessário definir uma
área específica de análise, já que era uma tarefa herculana analisar todo o espaço físico, que actualmente

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corresponde aos concelhos da Figueira da Foz, Pombal, Montemor-o-Velho, Soure e Condeixa-a-Nova. Desta
forma, a possibilidade de analisar a Carta Militar de Portugal n.º 250 (1:25000), que engloba grande parte do
concelho de Soure e as freguesias de Ega, Furadouro, Sebal e Condeixa-a-Velha, em Condeixa-a-Nova (Fig. 1),
surgiu-nos como a melhor hipótese de estudo, já que permite a conjugação de um território com dimensões
razoáveis para aplicar os métodos de SIG, bem como, a articulação entre os vários percursos definidos para o
Baixo Mondego, uma vez que a actual vila de Soure, assume uma posição neurológica do sistema viário.

Fig. 1 – Enquadramento geográfico e administrativo da Carta Militar de Portugal n.º 250.


O território de estudo está centrado no Baixo Mondego, Condeixa-a-Nova, e Mondego-Litoral, Soure (Martins,
1940: 269; Vilaça, 1988: 11). À semelhança da área envolvente, situa-se na “Orla Meso-Cenozóica Ocidental”,
na qual, a maioria dos sedimentos provem da “Bacia Lusitânica”, através da actividade tectónica compreensiva.
Ao longo dos vários períodos geológicos este território incorporou, sucessivamente, várias camadas 37
sedimentares: do Triássico, conhecemos os terrenos liássicos, orientados de norte a sul, ao longo de Soure e
Verride (Idem: ibidem); Jurássico, com a extensa paisagem calcária e os processos de evolução cársica do
relevo, responsáveis pelo Maciço de Sicó e pelo fenómeno geológico da Depressão Tifónica de Soure, onde,
desenrola-se o Diápiro de Soure, um dos mais setentrionais da “Orla Meso-Cenozóica Ocidental” (Cunha et al.
1996: 3; Pimenta, 2011: 15). E por último, o Cretáceo, com a deposição de arenitos ao longo do Cabo Mondego
até à área de Soure, seguindo em direcção à zona de Leiria com pequenas interrupções (Vilaça, 1988: 11). Da
Era Cenozóica, na charneira com o período anterior, Cretáceo, é resultado da deposição de materiais gresosos,
as Colinas Gresosas, em Soure, individualizadas pelo conjunto topográfico de elevações suaves, com cotas que
raramente atingem os 100 metros de altitude. Ao longo da Era Cenozóica, predominantemente terciária,
ocorreu o estabelecimento de materiais em toda a área sul de Verride e de Soure, em direcção a Condeixa-a-
Nova. Já no Quaternário, durante a época Holocénica, a deposição de aluviões ao longo do rio Mondego e seus
afluentes, permitiu a criação de terraços fluviais (Idem: ibidem). No mesmo período, em resultado da deposição
de tufos calcários, a partir das “exsurgências cársicas que drenam as águas subterrâneas do sector setentrional
do Maciço Antigo”, assegurou-se a criação da “Plataforma de Condeixa” (Cunha et al. 1996: 27).
Apesar do espaço físico ser marcado por vales e planícies, um relevo de suaves altitudes comuns ao Baixo
Mondego, situam-se na área de estudo vários acidentes topográficos de grande importância. Fernando Martins
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(1940: 19) individualiza, na “Orla Meso-Cenozóica Ocidental”, os anticlinais de Soure e Verride, à semelhança
da Serra de Montemor-o-Velho, Serra da Boa Viagem e Planalto de Cantanhede, com valores compreendidos
entre os 50 e 200 metros de altitude. Quanto a Orlando Ribeiro, ao observar as características do relevo
irregular, afirmou atenciosamente que “do Mondego à foz do Sado e no Algarve constituem o traço mais
vigoroso da orografia das terras adjacentes ao litoral” (1945: 65), que culmina nos relevos de Condeixa-Sicó
(522 metros), Candeeiros (613 metros), Arrábida (500 metros) e S. Miguel (408 metros) ao longo da costa
portuguesa. Quanto ao Maciço de Sicó, apesar de localizar-se a sudeste da área de estudo, constitui a principal
forma de relevo. As suas características topográficas, que contrastam fortemente com o restante espaço físico,
são o resultado de várias sobreposições de calcários ao longo do Jurássico (Cunha et al. 1996: 3). Proveniente
de Sicó, uma das três unidades morfológicas, o conjunto de colinas dolomíticas, segue em direcção ao concelho
de Soure, ao longo do planalto de Degracias-Alvorge, cujas cotas não ultrapassam os 300 metros de altitude, na
qual, desenvolve-se o anticlinal de Cabeça Gorda (Idem: ibidem; Pimenta, 2011: 14). Este fenómeno, orientado
a ENE-OSO, forma uma topografia elevada na Serrazina até ao vértice de Cabeça Gorda, onde atinge os 154
metros de altitude. Progressivamente, avança ao longo do diápiro de Soure, em cotas reduzidas,
encaminhando-se para “Ocidente do vale do Arunca, definindo a charneira do anticlinal de Verride –
geralmente designado de Planalto de Verride – onde as cotas não ultrapassam os 150 metros, uma vez que
toda a estrutura aparenta ter sido aplanada pelo mar nos finais do Pliocénico” (Idem: 15). Quanto à Depressão
Tifónica de Soure – Diápiro de Soure ou Anticlinal de Soure – é o resultado de um fenómeno geológico, na qual,
os rios Arunca e Anços, ambos tributários do Mondego, encontram-se “com uma estrutura tifónica que é p
resultado e fenómenos de erosão diferencial e que terão ocasionado contacto entre as formações geológicas,
de idade e dureza nalguns casos bastante distintas” (Figueiredo e Bandeirinha, 1986: 16). Um aspecto
interessante e bastante elucidativo da importância do espaço físico na evolução da actual vila de Soure,
corresponde à parte inferior da Depressão Tifónica, onde, no local de união das linhas de água, ocorre a junção
de materiais calcários dolomíticos, provenientes do Maciço de Sicó, com os terrenos de aluvião. Este fenómeno
foi correctamente observado por Carlos Figueiredo e José António Bandeirinha: “Assim, os terrenos de aluvião
do período moderno, onde ocorrem estas duas linhas de água da bacia do Mondego, encontram uma bolsa de
calcários dolomíticos do Jurássico que decalca, de forma vigorosa, a mancha de ocupação histórica da vila de
Soure. A Levada, obra hidráulica dos Templários no séc. XVI, é edificada provavelmente sobre um antigo
meandro, é o limite milimétrico que separa uma formação do liásico dos terrenos de aluvião mais recentes”
(1986: 70).
Quanto à hidrografia é basilar referir a importância do rio Mondego, enquanto força matriz, na transformação
38 e evolução do espaço e do Homem. Orlando Ribeiro afirmou que a diferença da geografia física e humana entre
o norte, Atlântico, e o sul, Mediterrâneo, situava-se no Mondego (1945: 140-150). Já Maria Helena da Cruz
Coelho defende uma divisão entre os terrenos de campo, no litoral, e os terrenos montanhosos, no interior
(1983: 1-2). Contudo, o mesmo elemento permite uma perfeita articulação entre os dois ambientes, graças à
vasta e complexa teia de recursos fluviais existentes. O Mondego tem a sua nascente na Serra da Estrela, a
1425 metros de altitude, e desagua no Oceano Atlântico, junto à cidade da Figueira da Foz. Após uma descida
de 750 metros ao longo dos primeiros 50 km, o rio, entra numa inclinação suave a 80 km da foz (Penajoia,
2012: 28). O território seleccionado, a CMP n.º 250, situa-se na margem esquerda do rio, vertente sul, palco de
importantes cursos de água: Pranto, que desagua junto a Verride; Arunca, alimentado pelo rio Anços e ambos
circundam a vila de Soure, e por último, rio de Mouros (ou Ega), que navega nas proximidades da antiga cidade
romana de Conimbriga. O restante território é sulcado por inúmeros ribeiros e rias, onde, prolifera uma
multiplicidade de linhas de água, como a ribeira do Juncal, ribeiro da Venda Nova, ribeira da Milhariça, ribeira
de São Tomé, ribeiro da Sicó, ribeira do Gaio e ribeira de Brunho (P.B.H.R.M, 1999: 20-22 apud Freitas, 2012:
5). A norte da actual povoação de Soure, no vale do Arunca, a proximidade entre a elevação do Crasto e o
morro de Mucata permite o estrangulamento do rio, criando uma localização estratégica para a instalação de
comunidades humanas. Posteriormente, em direcção ao Mondego, o vale, agora designado, embora erróneo,
de Campo de Vila Nova de Anços, adquire uma largura entre os 1800 e 2200 metros, até ao afloramento

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calcário da Costa de Arnes. Neste local volta a ser estrangulado, todavia, usufrui de um corredor com 400
metros de largo, bastante superior ao anterior, junto à elevação do Crasto (Figueiredo e Bandeirinha, 1986: 17;
Pimenta, 2011: 16-17).

2.2. Potencialidades naturais – Estabelecimentos de comunidades humanas


Novamente, o rio Mondego, assume um papel vital na estruturação das comunidades humanas em redor deste
espaço. Apesar do território seleccionado não incorporar totalmente a realidade ambiental do Mondego,
existem dois modelos ambientais e económicos, que demonstram correctamente a profunda dicotomia entre
um espaço litoral, plano e húmido, e o interior, montanhoso e seco. Porém, o rio e os seus afluentes, assumem
o seu papel vital no desenvolvimento e fertilidade da terra, enquanto elo de ligação entre os dois elementos
antagónicos.
Sabemos que entre 5000-3000 BP (Before Present) ocorreu uma subida vertiginosa do nível médio das águas do
mar, que proporcionou a criação de “rias profundas ou estuários, lugares privilegiados para a distribuição
humana ocorrida a partir do Mesolítico e do Neolítico” (Penajoia, 2012: 27). Possivelmente, o caso mais
elucidativo deste período é a estação arqueológica de Forno de Cal, Vinha da Rainha, em Soure (Vilaça, 1988:
51, 103). Descoberta em 1892, pelo ilustre arqueólogo figueirense, António dos Santos Rocha, correspondeu
durante largos anos ao único sítio português com potencialidade para tecer informações sobre a alimentação e
económica destas comunidades antigas (Pimenta, 2011: 22). A sua localização, relativamente próxima do
estuário do Arunca e do Pranto, ambos tributários do rio Mondego, permitia a exploração e integração dos
recursos na dieta alimentar (Idem: ibidem; Vilaça, 1988: 30).
O sal, enquanto recurso económico e elemento essencial no funcionamento biológico dos Homens e animais,
foi certamente explorado nesta região. Como sublinham, Prof.ª Dr.ª Raquel Vilaça e Prof.ª Dr.ª Ana Arruda, a
exploração deste recurso pode recuar ao período final do Neolítico e Calcolítico inicial, como indicam os dados
provenientes do povoado da Ponta da Passadeira, no Barreiro (Soares, 2001: 124 apud Arruda e Vilaça, 2006:
46). Porém, o seu pleno desenvolvimento pode corresponder à entrada da faixa atlântica na dinâmica
comercial e económica do mediterrâneo, com a chegada de comunidades de filiação oriental, fenícia (Idem:
ibidem). Aliás, como referem as autoras, a grande maioria dos sítios orientais situam-se em áreas onde a
exploração do sal foi comum até à Idade Média, como é o caso de Santa Olaia, próxima do território analisado
(Idem: 47). No caso especifico de Soure, sabemos que o antigo porto fluvial, em utilização até meados do séc.
XIX, com a abertura da Estação de caminho-de-ferro, em 1864, era local de embarque e desembarque de vários
produtos, entre os quais sal. A contínua importância do Mondego foi, recentemente, observada por Marco
Penajoia, ao demonstrar que as várias villae conhecidas distribuíam-se de forma bastante próxima com o rio, 39
inserindo-as na categoria de “villae ribeirinhas portuárias” (2012: 68).
A existência de dois modelos ambientais distintos, referidos anteriormente, justifica a integração deste
território numa economia tipicamente atlântica, através no número de aquíferos e sistemas fluviais internos, e
mediterrânea, com a proliferação de técnicas de cultivo e regas árabes (noras, poços e moinhos hidráulicos),
(Ribeiro, 1945: 83, 113-115). Todavia, a realidade transcende a visão puramente económica e funcionalista,
materializando-se no próprio terreno. No interior, em direcção ao Maciço de Sicó, a paisagem assume um clima
tipicamente mediterrâneo, com um solo compostos por rochas nuas e vertentes ingremes, onde é escassa a
água à superfície (Cunha et al. 1996: 5). Esta característica assegura um modelo de exploração centrado na
actividade pastorícia de gado caprino e bovino, e uma agricultura de sequeiro. Por outro lado, nas zonas baixas
e banhadas pelo rio e seus afluentes, a paisagem adquire um profundo contraste, com a proliferação, provável,
de culturas arbóreas: oliveiras, videiras, figueiras e castanheiro; árvores de furto: cerejeiras, macieiras e
ameixoeiras, e por último, culturas como o trigo. Sobre o arroz, uma cultura bastante abundante nos terrenos
de aluvião do Mondego, sabemos que foi trazida pelos árabes, a partir do século VIII d.C., contudo, há dúvidas
quanto à sua produção na Alta Idade Média, já que não é referido na historiografia medieval (Ribeiro, 1945:
104-115). Em relação à cobertura vegetal é difícil tecer grandes considerações, face à descaracterização
provocada pelo arroteamento de terras, expansão dos núcleos populacionais e reflorestação (Coelho, 1983: 41;
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Vilaça, 1988: 12). Provavelmente seria uma junção entre o Pinheiro Bravo e o Pinheiro Manso, comum entre o
Mondego e o sul da Arrábida; Silvas, Figueiras da Índia e Tojos, e por último, próximo do Maciço do Sicó, em
virtude da natureza do solo e da escassez de água, Carvalho-Cerquinho, “Garrigue” e “Maquis” (Ribeiro, 1945:
156-158; Cunha et al. 1996: 10; Vilaça, 1988: 12-13).

2.3. Sítios arqueológicos


Como é óbvio, não é possível individualizar e analisar de forma explícita cada sítio arqueológico, face ao
caracter singelo do trabalho. Aliás, não é nosso objectivo estudar os estabelecimentos. Contudo, pretendemos
dotar o leitor de um pequeno suporte informativo sobre a realidade arqueológica deste território para uma
melhor e correcta compreensão da dinâmica humana deste espaço. Para tal, de forma simples, enumeramos os
principais locais segundo um enquadramento cronológico.

Fig. 2 – Localização dos sítios da Pré-história


40
2.3.1. Pré-História
Do período pré-histórico apenas foi possível identificar, bibliograficamente, três sítios arqueológicos na área de
estudo (Fig. 2). Os dois primeiros, Casal da Almeida, na freguesia da Vinha da Rainha, e Camparca, na freguesia
de Soure, são os mais conhecidos, ambos datados do Neolítico (Vilaça, 1988: 51-52). Recentemente, embora
sem confirmação oficial, sabemos que as escavações que decorreram na elevação do Crasto, em 2006,
permitiram reconhecer matérias líticos que apontam para uma cronologia do Neolítico (Informação cedida pelo
Dr. António Nunes Monteiro). Infelizmente não foi possível localizar estes dados a partir das coordenadas, já
que não se encontravam no Portal do Arqueológo (DGPC), constantemente desactualizado. Desta forma,
procedemos a uma localização relativa, ou seja, a partir da localidade mais perto. A mesma metodologia foi
aplicada aos restantes sítios, independentemente do período ou tipologia, que não possuíam coordenadas.

2.3.2. Bronze-Final

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Como sublinha a Prof.ª Dr.ª Raquel Vilaça, a viragem do II-I milénio a.C., Bronze Final, não representou apenas
uma mudança de tempo, algo tão subjectivo e relativo como a própria existência, concepção e ideia de tempo.
Significou uma profunda mudança social, económica e política das comunidades humanas, na qual, o poder,
obtido através do metal – controlo e fabrico – provocou o surgimento de núcleos populacionais em sítios de
domínio visual, de contactos inter-regionais e da estratificação social (2012: 18). Ao mesmo tempo, um dos
fenómenos mais visíveis desta “Revolução Cultural” ou “Revolução Industrial”, como defende Anthony Harding,
consiste na deposição de inúmeros depósitos metálicos, de bronze e ouro (2003 apud Vilaça, 2008: 75).

Fig. 3 – Localização dos depósitos metálicos do Bronze Final

No território de estudo é possível identificar dois depósitos (Fig. 3), em Gesteira, no concelho de Soure, e Gruta
do Medronhal (Arrifana), no concelho de Condeixa-a-Nova (Idem: 82; Vilaça, 2012: 22). O primeiro depósito,
41
descoberto em 1922, corresponde a um troque de ouro, que de ponto artístico e estilístico – haste maciça e
terminais discoidais – detém alguma raridade, já que os únicos paralelos conhecidos em território nacional
situam-se em S. Bento (Serpa) e Alegrete (Portalegre) (Idem: ibidem). O depósito de Arrifana, descoberto entre
1944-1945, incorpora 36 artefactos de bronze (argolas, braceletes e fíbulas de dupla mola), bem como,
vestígios osteológicos (humanos) e objectos de adorno. Segundo a Prof.ª Dr.ª Raquel Vilaça, este achado surge
com um forte indicador do caracter fúnebre do espaço (2012: 22).
Embora fora da área de estudo, conhecemos mais exemplos do Bronze Final, tanto no concelho de Soure,
como nos restantes concelhos vizinhos. A materialização deste fenómeno ocorre nos depósitos de bronze, em
Coles de Samuel e Vale Centeio, ambos em Soure, ou Alto do Castelo (Eira Pedrinha) e Conimbriga, em
Condeixa-a-Nova (Idem: 21). A última localização corresponde ao povoado pré-romano, datado do Bronze
Final, a partir de um artefacto em Bronze, do tipo “Rocanes”, com paralelos em Coles de Samuel (Idem:
ibidem). A presença destes vestígios justifica, sem dúvida, a possibilidade de futuros e promissores estudos.

2.3.3. Idade do Ferro


Da Idade do Ferro só conhecemos dois sítios, ambos povoados, no concelho de Soure e Condeixa-a-Nova (Fig.
4). O primeiro situa-se na elevação do Crasto, que, como o topónimo indica, corresponde a um povoado pré-
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romano. A descoberta deste assentamento decorreu durante os trabalhos de prospecção de campo, liderados
por Dr. António Monteiro, em 1985 (Monteiro, 1994a: 56-58).

Fig. 4 – Localização dos sítios da Idade do Ferro

A partir de 1987, em virtude da expansão da malha urbana da actual vila de Soure, com a construção da
Urbanização Encosta do Sol, surgiram vários trabalhos arqueológicos, ou seja, num contexto de emergência.
Infelizmente ao longo dos vários anos, pouco ou nada, foi desenvolvido sobre este importantíssimo povoado,
excepto as publicações do Dr. António Monteiro, entre 1987 e 1994, que permitiram datar um período de
42 ocupação entre o séc. VI a.C. até ao início da era cristã, contemporâneo da presença romana neste território
(Idem: ibidem; Pimenta, 2011: 27). Porém, a riqueza patrimonial e a importância do espaço na evolução
histórica da vila de Soure, justificam, sem qualquer dúvida, um projecto de investigação. Como afirma o Doutor
Vasco Mantas, é “certa a existência de um estabelecimento luso-romano junto ao local em que a estrada
Olisipo-Collipo-Conimbriga atravessava o rio Anços”, isto é, uma deslocação topográfica da elevação do Crasto
para uma zona ribeirinha (Mantas, 170; 1996: 870). Opinião diferente tem António Monteiro, ao defender a
possibilidade de uma povoação romana na área oeste e noroeste do Crasto (Monteiro, 1994b; Pimenta, 2011:
32). Sobre o segundo sítio, Senhora do Círculo ou Circo, sabemos muito pouco. Aliás, a única informação que
encontrámos foi retirada do Portal do Arqueológo (DGPC), que descreve este local como um “povoado
fortificado profundamente alterado por construções recentes (igreja, adro e estrada) ”. Segundo as informações
orais, este local foi até meados do século XX palco de romarias por parte da população campesina, que
procurava a bênção de Nossa Senhora do Círculo. Já o nome da divindade deriva, supostamente, do “muro
circular de pedra que rodeia o santuário, como uma bancada corrida no sopé”, na qual, nós, arqueológos, não
temos qualquer dúvida em interpretar como o antigo perímetro amuralhado do povoado. O próprio percurso,
de caracter religioso, pode corresponder à sacralização do espaço pela religião cristã ou a remanescência de
singelos traços culturais enraizado nas populações.

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2.3.4. Período Romano
Como é normal, os vestígios materiais do domínio romano são muito mais abundantes do que qualquer outro
período. A proximidade com a importante cidade romana de Conimbriga e, embora mais distante, com
Aeminium, justifica este facto. Contudo, quantidade não significa, na grande maioria das vezes, qualidade. Ou
seja, apesar dos vários sítios identificados como romanos, pouco ou nada sabemos sobre eles, que prejudica o
desenvolvimento do nosso trabalho.

Fig. 5 – Localização dos sítios da Época Romana

A vila de Soure, face à sua extraordinária posição que permite a conjugação de um eixo viário e fluvial, é,
43
segundo a imutável interpretação do Doutor Vasco Mantas, assinalada como um vicus (Mantas, 1986: 177-178;
1996: 870; 2012: 258). Surgindo como um aglomerado urbano hierarquicamente inferior às civitates, o vicus,
encontra-se em perfeita dependência – económica, estrutural e urbanística – da rede viária que acompanha
(Carvalho, 2008: 42-43). No entanto, embora limitado pela estreita ligação com as civitates, possui funções
mercantis e administrativas, que de forma natural, permitem-lhe adquirir um relativa importância político-
administrativa, bem como, uma autonomia (Idem: ibidem). É composto, na grande maioria, por uma população
peregrina ou de génese indígena, que, no nosso caso concreto, permite acompanhar uma evolução do crasto
pré-romano até ao vicus romano (Lemos, 2004: 226-227).
No restante território é possível identificar 14 sítios arqueológicos que compõem o povoamento rural disperso
(Carvalho, 2004: 123) (Fig. 5). Sobre as villae romanas conseguimos individualizar três, localizadas na Quinta da
S. Tomé, Quinta da Madalena e Moroiços. Em Mata Cabeça, na localidade de Alencarce de Cima, há
possibilidade do habitat, terminologia estabelecida no Portal do Arqueológo (DGPC), pertencer a uma villa
(Santos e Pires, 1996: 24). Quanto aos restantes sítios, não é possível tecer grandes considerações ou
informações, contudo, é susceptível de constituírem um grupo homogéneo de granjas e casais (Pimenta, 2011:
37; Sousa e Barata, 1991/1992: 45-46).
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2.3.5. Período Medieval


Perante o número reduzido de sítios arqueológicos decidimos analisar o período medieval de uma maneira
única, ou seja, sem uma divisão categórica entre a Alta e Baixa Idade Média (Fig. 6). Porém, sabemos que são
duas realidades perfeitamente distintas, com formas diferentes de ocupação e modelagem do espaço.

Fig. 6 – Localização dos sítios da Época Medieval

Na povoação de Soure e Ega assistimos durante este período ao decorrer de um processo de encastelamento,
onde, em ambas as localidades, foram erguidas dois sistemas de fortificação distintos. Numa primeira fase,
relacionado com o domínio muçulmano neste território, entre os séculos VIII-XI, conhecemos a presença de um
44 Hisn em Ega e, possivelmente, em Soure (Revez, 2009; Freitas, 2012: 29-32). A criação de um estrutura militar
estatal correspondeu à materialização das necessidades políticas e militares do poder cordovês, especialmente,
durante os períodos de governação de emires como Abd Al-Rahman II e Muhammad I. O século IX, foi um
período de instabilidade e agitação em todo o mundo muçulmano: o avanço da reconquista cristã até à linha
do Mondego, com a conquista da cidade de Coimbra, em 878; os ataques normandos às populações e cidades
costeiras, sendo Lisboa, um dos alvos, em 844. E por último, a instabilidade interna em todo o Garb, Primeira
Fitna, com a emancipação dos movimentos independentistas, materializados em personagens como Ibn
Marwan – O Galego, justificaram a proliferação de inúmeras estruturas defensivas, contribuindo para a criação
de um “País de Husum” (Catarino, 1997/1998: 631).
Posteriormente, na charneira entre o séc. X-XI, com a reconquista da cidade de Coimbra pelas forças de Al-
Mansur, em 987, na vigésima oitava campanha, voltou a surgir um novo processo de encastelamento (Idem,
2005: 204; Revez, 2009: 2-3). Sobre o Hisn sabemos que é uma estrutura defensiva de um pequeno território,
situado nas imediações de vias, terrestres e fluviais, e possuía uma dupla função militar e económica. Enquanto
estrutura militar servia primordialmente como linha de apoio regional ao povoamento rural, assegurando as
principais linhas de comunicação e garantindo a predominância do poder estatal muçulmano. Por outro lado,
as suas funções económicas partiam da sua acção enquanto centro polarizador, dominando os recursos
agrários, pecuários, mineiros e controlando um aglomerado rural, como alcariais e casais. Num contexto

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superior, haveria uma rede de Husum, plural de Hisn, que consistia num conjunto de fortificações distribuídas
de forma irregular ao longo das vias de comunicação e agrupadas a distâncias que variam entre os 6 e 8 km ou
17 km, no caso de fortalezas com amuralhamento completo. Face à sua distribuição do terreno, funções
regionais e simplicidade morfológica, crê-se que não dominariam territórios de fronteira (Catarino, 1997/1998:
566-570).
Posteriormente, com a conquista definitiva de Coimbra em 1064 por Fernando I, rei de Castela e Leão,
decorreu uma reorganização das defesas da linha do Mondego. Entre 1071 e 1072, por intermédio do
governador moçárabe de Coimbra, D. Sisnando, antigo vizir de Al-Mutamid e primeiro governador da cidade de
Toledo após a sua conquista em 1085, decorreu a construção ou reconstrução do castelo medieval de Soure
(Pimenta, 2011: 53-56; Alarcão, 2004: 29-30). Em virtude da sua excepcional posição, de elevada importância
estratégica, atraiu desde cedo as reformações necessárias: em 1111, o Conde D. Henrique, de modo assegurar
a população emite um foral à vila e a 19 de Março de 1128, é cedida à Ordem dos Templários por ordem de D.
Teresa, onde, o castelo de Soure surge como centro de um vasto território estruturado em torno da antiga via
romana Olisipo-Aeminium-Bracara Augusta e da capital régia, Coimbra (Idem: 56-59; Barroca, 2001: 535-536).
A defesa deste vasto território era assegurada através dos castelos de Soure, Ega e Pombal. Contudo, com a
conquista da cidade de Lisboa, em 1147, e com o avanço da reconquista até ao Vale do Tejo, Soure perdeu
gradualmente a sua importância estratégica. Já sob o domínio da Ordem de Cristo, herdeira da Ordem do
Templo, a povoação viria a transformar-se gradualmente num importante senhorio agrícola (Idem: 90-91).
Quanto aos restantes sítios arqueológicos sabemos que na Quinta da Fuzeira, em Soure, a Ordem de Cristo
encontra-se representada pela presença de um marco de divisão de propriedades rurais, enquanto no Cercal,
em Gesteira, conhecemos a existência de um singelo caminho carreteiro, interpretado como um produto do
período medieval. Para terminar, em Ega, os vestígios arqueológicos correspondem à ocupação do
povoamento medieval, articulando materiais de vários períodos, romano e moderno.

3. Epistemologia arqueológica
3.1. Pressupostos epistemológicos
Julgamos reconhecer a importância e necessidade de abordar a problemática epistemológica da arqueologia
neste trabalho. Como é normal, as ideias e critérios que permitiram ou favoreceram uma determinada
interpretação, em privilégio de outra, são aspectos que surgem numa índole individual, apesar do vasto
reportório bibliográfico existente, na qual, os autores procuraram uma compartimentação das correntes
arqueológicas, como a Histórico-Culturalista ou Contextualista. Ou seja, não negamos a importância de certas 45
obras na construção da identidade do indivíduo, porém, criticamos o carácter racional, onde a necessidade de
escolher uma posição única e rígida, surge como um critério pré-definido para qualquer arqueológo. À
semelhança do Dr. Jorge de Alarcão (1996) defendemos uma conciliação das várias correntes, adaptando a
cada questão um modelo próprio de resposta. Todavia, o trabalho que aqui apresentamos necessita de uma
visão diferente, muito mais conciliadora.
Como refere Gérard Chouquer, a “fragmentação de disciplinas” surge como um processo onde o conhecimento
e a natureza são divididos de forma categórica, estratificada e representados por partes, como parcelas
distintas (Chouquer, 2007: 171 apud Costa, 2010: 29). Porém, partilhando as ideias do mesmo autor,
observamos a natureza e o homem como um elemento comum do mesmo ecossistema (Chouquer, 2008: 94
apud Costa, 2010: 39). De forma bastante explícita a definição de ecossistema, eco (oikos) + sistema (systema),
sugere a relação de interdependência na criação de uma comunidade (sentido figurativo), na qual, os
elementos bióticos (Homem e animal) e abióticos (meio ambiente) encontram uma perfeita articulação e
relação. Como refere Felipe Criado Boado (1999: 5-6) é necessário compreender a paisagem como espaço
social, onde decorrem as relações entre homens e ocorre a apropriação do espaço físico, isto é, a
“domesticação” do espaço e materialização da evolução da comunidade (Idem: 34-35). Perante isso, o espaço
surge como alvo de estudo, requisitando a necessidade de uma abordagem multidisciplinar na sua análise. Era
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possível apoiar uma corrente processualista, adoptando uma visão sistémica e assumindo uma adaptação do
Homem (tecnologia e cultura) ao ambiente físico. Aliás, no desenvolvimento do trabalho é reconhecível a
relação directa entre evolução do espaço físico e a rede viária. Contudo, uma visão contextualista (como
exemplo) permite colocar outras questões e obter diferentes respostas; não contraditórias mas distintas, que
justifica a compatibilidade das várias correntes (Alarcão, 1996). Exemplo disso é a travessia de um pequeno
ribeiro entre Casa Velha e Gesteira, de acordo com os dois modelos hidrográficos diferentes. O primeiro
modelo, que corresponde ao paleoambiente, marca um traçado por um caminho carreteiro; o segundo
modelo, actual rede hidrográfica, estabelece um percurso com passagem na ponte moderna da EN 348. De
acordo com a corrente de Binford esta alteração representava uma necessidade económica, ou seja, perante
uma sociedade moderna e capitalista, profundamente dependente do tráfego viário na economia, era lógico
assumir um itinerário que permite-se maior fluxo de mercadorias. No entanto, a corrente de Hodder procurava
uma reposta de índole social, isto é, o percurso carreteiro mantinha-se lado-a-lado com actual ponte, já que
havia uma preservação do trajecto ao longo de várias gerações. Contradizem-se? Julgo que não, apenas
assumem diferentes posições que permitem aprofundar o estudo do Homem. Mas há uma questão que não é
colocada, qual é a disciplina que permite uma visão diacrónica de tal facto? Não temos dúvida que a resposta
reside na Arqueogeografia (Costa, 2010: 41-42).

3.2. Arqueogeografia
Graças à excelente dissertação do Dr. Miguel Costa (2010), marcada pela primazia e qualidade, foi possível pela
primeira vez em Portugal criar um trabalho de Arqueogeografia. Sem qualquer dúvida, podemos afirmar que é
um trabalho que primeiro estranha-se, face à diversidade de conceitos e ideias novas, e de seguida entranha-
se, pela validade e riqueza do conhecimento arqueológico produzido. A esmagadora maioria do pensamento
arquegeográfico aqui descrito foi retirado da sua dissertação.
A Arqueogeografia é uma disciplina que promove a conjugação multidisciplinar de várias ciências
paleoambientais e arqueológicas, como a Arqueologia da Paisagem e a Arqueologia Espacial (Idem: 41). É uma
metodologia que assume uma visão diacrónica e dinâmica, que promove o estudo de longa duração, isto é, não
compartimentando o objecto de estudo em periodizações pré-definidas, como Idade do Ferro, Período
Romano ou Época Medieval. Como foi assinalado anteriormente, assenta no estudo do ambiente físico, como
as centuriações, parcelas e cadastros agrários. Aproveito para tecer uma crítica à obra do Dr. Jorge de Alarcão,
“Escrita do Tempo e a sua Verdade (Ensaios de Epistemologia da Arqueologia)”, já que adopta um discurso
tradicional (embora conciliador e moderado) em relação ao espaço físico, que surge de forma secundária ou
46 esbatida, chegando afirmar “ao contrário da natureza, onde, como dizia o poeta, nada está presente se não a
própria natureza (numa árvore não vemos se não a própria árvore), mas num objecto experimentamos a
presença do outro” (Alarcão, 2000: 17). Aliás, a própria interpretação do objecto (valorizado) é condicionada
por uma rígida periodização. Nós perguntamos, os objectos não têm mobilidade temporal? Uma faiança
portuguesa do séc. XVI pode coexistir com loiça de cozinha do século XXI, porque os objectos – portadores da
dinâmica humana – possuem “funções” além da necessidade funcional. Espero que esta crítica não seja mal
entendida, uma vez que, o nosso objectivo passa por renovar o conhecimento e como tal, em determinadas
alturas, é necessário romper com ideias antigas.
Ao estudar a dinâmica viária da Carta Militar de Portugal n.º 250 foi proposto, inicialmente, analisar os dados
SIG durante o período romano, no entanto esta metodologia é incorrecta. Como refere o Dr. Miguel Costa, a
rede viária provém de um processo de formação de longa duração, sendo um erro construir a planimetria viária
com base em descrições periodizadas (como referimos anteriormente) (2010: 41-42). Mas as vantagens da
arqueogeografia não se resumem unicamente à possibilidade de assumir uma visão alargada do objecto de
estudo: o próprio pensamento ou desconstrução do mesmo, permite interpolar vários dados, como tal, é
possível reconhecer através da paisagem uma memória interna (resiliência) (Idem: 41 e 45).
Infelizmente para nós, no actual patamar de conhecimento, não é possível aprofundar a temática da
arqueogeografia. Todavia, vamos disponibilizar algumas ideias sobre a disciplina. O primeiro passo estabelece a

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necessidade de adoptar uma orientação diferente do modelo moderno e ocidental, profundamente racional e
cartesiano (Criado Boado, 1999: 5-6). Posteriormente, como foi referido anteriormente, interpretamos o
espaço como algo dinâmico, de tal modo, que possui um tempo morfológico interno – isento de uma
cronologia histórico-social especifica – na qual, ocorre a transformação e alteração da sua funcionalidade
primária. Porém, como a paisagem surge em equilíbrio e não em palimpsesto, uma forma antiga pode revelar-
se de várias e diversas maneiras (Chouquer, 2007: 271 apud Costa, 2010: 43). Um exemplo deste fenómeno é a
reutilização de um fosso (função militar) nos actuais limites das sebes ou parcelários agrícolas, possivelmente
visível na elevação do Crasto em Soure. Este processo é designado de transmissão-transformação isotópica,
alinhamento vertical (Idem: 44).
Uma forma possui um potencial acumulado, designado de resiliência, onde um sistema (ex. vias) prossegue a
sua existência e estrutura, indiferente às mudanças nas estruturas sociais. Associado a esta definição surge
histerese, isto é, uma discordância de tempo, onde as formas apresentam uma dinâmica própria: não se
repetem do mesmo modo e têm um tempo de resposta, histerécronia, entre uma determinada causa e um
efeito produzido (Chouquer, 2000: 190; 2007: 268 apud Costa, 2010: 45). A ucronia corresponde à transmissão
– tempo e espaço – de uma forma arqueológica, na qual, a estrutura “imprime no solo um potencial que um
facto social faz retornar num momento imprevisto da história do sítio”. A procronia é a materialização da
comunicação entre certos acontecimentos longínquos no espaço ou no tempo (Idem: ibidem). Quanto ao
conceito de “tafocronia”, um termo originário das ciências paleo-naturalistas, provém do estudo das condições
de enterramento. Ou seja, a compreensão das condições de deposição ou de erosão das ocupações, permitem
um melhor entendimento das descontinuidades ocupacionais (Idem: ibidem). Por último, surge o conceito de
“assincronia”, que de forma bastante simples, corresponde à impossibilidade de generalizar um determinado
dado cronológico, uma vez que uma determinada forma possui um tempo morfológico interno, que não
permite uma continuidade linear (global) do espaço-tempo (Idem: 45-46).
Em relação à ocupação do espaço físico é necessário individualizar dois níveis, dividual (repetição e
globalização do processo) e individual (acentuação de caracteres dividuais ou ruptura com os mesmos) (Idem:
46). É partir destes dois níveis que assistimos à organização de planimetrias no espaço (Chouquer, 2000: 130-
133 apud Costa, 2010: 46). Estas encontram-se distribuídas em quatro formas basilares, hierarquizadas e
distribuídas segundo o conceito de estrutura – conjunto de várias partes: Formas Globais de Organização,
Formas Intermediárias, Formas Parcelárias e Formas Pontuais (Idem: ibidem). De modo bastante simples, já
que não é possível aprofundar um assunto que muito fragilmente compreendemos, sabemos que a ocupação
do espaço iniciou-se, possivelmente, a partir do Bronze Final/Idade do Ferro, segundo um processo de
continentalização, isto é, a criação de uma planimetria em rede entre habitats - vias - criando um tecido único, 47
na qual, os lugares deixaram de estar isolados uns dos outros (Idem: 47). Este processo é avaliado enquanto
redes de fundação, projectos erguidos segundo vontades políticas e facilmente reconhecíveis pela sua
“anomalia” em relação ao restante trama, e redes de formação, que incorporam uma forma de auto-
organização que os homens imprimem no ambiente físico (Idem: 48).
Já referimos várias vezes o processo de transmissão-transformação, contudo, ainda não abordamos a matriz
deste fenómeno. Sobre a transmissão das formas, creio que ficou explicito a capacidade das estruturas,
todavia, o processo de transformação assume três maneiras distintas: maneira isotópica, alinhamento vertical;
isoaxial, alinhamento horizontal e isóclina, expandindo-se lateralmente (Idem: 47). Ao longo do trabalho
vamos conseguir relacionar estes dados com a realidade ocupacional do território analisado.

4. Sistemas de Informação Geográfica


4.1. Introdução
Como é objectivo da unidade curricular SIG em Arqueologia, leccionada pelo Dr. Marcos Osório, grande parte
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do nosso trabalho centra-se na capacidade de aplicar as ferramentas e instrumentos disponíveis no Quantum


GIS, bem como, a interpretação dos dados e a construção de conhecimento a partir dos mesmos. Apesar da
crítica anterior à obra do Doutor Jorge de Alarcão, concordo inteiramente com a sua posição em relação à
interpretação, ao assumir que é um raciocínio elementar do pensamento arqueológico. E, também à sua
semelhança, quanto mais longe for a distância cultural maior é a dificuldade de interpretação (2000: 56).
Porém, adoptando uma metodologia diferente, arqueogeografia, esta problemática assume um
desenvolvimento divergente. Mas até o Dr. Miguel Cipriano criticamos. Na sua dissertação a utilização dos SIG,
ArcGis 9.3, moldou-se à necessidade de criar uma base informática, com capacidade para armazenar e
processar os dados existentes, isto é, apenas um suporte informático para o estudo arqueogeográfico (Costa,
2010: 49). Mas nós assumimos uma postura diferente, quisemos testar as potencialidades reais do programa
na construção de conhecimento arqueológico.
Ao aplicamos o cálculo de corredores óptimos decidimos iniciar o nosso estudo com base nos “dados” traçados
pelo programa e, posteriormente, avaliar a potencialidade dos mesmos. Sabemos que representam
concretamente uma análise espacial, isto é, do espaço físico (linhas de água + relevo) e só a nossa
interpretação (humana), é que pode refutar ou corroborar os dados. Os resultados obtidos podem situar-se nos
antípodas da realidade humana, complexa e abstracta, todavia a planimetria da rede viária é a articulação
entre o relevo (caminhos mais suaves) e as necessidades do Homem (caminhos mais directos). Como refere
Armindo de Sousa “Só que a vegetação muda. Mudando, altera os solos. Com os solos, a paisagem. Atrás irá o
céu. E tudo isto, sobretudo porque os homens estão lá, no mundo físico, actuando, interferindo, domesticando
(…) Mas houve coisas que persistiram, essas que a civilização não pôde até agora alterar: os recortes
orográficos, as latitudes e longitudes e altitudes dos lugares, os grandes determinadores dos quadros
meteorológicos sazonais” (1997: 264), há a possibilidade dos trajectos propostos pelo modelo informático
deterem alguma lógica.

48
4.2. Cálculo de corredores óptimos
4.2.1. Condicionantes
O uso do cálculo de corredores óptimos, enquanto ferramenta de análise espacial, baseia-se no princípio de
resistência que o espaço consegue impor na deslocação, através de vários factores físicos (Osório e Salgado,
2011: 90). Enquanto metodologia compreende duas fontes de dados principais, orografia, através das curvas
de nível, e hidrografia, com os cursos de água e leitos de cheia. Os últimos dados estão presentes na Reserva
Ecológica Nacional (REN) e representam áreas de difícil transposição, fortalecendo a veracidade dos resultados
finais (Idem: ibidem). Contudo, ao contrário do interior do país onde os cursos de água mantiveram-se
particamente imutáveis, o nosso território de estudo, foi placo de profundas transformações nos últimos dois
milénios. Sobre a evolução da cota do rio Mondego, não há consenso entre os vários investigadores,
predominando a incerteza e o desconhecimento parcial ou total da dinâmica fluvial do ancestral rio Munda
(Alarcão, 2004: 133-134). Os motivos que asseguram a actual situação centram-se na ausência de um programa

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de sondagens geotécnicas; incerteza dos valores e parâmetros estabelecidos pelos vários investigadores;
incremento do assoreamento do rio, a partir do séc. XIII, com o arroteamento de terras e colonização dos
espaços ribeirinhos (Coelho, 1983: 41), e por último, a ausência de um processo global ao longo do troço do rio
Mondego, bem como, nas duas margens, na qual, a margem direita, assume um papel predominante no
assoreamento do curso de água (Alarcão, 2004: 133). Este fenómeno, nefasto para as linhas de água na
margem esquerda, é o resultado do declive do Mondego, que implica uma diminuição da sua capacidade para
evacuar os sedimentos transportados pelo Arunca, ou seja, o processo de deposição de materiais sedimentares
nesta área é muito mais intenso (Cunha, 1986: 32). Por outro lado, a intensa dinâmica fluvial do Mondego, com
variações extremas, permite atingir valores 3000 vezes superior ao caudal de estiagem em determinadas
alturas do ano (Mantas, 2012: 34).

49

Fig. 7 – Demarcação das zonas do antigo estuário


Como o objectivo primordial do artigo centra-se no estudo diacrónico da dinâmica viária, decidimos que seria
vantajoso recriar o paleoambiente do território em épocas anteriores e inserir, como fonte de dados, no
cálculo de corredores óptimos, sob a forma de áreas inundáveis (Fig. 7). Desta forma, criámos uma fonte de
dados, shapefile, em formato vectorial poligonal, obtida a partir de georreferenciação da Carta Militar de
Portugal n.º 250 (1:25000) sob as coordenadas WGS 84 e a consulta da informação da Reserva Ecológica
Nacional de Soure e da Carta Geológica de Portugal C 19 (1:50000). A partir dos dados, incorporámos as “zonas
ameaçadas pelas cheias” e as “áreas de infiltração máxima”, que correspondem às áreas que devido à natureza
do solo, substrato geológico e da morfologia do terreno, assumem condições favoráveis à infiltração de água.
Posteriormente, foi realizado uma triagem da área seleccionada, a partir da consulta da C.G.P C19 (1: 50 000),
na qual, foram apenas incorporados os depósitos de areias, arenitos e argilitos. A garantia dos dados, apesar de
não ser possível assegurar a datação dos terraços fluviais sem um projecto de investigação, encontra-se
estabelecida pela proximidade de valores apontados por vários autores sobre a cota do rio no início da era
cristã, até à localidade de Soure (Alarcão, 2004: 133-134; Cunha, 1986: 30; Martins, 1940: 87). Aliás, os
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resultados obtidos com o modelo de cálculo de corredores óptimos asseguram a possibilidade de utilizar estes
dados.

Fig. 8 – Superfícies de custo isotrópicas para cálculo de corredores óptimos (Modelo I e II)

4.2.2. Pontos de origem e destino conhecidos


Decidimos aplicar dois modelos hidrográficos distintos: um primeiro modelo, que recria o paleoambiente da
época romana, e um segundo, criado com os dados actuais. Deste modo, procuramos compreender a evolução
da rede viária ao longo do tempo, bem como, a importância do espaço físico, elemento de água, na evolução e
transformação dos percursos. Face ao desconhecimento actual da realidade arqueológica da vila de Soure,
aplicámos como pontos de origem dois sítios principais: no primeiro esquema, seleccionámos a rua João de
Deus, em plena vila de sourense e local de passagem da EN 342. Decidimos escolher este local com base nas
propostas existentes, apesar da incerteza da localização do povoado romano (Pimenta, 2011: 28; Mantas,
1985: 170); no segundo esquema, o castelo medieval templário. Quanto ao destino do traçado, definimos a
localização nas povoações actuais de Vila Nova de Anços, Ega, Arrifana, Quinta das Meãs, Sobral de Cima (Torre
do Sobral), Casal da Almeida, Carcavelos e Carvalhal da Azóia, ou seja, locais de passagem das vias (Fig. 8). A
partir dos resultados obtidos, comparámos com as propostas do Doutor Vasco Mantas (1996) e Mário Saa
(1960), tal como, o traçado medieval conhecido (Fig. 9) (Coelho, 1983: 411; Gil e Rodrigues, 1990: 61, 66-68;
Pimenta, 2011: 81-85).

50
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Fig. 9 – Traçados da rede viária na carta militar n.º 250.

4.2.3. Metodologia MADO


A metodologia MADO, acrónimo de Modelo de Acumulación de Desplazamiento Óptimo (Fábrega-Álvarez 2006:
8 apud Osório e Telmo, 2011: 91), corresponde à aplicação de um modelo hidrográfico, na qual é estabelecido
um ponto de origem mas sem destino definido. Ou seja, o traçado proposto pelo programa representa o
percurso de mais fácil deslocação. As vantagens deste modelo residem na particularidade de não haver um
local de destino previamente definido, que de forma inconsciente, pode manipular os resultados finais.
Procurámos utilizar esta ferramenta para clarificar os traçados propostos pela metodologia anterior (Fig. 10).

Fig. 10 – Aplicação do corredor óptimo, Soure-Vila Nova de Anços, sobre o MADO (modelo I e II).

4.3. Bacias de visão – Visibility Analysis plugin


51
Usufruindo de dados elaborados previamente para a unidade curricular de Espaços e Sociedades, leccionada
pela Prof.ª Dr.ª Raquel Vilaça, incluímos a análise das bacias de visão, obtidas através do modelo Visibility
Analysis plugin, para compreender a relação entre os sítios arqueológicos e as vias de comunicação (Fig. 11). É
necessário observar os caminhos e percursos como um fenómeno diacrónico, onde determinados momentos e
períodos influenciaram a evolução da rede viária. Porém, a materialização de um determinado caminho não
ocorre durante o período instituidor (ex. Estado), mas num “longo processo auto-organizativo de
implementação progressiva” (Costa, 2010: 48). Ao mesmo tempo, como recorda Miguel Costa, o Prof. Dr.
Gérard Chouquer, define a ocupação ou continentalização do espaço, como um processo de articulação e
união entre vários sítios, anteriormente isolados, a partir de uma planimetria de vias e redes (Idem: 47). O
mesmo autor defende que este fenómeno ocorre desde o Bronze Final até à Idade do Ferro. Deste modo,
perante a existência de depósitos metálicos do Bronze Final e o povoado pré-romano do Crasto de Soure, foi
prudente analisar a relação entre estes dois locais e as vias conhecidas. Esta análise, além de incluir a
articulação entre os caminhos e os sítios, procurou integrar a área visível, que pode surgir como uma
construção do espaço social e do meio sociocultural (Godelier, 1989 apud Boado Criado, 1999: 5).
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Fig. 11 – Áreas de visibilidade dos depósitos metálicos (Gesteira e Coles de Samuel) e dos povoados pré-romanos do
Crastro de Soure e Conimbriga.

4.4. Recriação cartográfica dos sítios arqueológicos e percursos propostos/conhecidos


A partir das fontes bibliográficas e informáticas foi possível extrair informações sobre a localização dos sítios
arqueológicos e as propostas viárias para a CMP n.º 250. Após a recriação dos dados, em formato vectorial,
aplicámos os dados em distintos suportes cartográficos, para averiguar e compreender o movimento reciproco
das vias e dos locais, bem como, a relação destes com espaço físico.

4.5. Análise urbana: Vila de Soure e Vila Nova de Anços


De modo a incrementar o estudo da realidade viária, decidimos estudar a planimetria urbana da vila de Soure e
da Vila Nova de Anços, locais de passagem dos itinerários viários romanos e pós-romanos. O objectivo
primordial procurou reconhecer a capacidade de transformação e transmissão das vias romanas nas duas
52 localidades actuais. Em perfeita associação com as opções dos SIG, incluímos plantas e desenhos do traçado
viário do século XIX (Figueiredo e Bandeirinha, 1986: 13-24; Afonso, 1987: 48-59).
4.6. Fotointerpretação
Decidimos incluir este método de trabalho no campo das ferramentas de SIG, já que foi utilizado a partir do
módulo disponível no programa, OpenLayers Plugin. Todavia, exterior ao programa, socorremo-nos de vários
suportes informáticos, como o Google Earth, Bings Maps ou GeoPortal do LNEG para comparar o mesmo local
com várias imagens de satélite, reforçando assim, a capacidade de observação e identificação de “formas
fósseis” ou paleo-formas (Chouquer et al. 1991: 209 apud Costa, 2010: 34). Mais uma vez socorremo-nos da
excelente dissertação de Miguel Costa para referir aspectos importante sobre esta metodologia. Os traços
visíveis nas fotografias aéreas correspondem a alterações na composição do terreno – fragmentação de
estruturas – que provoca uma coloração distinta da restante área que a cobre. A partir do momento em que a
estrutura é “abandonada” deixa de ser uma construção humana e passa a estar integrada no ambiente físico, e
como tal, sujeita a acções naturais ou antrópicas (Idem: 35; Burillo Mozota, 1996: 121). A materialização deste
processo distribui-se em três modelos primordiais: traços de microrelevo, visíveis na fotografia área, na qual, o

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solo reflecte as suas formas; traços de anomalia, relevos topográficos que asseguram uma coloração diferente
do solo. E por último, traços de sobrevivência, que reflectem situações herdadas na paisagem e situam-se à
superfície (Picarreta et al. 2000 apud Costa, 2010: 35).

5. Dinâmica viária: estudo e análise da Carta Militar de Portugal n.º 250


5.1. Percursos de corredores óptimos
Ao contrário do Dr. Miguel Costa, que adoptou a metodologia de Eric Vion ao descortinar a dinâmica da rede
viária do concelho de Alenquer a partir da actualidade, assumindo assim uma planimetria diacrónica do
processo viário (2010: 54); do Doutor Vasco Mantas (1996), que relacionou os sítios arqueológicos com as
características físicas do terreno – orografia, hidrografia e geologia – na procura de uma proposta viária para o
Baixo Mondego durante a época romana. E, por último, Mário Saa (1960), que articulou pressupostos
fantasiosos (ex. localizou a cidade romana de Aeminium, actual Coimbra, em Montemor-o-Velho) com os sítios
arqueológicos.
Nós pretendemos analisar a rede viária da CMP n.º 250 através da combinação das duas primeiras
metodologias, ou seja, uma visão diacrónica e afastada de um “engavetamento” em determinadas
periodizações; colocamos o espaço (ambiente físico) como palco de estudo; abstraímo-nos da posição
divergente de várias correntes epistemológicas; reconhecemos a importância da análise espacial (cálculo de
corredores óptimos) e por fim, apresentamos uma revisão (e relação) dos novos dados arqueológicos. Em
suma, procuramos renovar a informação conhecida, de modo, a permitir uma democratização do estudo, isto
é, colocar em igualdade visões, métodos, opiniões e acima de tudo, investigadores (com mais ou menos
recursos). Aliás, a potencialidade de um programa Open Source não reflecte apenas uma necessidade funcional
ou logística mas também uma posição pessoal e individual face ao conhecimento e à sua construção e
divulgação.
Quanto aos percursos estabelecidos pelo cálculo de corredores óptimos é importante relembrar que há duas
propostas principais, ambas elaboradas com dois modelos hidrográficos distintos: recriação do paleoambiente
e linhas de água actuais. Para facilitar a organização e leitura do trabalho vamos nomear os modelos como
Modelo I (paleoambiente) e Modelo II (linhas de água actuais). Por outro lado, como queremos analisar a
importância do espaço físico na evolução da rede viária é necessário estabelecer um limite (cronológico) de
transição e comparação. Obviamente que os resultados da análise espacial não possuem qualquer informação
temporal, contudo os pontos de origem reflectem uma posição cronológica, embora relativa (cronologia
relativa).
O Modelo I parte da actual rua João de Deus, na vila de Soure (Figs. 12 e 13). Apesar das propostas 53
contraditórios e da incerteza sobre o local do povoado romano decidimos aceitar a proposta do Doutor Vasco
Mantas. Todavia, relembro que o povoado proto-histórico situa-se a norte deste ponto, de tal modo, que os
resultados podem ser diferentes. Mas, usurpando as ideias do mesmo investigador, grande maioria dos
trajectos romanos sobrepõem-se a caminhos antigos (pré-romanos), o que dá alguma solidez a nossa proposta
(Mantas, 1996: 65).
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Fig. 12 – Sobreposição dos corredores óptimos sobre a CMP n.º 250 (1:25000).

Fig. 13 – Sobreposição dos corredores óptimos sobre a ortofoto de Bing Maps


54
Já o Modelo II, proveniente do castelo de Soure (Figs. 14 e 15), reflecte obrigatoriamente uma realidade
medieval, uma vez que foi construído sobre terras conquistadas ao rio Anços (Almeida et al. 2012: 20-26).
Sabemos que foi construído ou reconstruido entre 1071 e 1072, porém, há possibilidade de uma ocupação
muçulmana anterior, que pode remontar ao séc. IX ou X/XI.

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Fig. 14 – Sobreposição dos corredores óptimos sobre a CMP n.º 250 (1:25000).

Fig. 15 – Sobreposição dos corredores óptimos sobre a ortofoto de Bing Maps


55
Desta forma podemos avançar com uma proposta cronológica inicial, na qual, as alterações ambientais estão
associadas as movimentações topográficas, rua João de Deus e castelo Templário. Mas alertamos o leitor para
o caracter empírico do trabalho, já que é impossível generalizar as mudanças ambientais da vila de Soure para
todo o território. Em relação à análise da dinâmica viária, vamos articular os dois percursos e observar o espaço
físico de forma diacrónica.

5.2. Análise de percursos


5.2.1. Percurso 1
Iremos começar por analisar o traçado entre Soure (João de Deus) e Casal de Almeida. É fácil reconhecer uma
relação directa entre este caminho e os sítios arqueológicos da Pré-História. Já na elevação do Crasto, embora
não haja uma ligação imediata, a proximidade com o centro da vila, ponto neurológico da rede viária, justifica
uma relação reciproca. Sai pelo lado oeste de Soure e segue, na grande maioria, um trajecto paralelo à Estrada
Nacional 342 com passagem nas povoações de Camparca, Santo Isidro e Casal de Almeida. A singularidade
deste espaço é marcado pela exclusividade de sítios pré-históricos, que, como foi apontado anteriormente,
pode estar relacionada com estreita relação com elemento de água e o aproveitamento dos recursos naturais
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(Vilaça, 1988: 30; Pimenta, 2011: 22). Julgo que não é imprudente colocar a possibilidade de um “corredor
natural” nesta área; capitalizamos esta ideia pelo facto do trajecto proposto, Modelo I, acompanhar a EN 342,
muito mais do que no Modelo II, que representa a materialização de longos fluxos em vários períodos (Costa,
2010: 96-97). Este fenómeno é fortalecido logo na etapa inicial, à saída de Soure, com passagem na Capela das
Almas, antigo local de passagem da Romaria (peregrinação religiosa) do Bom Sucesso (Figueiredo e
Bandeirinha, 1986: 22). Mais uma vez, como refere Miguel Costa todos estes factores permitem observar um
desenrolar de acções humanas ao longo do tempo na materialização dos traçados actuais (2010: 64-65), neste
caso a EN 342. Desta forma, enriquecemos a frágil proposta do Doutor Vasco Mantas (1996: 874) com novos
dados.

5.2.2. Percurso 2
No Percurso 2 é analisado o traçado Soure-Arrifana. Abandona a vila pela área lés-nordeste, cruzando a EN 342
momentos antes da sua bifurcação (EN 342-1) e prossegue por Pinheiro, Quinta de S. José do Pinheiro, Areais
do Pinheiro, Casal Mareco e Alencarce de Baixo, sempre numa área que actualmente não possui nenhuma
estrada alcatroada, porém, suspeitamos reconhecer alguns traços viários que actualmente servem como
limites agrários, sebes. Na última localidade ruma a sul, cruzando o caminho municipal 1117, em direcção ao
Mosqueiro e Vale do Casal das Freias. Relativamente perto da povoação de Cascão adopta um percurso que
articula vários caminhos carreteiros até Rebolia de Baixo, prosseguindo por Serrazina até à localidade de
Arrifana.
Face à importância do traçado, decidimos estruturar a sua análise em três grupos distintos.

5.2.2.1. Percurso 2a
Decidimos relacionar o traçado Soure-Arrifana com Soure-Carvalhal da Azóia perante a possibilidade de um
trajecto regional, ligando o povoado pré-romano de Conimbriga a Soure, por Arrifana, e posteriormente, à
feitoria fenícia de Santa Olaia, por Carvalhal da Azóia (Fig. 16). A possibilidade desta ligação é fortalecida pela
presença de depósitos metálicos ao longo do trajecto proposto. Como refere a Prof.ª Dr.ª Raquel Vilaça (2012:
30), na área percorrida pela “estrada coimbrã” há uma assinalável proximidade entre os depósitos metálicos e
o percurso ancestral: podemos reconhecer a mesma situação no nosso território de estudo. Aliás, como
salienta Gérard Chouquer, a partir do Bronze Final/ Idade do Ferro até ao séc. II d.C., e inclusivamente até à
Alta Idade Média, ocorre o processo de continentalização, na qual, surgem as primeiras planimetrias em rede a
ligarem habitats, parcelários e vias (2000: 30 e 47 apud Costa, 2010: 67). Julgamos reconhecer a relação entre
56
os depósitos metálicos e a hipotética rede viária, como a materialização das mudanças sociais, económicas e
políticas que ocorrem na viragem do II-I milénio (Vilaça, 2012: 18).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 16 – Traçado do percurso 2a.
No entanto, qual é interpretação que podemos retirar dos dados? Podíamos associar os artefactos metálicos
(ouro e bronze) como elementos comuns ao fluxo e tráfego do percurso viário, ou seja, num local de passagem
de pessoas, bens e produtos é normal ponderar esta possibilidade. Gordon Childe procurou a resposta para a
deposição dos objectos metálicos no raciocínio lógico, racional e comercial (2007: 19). Como refere o Doutor
Jorge de Alarcão, as correntes Histórico-Culturalista e Processualista justificam uma estandardização das
produções à medida que os indivíduos e grupos se aproximam (1996: 43). Embora fora da área de estudo,
sabemos que as foices de Coles de Samuel, em Soure, partilham a mesma tipologia com a foice de Conimbriga,
do tipo “Rocanes” (Vilaça, 2012: 21). Porém, é necessário observar o artefacto para além da materialidade
física, procurar a dimensão social e o toque humano no fabrico e deposição, ou seja, observar o percurso viário
não só como local de passagem de bens e mercadorias, mas de ideias, pensamentos, cultos, crenças e rituais.
Para terminar o estudo dos depósitos metálicos é prudente desconstruir o pensamento actual, abdicando de
certas regras e critérios dogmáticos pré-estabelecidos por interpretações falaciosas ou erguidas através do
desconhecimento da realidade arqueológica do território estudado: referimo-nos ao Crasto de Soure. Não é
objectivo do trabalhar debater a problemática da ocupação ou reocupação do povoado proto-histórico,
todavia, o tema analisado, depósitos metálicos, é favorável ao repensar de certas ideias. A proposta
anteriormente referida justifica ou requer a necessidade de dois ou mais povoados, no entanto, não há certeza
da datação do povoado proto-histórico do Crasto de Soure. Recentemente, através da aplicação do plugin
Visibility Analysis do QGIS, foi possível averiguar que não há um domínio visual e topográfico por parte do
povoado pré-romano de Conimbriga sobre os depósitos (Fig. 11), o que de certa forma exclui a possibilidade do
depósito surgir como instrumento de aquisição espacial e construção social deste povoado (Freitas, 2013: 33-
35; Vilaça, 2007: 62). Para fortalecer este resultado, a área visual da elevação do Crasto assume uma estreita e
completa articulação com o objecto de Gesteira (Freitas, 2013: 35). Por outro lado, um dos resultados do Dr.
Miguel Costa na sua dissertação comprova uma relação reciproca entre os povoados e as vias, isto é, as vias 57
incentivam o povoamento ou surgem como resultado do mesmo (2010: 69). Neste caso, é lógico colocar a
possibilidade do Crasto de Soure ser contemporâneo do povoado pré-romano de Conimbriga, na qual, os
depósitos podem ou não corresponder ao fluxo de pessoas, ideias e bens no percurso que une os dois
povoados. Mas há também outra possibilidade, que anula a proposta anterior: a chegada das comunidades de
filiação oriental e o Bronze Final são duas realidades contemporâneas (Vilaça, 2006: 49) e o trajecto proposto,
que prossegue para Carvalhal da Azóia, e, possivelmente, para Verride e Santa Olaia, pode corresponder ao
itinerário terrestre entre o povoado de Conimbriga e a feitoria fenícia de Santa Olaia, onde, posteriormente,
desenvolveu-se o Crasto. Infelizmente, perante a ausência de trabalhos arqueológicos, não podemos tecer
comentários que permitam clarificar este assunto.

5.2.2.2. Percurso 2b
O Percurso 2b corresponde à proposta de Mário Saa ao estabelecer um percurso romano entre Soure,
Alencarce, Rebolia e Arrifana, porém, os excessivos e grotescos erros não permitiram sustentar a sua proposta
(1960: 204-205). Já o Doutor Vasco Mantas tem uma opinião diferente, ao assumir na sua extensa tese de
doutoramento, e mais recentemente, na revisão do seu trabalho, um traçado viário entre Soure e Conimbriga
com passagem em Ega, ao longo da EN 342, e Arrifana, na Ponte da Sancha (1996: 870-871; 2012: 258). Ao
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contrário da passagem em Ega, que é uma simples hipótese de trabalho, o local de Arrifana é incontornável, já
que é o local de travessia do rio de Mouros (ou Ega). Perante esse facto, estabelecemos o ponto de destino na
actual povoação.
Apesar de um início bastante semelhante com a proposta do Doutor Vasco Mantas (1996: 870), ao prosseguir
em direcção a Alencarce de Baixo, por Pinheiro e Laje, assume uma orientação explícita para a povoação de
Arrifana. Como assinalámos anteriormente, a rede viária romana acompanha os traçados pré-romanos, e,
perante esse facto, a proposta anterior – Percurso 2a – fortalece este resultado. Por outro lado, uma vez que o
cálculo de corredores óptimos é uma análise puramente espacial, isto é, do espaço físico e geográfico, é
importante relembrar que “as vias romanas aproveitam as linhas naturais de comunicação” (Ibid.: 65). Estes
factores, segundo o mesmo investigador, justificam o traçado irregular das vias romanas com curvas e desvios:
facilmente reconhecíveis na análise visual do mapa. Sobre os sítios arqueológicos há um predomínio claro nas
imediações deste trajecto. Infelizmente, pouco ou nada sabemos sobre os estabelecimentos, todavia, a sua
presença não pode ser esquecida. O caso mais interessante é a localidade de Alencarce de Cima, que possui
uma elevada concentração de vestígios arqueológicos, entre os quais, a possibilidade de uma villa romana
(Santos e Pires, 1996: 24). A proximidade entre os três sítios coloca a questão de serem todos provenientes de
um único local, que, face à existência de uma antiga exploração de grés, poderia estar associado ao
aproveitamento do recurso natural. Na cidade romana de Conimbriga a presença de materiais provenientes
das jazidas de Alencarce comprova a exploração desta área durante o domínio romano (Idem: ibidem). Ou seja,
por uma escolha económica e logística, é credível a existência de uma via romana neste local. Como refere
Miguel Costa, na grande maioria das vezes a evolução da rede viária é um processo auto-organizativo (2010:
96-97), com a emergência de formas imprimidas pelo homem no solo, contudo, esporadicamente, com base
em um determinado poder político ocorre a planificação de um troço viário – erguido segundo interesses
estatais. No entanto, os próprios itinerários definidos fazem parte de um processo auto-organizativo, uma vez
que a sua materialização ocorre diacronicamente (Idem: 48).

5.2.2.3. Percurso 2c
A observação do Percurso 2c incorpora a análise dos dois modelos hidrográficos, Modelo I e II, e surge em
perfeita articulação com o percurso anterior, procurando validar os nossos dados e propostas, segundo uma
visão diacrónica.
Ao comparar os dois modelos hidrográficos é fácil reconhecer uma diferença entre os resultados, contudo, o
trajecto definido anteriormente mantem-se. O resultado mais surpreendente corresponde ao percurso de Ega,
58 agora em perfeita simbiose com Arrifana. Apesar do desconhecimento actual e das lacunas historiográficas
sobre a Alta Idade Média, é possível reconhecer a presença islâmica nesta área – gravada na memória das
populações e nos topónimos. Subscrevendo o Percurso 2a, os topónimos de Arrifana (ár. Al-Rayhana ou Ar-
Rihana) e Carvalhal de Azóia (ár. zâwiya) detém uma indiscutível ligação com o mundo muçulmano,
especificamente, no apoio religioso e militar das necessidades espirituais e defensivas do mundo islâmico
(Catarino, 2004: 264-273 apud Freitas, 2012: 31). No caso específico da Azóia é comum situarem-se nas
proximidades das vias de comunicação (terrestres, fluviais e marítimas) e poderiam servir de apoio a um ribat
(Arrifana) nas proximidades (Idem: 17). Quanto ao topónimo de Alencarce a sua origem provem do árabe Al-
Qasr (pl. Qusur), na qual, o seu termo genérico significa “Castelo” ou Alcácer, ou seja, “Além do Castelo”. Surge
como referência ao palácio-castelo, como a fortificação de Qasr al-Sharqi, na Síria, Qasr Kharana, na Jordânia e
Qasr Abu Danis, em Alcácer do Sal (ibid.: 16). No território de estudo o topónimo corresponde, sem qualquer
dúvida, ao Hisn de Soure ou Ega, como foi apontado anteriormente (Revez, 2009: 5; Freitas, 2012: 30). No caso
do Hisn de Ega, graças às recentes escavações no Paço da Ega, sabemos que é uma estrutura militar de
completa raiz muçulmana datada do séc. VIII. Aliás, os únicos vestígios romanos encontrados, quatro epígrafes
e uma pedra almofadada, não se situam em deposição primária (Revez, 2009: 8).
Para comprovar a veracidade da nossa proposta socorremo-nos da actual povoação de Alencarce de Cima. Esta
localidade apresenta uma morfologia linear, que aponta um desenvolvimento ao longo da via, adquirindo a

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designação de “aldeia-rua” (Fig. 17). As características morfológicas do aglomerado urbano indicam a
importância deste percurso – o fluxo de bens, pessoas e mercadorias adquiriu um papel dominante enquanto
força matriz no desenvolvimento desta povoação. Por outro lado, o topónimo de Alencarce ou Al-Qasr permite
reconhecer o valor deste percurso durante o domínio muçulmano. Face à função dos Husum, a sua distribuição
e os vários topónimos muçulmanos ao longo do Percurso 2 é credível a importância deste itinerário durante a
Alta Idade Média. E novos dados premeiam a validade da nossa proposta diacrónica: Miguel Costa coloca a
possibilidade das localidades que evoluem a partir de uma determinada via serem posteriores à via da qual se
desenvolvem (2010: 84). Ou seja, se assim for, podemos reconhecer uma importância deste percurso em
épocas anteriores – talvez romana.

Fig. 17 – Povoação de Alencarce (de Cima) na ortofoto do Bing Maps.

Posteriormente, ao longo da Baixa Idade Média e Época Moderna, conhecemos um percurso – comendas da
Ordem de Cristo – em direcção a Alencarce (Afonso, 1987: 49; Pimenta, 2011: 77). Contudo, não foi possível
recolher mais informações para definir correctamente a evolução do Percurso 2. Na grande maioria, as
estradas actuais, caminho municipal 1117, 1178 e 607, que seguem em direcção às localidades de Ega e
Arrifana, correspondem aos resultados obtidos através da aplicação do cálculo de corredores óptimos que 59
pode significar a materialização do percurso ao longo do tempo. No entanto, actualmente, o itinerário 1117
mais não é do que um simples caminho municipal, em virtude do domínio viário da EN 342. Nos finais do séc.
XIX com a abertura do novo troço viário, segundo um directriz planificada e de acordo com as necessidades de
um estado moderno, é provável que tenha ocorrido uma fragmentação da rede viária, agora excluída da
mecânica auto-organizativa. Mas esta desvantagem revela-se surpreendentemente agradável para futuros
estudos: nos dias de hoje há certos troços do caminho municipal que não sofreram uma profunda
remodelação, que de alguma forma, pode ter assegurado certas características do antigo troço viário.

5.2.3. Percurso 3
O terceiro percurso centra-se no trajecto entre Soure e Ega. O Doutor Vasco Mantas estabelece um itinerário
romano ao longo deste trajecto, todavia, os resultados obtidos são ligeiramente diferentes (1996: 870; 2012:
258). Ao contrário da proposta do mesmo investigador, os nossos resultados apontam um corredor-óptimo
com saída da vila de Soure pela EN 342 em direcção à localidade de Carvalheira, Leonel, Cavaleiros e por fim,
uma orientação bastante semelhante à actual estrada nacional, até ao ponto de destino, Ega. Graças ao
percurso anterior é plausível questionar a validade da proposta do Doutor Vasco Mantas, porém, é inegável a
existência de uma planimetria viária a ligar a cidade romana de Conimbriga ao povoado - vicus - de Soure, que
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permitia a concentração de funções marítimas e terrestres: porto secundário (fluvial), apoio à navegação
marítima (cabotagem) e eixo viário de vários ramais e itinerários principais, Olisipo-Collipo-Conimbriga (Idem:
870-875; 1999: 282-283, 287; 1985: 178). A relação entre as vias e o povoamento, e vice-versa, adquire
importância na procura de uma resposta. Durante o domínio romano assistimos ao incremento da rede viária e
é lógico que um povoado como Soure, centro neurológico do território, seja abastecido por várias linhas de
comunicação, o que justifica um traçado secundário e complementar entre Soure e Ega. Porém, o troço
principal correspondia, certamente, ao percurso com passagem em Alencarce, Rebolia e Arrifana.
Durante o período medieval assumimos a manutenção da importância do mesmo troço, no entanto, é plausível
a existência de um trajecto que permitia articular os Husum desta área. Ou seja, a possibilidade de um percurso
entre Soure e Ega poderia continuar durante o período muçulmano. Como refere a Prof.ª Dr.ª Helena Catarino
é basilar relacionar um povoamento ou encastelamento com as vias de comunicação existentes (1997/1998:
639). Deste modo, articulando as funções militares e administrativas dos Husum – controlo das vias de
comunicação – poderia haver um trajecto secundário de ligação entre as duas fortificações perante as
necessidades logísticas e defensivas. Com a reconquista cristã, a partir do século XI-XII, assistimos ao
incremento da rede viária e da evolução do espaço, canalizando ou condicionando vectores de dominação
senhorial (Mattoso, 1997: 144). Todavia, se a disposição dos castelos senhoriais acompanha uma lógica entre
as linhas de comunicação e o relevo (Idem: 145), sabemos que a fragmentação do território ocorreu,
descaracterizando uma realidade territorial anterior. No caso de Soure e Ega, ambas as localidades foram
domínios da Ordem do Templo e posteriormente Ordem de Cristo, o que justifica a possibilidade de uma
fragmentação e inconsistência territorial e orgânica em relação ao modelo anterior. Obviamente que não
conseguimos comprovar, neste artigo, a veracidade da nossa hipótese, no entanto, perante dinâmicas
diferentes de trabalho, como a perda da função militar deste espaço, e as novas necessidades administrativas
do poder régio ou senhorial, castelo de Soure e Ega, é provável que tenha ocorrido um processo de ruptura do
território sourense (extraído de ArchéoGéographie). Mas mais recentemente, na charneira entre o século XIX e
XX, com a abertura da EN 342, dá-se, sem qualquer dúvida, uma ruptura com o modelo anterior, catalisando a
hipótese anterior. Se no Percurso 1 colocámos a possibilidade de um corredor-natural, materializado na
estrada nacional, neste, não temos dúvidas em negar esse facto. Ao visualizar a Carta Militar de Portugal n.º
250 (1:25000) é fácil observar a existência de uma ponte em Soure e Ega, que corresponde a uma acção política
e planificada, ou seja, associada à construção de um novo traçado (Costa, 2010: 97). No caso especifico da vila
de Soure sabemos que a actual ponte, que permite a travessia do rio Arunca, foi erguida para permitir a
passagem da EN 342, destruindo anterior ponte e a malha urbana da vila. Deixámos de ser prisioneiros da
60 geografia e reinscrevemos os percursos.
5.2.4. Percurso 4
Após sair da actual vila de Soure, pela área nordeste, cruza com a EN 342-1 por breves momentos no
encurvamento da mesma, perto da Quinta das Nogueiras, prosseguindo de seguida em direcção à Quinta de
Baixo, sempre a oeste da actual estrada. De seguida, acompanha até à localidade de Casal das Brancas o troço
do itinerário nacional, afastando-se para o interior, leste, até à Quinta do Pai Daniel, nas proximidades de Vila
Nova de Anços. É nesta parte do troço proposto que ambos os modelos, Modelo I e II, diferem, assumindo o
último, um percurso mais próximo do rio Arunca, isto é, em proximidade com a estrada moderna. Para
finalizar, prosseguem em direcção à vila, entrando na localidade pela rua do Pedregal, que representa um
microtopónimo interessantíssimo. Este pode significar uma referência às antigas lajes da calçada romana,
justificando a hipótese de um trajecto viário romano em direcção à localidade de Vila Nova de Anços (Pimenta,
2011: 33).
Neste percurso não vamos adiantar, imediatamente, novos dados que permitam corroborar ou negar as
propostas viárias existentes. Em virtude da complexidade do traçado e da relação intrínseca da malha urbana

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da vila de Soure e de Vila Nova de Anços, vamos sujeitar a veracidade dos dados actuais, confrontando-os com
distintas realidades. Em suma, pretendemos guardar uma resposta conclusiva para a parte final do nosso
trabalho.
O Doutor Vasco Mantas indica um traçado com passagem na localidade de Quinta de Baixo, Melriçal,
Assamassa e Vila Nova de Anços (1996: 875). Ao sujeitarmos o resultado do cálculo de corredores óptimos,
Modelo I, ao MADO, reconhecemos a validade da proposta, ou seja, em termos de análise espacial este é
sempre o melhor percurso (Fig. 10). Quanto ao topónimo Assamassa, de clara origem ou influência
muçulmana, é interpretado pelo mesmo investigador como uma referência directa aos caminhos, a partir da
extracção de massa (Idem: 533, 875). Todavia, é proveitoso esclarecer três pontos primordiais: primeiro, é a
visão incorrecta sobre o domínio muçulmano em território nacional, muitas vezes encarado de forma passiva e
secundária. Com base nas informações do Percurso 2 e Percurso 3 é urgente repensar o aumento do fluxo e da
malha viária na Alta Idade Média; segundo, a localidade de Assamassa encontra-se relativamente perto de
Pouca Pena, da qual, o topónimo pode significar um castelo roqueiro ou castelo-refugio e possui familiaridade
com o árabe Al-baqar, Al-ma´qil e Sakhra (Freitas). Embora não negue a proposta, já que o fenómeno viário é
diacrónico e dinâmico, é lógico colocar a possibilidade de um percurso muçulmano. Por fim, último e terceiro
ponto, o topónimo Assamassa pode facilmente corresponder a uma aglutinação de assar. Se assim for tratar-
se-á de uma forma antiga de “forno”, anulando a proposta viária. Com estas afirmações, pareceu evidente o
erro do Doutor Vasco Mantas, mas é necessário abordar dois aspectos basilares. Por um lado, a localidade de
Pouca Pena pode corresponder à evolução de uma singela fortificação roqueira em virtude da existência de
uma via (relembrar relação recíproca de via-povoamento). Aliás, é certo que haveria um percurso ou traçado,
já que as comunidades não viveriam em autarcia e era necessário um caminho para deslocarem-se à
fortificação, e vice-versa. Por outro lado, a Quinta de S. Tomé, antiga villa romana, justifica uma distância
prudente do itinerário romano.
Avançando no tempo, Idade Média e Época Moderna, sabemos que esta área era local de passagem do
caminho religioso de Santiago. Apesar do desconhecimento parcial, vários investigadores apontam um traçado
ao longo da EN 342-1, com passagem na Quinta de Baixo, Quinta de S. Tomé e Vila Nova de Anços (Pimenta,
2011: 81-86; Gil e Rodrigues, 1990: 68). A mesma área era sulcada pela estrada medieval Pombal-Soure-
Sanguinheira (Pimenta, 2011: 82; Coelho, 1983: 411). Ao interpolar os vários dados, é lógico assumir a
materialização dos vários percursos na actual estrada nacional, porém, não é fácil assumir uma posição isenta
de dúvidas. Ao analisar, novamente, o trajecto entre Assamassa e Pouca Pena, podemos observar que há um
troço moderno e alcatroado que corresponde ao caminho municipal 1112, que segue em direcção a Vila Nova
de Anços, alcançando-a pela rua do Pedregal. Aliado a isso, já foi possível reconhecer anteriormente a 61
imprevisibilidade da EN 342. Deste modo, temos três hipóteses iniciais de trabalho: a proposta do Doutor
Vasco Mantas está correcta, embora incompleta e só agora descrita detalhadamente; o caminho proposto pelo
Modelo I e II é valido, de tal forma, que o traçado Assamassa-Pouca Pena correspondeu as necessidades
populacionais durante a Alta Idade Média, enquanto a EN 342-1 é a materialização de um longo processo
diacrónico, na qual, ocorreu a mistura de vários elementos de determinados (ou todos) períodos ou, por
último, a possibilidade de um caminho complementar, isto é, usado em alturas específicas do ano – épocas de
cheias – que impossibilitavam uma circulação junto ao rio Arunca. A estreita ligação com as linhas de água e as
necessidades económicas incentivaram a cooperação da dinâmica fluvial com os percursos viários,
especialmente na época romana (Mantas, 2005: 177).
Para terminar, e iluminar algumas ideias, como refere Magali Watteaux, não defendemos um rígido fixismo das
formas, que incorporam elementos de ruptura e continuidades (2009: 51 apud Costa, 2010: 66). Neste caso
concreto, a revisão final dos dados deve ser despida de qualquer influência estática.

5.2.5. Percurso 5
Os resultados do quinto percurso diferem de forma bastante explícita entre os dois modelos hidrográficos,
assumindo trajectos completamente opostos. Todavia, apesar da aparente incoerência dos dados, uma análise
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detalhada revelou informações surpreendentes. No Modelo I, o traçado prossegue para sul, em direcção ao
castelo medieval e atravessa o rio Anços perto da actual ponte. Segue na margem esquerda do rio, na
bifurcação da estrada, entre o caminho municipal 1119 e EN 348, precisamente no local do cemitério de Soure,
em direcção à Quinta do Barril. A partir daqui, acompanha paralelamente o caminho municipal 589 até à
Quinta das Meãs, apesar da extensa curva, a oeste, perto da Quinta da Fuzeira, por cotas de 33 a 38 metros. Já
o Modelo II, à semelhança dos resultados anteriores de Arrifana e Ega, segundo as linhas de água actuais, sai
pela rua João de Deus e adquire uma orientação a sudeste, em direcção a Carrascal dos Novos e Novos. Nesta
localidade assume um traçado diferente ao rumar para sul, cruzando o rio Anços em direcção ao Paleão. De
seguida dirige-se para o Casal dos Feijões, Quinta da Fuzeira e por fim, Quinta das Meãs. Na fase final, adquire
um trajecto bastante semelhante ao caminho municipal 589.
O primeiro modelo é bastante semelhante à proposta do Doutor Vasco Mantas (1996: 869-870) ao estabelecer
o itinerário romano entre Redinha, em Pombal, e Soure, com passagem na Quinta da Madalena e na Ponte de
Baixo. De forma diacrónica podemos observar a validade da proposta, uma vez que é visível a relação com a
villa romana de Madalena, tal como, a Capela de S. Pedro da Várzea, de clara importância religiosa e
possivelmente relacionada com o caminho de Santiago de Compostela, proveniente de Leiria (Pimenta, 2011:
84; Gil e Rodrigues, 1990: 61). Actualmente esta área é servida pelo caminho municipal 589, que pode reflectir
a permanência do troço viário ao longo dos tempos. Quanto ao segundo modelo, os resultados assumem uma
evolução oposta e surpreendente. O aspecto mais interessante é o facto do resultado do cálculo de corredores
óptimos não coincidir, na grande maioria, com as actuais estradas alcatroadas do território de estudo. Todavia,
após a localidade do Paleão, acompanha perfeitamente o limite das “áreas de infiltração máxima” da Reserva
Ecológica Nacional, e, no troço final, o caminho municipal 589. Desta forma, é possível observar a
transformação do espaço físico, com a contracção das linhas de água, e a evolução dos trajectos viários.
Infelizmente não é possível comprovar a veracidade do Modelo II, apesar da relativa proximidade com marco
de divisão de terras da Ordem de Cristo e da capela de S. Mateus, também propriedade da ordem, que de certa
forma, permite ponderar a existência de um troço viário, talvez um caminho secundário. Sabemos que a capela
de S. Mateus é palco de uma importante romaria anual, de grande devoção popular (Pimenta, 2011: 89),
porém, seria imprudente e incorrecto associar o corredor-óptimo ao percurso religioso. Talvez faça parte dos
vários trajectos que a comunidade sourense usufruía durante as suas deslocações ao espaço religioso. Aliás,
além das necessidades espirituais, o traçado do Modelo II, justifica um ganho considerável em direcção à
localidade do Paleão, Porto Coelho e Venda Nova
Mas o aspecto mais surpreendente é constantemente esquecido pela historiografia: a orientação da Ponte
62 Baixo. Ao longo do reportório bibliográfico que tivemos a oportunidade de analisar, a Ponte de Baixo é
constantemente referida como local de passagem dos traçados medievais a sul da vila de Soure, bem como,
herdeira das antigas pontes romanas (Castelo-Branco, 1987: 2). No entanto, há um aspecto bastante
pertinente, a ponte encontra-se orientada oeste-leste e não, norte-sul [Imagem. 4]. Compartilhamos a ideia do
Doutor Vasco Mantas ao promover a possibilidade de uma passagem em material perecível ou a vau (2012:
258), excluído assim, a possibilidade da Ponte de Baixo ser herdeira da ponte romana. Contudo, é fisicamente
impossível acompanhar a restante proposta, “a estrada romana entrava na zona hoje ocupada pela vila no sítio
do Pedregal e passava o Anços no local onde existem as ruínas da antiga Ponte de Baixo” (Mantas, 1985: 170).
Ou seja, a orientação da ponte justifica um traçado proveniente da área leste, possivelmente de Alencarce, Ega,
Arrifana e Conimbriga. Face aos dados dos corredores óptimos, Modelo II, é possível que a existência da ponte
seja a materialização de uma necessidade medieval. Aliás, só pode ser, já que situa-se em terrenos
conquistados ao rio, submersos durante o período romano. Sabemos que em 1262, o testamento de D.
Gonçalo Gonçalvez consagrava verbas, duas libras, para a ponte de Sorya, da qual, topónimo medieval refere-
se à actual vila de Soure (Mantas, 1996: 485).
Como refere Miguel Costa, as pontes devem ser entendidas de duas formas: como uma acção política
planificada, na construção de um novo traçado ou uma acção planificada (política ou não) para promover o
estabelecimento ou restabelecimento de um determinado percurso sobre um rio, a partir de um traçado

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anterior (2010: 97). Deste modo, é possível que a Ponte de Baixo tenha tido uma função durante o período
medieval, que corresponderia aos interesses de determinados poderes (estatais, senhoriais ou religiosos).
Porém, a actual ponte, que permite a travessia do Anços no sentido norte-sul, pode significar a materialização
de um processo de ruptura e transmissão, isto é, de resiliência. Desta forma, o local de travessia durante a
época romana, poder, apesar da mudanças das estruturas sociais, ressurgir em épocas posteriores. Em suma,
não criticamos o local de passagem do itinerário romano, no entanto, procuramos uma resposta que permita
compreender uma evolução diacrónica da planimetria viária.

5.2.6. Percurso 6
No Percurso 6 as diferenças entre os dois modelos hidrográficos não assumem profundas alterações, apesar de
no troço final, entre as povoações do Vale da Borra e Casal da Venda, os modelos apresentarem duas
propostas diferentes. O traçado sai da vila de Soure pela área oeste, em direcção à actual estação de caminhos-
de-ferro, transpondo o rio Arunca perto da ponte moderna e assumindo um trajecto bastante semelhante à EN
342, com passagem pela Capela das Almas. A partir dai, ambos prosseguem para a localidade do Bom Sucesso,
acompanhando a romaria regional em direcção à Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, e posteriormente,
para Casal da Venda. Até aqui é fácil reconhecer que o resultado do Modelo II assume contornos bastante
semelhantes ao caminho municipal 1118. Após a última povoação divergem, rumando o Modelo I
directamente para Sobral de Cima, e, o Modelo II, para Torre do Sobral e Sobral de Cima, ou seja, um rumo a
leste do anterior. Infelizmente, face à proliferação de caminhos carreteiros, não é possível relacionar os
resultados dos modelos hidrográficos com uma nova proposta viária. Contudo, é bastante explícito a estreita
relação entre os trajectos do cálculo de corredores óptimos e o actual caminho municipal 1118.
Este resultado corresponde à proposta do Doutor Vasco Mantas sobre a possibilidade de um deverticulum do
troço romano Olisipo-Collipo-Conimbriga, proveniente de Bonitos, 2,5 km a sudeste do Louriçal, com objectivo
de alcançar mais rapidamente o Vale do Mondego (1996: 872-874). Até ao momento não possuímos dados que
permitam negar a hipótese de um itinerário pré-romano, ligando o litoral túrdulo à feitoria fenícia de Santa
Olaia, e romano neste local. Aliás, podemos fortalecer esta possibilidade através de um estudo diacrónico. O
topónimo Torre do Sobral provém do árabe Burdj, que pode estar relacionado com uma anterior torre na
região, talvez um pequeno burgo fortificado (Freitas, 2012: 16). O facto de situar-se na Serra da Atalaia, do
árabe Talaiya, pode representar uma estrutura complementar na defesa do espaço rural envolvente e das
linhas de comunicação (Idem: 17). Até ao momento não é possível estabelecer uma localização exacta da
estrutura defensiva, porém, anteriormente, colocamos a hipótese de situar-se na actual Igreja da Torre do
Sobral, à semelhança da Igreja de Nossa Senhora da Rocha, no Algarve (Idem: 30; Catarino, 1997/1998: 636). Já
63
o percurso religioso, a romaria regional do Bom Sucesso, pode significar a permanência do caminho ancestral,
de índole comercial e religiosa, na comunidade sourense, que de forma involuntária assegurou a preservação
do antigo itinerário (Figueiredo e Bandeirinha, 1986: 22). Quanto à presença dos dois edifícios religiosos, é
provável que estejam associados ou articulados com locais de passagem importantes. No caso específico da
Capela das Almas, situa-se localizada na convergência de quatro caminhos, tradicionalmente interpretados
como locais detentores de alguma espiritualidade ou misticismo.
Mais recentemente, com base nos resultados do Modelo II, podemos ponderar a hipótese da materialização
deste percurso antigo no caminho municipal 1118. Todavia, se assim for, é necessário constatar a
transformação da rede viária em virtude da evolução do espaço físico. Ou seja, face às condicionantes físicas –
relevo e linhas de água – pode ter ocorrido um processo de ruptura com antigo itinerário, apesar de a
orientação permanecer.

5.2.7. Percurso 7
O Percurso 7 surge com um início extraordinariamente semelhante ao Percurso 1, até à povoação de Camparca
e bifurcação da EN 342, em direcção de Lousões. Durante este trajecto articula-se com o sítio arqueológico pré-
histórico de Camparca. Posteriormente avança em direcção da Quinta da Milharada, cruzando o caminho
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municipal 1106 neste local, e, segue, com pequenas e singelas interrupções, para Valada. Nesta povoação,
transpõem a EN 348 e termina em Carcavelos. Quanto ao Modelo II, o traçado adquire contornos bastante
semelhantes à actual rede viária, abdicando de um percurso no interior (Modelo I), e acompanhando, em
certos troços, a estrada nacional 348. Após atravessar o rio Anços, segue para noroeste, em direcção à Quinta
das Matas, perto da linha ferroviária. Deste ponto prossegue para Lousões, flectindo para oeste, ao transpor o
caminho municipal 1116 e EN 348. Com o rumo definido, rectilíneo, avança para Marrada, Piquete, Carregosa,
Valada e alcança a povoação de Carcavelos pelo lado leste. Entre Lousões e Valada, acompanha em vários
momentos, o troço da actual estrada nacional.
O Modelo I situa-se, actualmente, numa zona periférica e excluída da dinâmica viária do território sourense.
Todavia, julgamos reconhecer a imprevisibilidade desta afirmação incluindo a acção humana, preservada nos
inúmeros caminhos carreteiros existentes. Aliás, o facto de articular certos traços do Percurso 1, intitulado de
“corredor-natural”, potencializa a veracidade desta ideia. Outro aspecto interessante é a relação entre o
percurso e a povoação de Valada, que apresenta uma morfologia “aldeia-rua” (Fig. 18). Com foi possível
demonstrar anteriormente, estes aglomerados urbanos estão relacionados com a vitalidade do traçado viário
que os caracteriza, todavia, nos dias de hoje, a estrada alcatroada resume-se a um singelo caminho municipal,
1108-1. Como foi observado pelo Dr. Marco Penajoia (2012: 75) e Maria Helena Coelho (1983: 413-414),
durante o séc. XIV, a margem esquerda do rio Mondego atingiu níveis importantes de circulação – viária e
fluvial – entre os vários povoados, que, articulado com os carreiros, permitiu o incremento da rede viária.
Sobre a povoação de Valada pouco sabemos, contudo, a localidade de Urmar, 1,5 km a sudoeste, é referida na
historiografia medieval a partir do séc. XIII (Idem: 411). Se for possível relacionar o Modelo I com os traçados
medievais deste território podemos afirmar que a evolução do espaço físico condicionou muito pouco a
evolução do Percurso 7: porque, como salientamos, não houve uma transformação do paleoambiente de
forma global e semelhante; o caminho permitia articular as linhas de água com a rede viária, que justificou a
preservação do traçado ou houve a conservação do traçado nas comunidades rurais. Já o Modelo II acompanha
na grande maioria os trajectos viários actuais, como a ponte da EN 348, entre Casa Velha e Piquete. Neste caso
específico julgamos reconhecer a implementação de um troço viário moderno sobre o Modelo II. Infelizmente
não é possível tecer mais considerações, apesar da possibilidade de serem dois traçados contemporâneos, que
em determinada altura, possivelmente no período Moderno ou Contemporâneo, com as acções de D. Maria I e
do “Fontismo” de Fontes Pereira de Melo, ocorreu a primazia de um trajecto por outro.

64
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Fig. 18 – Povoação de Valada na ortofoto do Bing Maps.

5.2.8. Percurso 8
O Modelo I parte de Soure e segue em direcção da povoação de Casal Novo e Casa Velha, paralelamente ao
caminho municipal 1116. Na última localidade ultrapassa a linha de água nas proximidades de um singelo
carreiro, prosseguindo para Gesteira e posteriormente para Cercal, sempre a leste do caminho municipal 610,
ou seja, relativamente perto do rio Arunca. Na última povoação, ruma em direcção ao marco geodésico e
acompanha até Carvalhal da Azóia o percurso municipal 1111. Quanto ao resultado do Modelo II, segue até à
localidade de Carregosa o anterior percurso, Percurso 7, ao rumar para norte, em direcção ao ponto de
destino. A partir dai, corre por Vidigueira, Cale do Cano, Alto do Peso e por fim, ao cruzar o caminho municipal,
Carvalhal da Azóia.
Como tivemos oportunidade de referir anteriormente, o oitavo e último percurso pode corresponder, em
articulação com o Percurso 2a, a um itinerário regional pré-romano. Entre os vários elementos que permitiram
colocar esta hipótese socorremo-nos da presença dos depósitos metálicos ao longo do trajecto definido pelo
cálculo de corredores óptimos. Na localidade de Gesteira, próximo de Piquete, localiza-se o depósito de ouro
de Gesteira, perfeitamente enquadrado com o resultado do segundo modelo hidrográfico. Contudo, é que
claro que o artefacto e o acto de depositar não contemporâneos da segunda proposta. É possível justificar
facilmente este acontecimento, já que os depósitos, enquanto artefactos, possuem mobilidade e não há
certeza quanto à localização exacta do achado arqueológico. Perante isso, foi lógico relacionar o depósito de
ouro com o Modelo I.
Usufruindo do cálculo de corredores óptimos e de uma metodologia de estudo que visa compreender o espaço
e a evolução da rede viária de forma diacrónica, pretendemos clarificar o traçado viário desta área. Quanto ao
período pré-romano, julgo que é reconhecível a validade da nossa proposta, apesar da incerteza de confirmar
as nossas afirmações. Como refere o Doutor Jorge de Alarcão “a interpretação é tanto mais difícil quanto maior
for a distância cultural que nos separa daqueles homens” (2000: 56).
Sobre o domínio romano nesta área surge, mais uma vez, uma proposta do Doutor Vasco Mantas (1996: 874- 65
875). No entanto, é estabelecido um traçado em direcção a Famalicão, Samuel e Verride, ou seja, oposto ao
oitavo percurso. Apesar da análise anterior estabelecer como ponto de destino Carcavelos, povoação que
antecede Famalicão, já no exterior da Carta Militar de Portugal n.º 250 (1:25000), é definido como ponto como
ponto de passagem a Quinta das Matas e Casa Velha, colocando assim a proposta no Percurso 8 (Idem: 874).
No troço inicial do trajecto viário definido pelo investigador não tecemos qualquer crítica, já que aliado à
possibilidade de um itinerário pré-romano e a sua contínua utilização, há relatos de uma antiga estrada romana
na povoação de Gesteira (Mantas, 1985: 178; Fernandes, 1940: 157). Todavia, é necessário ser prudente na
interpretação, uma vez que pode corresponder a um caminho medieval. Quanto à restante proposta não é
possível acompanhar o raciocínio do mesmo investigador, sendo pertinente criticar as ideias estabelecidas e
sustentar os nossos comentários com uma visão geral e dinâmica. Como é referido na sua tese de
doutoramento: “considerando a localização de Santa Olaia e do núcleo de estações arqueológicas romanas de
Montemor-o-Velho, cremos ser possível um percurso por Famalicão, Samuel, flectindo norte em direcção a
Verride para a travessia do Mondego” (1996: 874-875), esta ideia entra em confronto com o resultado obtido
pelo corredor-óptimo, na qual, é bem explícito que o melhor trajecto para Carcavelos e Famalicão não passa
pelas localidades de Quinta das Matas e Casa Velha. Porém, como nós próprios reconhecemos, a rede viária é
implementada segundo as características geográficas e as necessidades humanas, isto é, corresponde ao
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resultado final destes dois critérios. Os sítios arqueológicos da Carregosa podem representar a materialização
desta equação, capitalizando a nossa hipótese.
Sobre a Alta Idade Média, sabemos que os topónimos de Arrifana e Carvalhal de Azóia podem justificar o uso
contínuo do itinerário regional pré-romano. No Percurso 2c, ao analisarmos a relação entre os Husum e
caminho municipal 1117, na qual se situa a povoação de Alencarce, explicámos a localização e as funções
defensivas das fortificações islâmicas. No séc. IX, em pleno domínio muçulmano, durante os reinados de Abd
Al-Rahman II e Muhammad I, assistimos ao ressurgimento do interesse estatal pela defesa dos cursos fluviais e
da linha de costa atlântica (Catarino, 1997/1998: 569, 571-578, 584). Em virtude disso, assistimos à proliferação
de estruturas defensivas, Hisn, e a criação de estaleiros navais, localizados, na grande maioria das vezes, “em
embocaduras a montante dos estuários de rios navegáveis” (Picard, 1997: 211 apud Penajoia, 2012: 93) e “nas
proximidades de serras cobertas de matas, que proporcionavam boas madeiras para a construção naval”
(Devy-Vareta, 1985: 52 apud Penajoia, 2012: 93). Segundo a correcta interpretação do Dr. Marco Penajoia
(Idem: 56-59), face à proximidade geográfica, é credível a existência de um porto e/ou estaleiro naval
muçulmano em Verride, bem como, uma zona fornecedora de matéria-prima em Carvalhal da Azóia, atestada
pelo topónimo e pela extensa cobertura de carvalhos ainda hoje visível. Como é óbvio, além da possibilidade
de transportar a matéria-prima pelo rio Arunca, haveria, certamente, um caminho terrestre a unir as duas
localidades. Sabemos que durante o período medieval havia um percurso terrestre entre Carvalhal da Azóia e
Verride (Coelho, 1983: 411-412). Ainda sobre a temática fluvial, o mesmo investigador (2012: 57) reconheceu a
possibilidade de um estaleiro naval em Verride em época anteriores, interligado ao porto de Montemor-o-
Velho, que, face às condições propícias à navegação, favorecia uma ligação comercial com a povoação romana
de Soure (Alarcão, 2004: 109). Crendo nas afirmações dois investigadores é lógico ponderar um caminho
romano entre Verride e Carvalhal da Azóia, à semelhança do período muçulmano.
Para terminar o período alto-medieval somos obrigados a comentar um aspecto curioso. Ao longo do Percurso
2, 3 e 4, colocamos a hipótese de um incremento viário durante o domínio islâmico relacionado com
acessibilidade entre os vários locais de ocupação muçulmana, especialmente estruturas (actualmente
povoações) de caracter militar. A este respeito, vários autores referem-se a “um movimento de povoamento
islâmicos que terá iniciado nos alvores do século IX e que se caracteriza (sobretudo na segunda parte deste
século), pela desconexão do modelo de povoamento estabelecido no mundo antigo, e onde se pode observar
novos estabelecimentos de raiz islâmica” (Penajoia, 2012: 93-94). Compartilhamos a ideia, contudo, com
alguma cautela. Não há dúvida que a presença islâmica em território peninsular foi muito mais activa do que é,
tradicionalmente, reconhecida. Porém, não somos apologistas de uma ruptura completa. Ou seja, é óbvio que
66 houve abertura de novos caminhos para ligar os vários parcelários, povoados, aglomerados de fundação
muçulmana, tal como, para responder às necessidades viárias de uma sociedade de cariz comercial, embora,
neste caso, os cursos fluviais tenham sido mais importantes, como é o caso da actual vila de Mértola. Todavia,
no caso específico das fortificações ou estruturas defensivas de dupla função – religiosa e militar – como o ribat
e azóia, que estavam em dependência funcional com as vias principais, herdeiras dos percursos romanos, não é
lógico defender um fim abrupto. Desta forma, cremos na expansão da planimetria viária mas relacionado com
as antigas vias. Para clarificar a nossa hipótese socorremo-nos dos nossos próprios resultados: o Hisn de Soure
e Ega controla o antigo itinerário romano Soure-Arrifana-Conimbriga, e o percurso Soure-Ega, corresponde a
um caminho entre os dois Husum. Numa visão mais alargada haveria uma extensa rede a articular os vários
povoados com as fortificações islâmicas. Se a nossa ideia estiver correcta podemos considerar como válido a
hipótese de um trajecto regional, herdeiro do percurso pré-romano e romano, ao ligar Arrifana, Carvalhal da
Azóia, Verride e por fim, Montemor-o-Velho, que é também um elemento primordial no sistema defensivo do
rio Mondego na Alta Idade Média (Barroca, 2005: 113). Aliado às necessidades militares, surge um facto
surpreendente que confere alguma consistência à nossa proposta. No Percurso 2ª, relacionamos o traçado
com os depósitos metálicos, no entanto, abstraímo-nos de aprofundar o carácter ritualístico. Em ambos os
casos, independente do desfasamento cronológico, o elemento de água é importante na deposição dos
objectos e na prática de religião islâmica, de tal modo, que podemos estabelecer uma ligação entre os

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depósitos metálicos e as estruturas religiosas/militares muçulmanas (Freitas, 2013: 31; Vilaça, 2008: 86).
Avançando no tempo, na Baixa Idade Média, ocorreu o arroteamento de terras e a expansão dos núcleos
populacionais (Coelho, 1983: 41), que justificou a dinamização de percursos e caminhos carreteiros que
procuravam articular os vários povoados e as principais linhas de comunicação, como os “caminhos de Santiago
ou outros secundários junto à costa «per la marítima» “ (Carneiro, 2009: 163 apud Penajoia, 2012: 97). É neste
contexto que o mesmo investigador enquadra alguns sítios prospectados na sua dissertação de mestrado,
como Porto do Carril (Idem: ibidem). Na nossa área de estudo, o caminho com calçada em pedra miúda, entre
Carvalhal da Azóia e Cercal, na área do Vale das Marianas e Monte Cabaço, corresponde a uma construção
tardo-medieval ou moderna (Catarino, 1997/1998: 650), que, provavelmente, procurava relacionar-se com o
caminho principal, Percurso 8.
Para concluir a nossa abordagem diacrónica prosseguimos para a actualidade. Nos dias de hoje há uma
dualidade nos resultados, segundo o modelo hidrográfico, na qual, é visível um processo de transmissão dos
antigos itinerários e a sua materialização na actual estrada nacional 348 e caminhos municipais 1116, 616 e
1111. Mas há um caso bastante pertinente que merece a nossa atenção [Imagem 5]. Entre Casa Velha e
Gesteira, placo de passagem dos percursos estabelecidos no cálculo de corredores óptimos, é interessante
observar a relação dos resultados dos modelos hidrográfico (I e II) com os locais de travessia da linha de água,
proveniente do Arunca. O primeiro resultado, Modelo I, assume um traçado bastante próximo a um caminho
carreteiro que actualmente permite atravessar o ribeiro. Já no segundo resultado, Modelo II, não há qualquer
dificuldade em visualizar a estreita relação com a actual ponte da EN 348. Como foram gerados a partir de dois
modelos hidrográficos distintos é lógico considerar que cada caminho actual, imprimido no solo, reflecte a
evolução do espaço físico. Todavia, se este raciocínio fosse puramente lógico, ou seja, abstraído da acção
humana, não era sensato a manutenção do caminho carreteiro. Mas vamos observar através de outro prisma.
Como refere o Dr. Miguel Costa, a evolução da rede viária deve ser compreendida, na grande maioria das
vezes, dentro de um longo processo auto-organizativo, no entanto, esporadicamente, ocorre a regularização de
um determinado trajecto com base em um poder político (2010: 97). No nosso caso concreto, a EN 348 e a
ponte que permite a passagem da estrada, são o resultado de um agente planificador. Face às necessidades
normais de uma sociedade moderna, especialmente a partir da revolução industrial e do advento do sistema
capitalista, certos itinerários viários foram traçados para responder às exigências económicas, maior número
de transportes, mercadorias e produtos; logísticas, ao permitir a passagem de veículos de pequena e média
dimensão, e político-administrativas, para garantirem a coesão social, união territorial e centralização do
poder. O mesmo raciocínio pode ser aplicado na construção da ponte: abertura de um novo traçado segundo
uma política governativa planificada (Idem: ibidem). Já o actual caminho carreteiro, garantiu a sua 67
sobrevivência graças à preservação do traçado na comunidade sourense. Não podemos descortinar a evolução
completa do Modelo I, no entanto, segundo a nossa hipótese, é a materialização de um longo processo auto-
organizativo, na qual, houve uma miscelânea entre agentes planificadores, como o poder romano, e
actividades humanas. Actualmente, cremos que a matriz primordial do caminho carreteiro seja a sua
preservação na memória das pessoas, no entanto, longe dos interesses económicos, julgamos credível a
validade deste traçado na ligação local de Casa Velha, Quinta da Capa Rota e Gesteira, tal como, na
manutenção de pequenos parcelários agrícolas que existem actualmente em redor do ribeiro e do caminho.

5.3. Conclusão da dinâmica viária


A execução deste trabalho permitiu compreender, de forma global, a evolução da rede viária da Carta Militar
de Portugal n.º 250 (1:25000), bem como, a vantagem dos Sistemas de Informação Geográfica. Ao longo da
investigação foi possível articular as várias metodologias com os dados obtidos através do cálculo de
corredores óptimos, possibilitando uma análise alargada da evolução e transformação da planimetria viária. Os
SIG, fortalecidos com resultados, surgem como um meio fidedigno para analisar o espaço físico e permitem
estabelecer as primeiras ideias sobre os percursos e itinerários. Contudo, enquanto análise espacial, não
incluem a dinâmica humana, que, em cooperação com as formas de relevo, é um dos elementos principais para
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o surgimento de caminhos. Ou seja, de forma bastante simples, é necessário analisar os dados com espirito
crítico e aberto, procurando assim traços que permitam corroborar ou negar os resultados espaciais dos SIG.
Infelizmente, face ao carácter singelo do trabalho, não foi possível analisar correctamente o espaço de forma
diacrónica, especialmente no período de maior transformação, época moderna e contemporânea. Todavia,
salientamos a necessidade de um estudo multidisciplinar que englobe a geografia humana, física e ambiental,
tal como, a histórica económica e social das comunidades. Apesar da dificuldade, relembramos que o processo
viário é um fenómeno auto-organizativo, na qual, os hábitos das comunidades – práticas agrícolas, partilhas de
propriedades e memórias – permitem a transformação e transmissão dos caminhos antigos.
Apesar de excluirmos a relação entre os vários estabelecimentos arqueológicos ou actuais povoações com os
cursos de água – por uma correcta gestão de dados e dificuldade em integrar as linhas de água no estudo viário
(Costa, 2010: 57) – é fácil reconhecer que todos os sítios, antigos ou recentes, encontram-se bastante perto dos
cursos de água, independentemente da sua categoria ou importância. Como observou o Dr. Marco Penajoia, as
várias villae romanas em redor do Mondego, situavam-se em estreita proximidade com o rio (2012: 68). No
caso específico das villae da Quinta da Madalena e de S. Tomé, a sua localização permite conjugar o eixo viário
com as linhas de águas criando um sistema múltiplo, que de forma natural, proporciona condições para um
incremento do fluxo vário e, eventualmente, beneficies socioeconómicas. No entanto, perante a riqueza fluvial
deste território, o elemento de água foi, sem qualquer dúvida, um catalisador para a evolução do povoamento
e da planimetria viária, independentemente do período cronológico (Idem: 97; Coelho, 1983: 402-403; Costa,
2010: 76).
Outro aspecto em consideração foi a revisão do conhecimento actual sobre a presença activa da cultura
muçulmana neste território. Apesar da escala reduzida do trabalho, que não permite inserir as linhas de
comunicação num campo alargado da dinâmica viária do Baixo Mondego ou da faixa atlântica, é possível
reconhecer que houve o aparecimento de novos caminhos e trajectos, respondendo às necessidades das
populações. As ideias de completa sobreposição de uma cultura, oriental, por outra, hispânico-romano, devem
ser excluídas de vez, face à contínua utilização dos itinerários romanos. Aliás, o mesmo se pode aplicar à
relação entre os percursos pré-romanos e romanos.
Para terminar, aproveito para salientar um aspecto. Espero que não seja entendido como uma crítica mas sim,
como um conselho para futuros investigadores. Os estudos dos caminhos romanos têm sido alvo de
interessantes abordagens, alguns com resultados bastante interessantes, porém, foram quase sempre
realizados por indivíduos que nunca conheceram verdadeiramente o território de estudo, traçando estradas e
caminhos de forma geométrica e compartimentando o estudo em periodizações pré-definidas. Julgo que o
68 exemplo mais elucidativo é a proposta viária do Doutor Vasco Mantas. Não recusando completamente a
validade das suas ideias, já que as nossas também não passam disso, é difícil aceitar as suas hipóteses. Em
suma, resume-se a uma questão de escala de análise, na qual, é uma tarefa hercúlea e incorrecta pretender
estudar um espaço geográfico tão extenso.
6. Estudo da fotointerpretação
A par da análise da dinâmica viária da Carta Militar de Portugal n.º 250 (1:25000), decidimos complementar o
trabalho com o estudo do espaço geográfico, a partir da fotointerpretação. Ou seja, procuramos enquadrar os
locais de passagem – localidades e povoados – dos percursos estabelecidos nos cálculos de corredores
óptimos. Apesar da simplicidade da análise, os resultados finais foram bastante interessantes para
compreender a relação entre a rede viária e a comunidade, bem como, fortalecer algumas das nossas
propostas.

6.1. Vila Nova de Anços


Decidimos analisar a malha urbana da actual povoação de Vila Nova de Anços na procura de dados que
permitam observar a evolução da vila. O estudo do cadastro é dos elementos mais importantes, já que permite
obter várias informações sobre o aglomerado urbano, vila ou cidade, como as estruturas defensivas, eixos de

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comunicação e organização territorial (Rosa e Trindade, 2006a: 203-204). Aliás, o cadastro, face à capacidade
de transmissão e transformação dos edifícios e propriedades, surge como um elemento primordial no estudo
diacrónico dos espaços habitacionais. Actualmente, graças à facilidade de acesso às fotografias aéreas, é
possível estudar a malha urbana de forma dinâmica, excluindo assim uma visão em palimpsesto. Quanto à
interpretação dos dados socorremo-nos da metodologia inaugurada na década de 1960 por Orlando Ribeiro, na
qual, estabeleceu o critério civilizacional na evolução das cidades “Quase todas as cidades (tomando neste
sentido lato também as vilas de fisionomia urbana) ascendem a um passado remoto e conservam, na escolha
do sítio, na estrutura ou no aspecto, qualquer marca das várias civilizações que presenciaram a sua longa vida”
(Ribeiro, 1963: 60-66 apud Rosa e Trindade, 2006b: 76).
Sobre Vila Nova de Anços, sabemos que é referida na historiografia portuguesa desde o séc. XIII, ao receber o
foral de D. Afonso IV (Coelho, 1983: 411-412; Pimenta, 2011: 92). Posteriormente, no séc. XV-XVI, durante o
reinado de D. Manuel I, recebeu novo foral. Na figura 19 é fácil reconhecer que actual vila possui um trama
ortogonal bastante regular, constituída por oito parcelários, intervalados fisicamente por oito ruas. A complexa
e correcta organização justifica a presença de um agente regulador, top-down, que assegurou uma malha
urbana regular e coerciva. Tal como foi referido anteriormente, a emissão dos forais, correspondeu à acção
estatal na regulação e ordenação do núcleo urbano. Perante isso, é credível ponderar uma fundação de raiz
durante a época medieval, “cidades de fundação onde a intenção de ordenamento e planeamento se traduz em
malhas regulares, as únicas onde é possível aferir práticas e métodos urbanísticos” (Rosa e Trindade, 2006a:
194). A emergência da povoação não foi alheia à importância da sua localização, ao permitir conjugar várias
ligações: caminho religioso de Santiago de Compostela, percurso medieval entre Soure e Sanguinheira e por
último, atestado pelo topónimo, importância fluvial a nível regional.

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Fig. 19 – Fotointerpretação do traçado urbano de Vila Nova de Anços.

Apesar das fontes escritas permitirem corroborar a análise da morfologia urbana, é possível obter mais
informações com base na fotointerpretação. Na figura 20, através da sobreposição de layers, é possível
individualizar o núcleo primitivo, do séc. XIII, do restante trama, que, perante a coerência e organização,
apresenta uma clara influência do poder régio. Porém, é reconhecível uma acção espontânea em determinadas
áreas, entre as quais, a rua do Pedregal. Situação que se repete, novamente, a norte do núcleo primitivo.

70 Fig. 20 – Delimitação do núcleo primitivo de Vila Nova de Anços.


Conjuntamente, é curioso observar que esta acção aditiva – ao promover o avanço do cadastro sobre o
percurso viário – acontece ao longo de um caminho, que julgamos reconhecer, proveniente da rua do Pedregal
(Fig. 21). Este fenómeno é designado de bottom-up, e surge durante a ausência de ordem, na qual, a
construção é promovida de forma espontânea e segundo as necessidades individuais ou colectivas. Segundo as
ideias apresentadas pelo Dr. Miguel Costa (2010: 48), embora associadas à rede viária, as redes de fundação
correspondem a uma espaço-temporalidade de projecto ou planificação, normalmente em virtude de uma
vontade política. Todavia, também são auto-organizativas, já que a sua materialização ocorre num processo
diacrónico. Utilizando as palavras do mesmo investigador, “porque quem desenhar o projecto pode decidir a
sua forma, mas não o seu processo de realização, este está dependente do modo de uso do solo, da agricultura,
das vias de comunicação, do habitat, das heranças, etc.” (Idem: 97), julgamos esclarecer o bottom-up.

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Fig. 21 – Delimitação da restruturação urbana a partir da viação em Vila Nova de Anços.

Quanto ao suposto caminho, o microtopónimo Pedregal é um forte indicar de um percurso anterior ao


aparecimento de Vila Nova de Anços. Se assim for, é possível que o caminho tenha assumido alguma
importância no desenvolvimento da vila. Durante o processo de implantação da trama ortogonal, no séc. XIII,
pode ter ocorrido a alteração e transformação do traçado viário. Todavia, a sua transmissão consolidou-se.
Para terminar, procurando fortalecer a nossa proposta, é visível que actual vila possui três estradas alcatroadas
principais (Fig. 22): EN 342-1, caminho municipal 1113 e o suposto traçado proveniente da rua do Pedregal.
Sobre a estrada nacional, além de ser uma realidade moderna (que não exclui um uso diacrónico), é bastante
provável que procure relacionar-se com a estação do caminho-de-ferro, a oeste. Aliás, o próprio trajecto não
prossegue pela malha urbana, contornando actual vila. Quanto ao caminho municipal, separa fisicamente o
núcleo primitivo da restante malha urbana, no sentido oeste-leste, prosseguindo para actual localidade de
Sanguinheira. A par com o parcelário agrícola, que corrobora a antiguidade do percurso, podemos estar
perante o caminho medieval Soure-Sanguinheira, que assegura a sua passagem em Vila Nova de Anços. Já a
nossa proposta, além da relação com a malha urbana, do microtopónimo e da articulação com o caminho
municipal 1112 (Percurso 4), assume uma orientação para o interior, contornando certas áreas inundáveis de
Telhadouro e Madriz (CMP n.º 240), e direcção aos sítios romanos de Granja do Ulmeiro, Costa D´ Arnes,
Formoselha e Ameal (Alarcão, 2004: 109-110; Mantas, 1996: 875). A última localidade, interpretada como um 71
provável vicus romano que teve continuidade numa aldeia alto-medieval (Idem: 109-110) era servida,
possivelmente, por uma estrada com ligação à cidade de Aeminium (Idem: 14).
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Fig. 22 – Relação entre o aglomerado de Vila Nova de Anços e a hipótese de traçado viário.

Desta forma, se os nossos dados estiverem correctos, podemos chegar a conclusões muito interessantes. O
primeiro aspecto resume-se à actual EN 342-1, que, aparentemente, não tinha qualquer ligação com o núcleo
urbano primitivo de Vila Nova de Anços. Se assim for, é estranho associar o caminho medieval e de Santiago à
actual estrada nacional, com passagem na Quinta de Baixo e Quinta de S. Tomé. Por outro lado, é lógico inserir
o percurso medieval Soure-Sanguinheira no itinerário romano, proveniente de Assamassa, na qual, o topónimo
medieval atesta a sua utilização. Apesar de seguirem dois rumos diferentes, esse factor apenas consolida a
importante posição da vila enquanto eixo viário. Quanto ao caminho de Santiago, segundo Fernando Pimenta,
a capela de Quinta de Baixo, do séc. XVI, e Quinta de S. Tomé, do séc. XII (românica), asseguram a passagem da
“via peregrinal” (2011: 83-85). Contudo, perante a antiguidade do percurso, é estranho não incorporar o
caminho medieval Soure-Sanguinheira (Gomes, 2000: 459). Aliás, nesta zona há três indicadores importantes a
explorar: à semelhança do percurso religioso, o traçado medieval provém de Pombal em direcção a Montemor-
o-Velho, importante porto flúvio-marítimo na época medieval e local de partida da viagem marítima para
Santiago de Compostela; perto de Assamassa situa-se a localidade de Espirito Santo, que pode justificar a
“espiritualidade” do topónimo em virtude do itinerário religioso, e por último, em Vila Nova de Anços, os três
edifícios religiosos integram perfeitamente o núcleo urbano antigo.
Infelizmente estas ideias não passam de hipóteses de trabalho. Mas defendendo a credibilidade dos nossos
dados, é possível ponderar a validade da proposta do Doutor Vasco Mantas, tal como, colocar reservas aos
traçados medievais de vários autores.

6.2. Vila de Soure


Analisando o processo de desenvolvimento urbano da actual vila de Soure, verifica-se que evolução da malha
urbana decorreu de forma dinâmica e orgânica, na qual, o “agente organizador” não foi tanto o poder central,
72 régio ou clerical, mas sim, as características do espaço físico e as linhas de comunicação (Fig. 23). O primeiro
documento escrito que conhecemos sobre Soure ou Saurio remonta ao séc. XI, mais precisamente a 4 de
Setembro de 1043, com a doação do singelo mosteiro da povoação ao Mosteiro de São Vicente da Vacariça
(Alarcão, 2004: 29; Pimenta, 2011: 49). Em 1111, por desígnio do conde D. Henrique e Dona Teresa, Soure
recebeu o seu primeiro foral, que instituía legalmente um concelho ou município, na qual, o seus habitantes
eram cidadãos livres. Com efeito, a autoridade máxima era outorgada pelos condes do Condado Portucalense
(Idem: 56-57). Enquanto território de fronteira foi assolado, em 1116, por ataques almorávidas, destruindo
parte significativa do antigo castelo. Em virtude disso, em 19 de Março de 1128, é doado à Ordem dos
Templários, que concede um novo período da história da vila sourense. Esta, porém, é uma temática que foge
aos objectivos deste trabalho.

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Fig. 23 – Análise ao traçado urbano da Vila de Soure.

Através da fotointerpretação e do estudo da morfologia urbana, entre 1850, 1943 e 1974, foi possível obter
informações relevantes para a desconstrução do actual conhecimento arqueológico e histórico (Figueiredo e
Bandeirinha, 1986: 22-23). Como referimos anteriormente, a actual forma orgânica do núcleo urbano original,
apesar dos importantes poderes tutelares, pode significar a materialização das várias destruições da antiga vila
de Soure, bem com, o atrofio físico que o aglomerado populacional sofreu em virtude das características
geomorfológicas. O exemplo mais elucidativo é a “Levada”, obra hidráulica da Ordem de Cristo no séc. XVI, que
“edificada provavelmente sobre um antigo meandro, é o limite milimétrico que separa uma formação do liásico
dos terrenos de aluvião mais recentes” (Idem: 17). No mapa está traçado o percurso da obra hidráulica, ao
contornar perfeitamente a área urbana da vila de Soure. Conjuntamente, com uma ida ao local e uma
observação pessoal, foi fácil compreender a relação de calamidade e prosperidade que o curso de água impõe
sobre a comunidade sourense, já que as habitações mais antigas têm uma cota de entrada acima do normal,
em virtude das constantes inundações e deposição de sedimentos. É reconhecida uma realidade semelhante
no castelo medieval (Almeida et al. 2012: 20-26).
Quanto à estrutura viária da antiga vila, perante a importância do traçado na evolução e modulação do
cadastro urbano, vamos analisar com o máximo de pormenor. O eixo viário assumia a forma de Y, cujo topo 73
inferior correspondia ao castelo medieval, e o restante, à bifurcação do itinerário, em direcção a norte e oeste
(Figueiredo e Bandeirinha, 1986: 21). Ao entrar na localidade de Soure, o traçado, seguia em direcção da Igreja
de Santa Maria de Finisterra, no interior do espaço amuralhado, da Igreja Matriz de Santiago, Igreja da
Misericórdia, Capela do Terço e Capela de São Francisco, rumando a norte, para a Quinta de Baixo. Este
percurso, que acompanhava a actual rua Alexandre Herculano até ao limite máximo da malha urbana em 1850,
junto à Capela de São Francisco, e prolongava-se para actual rua Morais Pinto, possivelmente um caminho
carreteiro, correspondia ao traçado medieval de Pombal-Soure-Sanguinheira e ao caminho de Santiago (Idem:
ibidem; Pimenta, 2011: 82, 84). Para oeste, prosseguia pela rua Direita, actual rua Delfim Pinheiro, com
passagem na antiga ponte demolida do séc. XVIII, em direcção à Capela das Almas e associada às ligações com
as Comendas de Seiça e Santa Cruz de Coimbra e à romaria do Bom Sucesso, com paragem na Igreja de Nossa
Senhora do Bom Sucesso (Afonso, 1987: 50-51). Deste modo, é fácil reconhecer a importância da planimetria
viária na organização da malha urbana, bem como, dos edifícios de culto. A sua disposição, ao longo do
itinerário viário, comprova o valor e acima de tudo, a antiguidade do traçado medieval e peregrinal. Como
refere Fernando Pimenta, nunca houve um verdadeiro interesse em compreender o valor do caminho de
Santiago no território de Soure, contudo, o autor surge com uma proposta bastante pertinente: a Igreja Matriz
de São Tiago, edificada por D. Manel I, em 1490, adquire especial importância na expansão do aglomerado
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urbano, já que é a partir daqui, que bifurcam os dois eixos principais. Todavia, existem documentos que
comprovam a existência de uma igreja dedicada a Santiago, que remontam a 1295 (Pimenta, 2011: 78). Em
oposição à Igreja de Santa Maria de Finisterra, localizada no interior do recinto amuralho, esta é denominada
de “Igreja de Santiago da vila”, ou seja, fora dos limites do castelo (Idem: ibidem). Paralelamente, a 16 de
Março de 1431, em virtude de um regimento assinado pelo Infante D. Henrique, surge uma referência à Igreja
de Santiago e à Praça de Santiago, que demonstra perfeitamente a importância deste local enquanto centro
social da vida urbana de Soure, em oposição ao castelo medieval, sede do poder clerical – Ordem de Cristo
(Idem: 80).
Parte da proposta do Doutor Vasco Mantas estabelece como local de passagem da via romana em Soure, a
área do Pedregal, actual rua João de Deus (1996: 870, 1985: 170). Contudo, perante a observação do mapa, é
fácil reconhecer que a EN 342, que incorpora a área do Pedregal, surge como um elemento intrusivo,
rompendo com a malha urbana e a organização interna anterior. Em 1864, a abertura da estação de caminhos-
de-ferro de Soure alterou profundamente o traçado urbano e viário da vila, ao provocar a destruição da antiga
ponte, em 1870, e o aparecimento de uma nova artéria, EN 342. O aspecto mais evidente foi a mudança do
antigo centro, Praça Miguel Bombarda ou Praça de Santiago, para a estrada nacional. A construção da Câmara
Municipal de Soure, em 1906, nesta área comprova este facto. Uma situação semelhante repetiu-se na rua
Direita e rua Alexandre Herculano, bem como, na área do antigo cais, actual rua do Cais, que provocou de
forma permanente o seu abandono.
Perante as considerações acima aludidas, somos obrigados a questionar e repensar certas ideias pré-definidas,
algumas delas abordadas ao longo do trabalho mas sem uma resposta conclusiva. Um elemento bastante
perceptível é a relação entre o percurso medieval Pombal-Soure-Sanguinheira e o caminho de Santiago ao
longo da antiga vila de Soure. Nesta localidade, há a possibilidade do caminho assumir um percurso
complementar, por via fluvial em direcção a Montemor-o-Velho (Cortesão, 1989: 401, 418 apud Penajoia,
2012: 33), contudo, é indiscutível um traçado terrestre. Se antiguidade do traçado ficou assegurada, é estranho
não assumir uma orientação semelhante ao itinerário medieval entre Quinta de Baixo e Vila Nova de Anços.
Não querendo ser imprudente e muito menos insensato, julgo que é credível acrescentar o caminho de
Santiago por Assamassa. Aliás, um dos dados mais importantes permitiu definir a EN 342 como um elemento
intrusivo e enquadrado com a expansão do caminho-de-ferro, justificando a hipóteses defendida
anteriormente para Vila Nova de Anços e o Modelo II do Percurso 4. Mas como solucionar a problemática da
Quinta de S. Tomé? Por um lado, não é necessário definir uma rígida sobreposição da capela românica sobre o
caminho de Santiago, podendo situar-se nas imediações do traçado, a uma distância segura, mas assegurando
74 as suas funções religiosas. Por outro lado, a sua localização permite ponderar alguma dinâmica fluvial; talvez
como ponto de apoio à navegação ou como local de referência, em virtude da sua capela românica.
Quanto à proposta do Doutor Vasco Mantas é necessário rever alguns dados, especialmente a posição da EN
342 na rede viária (1996: 870, 1985: 170). Felizmente a escolha de uma metodologia que privilegia um estudo
diacrónico das vias permite visualizar, analisar e interpretar a transmissão e transformação de forma global e
dinâmica da planimetria viária. Ao contrário de uma visão em palimpsesto, adoptada pelo investigador na
procura do sistema viário romano. Além dos dados bibliográficos, os dados SIG, como o cálculo de corredores
óptimos do paleoambiente e o MADO, permitem negar qualquer caminho ou percurso pela área do Pedregal.
Mas isto não anula a potencialidade do topónimo, apenas comprova que é necessário ser cauteloso.

6.3. Localidade de Arrifana e Cercal


Ao acompanhar o segundo e oitavo percurso, observamos, nas proximidades das localidades de Arrifana e
Cercal, planificações e parcelários capazes de promover informações surpreendentes. Em ambos os casos, foi
possível reconhecer um recinto poligonal, mais ou menos estruturado, e um parcelário radial, bem como, uma
óbvia relação com o percurso do cálculo de corredores óptimos. No caso concreto de Arrifana, situa-se perto
da actual povoação, paralelamente ao caminho municipal 1178 e IC 2, entre o km 172-173. Através da

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fotointerpretação é visível cinco parcelários radiais e um recinto poligonal com 120 metros de largura, no
sentido sudoeste-nordeste (Fig. 24).

Fig. 24 – Fotointerpretação da paisagem na Arrifana.

Quanto à localidade de Cercal, a sua dimensão e complexidade, permite desmarcar-se facilmente da restante
área, no entanto, não foi simples delimitar a implantação do recinto. Julgamos reconhecer dois alinhamentos
distintos, porém, podem constituir apenas um, em virtude de um erro de interpretação ou a fragmentação do
espaço com a inscrição de parcelários agrícolas posteriores (Fig. 25). Se houver, como cremos, dois
alinhamentos, podem corresponder a períodos cronológicos e materializações diferentes. Deste modo, temos
um recinto pseudo ovóide com 367 metros de largura, noroeste-sudeste, e 211 metros de comprimento, norte-
sul, e um recinto poligonal com 321 metros de largura, noroeste-sudeste, e 205 metros de comprimento,
norte-sul. Esta situação reflecte-se na área que ocupam, entre os 6 e 4 hectares. Relativamente aos parcelários
podemos individualizar dois modelos principais, radiais e isóclinos. O radial é composto por 9 troços e, à
semelhança de Arrifana, parte do recinto. Já o parcelário isóclino, prolifera na área analisada e rompe, no 75
sector noroeste, com o traçado anterior, de tal forma, que podemos ponderar a possibilidade de ser uma
realidade posterior, do séc. XIII, com a redistribuição e reorganização das terras recém-conquistadas (extraído
de: ArchéoGéographie).
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Fig. 25 – Fotointerpretação da paisagem no Cercal.

Com este estudo introdutório, decidimos procurar paralelos e informações que possibilitassem compreender
os dados imprimidos no solo. Segundo uma breve síntese, podemos reconhecer que os dois locais, Arrifana e
Cercal, possuem vários aspectos em comum: recintos e parcelários semelhantes; relação de proximidade com
os percursos viários; topónimos de origem islâmica, já que, relativamente perto da localidade de Cercal situa-se
Carvalhal da Azóia e por último, riqueza aquífera. Na dissertação de Miguel Costa, foi possível reconhecer uma
realidade semelhante em vários locais do concelho de Alenquer (ele próprio um topónimo muçulmano). Sobre
os recintos poligonais, foram assinalados 9, entre os quais, Arrifana, Vila Verde dos Francos e Ota (Costa, 2010:
166). Já os parcelários radiais somam-se 16, na qual, salientamos dois, Cabeço de Santa Quitéria da Meca e Vila
Verde dos Francos (Idem: 165). Quanto às povoações de Arrifana e Cabeço de Santa Quitéria da Meca, é fácil
descortinar uma relação com o mundo muçulmano. No local da Ota, a presença oriental não está
efectivamente comprovada, contudo, foram recolhidas várias moedas islâmicas (Idem: 23). Relativamente ao
sítio de Vila Verde dos Francos, as ideias apontas pelo investigador (Idem: 99) sobre a malha urbana da
localidade, comprovam que haveria uma ocupação anterior à vinda dos cavaleiros francos, após a conquista de
Lisboa em 1147, bem como, uma relação entre os autóctones e os soldados cristãos. Nas proximidades da
povoação, em zona rural, foi observado um recinto poligonal com parcelário radial, que, face à ocupação
prévia, poderia corresponder a um estabelecimento da Alta Idade Média, ou seja, de populações muçulmanas
ou sobre o domínio muçulmano (moçárabes). Embora o autor não justifique explicitamente o processo de
materialização, julgamos credível a nossa hipótese. Mas vamos aprofundar mais a nossa proposta.
No trabalho de Marco Penajoia sobre a temática portuária e fluvial de Montemor-o-Velho, foi identificada uma
forma pseudo ovóide com vários alinhamentos, do tipo crop marks, que acompanha os contornos do terreno
(2012: 70). A par do alinhamento, verificou-se a presença de uma estrutura semi-circular, interpretada como
um poço ou “dolina”, em virtude das características geomorfológicas do solo. Perto do local, no Outeiro da
Moura, foi visível a presença das mesmas estruturas negativas, com fortes semelhanças construtivas. A
76 localização destes dois locais situa-se numa área de elevado valor toponímico, da qual, capitalizamos os
topónimos de Outeiro da Moura, Sevelha, Poço da Moura, Almiara e Quinta da Almiara. O último local,
segundo uma avaliação conjunta entre o autor e a Prof.ª Dr.ª Helena Catarino, pode corresponder à deslocação
topográfica da terminologia, entre Almiara e Quinta da Almiara (Idem: 76). Conjuntamente, a posição
geoestratégica e a designação toponímica, pode justificar a presença de uma estrutura defensiva, uma Torre de
Atalaia, em período muçulmano (Idem: 60). Enquanto elemento-chave na prática da djiad articulava-se,
certamente, com Carvalhal da Azóia e Arrifana, bem como, com os Husum de Soure e Ega. Como refere o Dr.
Marco Penajoia, a par das funções militares e religiosas, os murabitun (habitantes do ribat), eram obrigados a
explorar e cultivar a terra para obter os próprios rendimentos, e estas, “estariam em cotas mais baixas” (2012:
76).
Não querendo ser imprudente, julgo que é reconhecível um fenómeno contínuo e semelhante que une os
vários exemplos e justifica a relação conjunta dos recintos poligonais e parcelários radiais, enquanto
materialização de parcelas agrícolas de comunidades de origem ou raiz muçulmana. Contudo, face ao cariz
pioneiro da nossa proposta, é sensato fortalecer os nosso argumentos com uma realidade assumidamente
muçulmana e, obviamente, sobre os sistemas hidráulicos nas práticas agrícolas. No excelente artigo de Patrice
Cressier, houve o cuidado de analisar de forma sintetizada vários estabelecimentos rurais distribuídos
regularmente ao longo do litoral mediterrâneo, no norte de Marrocos. A povoação de Mastãsa, na actual

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província de Al-Hoceima, foi alvo da análise espacial, através da fotointerpretação, para reconhecer os traços
de ocupação e exploração do território humanizado (1997: 175). A norte da actual povoação, nas proximidades
da praia e foz do rio Mastãsa, foi possível visualizar e reconhecer uma torre de Atalaia na margem esquerda,
oeste, e um antigo povoado na margem direita, leste. No caso concreto do antigo estabelecimento, possuía um
parcelário estruturado de forma radial e associado ao mesmo, engenhos hidráulicos, como noras (moinhos),
tanques (esp. Alberca ou ár. albírka) e poços (Idem: 177). A partir da morfologia dos traçados e dos vestígios
materiais, como cerâmica almóada e meriní, foi possível datar um terminus ante quem do séc. XIII-XIV. Ou seja,
isenta de influência direita cristã, com as incursões à costa marroquina no séc. XV-XVI. Quanto aos sistemas
hidráulicos, socorremo-nos do trabalho de Helena Kirchner e Carmen Navarro, que descreve de forma concisa
e explícita a importância de conhecer os espaços hidráulicos para compreender a sociedade. Isto é, o espaço
(hidráulico) não deve ser estudado em parcelas – mecanismos e componentes – mas sim, na totalidade, como
um elemento essencial que “contiene el código social de la comunidade que lo há construido” (1993: 160). A
agricultura hidráulica possui sempre a mesma matriz, independentemente da dimensão e do desenho do
projecto. Como é lógico, o mecanismo natural que garante a circulação e abastecimento de água corresponde
ao efeito da gravidade. Todavia, este factor, ao assegurar a preservação do sistema garante a destruição do
mesmo, em virtude do elevado “fixismo” (Idem: 161). Já o tipo de culturas e técnicas usadas na prática agrícola
permite diferenciar perfeitamente a sociedade cristã, feudal, da sociedade muçulmana, estatal. Com a
apropriação dos processos de trabalhos agrícolas, face à necessidade de cumprir as exigências senhoriais, os
camponeses eram obrigados a adoptar uma lógica produtiva de monocultura (Idem: 160; Torres, 1997: 347).
Ao contrário, a sociedade de Al-Andaluz, livre e isenta de senhores feudais, podia praticar uma agricultura
diversificada e rica, uma vez que única obrigação era perante o estado central, na colecta de impostos. Este
modelo tem sido nomeado, correctamente, de “tributário”, na qual, a relação entre as comunidades
muçulmanas, urbanas e rurais, passava pelo imposto tributário (Barceló, 1985: 5-6 apud Torres, 1997: 347).
Deste modo, a escolha de culturas não reflectia uma necessidade ecológica mas sim, política (Kirchner e
Navarro, 1993: 160).
Nesta fase de trabalho já podemos apontar algumas ideias. A análise conjunta, dados bibliográficos e
fotointerpretação, permite ponderar a hipótese dos recintos poligonais e do parcelário radial representarem a
materialização de exploração hidráulica do espaço por comunidades muçulmanas. Sabemos que grande parte
dos povoados rurais, estruturados no interior dos territórios de Husum, eram entregues às populações
berberes, de orgânica tribal, bem como, o próprio Hisn, que correspondia, na grande maioria, a concessões
territoriais por parte do poder estatal aos principais grupos tribais (Bazzana e Guichard, 1981: 115-140 apud
Kirchner e Navarro, 1993: 160; Catarino, 1997/1998: 630). Aliás, a analogia com Mastãsa, apesar da singela 77
diferença cronológica, corresponde a populações semelhantes (berberes). Sendo assim, é plausível que estes
dois sítios, Arrifana e Cercal, sejam o local de exploração agrícola e habitação de antigos estabelecimentos
berberes, possivelmente, dedicados às actividades da djiad. No entanto, há mais dados que podemos retirar
através da arqueogeografia. Nas figuras 24 e 25 é possível visualizar duas linhas de água na zona inferior dos
recintos, interpretadas como singelos ribeiros, todavia, em virtude da proximidade com os estabelecimentos,
podemos reinterpretar como antigos canais de drenagem, muitas vezes confundidos como simples ribeiros
(Costa, 2010: 53). Por outro lado, novamente na figura 25, a ruptura do antigo parcelário, por intermédio do
trama isóclino, deve corresponder a uma nova forma de exploração do solo, agora assente num programa de
intensa produção de monocultura.
Para terminar, desejamos deixar em aberto três questões sobre o último mapa. A primeira resume-se à
existência, provável, de dois alinhamentos, que reflectem dois momentos distintos. Podemos ponderar que
representa a materialização de uma contracção do espaço, talvez em virtude de uma quebra populacional. Mas
se assim for, de quando? No período imediato à reconquista? A segunda questão parte da existência de uma
via, actualmente um caminho carreteiro, que atravessa o recinto analisado. Será que pode corresponder ao
antigo percurso entre Soure-Cercal-Carvalhal da Azóia, com passagem pelo recinto? Se assim for, podemos
ponderar a hipótese da actual estrada alcatroada, caminho municipal 1111, ter sido um parcelário em bandas,
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comum na Baixa Idade Média, e semelhante ao que foi observado por Miguel Costa (2010: 100), bem como, a
hipótese de uma deslocação topográfica da actual povoação de Cercal ou, inclusivamente, de Carvalhal da
Azóia. Por último, é fácil observar que todos os parcelários, excepto no sector noroeste, partem do limite do
recinto. Como foi reconhecido pelo mesmo investigador, as formas possuem o seu próprio tempo morfológico
interno, de modo que, um terreno pode sofrer várias alterações mas mantém a sua orientação (Idem: 43-44). À
semelhança do autor, nós interrogamo-nos sobre a possibilidade de um antigo fosso, hoje invisível, mas que
corresponde aos limites actuais das sebes (Idem: 44). Esta hipótese não é descabida, face às funções militares
dos murabitun.

7. Conclusão
O último capítulo demonstrou perfeitamente a necessidade de conciliar os vários meios de analisar e
interpretar o espaço humanizado, para compreender, correctamente e na totalidade, a dinâmica humana.
Independentemente do objectivo primário do estudo, é essencial articular os vários dados, bem como,
confronta-los com diferentes prismas e realidades. No caso especifico do estudo viário, o valor da
fotointerpretação na análise morfológica dos núcleos urbanos revelou-se extraordinariamente valiosa,
permitindo aprofundar e, em certos casos, repensar na totalidade certas hipóteses pré-concebidas. No
entanto, é necessário reconhecer que o valor desta metodologia está intrinsecamente ligada à capacidade do
investigador.
Quanto à Arqueogeografia, apesar da superficialidade do estudo, demonstrou, claramente, os benefícios do
seu uso. Além de permitir uma visão diacrónica, fundamental na procura da dinâmica humana, permitiu
adquirir uma matriz de raciocínio aberta ao livre-arbítrio do pensamento. Por outro lado, as questões colocadas
apenas comprovam o pouco que conhecemos sobre o Baixo Mondego. O conhecimento é uma realidade em
constante mudança, em contínua construção e revisão, e como é óbvio, muito ficou por fazer. Contudo, desejo
arduamente que este trabalho seja o primeiro de muitos.

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8.1. Plataforma Informática


BingMaps

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


Google Earth
Google Maps: [http://maps.google.pt]
IGESPAR-Portal do Arqueológo [www.igespar.pt/pt/património/pesquisa/geral/patrimonioarqueologico-
portaldoarqueologo/]
LNEG [geoportal.lneg.pt/geoportal/mapas/index.html]
QGIS [hub.qgis.org/projects/quantum-gis/wiki/download/]
ASTER Global Digital Elevation Model [gdem.ersdac.jspacesystems.or.jp/search.jsp/]

81
Povoamento Introdução
proto-histórico A Proto-História foi sem dúvida uma época de vital importância que marcou
o decurso da história da Humanidade. Um longo período que abrange Idade
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

no Baixo do Bronze e Idade do Ferro numa avassaladora série de transformações e


inovações que marcaram não apenas as sociedades em si – nos seus modos
Mondego. de vida, rotinas, povoamento e economia-, como também a própria
paisagem em que viviam e se deslocavam.
Breve Não querendo desvalorizar qualquer outro período da nossa história, é-me
especialmente aprazível estudar esta época pelo complexo de realidades
abordagem à que integra, não apenas no nosso país como na globalidade das
problemática comunidades Proto-históricas. No âmbito da realização deste Seminário,
contudo, foi necessário limitar a realidade a estudar e a problemática que
da implantação pretendia aprofundar.
A área do Baixo Mondego sempre despertou uma profunda curiosidade na
do povoamento minha pessoa, possivelmente pelo facto de ser uma área que, em geral,
conheço desde pequena. Desde cedo que me aguça o engenho percorrer
com recurso estas terras e notar várias marcas do seu passado, perguntando-me como
terão surgido, seria resultado de povos que aí habitaram; como seriam essas
aos SIG comunidades; qual seria a sua realidade há milénios atrás.
Daniela Simões Por outro lado, esta zona terá sido de considerável importância durante o
período em causa, tendo-se aí localizado povoados estratégicos que
possivelmente compunham uma série de interpostos comerciais,
nomeadamente com contactos com o mediterrâneo, como analisarei mais
adiante.
Optei, assim, por elaborar um breve estudo sobre a implantação do
povoamento proto-histórico na zona do Baixo Mondego, adaptando as
questões que me proponho desenvolver à realidade desta área e recorrendo
a ferramentas SIG, com o objectivo de tentar perceber o porquê da
localização dos povoados em determinados locais específicos nesta época.
Seria uma mera questão de visibilidade? Poderiam as características naturais
da paisagem desses locais serem elemento fundamental desta implantação?
Teria algum objectivo estratégico de defesa ou talvez económico? Ou talvez
todos estes motivos tenham tido a sua influência na escolha dos locais em
que estas populações optaram por se estabelecer…?
82 No nosso país, porém, nem sempre se estudam uniformemente as várias
épocas que marcaram a ocupação territorial de Portugal, seja por falta de
fundos, por falta de vestígios relevantes ou pela sua acentuada degradação,
seja pelas próprias circunstâncias da intervenção arqueológica ou inclusive,
atrevo-me a dizer, pela existência de uma cega atenção à época em que se tem especial interesse aquando da
intervenção desconsiderando os restantes vestígios. A zona do Baixo Mondego foi, neste aspecto, ainda pouco
estudada, sobretudo na época e temática que pretendo abordar. De facto, a própria identificação de sítios, já
para não falar do estudo dos que já se encontram identificados, é ainda bastante limitada. Pelo menos, os
poucos dados que há assim o parecem demonstrar.
Logo, desde já, a minha abordagem sofre de uma grande falha – a falta de informação e identificação de mais
povoados que, com toda a certeza, existiriam nesta época. Assim, apenas utilizarei os povoados efectivamente
identificados como áreas de habitação. De realçar, ainda, que muito embora nem todos os concelhos incluídos
na área determinada como Baixo Mondego possuam povoados proto-históricos (identificados, insisto!), a sua
inclusão neste estudo nunca esteve em causa. Não apenas porque são considerados parte da área em estudo
mas, mormente, porque permitem uma visão mais ampla e completa da área de estudo, podendo fornecer
dados relevantes na análise da paisagem e dos recursos disponíveis na zona, num provável raio de circulação
destes povos.

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


Deste modo, comecei por examinar a localização e as características geomorfológicas da área em estudo, com
especial atenção para a altimetria e hidrologia da região, bem como dos recursos mineralógicos que a marcam.
Isso permitiu delinear similaridades de implantação entre os vários povoados em discussão. Para esta
abordagem é fundamental não apenas o recurso a Mapas e Cartas temáticas, como também a alguns estudos
previamente realizados sobre o Baixo Mondego. As referências aos achados encontrados nos sítios foram,
igualmente, fundamentais, para a sua datação e compreender a sua possível função.
A análise que pretendo fazer, contudo, não será de todo exaustiva, nem o poderia ser face a informação
lacunosa e ao limitado tempo que uma investigação desse tipo exige. Todavia, penso que permite uma ideia
aproximada da realidade deste espaço durante a Proto-história e uma melhor compreensão da paisagem e
implantação dos povoados nesta que, com o recurso às ferramentas SIG, tentarei demonstrar.

A problemática da implantação do povoamento proto-histórico no


Baixo Mondego
Compreender a implantação do povoamento proto-histórico é, por si, deveras complexo, chegando mesmo ser
verdadeiramente desafiante em alguns casos.
O período a que me reporto nesta pequena investigação abrange a Idade do Bronze / idade do Ferro, até à
ocupação romana do nosso território. Este período é extremamente aliciante pelos mistérios que ainda encerra
e, principalmente, por se tratar de uma época de inúmeras mudanças, determinantes para o curso da nossa
história. Por isso mesmo, é objecto de estudo de vários investigadores e especialistas, contudo, esse estudo
tem sido, por vezes, focado na análise do espólio recuperado e nas estruturas detectadas.
A compreensão destas sociedades, porém, não pode jamais ser dissociada do estudo da paisagem envolvente e
dos recursos que as rodeavam. Numa época em que a comunhão com a natureza seria um ponto assente e que
os percursos e subsistência dependiam ainda em muito do seu conhecimento, é importante perceber como
estes nossos antepassados viam e viviam a Paisagem. Só através desta conjugação de dados podemos
efectivamente ter a presunção de entender a implantação do povoamento da época.
É precisamente esse o objectivo do meu trabalho. Assente em anteriores análises de outros autores e
aplicando as ferramentas SIG apropriadas, pretendo propor uma visão do que poderia potencialmente ser o
povoamento do Baixo Mondego durante este período transitório.
Todavia, este é um desafio difícil de alcançar. Não apenas pelos escassos dados arqueológicos e, em alguns
casos, efectivamente nulos, mas igualmente pela enorme transformação paisagística que este território terá 83
sofrido, sobretudo devido aos processos de assoreamento do rio Mondego e afluentes.
Localização e breve caracterização geomorfológica da área em estudo:
O Baixo Mondego é uma sub-região portuguesa parte da Região Centro, desenvolvida em torno do rio
Mondego, rio inteiramente nacional. Como já referi, desde o Programa Territorial de Desenvolvimento 2008 –
2013 do Baixo Mondego, engloba 10 concelhos - Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz,
Mealhada, Mira, Montemor-o-Velho, Mortágua, Penacova e Soure (Fig. 1), que se distribuem pelo Distrito de
Coimbra, Aveiro e Viseu. A norte, é limitado pelo Baixo Vouga e pelo Dão-Lafões, a sul pelo Pinhal Litoral, a
leste pelo Pinhal Interior Norte e a oeste pelo Oceano Atlântico.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 1 – Localização espacial da área de estudo.

Esta região é marcada sobretudo por um relevo pouco acentuado e modestas altitudes, sendo no seu limite
oeste onde se atingem os pontos com maior elevação, desenvolvendo-se aí a Serra do Buçaco. A própria linha
da Costa é estremada por areais pouco acima do nível do mar, um pouco à semelhança do que se passa na
restante extensão litoral. Em contrapartida, o rio Mondego, que exibe um percurso predominantemente NE-
SW, desdobra-se em vários afluentes - rios, ribeiras e canais – que banham grande parte de toda esta região,
tornando-a rica em recursos hídricos e vias fluviais.
De facto esta faixa, pelas suas condições naturais, terá sido desde cedo um ponto-chave para a fixação de
povos, oferecendo uma ligação directa com o Oceano Atlântico. Vários povoados são, inclusive, mencionados
pelas fontes clássicas, o que revela a existência de focos já relevantes aquando da fixação romana na zona.
Muitos chegam, até, a ser ocupados durante a época romana.
84 Esta região é, ainda, marcada por uma enorme variedade de solos com distintas formações. Segundo António
Ferreira, Portugal Continental subdivide-se em Maciço Antigo, Orlas Ocidental e Meridional e Bacia Terciária do
Tejo e do Sado, sendo que o Maciço Antigo português não é mais que a parte ocidental do Maciço Hespérico(1).
A cadeia hercínica na Península Ibérica permite, com base nas suas características, a definição de grandes
unidades paleogeográficas e tectónicas (2), alongadas e paralelas à estrutura desta cadeia (Ferreira, 2000). O
território do Baixo Mondego engloba, assim, a Orla Ocidental, série continental detrítica que devido à
sequência de processos de transgressões e regressões ao longo das Eras vai formando diversos conglomerados
(arenitos, argilas, margas, gesso, sal-gema, calcários e leitos de carvão) e parte da Zona Centro-Ibérica, cujas
rochas predominantes são os granitos (sendo parte do complexo Xisto-Grauváquico), embora surjam,
nomeadamente, afloramentos de quartzos. De facto, uma das mais consideráveis áreas de relevo xistoso e
quartzítico localiza-se nesta zona – o chamado “Maciço Marginal de Coimbra” - onde o rio Mondego serpenteia
por entre as diversas fracturas, criando, no seu conjunto, uma paisagem acidentada de considerável beleza
(Fig. 2).
As características geológicas do território não são de desconsiderar. De facto, a formação dos solos é de vital
importância não apenas para identificar recursos naturais (designadamente, recursos minerais de grande
utilidade), como também para compreender as capacidade de uso do solo (nomeadamente a sua fertilidade ou
falta de propensão agrícola) e, sobretudo, para perceber a formação evolutiva do território, procurando

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


discernir a Paisagem antiga.

Fig. 2 – Recorte da área em estudo da Carta Litológica de Portugal, à escala 1:1000000, Atlas do Ambiente, 1982.

Identificação e distribuição dos sítios proto-históricos no Baixo Mondego


A Proto-História na área do Baixo Mondego encontra-se, até agora, debilmente estudada e os dados que nos
chegam são ainda insuficientes para criar uma rede de povoamento consistente, que permita retirar 85
conclusões assertivas e concretas sobre a sua distribuição.
De facto, grande parte dos sítios a que é atribuída uma ocupação proto-histórica, advém de testemunhos de
autores clássicos que falam sobre a chegada dos romanos à Península; de testemunhos antigos, de
investigadores ou meros curiosos; de achados avulsos, muitas vezes recolhidos de sítios actualmente
destruídos. Na sua maioria, portanto, são locais ainda por investigar (ou, pelo menos, sem que um estudo
efectivo tenha sido publicado) e cujo verdadeiro potencial não foi ainda alcançado, ou que foram severamente
destruídos com o passar do tempo, impedindo uma confirmação incontestável da sua ocupação, podendo,
assim, a sua datação ser colocada em causa face a estudos mais aprofundados.
Não podemos, portanto, partir para a análise dos sítios identificados neste trabalho com a presunção de que
estes nos darão uma visão completa desta ocupação ou cairemos em interpretações erróneas e mal
fundamentadas. Teremos que ter em mente que esta será sempre uma abordagem que pretende formular
apenas uma visão aproximada do que seria a distribuição do povoamento desta área, colocando algumas
questões relativamente ao seu posicionamento no terreno, apoiando-se numa análise essencialmente
geomorfológica e inquisitiva.
Comecei, então, por procurar determinar a localização de sítios identificados como tendo ocupação durante a
Proto-História, utilizando as suas coordenadas para a implantação de pontos no nosso mapset.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Para tal, utilizei como base de trabalho um mapa MDT da GDEM (3), no qual recortei a minha área de estudo. A
este, apliquei a ferramenta de análise de terreno: «relief», que permitisse ver as variações do relevo e sobrepus
uma shapefile representando a hidrografia principal (com o rio Mondego e seus afluente directos), à qual, face
às suas lacunas, adicionei mais duas: uma onde se desenhei a restante rede hidrográfica relevante
(continuação de percursos de rios, inclusão de rios em falta, canais, ribeiras, etc.) e outra com os lagos e lagoas
mais visíveis, de forma a ter uma visão mais pormenorizada da potencialidade hidrográfica da área.
Inicialmente, foram identificados 32 sítios datados com uma ocupação entre o Bronze Final e a Idade do Ferro
através do Portal do Arqueólogo (DGPC) - onde se recolheram as coordenadas que permitiram georreferenciar
os sítios para estudo no nosso mapset (4).
Contudo, ao longo da minha investigação deparei-me com várias referências a um povoado na zona de
Montemor-o-Velho, que inicialmente não tinha detectado aquando da minha busca no referido Portal, ao qual
se atribuía uma importância considerável a partir da Idade do Ferro, potencializada durante a época romana,
referindo-se inclusive. Seguindo as indicações contidas nessas obras, nomeadamente por Jorge de Alarcão,
António Silva e Maria Blot, considerei como possível localização deste povoado as coordenadas fornecidas pelo
Portal do Arqueólogo para um sítio denominado “Santa Olaia”, no concelho de Montemor-o-Velho e
classificado não como um sítio de ocupação/habitação mas como «vestígios vários» (5). Estas localizam o sítio a
cerca de 1700 m do Castelo, o que parece ir de encontro aos relatos que referem importantes achados numa
zona, potencialmente a alguns quilómetros do mesmo, datados da Idade do Ferro. Na sua descrição no referido
portal, faz-se referência a uma datação e materiais arqueológicos semelhantes aos encontrados em Santa
Olaia, Figueira da Foz. Parece-me que a denominação do sítio se poderá dever exactamente a este facto,
derivando de uma associação toponímica. Penso que uma revisão da sua denominação deveria ser considerada
de forma a evitar possíveis confusões e, até, uma certa desconsideração pelo referido sítio aquando, em
particular, da realização de pesquisas e consultas realizadas nesta plataforma, que, no fundo, tem como um
dos seus objectivos primordiais divulgar os vários sítios arqueológicos identificados.
Por outro lado, face a uma análise mais atenta de algumas fontes escritas que se debruçam sobre esta mesma
área, optei por acrescentar a estes referidos sítios mais dois pontos no concelho de Penacova. Jorge de Alarcão,
inclusive, ao estabelecer uma breve súmula sobre o povoamento desta zona durante a Proto-história que,
posteriormente, se terá prolongado durante a ocupação romana, faz menção a Aeminium, como um ponto
central de referência, a partir do qual estabelece outros pontos de referência: Tavarede, São
Martinho/Chãs/Pedrulhais, Conimbriga e Penacova (Alarcão, 2004: 13).
Assim, considerei a possível implantação de dois povoados nesta zona: um na própria vila (6) e outro no Cabeço
86 de Valeiro (7) (Lorvão) que parecem representar a ocupação proto-histórica da zona e que estava ainda omissa
no meu trabalho pela flagrante falta de estudo (pelo menos publicados) sobre a ocupação Proto-histórica desta
zona. À falta de dados concretos atribuí-lhes uma ocupação entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro.
Deste modo, foi possível identificar um total de 34 sítios: destes, 10 terão uma possível ocupação durante a
Idade do Bronze (Fig. 3) e 32 terão provavelmente sido ocupados durante a Idade do Ferro (Fig. 4). Ao observar
os mapas com as implantações deste sítios verificamos que apenas Chãs 2 não terá tido ocupação posterior
durante a Idade do Ferro, o que se pode dever ao facto de este sitio fazer parte da “plataforma das Chãs” e,
portanto, a população que aí habitava apenas se ter deslocado para outros sítios próximos, potencialmente
Chãs 3 (a 317 m) ou Chãs 4 (a 362 m), datados da Idade do Ferro e que não terão tido ocupação anterior.

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


Fig. 3 – Implantação dos sítios identificados com ocupação da Idade do Bronze.

87
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 4 – Implantação dos sítios identificados com ocupação da Idade do Ferro.

Por fim, ao implantar estes pontos num mapa da área podemos ver a distribuição destes povoados e, desde
logo, tirar algumas conclusões fundamentais para a minha futura abordagem à distribuição do povoamento
proto-histórico da zona.

Fig. 5 – Implantação do
povoamento num mapa
de relevo.
Aplicação da ferramenta
«MDE-Relevo» ao MDT
recortado do raster do
GDEM.

88
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 6 – Localização dos sítios com possível ocupação proto-histórica através de pontos georreferenciados, com base nas
coordenadas do Portal do Arqueólogo (com excepção dos possíveis castros de Penacova, marcados com pontos
aproximados). Aplicação da ferramenta «relief» ao MDT recortado do raster do GDEM. Sobreposição das shapefiles
correspondentes à rede hidrográfica principal e percursos fluviais secundários mais notáveis (incluindo lagos ou lagoas).

O relevo da paisagem do Baixo Mondego


Jorge de Alarcão ao falar do povoamento pré-romano da zona, afirma a clara diferença entre esta área e a
ocupação proto-histórica do Norte de Portugal. Realça mesmo, o facto de a norte do rio Douro os castros se
multiplicarem, em regra, a cerca de meia hora de marcha entre si (aproximadamente a cerca de 300 a 500
hectares) ao passo que, por sua vez, no Baixo Mondego estes são raros (Alarcão, 2004: 13).
De facto, a região norte e, inclusive, a área envolvente a Viseu são fortemente marcadas pela presença de
antigos castros e habitats, de diversas dimensões, que datam desde a Idade do Bronze. Contudo, como já antes
mencionei, a visão que temos do povoamento do Baixo Mondego pode ser deveras irrealista. Com certeza que
os típicos povoamentos de altura não seriam tão comuns, devido mormente às baixas altitudes da zona.
Porém, o povoamento não deveria ser tão escasso como à primeira vista possa parecer, podendo,
efectivamente, adoptar diferentes soluções das tipicamente características do povoamento castrejo.
Ainda que seja apenas uma projecção aproximada do povoamento da zona, com as limitações previamente
referidas, os mapas das Figs. 5 e 6 permitem traçar aqui algumas ilações sobre o que acabei de dizer. À partida,
é visível uma clara distinção entre a zona mais a norte (concretamente, na área do concelho de Cantanhede) e
a restante área do Baixo Mondego. Na primeira, é imediatamente perceptível uma grande concentração de
povoados ou zonas de habitat. É certo que esta concentração pode ser artificial, meramente resultado da falta 89
de identificação de outros povoamentos na zona de Mortágua e da Mealhada, por exemplo. Permite, todavia,
contrapor a ideia de que o povoamento em altura não seria assim tão raro como se poderia anteriormente
pensar. Por outro lado, na zona mais junto ao rio Mondego, os povoados identificados parecem acompanhar as
linhas de água
Porém, para melhor analisar toda esta área, convém fazer aqui algumas alterações ao nosso mapset. Se
observarmos com atenção a figura 6, resultado da aplicação da ferramenta de análise «MDE-relevo» ao mapa
de elevação de terreno da GDEM, obtemos, desde logo, uma imagem mais clara desta dicotomia zonas
fluviais/planícies e elevações que o mapa anterior não permitia visualizar tão nitidamente. Mais do que isso,
são bem perceptíveis as ramificações paleofluviais dos rios que banham esta área.
Isto coloca-nos aqui uma questão bastante interessante. Há algo que o nosso mapa não nos estava a revelar
com detalhe. Para melhor percepcionarmos o território temos de ter uma visão mais clara da sua
tridimensionalidade, ou seja, das suas elevações, planícies, vales e cursos fluviais. Mais do que isso, temos de
voltar a reconsiderar as extremas mudanças que terão ocorrido na paisagem ao longo dos milénios. A paisagem
que estes povos experienciaram terá sido com certeza bastante diversa da que hoje vivemos, sobretudo nesta
zona, em que as radicais mudanças na linha da costa e constantes alterações no leito do rio, mediante
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

processos naturais mas também, nos últimos séculos, pela forte intervenção do homem, terão, sem dúvida
originado significativas mutações geomorfológicas que afectaram toda esta zona.
Compreender estas mudanças nem sempre é tema fácil, contudo, a arqueologia versa por ser um campo
multidisciplinar e, portanto, se recorrermos a estudos já efectuados por colegas de outras áreas científicas,
nomeadamente da Geografia e da Geologia, podemos tentar perceber melhor como seria, então, esse cenário
vivido pelos povos proto-históricos, sobretudo no que concerne à possível área submersa da época.
Não foi, afirmo, tarefa fácil, sobretudo porque compreender estas variadas transformações requer um longo
período de investigação, em especial no caso do Mondego, que, como já referi, têm vindo a sofrer inúmeras
transformações da mais variada natureza. Acresce, ainda, que este é um tema consideravelmente
especializado, cujos tecnicismos foram, em parte, novidade para mim ao longo desta investigação. Não
obstante, mediante a leitura de vários estudos, foi possível chegar a interessantes conclusões.
Certamente que quem conhece um pouco da história de Coimbra sabe que até certa data o Mondego foi
amplamente navegável, efectivamente, surge ainda na memória dos mais antigos a chegada de barcos vindos
da Figueira da Foz, registado inclusive em memórias iconográficas. Em meados do séc. XIX a partida do rei D.
Luís, por via marítima, de Montemor para a Figueira atesta ainda a navegabilidade do rio neste troço. Por outro
lado, evidências comprovam, aliás, a navegação de embarcações à vela, de fundo chato, que passavam por
Coimbra e transportavam sal até Porto de Raiva (Penacova) no início do séc. XX (Blot, 2003).

Fig. 7 – Imagens do rio Mondego: A. Coimbra, 1472. Vista para Santa Clara (In http://coimbraantiga.blogspot.pt). B.
90 Barco típico do rio Mondego, provavelmente nos começos da segunda metade do séc. XX (talvez década de 1950) (In
http://www.prof2000.pt/users/secjeste/arkidigi/coimbra03.htm).
Efectivamente, a navegabilidade do rio é referida desde cedo pelos autores clássicos e sustentada por vários
investigadores da época romana, que consideram que Aeminium seriam um importante porto, nessa época,
com contacto directo com o oceano através desta via e de vários pontos de apoio ao longo do seu percurso.
Jorge de Alarcão afirma, inclusive, que a antiga forma do paleoestuário do rio Mondego constituiria uma
vastidão navegável com diversos paleocanais e estreitos (Alarcão, 1990).
Então, até onde iriam as águas do Mondego? Vários investigadores têm feito excelentes avanços ao investigar
este tema, ainda que, pela sua complexidade e tecnicidade, nem seja fácil percepcionar o cenário que tentam
retratar. Antes de apresentar os resultados a que cheguei convém fazer algumas referências a dados de vital
importância para compreender esta problemática.
Um erro comum seria pensar que o rio estaria a uma cota superior. Efectivamente não parece ser esse o caso.
Àquela época, o nível da cota do mar não seria o mesmo, o litoral estender-se-ia muito mais do que hoje em
dia, e os rios, embora tivessem uma foz e caudal superiores, estes seriam igualmente mais fundos, sofrendo
com os vários processos de sedimentação ao longo dos tempos que levaram, nomeadamente, a um aumento

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


da cota do nível da águas. Para perceber a real cota do nível das águas do rio temos que perceber os vários
níveis de sedimentação que o afectaram, bem como a topografia sedimentar do litoral. É aqui que se encontra
a grande dificuldade deste estudo.
Segundo Conceição Freitas e César Andrade, «A elevação relativa do nível do mar não ocorreu de modo
uniforme em todo o globo nem obedeceu a uma subida gradual e constante, em virtude quer de ajustamentos
isostáticos (8), quer de modificações climáticas de grande amplitude» (1998: 65). Os mesmos autores chamam a
atenção para o facto de que, em época anterior ao séc. X, o litoral, na faixa entre Espinho e o Cabo Mondego,
seria um golfo amplo e aberto para o oceano e as cidades de Aveiro, Ovar e Vagos seriam cidades costeiras.
Por outro lado, o processo de assoreamento do rio também não terá sido uniforme, pelo contrário, não só terá
havido uma distinta variabilidade entre a margem esquerda e a margem direita, como também nas diferentes
zonas do seu percurso.
Segundo os estudos de António Ferreira Soares sobre processo de transformação geomorfológica de Coimbra
e, portanto, sobre a alteração do próprio rio Mondego. Segundo este autor, o relevo da região desta cidade
reflecte um vasto e complexo conjunto de depósitos quaternários «(…) que traduz a evolução sequencial do
relevo, materializa alguns dos diferentes aplanamentos do relevo regional e serve, sobretudo, para explicar a
importância da evolução quaternária do Mondego na construção da paisagem» (Cunha e Almeida, 2008: 19).
Estes depósitos terão tido diferentes níveis de acumulação na margem esquerda e na margem direita,
mormente devido à contribuição dos seus afluentes, o que terá influenciado o nível do rio e a transmutação da
sua bacia ao longo dos séculos.
Por fim, num dos seus trabalhos, Walter Rossa lançou alguns dados interessantes sobre o tema e que dão uma
visão mais aproximada do que pretendo demonstrar. O autor levanta a hipótese de o rio correr
aproximadamente a 14 metros abaixo da cota actual no início da Era Cristã, assumindo próximo de Coimbra
uma diferença de cota de 2 ou 3 metros em relação à cota do nível do mar. Assim, esta acumulação de
sedimentos desde o período romano presume uma estabilização do álveo do rio à cota actual - 17 metros -
desde finais do séc. XVIII (2001, apud Silva, 2004: 133).
Estes dados, embora opondo-se a outros valores propostos por outros autores, são os que mais se aproximam
da época em estudo e parecem convergir com alguns dos cálculos feitos por António Soares, bem como com
ilações retiradas de vários autores que li e que convergem no sentido de considerarem que o processo de
assoreamento do Mondego, concretamente na zona de Coimbra, não seria anterior à Idade Média, havendo
uma intensificação desse processo em finais do séc. XII.
Por outro lado, sabemos também que o povoado de Santa Olaia, pelos vestígios que apresenta, constituiria um
porto (sustentado pela presença de um molhe) assente, muito possivelmente, numa pequena ilhota. 91
Considerando todos estes dados, optei por elaborar um novo mapset no qual atribuí o valor de água até 15
metros, considerando que as áreas de planície abaixo desta cota estariam submersas durante a época em
estudo. Considerei neste valor a referida acumulação de sedimentos a uma cota de 14 metros, abaixo da qual a
bacia do rio estaria inundada durante a época romana, atribuindo uma margem de erro de 1 metro.
É possível questionar se a diferença entre a época romana e proto-histórica, sobretudo no seu momento mais
recuado, poderia ser superior a 1 metro. De facto, poderia ser esse o caso. Certamente sê-lo-ia junto ao litoral.
Contudo, o meu objectivo aqui é explorar as virtualidades do programa que estamos a usar – Quantum GIS –
dentro da minha temática, procurando recriar um mapa da área de estudo que se aproxime de um possível
cenário para a Proto-história. Neste caso, estamos perante valores muito variáveis, cuja reprodução num
programa matemático como este nos traz limitações difíceis de contornar.
A opção pelos 15 metros não foi à toa. Esta permite-nos ter no nosso mapset uma visão mais aproximada da
possível realidade da época sem, contudo, correr o risco de cair em exageros, sobretudo se considerarmos a
posição de Santa Olaia – ponto orientador pela sua ampla comprovação e estudo.
Desta forma, apliquei ao MDT base um «Mapa de Cores» personalizado, no qual considerei como zonas
submersas todas as áreas abaixo dos 15 metros, acima dos quais fui intensificando o nível de cores de forma a
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obter uma visão mais clara da variação de terreno, tentando respeitar de forma aproximada os esquema de
cores normalmente utilizado nos mapas hipsométricos obtendo a seguinte imagem (Fig. 8):

Fig. 8 – Mapa hipsométrico personalizado segundo o parâmetro “até 15 metros = zonas submersas”.

92 Por outro lado, se considerarmos o mapa litológico anteriormente referido, esta proposta não andará muito
longe da realidade, pelo menos no que toca ao nível do rio. Tendo em conta a mancha de afloramentos do
Holocénico na zona do litoral e do estuário do rio, composta essencialmente pelos assoreamentos dos
estuários (9), verificamos que embora estas estimativas possam não andar longe dos valores do rio, no que
concerne ao litoral, o nível das águas iria mais para o interior do continente.
Por fim, ao comparar este com o anterior mapa de relevo que obtive na Fig. 5, podemos ver que o nível das
águas já se aproxima mais realisticamente das manchas do paleoestuário do rio. Por outro lado, ao sobrepor
uma nova camada com os dados das áreas inundáveis do Baixo Mondego, fornecidas pelo Atlas da Água (10),
verificamos que estas não ficam muito díspares, embora a variação entre a margem esquerda e a margem
direita sejam claras, consequência possível do declive do leito do rio que é determinante para a configuração
das suas margens e que não é exequível no nosso modelo.
Este novo modelo elaborado no QGIS é, nunca é demais enfatizar, apenas uma projecção possível, com todas
as falhas e potenciais erros que lhe possam ser apontados. As limitações do programa acrescem as limitações
dos dados topográficos disponíveis. A aplicação destes dados nas ferramentas digitais permite apenas
estabelecer uma mera proposta que ajuda a visualizar um pouco melhor esta realidade tão diversa e distante
da nossa, sem, contudo, ter a pretensão de estar a recriar uma imagem exacta da mesma.

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Fig. 9 – Mapa hipsométrico com sobreposição das áreas inundáveis através de shapefiles fornecidas pelo Atlas da Água.

93
Ainda assim, a bem da curiosidade inquisitiva
de qualquer investigador, podemos, contudo,
tentar extrapolar um pouco estes valores e
estender o limite das zonas inundáveis até 20,
25 e 30 metros, de forma a mostrar, sobretudo
no litoral, as possíveis variantes (Fig. 10).
A opção pelos 15 metros parece-me ainda mais
conveniente à analise que procuramos fazer
neste seminário, uma vez que este valor
parece revelar uma maior proximidade com a
situação do Mondego à época.
Assim, voltando ao nosso parâmetro dos 15
metros de altitude como zonas submersa,
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optei por elaborar elaborei um novo mapset de


trabalho, voltando a recorrer à ferramenta
«relief», desta vez adoptando um esquema de
cores personalizado que considerasse estes
novos dados, à semelhança do que fiz no mapa
da Fig. 8, de forma a criar uma visão mais
tridimensional da área (Fig. 11).
Ao analisarmos os resultados assim
demonstrados, é visivel a adopção de
diferentes soluções de povoamento, o que não
é de estranhar dada a particularidade do relevo
da zona. As comunidades proto-históricas
procuravam localizar-se sempre em zonas
estratégicas, adequadas ao tipo de vida que as
caracterizava e à sua sobrevivência e
desenvolvimento, adaptando-se às condições
locais.
O objectivo deste trabalho é tentar perceber,
portanto, a implantação do povoamento nesta
zona e não analisar as formas de povoamento
em si. Com a aplicação destas ferramentas SIG
pretendo recriar o cenário possível do
povoamento proto-histórico na zona do Baixo
Mondego, considerando as características
intrínsecas que marcam cada região e a forma
como estas o influenciavam.

Fig. 10 – Mapas hipsométricos elaborados segundo


o parâmetro de 20, 25 e 30 metros como limite do
94 nível das águas.
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Fig. 11 – Mapa de relevo (parâmetro: até 15 metros = áreas submersas).

95

Fig. 12 – Sítios proto-históricos de altitude igual ou superior a 100 metros.


Assim, como referi anteriormente, parece patente a existência de povoamento de altura nesta região do Baixo
Mondego, alguns, inclusive, a mais de 100 metros de altitude (Fig. 12). Estes sítios parecem assemelhar-se aos
típicos povoados de altura, situados em posições com relativa visibilidade da paisagem em redor e junto a
recursos fluviais. Por outro lado, temos povoados que parecem estrategicamente implantados junto ao curso
do rio (Fig. 13), com destaque para Santa Olaia, que sabemos tratar-se de uma feitoria fenícia fundada no
séc.VII, cujos indícios revelam a presença de um porto neste local.
Podemos considerar estar aqui perante duas realidades que podem fazer parte de um só cenário.
Consideremos por um instante que distintas regiões, com distintas características, implicam distintos recursos.
Poderemos estar aqui perante um possível conjunto de intercomunicações entre diferentes zonas dentro desta
mesma área, que estabelecem entre si uma rede de trocas?
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Fig. 13 - Implantação estuarina de alguns dos sítios proto-históricos

A rede fluvial – ligações comerciais e trocas a longa distância durante o I milénio?

«A circulação aquática requer pontos de contacto a que chamamos “espaços portuários” (…)
independentemente dos equipamentos portuários que implicam uma arquitectura especializada.»
96 «O espaço portuário resulta da apropriação dos pontos (de escoamento e troca e de circulação de pessoas)
em que a natureza permite o contacto entre a terra e a água» (Blot, 2003: 32 e 84).
Já aqui fundamentei que a circulação aquática no Mondego remonta até tempos antigos.
Se para muitos investigadores o corredor Buarcos - Figueira da Foz - Verride - Santa Olaia - Montemor-o-Velho
e Aeminium, compunha um complexo portuário já bem estabelecido aquando da época romana, para a Proto-
história não seria deveras muito diferente.
A circulação de produtos inter-regional e mesmo trans-regional é algo que parece pacificamente aceite entre
os investigadores desde o II milénio. Todavia, os dados de que dispomos para esta região não nos permitem
aferir muitas conclusões acerca de uma fase mais precoce, porém, durante o I milénio é possível questionarmo-
nos acerca da existência de uma rede comercial entre as diferentes zonas da nossa área e, provavelmente,
entre esta e outras regiões mais longínquas.
Comecemos pelos dados mais concretos que temos. Santa Olaia, o nosso ponto orientador na zona estuarina
do Mondego, uma das feitorias fenícias fundadas no nosso território, tratar-se-ia de um importante ponto de
trocas que controlaria a actividade comercial entre as comunidades indígenas e os povos fenícios. Uma estreita
relação que assentaria, sobretudo, na troca de minérios, explorados pelas comunidades locais, por produtos

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chamados «exóticos», como cerâmicas e contas de pasta vítrea. Sabemos, inclusive, da existência deste tipo de
bens recuperados no sítio, bem como indícios de fundição de minério, que apoiam esta teoria.
Este sítio revela, igualmente, o tipo de escolha estratégica por parte dos povos fenícios. Ao contrário dos
típicos povoados em altura, os povoados fenícios parecem adoptar o mesmo tipo de escolha dos sítios
romanos – sítios relativamente sobranceiros implantados num território de baixas altitudes, como terraços
fluviais ou planícies costeiras (Blot, 2003). Efectivamente, muitos destes sítios tiveram posterior ocupação
romana.
Acresce, ainda, que, no caso de Santa Olaia, apesar da sua humilde altitude o controlo da paisagem envolvente
parece ser uma vantagem. Mais uma vez, o recurso ao Quantum GIS pode ser aqui um auxiliar visual bastante
útil. Ao aplicar a ferramenta viewshed ao sítio de Santa Olaia o programa dar-nos-á uma possível bacia de visão
do sítio, ou seja, a área visível a partir de um determinado ponto (Fig. 14). Há que realçar aqui o facto de a
ferramenta se basear numa análise matemática, assente e limitada na análise de uma mapa de relevos, ou seja,
sempre que encontra um obstáculo – uma elevação acima da altitude do sítio de partida - considera que a
partir daí não seria visível, por outro lado, não considera outros possíveis elementos que fariam parte da
paisagem, nomeadamente vegetação arbórea, que certamente também limitaria a visibilidade. Ainda assim, os
resultados obtidos com a aplicação desta ferramenta são úteis no sentido de nos auxiliar a visualizar uma
possível amplitude de visibilidade a partir de um determinado sítio, ainda que tenhamos que nos questionar
acerca de possíveis limitações como a paisagem da época ou considerar possíveis condições climáticas.
Por outro lado, Maria Blot chama a atenção para a importância de uma pesquisa mais aprofundada sobre as
possíveis relações entres estes pequenos enclaves fenícios e as comunidades indígenas estabelecidas em
povoados nos cursos interiores dos rios (Blot, 2003).
Efectivamente, estas trocas com o Mediterrâneo teriam, como “pontos de apoio”, outros possíveis portos ou
sítios estratégicos que permitiriam a circulação destes bens por corredores ou redes comerciais que
difundiriam estes contactos por uma zona muito ampla. De facto, podemos considerar toda uma zona de
influência no hinterland (11) até à zona de Conimbriga, onde se encontram importantes vestígios deste
chamado “mundo orientalizante”.

97
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Fig. 14 - Viewshed (bacia de visão) a partir de Santa Olaia (sítio 27).

Se analisarmos o nosso mapset com atenção, considerando tudo o que já foi dito, podemos observar a posição
estratégica de alguns dos povoados no estuário do Mondego, que parecem formar um possível corredor de
«pontos de controlo» fluvial: Lavos – Santa Olaia – Montemor – Aeminium. Efectivamente, o crescimento de
Montemor e Aeminium parece ter origem nesta época.
Por outro lado, face à sua posição privilegiada, relativamente perto à foz do Mondego, a uma altitude de cerca
de 143 metros, o Castro de Tavarede teria, com certeza, uma função relevante durante o I milénio como
possível ponto primeiro de controlo. Através dele seria possível, não apenas controlar uma vasta área da
paisagem envolvente, como estabelecer um bom controlo visual da ligação entre a zona estuarina e o
Atlântico.
Por fim, junto às ramificações fluviais do Mondego surgem-nos outros pontos relevantes, que sabemos terem
atingindo um nível e desenvolvimento consideráveis ainda nesta época, como é o caso do Castro de Soure,
Conimbriga e, talvez até, Penacova. Considero, até, que estes pontos terão desempenhado um papel
estratégico no estabelecimento de uma rede comercial que possivelmente abrangeria toda esta área, através
de contactos entre os vários povoados, estabelecendo-se rotas mercantis onde circulariam os minérios e os
bens de troca.
Raquel Vilaça, que tem estudado esta zona, menciona a importância de sítios como Conimbriga como parte do
98 hinterland junto a Santa Olaia, referindo, igualmente, o interesse de Tavarede, Chãs, Pardeiros e Sebadal na
análise das ramificações, para norte, do chamado “mundo orientalizante” (Vilaça, 2008).
A importância de Conimbriga não deve aqui passar despercebida, sendo merecedora de destaque. A sua
ligação directa com o chamado “mundo orientalizante”, trazido através do porto de Santa Olaia, torna-a num
dos pontos de difusão mais importantes da nossa zona. Aliás, ao contrário do que se pensaria há uns tempos
atrás, esta não é uma zona isolada, pelo contrário, surgem vários povoados que se implantam numa
determinada área em seu redor. Ao estabelecer uma viewshed para este povoado, apenas podemos perceber
um bom controlo visual, sobretudo para norte-noroeste, que abarca uma via directa de comunicação fluvial
com o Mondego (Fig. 14). Ainda que estes resultados não sejam exactamente correctos, havendo todo um
conjunto de condicionantes previamente referidos, ao qual acresce o facto de o olho humano ser muito mais
versátil do que um mecanismo matemático, o certo é que o seu resultado não deixa de ser curioso e pode ser
revelador da posição estratégica deste povoado.
Não obstante, sendo certo que o estabelecimento de uma rede comercial estimulada pelos contactos com os
povos fenícios é algo de extrema relevância na análise destes possíveis corredores de comunicação, não posso
deixar de referir que estas trocas poderiam ir muito além da vertente “mercatória”. Poderiam servir de meios
de comunicação entre zonas com diferentes potencialidades, através dos quais se suprimiriam necessidades
básicas, trocando produtos abundantes numa região, mas escassos noutras, bens de primeira necessidade,

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além dos referidos «bens comerciais».
O caso de Conimbriga pode muito bem ser indicador disso mesmo, através do estabelecimento de importantes
relações de trocas entre povoados vizinhos que iriam além do “mundo orientalizante”, visando suprimir
mútuas necessidades de cariz mais primário. Raquel Vilaça estabelece a hipótese da existência de possíveis
relações de troca com o sítio do Alto do Castelo/Castelo (Eira Pedrinha), zona com uma fértil várzea envolvente
(Vilaça, 2012: 21). É possível que estas relações se estendessem a outros pontos, nomeadamente ao Monte da
Pêga, Senhora do Círculo e Feteiras, estabelecendo relações de troca necessárias a colmatar necessidades
básicas, que iriam além do “mundo orientalizante”.

99

Fig. 15 - Viewshed (bacia de visão) de Conimbriga (sítio 23).


Exploração de recursos: possível área de exploração de minérios e
algumas propostas de corredores terrestres de circulação.
A hipótese da existência de uma rede de contactos entre os vários povoados da área em estudo, ou pelo
menos, entre alguns deles, parece ter ficado já bem estabelecida. Estes parecem apoiar-se, sobretudo, numa
rede de cursos fluviais, o que não significa, contudo, que se descarte aqui a relevância de corredores de trocas
terrestres. Aliás, a importância destas vias era fundamental, tal como o foi para a época romana e,
inclusivamente, para a época medieval até aos nossos dias. Infelizmente, porém, determinar estes possíveis
caminhos é ainda mais difícil do que opinar sobre o provável curso dos rios à época considerando os escassos
ou inteiramente nulos vestígios deixados.
As ferramentas do Quantum GIS permitem-nos suprimir, até certa medida, estas limitações através do cálculo
de “caminhos óptimos”.
Este calculo «(…) baseia-se no pressuposto que determinados factores físicos condicionam a facilidade de
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deslocação no espaço. Essa resistência ou atrito é expressa nos valores de cada pixel da «superfície de custo»
calculada. Assume-se também que percorrer determinada distância tem um custo, medido em tempo ou
energia gastos, expresso no raster “Distância-Custo”» (Osório e Salgado, 2011).
Assim, previamente, criamos uma «superfície de fricção» da área, criamos uma «superfície de custo» na qual
determinamos o nosso ponto central a partir do qual o programa calcula o percurso de “menor esforço”, ou
seja, de mais fácil circulação, mediante a apresentação de um ponto de chegada. No caso, optei por criar dois
pontos centrais, do qual partiriam os chamados “corredores óptimos”: Conimbriga e Santa Olaia.

100

Fig. 16 - Resultados dos possíveis “caminhos óptimos”.


A aplicação destas ferramentas revela alguns resultados interessantes, contudo, extremamente limitados. A
forma como estes cálculos são executados (12) leva a que sempre que se encontra um obstáculo, o trajecto
mude de rumo. Ora, ainda que a preguiça seja característica intrínseca da natureza humana, quando temos de
subir a um monte para chegarmos ao nosso objectivo, então com certeza que subiremos esse monte -
mormente se considerarmos que grande parte dos povoados nesta época são de altitude, modestas ou não,
seria com certeza necessário subir ao monte para chegar a casa. É, portanto, com alguma relutância que recorri
a esta ferramenta, ainda assim, os seus resultados parecem ser dignos de consideração, embora coincidam, em
alguns casos, com o percurso dos rios (Fig. 16).
Por outro lado, não nos permite calcular caminhos para determinados pontos, como é o caso de Penacova, por
se encontrar rodeada de elevações, para o programa, elemento incontornável.
Para Tavarede, conseguimos contornar as suas limitações criando aí um ponto central, para o qual

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estabelecemos como ponto de chegada Santa Olaia – neste caso o programa já não teve dificuldades em criar
um percurso em sentido descendente.

Na análise que tem sido feita, tenho-me limitado aos possíveis contactos estabelecidos dentro da nossa zona,
todavia, como já aludi, a existência de contactos trans-regionais é um dado adquirido. Por exemplo, Maria Blot
chama a atenção para a existência de vestígios que indicam contactos fluviais entre Santa Olaia e a zona
mineira da Beira Interior (Blot, 2003).
Não nos podemos esquecer, também, que a par do estanho e cobre (principais elementos para a liga de
bronze), também se exportavam outro tipo de minérios, nomeadamente, ouro. Isto pressupunha um maior
envolvimento entre diferentes regiões.
Recorrendo ao mapset base de análise, procurei verificar a implantação destes povoados relativamente às
zonas de minérios, através da sobreposição da shapefile com os sítios com um novo layer contendo a Carta
Mineira de Portugal (13), previamente georreferenciada. Procurando determinar uma possível área de
exploração atribuí a cada sítio buffers de 5, 10, 15 e 20 km de raio, tendo por base a premissa de que numa
hora de marcha percorremos 5 km (Fig. 17). Considerei que mais longe do que isso seria expandir demasiado a
nossa área, inclusive para potenciais zonas de exploração de outras áreas.
A aplicação de buffers, a um ponto centróide que marca o sítio, possibilita a delimitação de territórios através
da atribuição de um valor de raio mediante o qual a ferramenta cria uma circunferência em torno do sítio
escolhido, formando uma área envolvente ao mesmo. Neste caso, isto permitiu criar em torno de cada sítio
uma possível área de exploração. Contudo, o que pretendo aqui, acentuo, não é a análise independente de
povoados mas sim a análise do povoamento como um todo, ou seja, interessa, antes, determinar uma possível
área de exploração não para cada povoado em si mas para a região do Baixo Mondego no geral.
Assim, uni estas áreas numa só, juntando os vários buffers, através da aplicação da ferramenta de
geoprocessamento «forma convexa». Obtive, assim, uma área geral de exploração possível, dentro da qual se
encontram os sítios e que se expande à razão de 5 a 20 km de acordo com os buffers, determinada, portanto,
pelos pontos delimitadores dos sítios mais junto ao limite do território (Fig. 18).
Dentro destas áreas possíveis podemos observar o tipo de minérios que poderiam ser explorados pelos
diferentes povoados. O conjunto das Chãs, por exemplo, encontra-se numa posição privilegiada junto a
minérios de ferro, carvão e chumbo e manganês. Junto a Tavarede e Castro encontra-se uma importante fonte
de carvão, ao passo que perto do Castro de Soure é possível, além de carvão, a exploração de gesso. Aeminium,
por sua vez, encontra-se junto a minérios de chumbo. Seguindo o rio Ceira, podemos chegar a uma fonte de
estanho, onde, aliás, existem indícios da exploração de estanho de aluvião neste rio. O cobre, possivelmente,
viria através dos contactos com a Beira Interior, mencionados mais atrás, ou, quiçá, de contactos com o Sul. 101
As informações dadas por este mapa, contudo, são limitadas. Desde logo, não reflecte a recolha e possíveis
trocas de outros bens, como o sal. Também não revela a exploração de calcários, nomeadamente para fabrico
de cal, do qual há indícios, por exemplo, em Santa Olaia, entre outros. Efectivamente, a mineração era uma
actividade de considerável importância, não apenas na recolha de matérias-primas, como calcários, xistos,
granitos, etc., como também para a extracção de minerais, que fica muito mal representada apenas com
recurso a este mapa. É necessário, pois, conjugar a leitura deste com a análise do mapa litológico, apresentado
na figura 2.
Não obstante, a imagem criada, em conciliação com os possíveis traçados dos «caminhos óptimos» e vias
fluviais (Fig. 19), permite perceber uma possível área de exploração, dentro da qual circulavam bens, matérias-
primas e pessoas, numa rede complexa de contactos inter e trans-regionais, a média e longa distância.
Podemos estar aqui perante um dos mais antigos complexos de comércio mercantil marítimo desta região.
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Fig. 17 – Cálculo da ferramenta buffer de 5, 10, 15 e 20 km, em torno dos povoados.

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Fig. 18 - Possível área de exploração mineira da região do Baixo Mondego: sobreposição das áreas totais dos buffers.
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Fig. 19 - Sobreposição dos “caminhos óptimos” e da rede hidrográfica no mapa anterior.

Conclusão
Durante este seminário foram-nos apresentadas as vantagens da aplicação dos SIG à análise arqueológica. De
facto, estas ferramentas permitem auxiliar a interpretação de resultados através da inserção de dados
previamente recolhidos nas ferramentas certas. Estas trabalham esses dados, fornecendo resultados que
necessitam de ser trabalhados e interpretados cuidadosamente. Em concreto, o SIG não é uma ferramenta de
interpretação arqueológica, é apenas um mero auxiliar dessa interpretação, permitindo agrupar a informação
de uma forma mais versátil e compacta, possibilitando a sua livre manipulação e oferecendo um conjunto de
ferramentas que permitem estabelecer cálculos que de outra forma levariam o dobro ou o triplo do tempo,
apresentando os resultados de forma muito mais “limpa”.
Não obstante, as suas limitações são ainda consideráveis, característica comum às mais variadas ferramentas
computadorizadas – os seus cálculos são matemáticos, falta-lhes a vertente humana. Facto pelo qual os seus
resultados devem ser sempre cuidadosamente analisados e interpretados – nós é que lhes vamos atribuir essa
vertente humana.
A par destas limitações, deparamo-nos ainda com outros obstáculos de ordem técnica. Ao trabalharmos com
um Open Source, apesar de todas as suas vantagens, somos constantemente confrontados com bugs ou erros
de programação com os quais nem sempre é fácil lidar, mesmo possuindo alguns conhecimentos a nível
informático. Alguns são mesmo incontornáveis face a quem pouco ou nada percebe de programação.
Sobre as vantagens e desvantagens do programa, com certeza muito já foi sendo dito ao longo deste
compêndio. Não será relevante alongar-me mais sobre o assunto.
No âmbito deste trabalho em concreto, a aplicação das ferramentas SIG possibilitou um novo tipo de
abordagem a algumas problemáticas há muito atribuídas à implantação e distribuição do povoamento na zona 105
do Baixo Mondego. Muitas questões ficaram certamente por responder. Ainda assim, considero que alguns
resultados obtidos são de extrema relevância para futuras abordagens a este tema. Considero que foi possível,
mediante a aplicação destas ferramentas, suportar algumas conclusões que, não sendo inteiramente novidade,
pelo menos, corroboram anteriores especulações.
Para uma melhor exploração destes recursos informáticos era necessário, antes de mais, um entendimento
mais aprofundado das suas ferramentas e, sobretudo, era imprescindível um melhor conhecimento da região
na época em análise. A falta de uma investigação mais profundada deste território é perturbadora se
considerarmos todo o potencial aqui ainda obscurecido.
Talvez umas das potencialidades deste trabalho seja essa - chamar a atenção para potenciais zonas de estudo e
questões a abordar. Seria já um bom contributo. No fundo, trata-se aqui apenas de uma abordagem global de
um território relativamente extenso cujas potencialidades se concentram em cada uma das suas zonas, à
espera de serem descobertas.

Bibliografia
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

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http://mapasepiratas.blogspot.pt/2012/04/modelo-global-de-elevacao-do-terreno.html
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http://www.prof2000.pt/users/secjeste/arkidigi/coimbra03.ht

Notas

(1) É uma das mais antigas unidades geomorfológicas da Península Ibérica, correspondendo a uma antiga cordilheira formada após a
colisão da Laurásia com Gondwana durante o Paleozóico, apresentando-se hoje em dia muito erodida. Este maciço corresponde ao troço
ibérico da grande cadeia hercínica da Europa. Tipos de rochas: xistos e os granitos.

(2) Consideram-se, assim, as seguintes unidades: zona cantábrica; zona asturo-leonesa; zona galaico-transmontana; zona centro-ibérica;
zona Ossa-Morena; zona sul-portuguesa. Sendo que apenas estas últimas quatro incluem o território nacional.

(3) Um Modelo Global de Elevação de Terreno elaborado por uma parceria entre a NASA e o METI (Ministério da Economia, Comércio e
Indústria nipónico), que nos fornece uma boa visão do terreno.

(4) Estas coordenadas foram ocasionalmente afinadas mediante comparação com o Google Earth.

(5) http://arqueologia.igespar.pt/index.php?sid=sitios.resultados&subsid=50127

(6) Possível ocupação defendida por Jorge de Alarcão para aquele local (Alarcão, 2004: 13).

(7) Algumas indicações de Nelson Correia da Silva parecem apontar para a localização de um povoado castrejo nesta zona, o que parece ser
corroborado pela toponímia do sítio (Alarcão, 2004: 13).

(8) Ajustamentos isostáticos são mecanismos de conservação do equilíbrio entre a litosfera e a astenosfera, defendidos por John Pratt e
George Airy em meados do séc. XIX. A hipótese de Airy justifica as diferenças de profundidade da raiz do relevo na crosta continental ou da
crosta oceânica. A hipótese de Pratt justifica as diferentes elevações da crosta continental e da crosta oceânica relativa a um nível de
compensação isostático. In http://omundodageologia.blogspot.pt/2011/10/ajustamento-isostatico.html.

(9) Litologia da camada: areias, turfeiras, cascalheiras, depósitos, cársticos, concheiros...

(10) Plataforma do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos.

(11) Em geografia urbana, hinterland corresponde a uma área geográfica servida por um porto e a este conectada por uma rede de
contactos, através da qual recebe e envia mercadorias (do porto ou para o porto). Aplicando este termo analogicamente à época em
análise, podemos considerar, então, que se trata da área de influência de um sítio portuário que centraliza uma significativa actividade
económica, gerando uma rede de trocas entre distintos sítios.

(12) Utilizando, no seu cálculo, o relevo – com base em «superfícies de fricção» e «superfícies de custo» que criamos previamente mas,
também, considerando a gravidade como factor e prevendo o escoamento das águas como parâmetro determinante do percurso de
“menor custo”.

(13) Carta Mineira de Portugal à escala 1:500000, 1960, Serviços Geológicos de Portugal.

107
Ferramentas Introdução
SIG aplicadas Este trabalho incide na aplicação de algumas ferramentas SIG ao território
do concelho de Tomar, com o intuito de estudar a ocupação e utilização da
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ao território área em questão nas épocas romana e medieval. A escolha deste tema
prende-se com o facto de ser um concelho repleto de história, cujos
de Tomar primeiros indícios de ocupação humana remontam ao Paleolítico, e onde o
conhecimento arqueológico ainda carece de investigação. Esta falta de
Diogo Matos investigação referida não só é visível pela observação do mapa de
distribuição dos sítios romanos e medievais (Figs. 3 e 9), no qual se
identificam vastas áreas sem qualquer tipo de indício mas cuja toponímia ou
localização poderão indicar uma prévia ocupação do local, como é
mencionada nos artigos publicados pelos investigadores que se dedicaram
ao estudo desta região. Assim sendo, após a análise dos dados obtidos
vamos tentar avançar com uma imagem mais nítida acerca da ocupação do
território em estudo e da sua evolução da época romana para a época
medieval.
Para que tal fosse possível procedeu-se, em primeiro lugar, a uma pesquisa
no Portal do Arqueólogo (DGPC) a todos os sítios arqueológicos inseridos na
baliza cronológica abordada. Posto isto, criou-se uma base de dados para
cada período histórico, com a designação do sítio; o seu CNS (Código
Nacional de Sítio); tipo de sítio; localização e coordenadas. Feita a base de
dados iniciou-se uma pesquisa bibliográfica sobre o concelho de Tomar na
época romana, o seu papel como capital de civitas e o seu território rural,
complementando os dados obtidos com informações acerca do território
concelhio em época medieval.
De seguida, procedemos com o uso do programa Quantum Gis e as suas
aplicações SIG em arqueologia. Dadas as limitações do programa, associadas
à pouca informação arqueológica do concelho, não foi possível utilizar todas
as ferramentas que esta plataforma disponibiliza, no entanto tentámos, na
medida do possível, cumprir com os objectivos a que nos propusemos acima,
utilizando as ferramentas que considerámos úteis para o tema em questão.

Contextualização geral
108 O concelho de Tomar insere-se no distrito de Santarém. As suas fronteiras
concelhias são Ourém e Ferreira do Zêzere a norte, Entroncamento e Vila
Nova da Barquinha a sul, Abrantes a leste e Torres Novas a oeste (Batata,
1997: 23). Está situado em “terrenos de idade terciária, sob o nome de
Complexo Lacustre Miocénico” (Ponte, 1993: 163) e a sua geomorfologia é composta por “um conjunto de
calcários, margas, argilas, leitos de areias e de cascalheira, entrecortados pelo Nabão e seus afluentes” (Ponte,
1993: 163). No referente à rede hidrográfica, o concelho é atravessado pelo rio Nabão, cuja nascente se situa
no concelho de Ansião; tem o rio Zêzere como limite leste; e um conjunto de ribeiras, das quais se destaca a
ribeira da Beselga, pela sua proximidade a sítios arqueológicos de época romana.
Tendo em conta que a baliza cronológica deste trabalho está situada entre a época romana e a medieval
avançamos com uma contextualização para os dois períodos em questão.
A actual cidade de Tomar está sobre os vestígios da cidade romana de Sellium, capital da civitas com o mesmo
nome. Fundada por Augusto durante a reorganização político-administrativa do território peninsular, terá sido
inicialmente um oppidum stipendiarium, sendo elevada à categoria de municipium na época Flaviana, como
comprova uma inscrição votiva ao Genio municipii reutilizada na construção da torre de menagem do castelo
(Alarcão, 1992: 10; Ponte, 1993: 165; Ponte, 2012: 15). É mencionada pela primeira vez nas seguintes obras:
“Geografia, de Ptolomeu; Livro IV da Historia Naturalis, de Plínio, o Antigo; o Itinerário, de Antonino e a

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Cosmografia, de António de Ravena”, que situam Sellium entre Scallabis e Conimbriga (Ponte, 1993 a: 164).
Dada a ausência de termini augustales, o Dr. Jorge de Alarcão avança com os seguintes limites para a civitas: a
serra de Alvaiázere e o concelho de Ferreira do Zêzere, a norte; os concelhos de Torres Novas e
Entroncamento, a sul; o rio Zêzere, a leste; e a serra D’Aire e o concelho de Ourém, a oeste (Alarcão, 1988: 35).
Dada a sua localização estratégica na rede viária romana foi considerada caput viarium, devido à passagem das
seguintes vias no seu território: Olisipo-Bracara Augusta, na parte do seu percurso situada a norte de Scallabis;
Olisipo-Emerita, cujo troço estaria situado na margem esquerda do rio Nabão (Mantas, 1992: 33), e uma via
com ligação a Collipo (Mantas, 1992: 34). A via Olisipo-Bracara Augusta no troço entre Scallabis e Sellium
passaria por Alcorochel; pela villa Cardilium, perto de Torres Novas, seguindo por Argea e Curvaceiras em
direcção a Tomar, o que corresponde aproximadamente às 32 milhas indicadas no Itinerário de Antonino
(Mantas, 1992: 34). Já no troço a norte de Tomar seguia por Calçadas, Venda Nova, Alviobeira, Ceras, S.
Saturnino, Rego da Murta, Pussos, passando por Chão de Couce em direcção a Conimbriga (Mantas, 1992: 34).
Um troço desta via na direcção sueste, que passaria pelo Rego da Murta, por Carril e Porto da Maçã, em
direcção ao Zêzere, o qual atravessava em Martinelo, iria entroncar a via Olisipo-Emerita (Mantas, 1992: 34). Já
a ligação a Collipo aparenta ter tido dois percursos possíveis: um meridional, que passaria por Madalena,
Beselga, Alburitel e Ourém; e um setentrional, que passava por Formigais, Rio de Couros, Caxarias e Olival
(Mantas, 1992: 34-35).
Os dados arqueológicos parecem indicar que a cidade de Sellium terá permanecido em funcionamento até ao
século V d.C., e mesmo aquando das invasões suevas e visigóticas, esta não parece ter sido afectada, dado que
não se encontram vestígios de destruição (Batata, 1997: 103). Terá havido um abandono da cidade perante a
ameaça de invasão? Dada a ausência de muralhas ou de sistemas defensivos de época romana, esta parece ser
uma opção provável, o que poderia explicar a ausência de destruição. A cidade terá tido uma ocupação
visigótica, comprovada por elementos decorativos existentes utilizados na construção do castelo em 1160 e
por certos elementos de uma lenda local, a lenda de Santa Iria (Batata, 1997: 103), no entanto a cidade terá
perdido importância quando em comparação à ocupação romana.
Até 1997 pensava-se que não teria havido ocupação islâmica do território, contudo, os trabalhos arqueológicos
efectuados na Mata dos Sete Montes em 2010 e 2011 vieram a revelar indícios de presença islâmica no morro
onde se situa o castelo. As intervenções no local vieram a revelar uma estrada em terra batida ou de sulcos,
anterior à construção do castelo, no local onde posteriormente se construíram as muralhas da estrutura
defensiva. Teria o morro do castelo uma ocupação islâmica prévia à sua construção em 1160? Novas
investigações seriam necessárias para ser possível responder a esta questão.
Já em período de ocupação cristã, durante o movimento de Reconquista, Tomar é doada à Ordem do templo, 109
em 1159 e, como já foi referido, em 1160 inicia-se a construção do castelo por Gualdim Pais. Numa fase inicial,
o núcleo urbano da cidade medieval estaria situado dentro da zona muralhada do castelo, por motivos de
segurança, dada a instabilidade perante possíveis investidas islâmicas (Batata, 1997: 113). No entanto, há
relatos acerca da existência de um arrabalde junto à Ponte Velha e ao rio Nabão durante o século XII (Portal do
Arqueológo, CNS: 33144).

O Concelho de Tomar – ocupação territorial


Nesta fase vamos expor os dados obtidos quer através da pesquisa bibliográfica, quer através da utilização de
algumas ferramentas SIG, no entanto para tal é necessário mencionar as condicionantes existentes para este
estudo.
O concelho de Tomar, apesar da sua potencialidade arqueológica, cujos primeiros vestígios de ocupação
humana remontam ao Paleolítico, ainda carece de investigação científica. Este dado é visível pela aparente
ausência de presença humana em certas regiões do concelho, como se poderá observar nos mapas de
distribuição dos sítios romanos e medievais (Figs. 3 e 9) e como é mencionado constantemente pelos autores
cujas publicações consultámos.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

As intervenções arqueológicas feitas no concelho cingem-se principalmente ao território urbano. Por um lado
surgem novos dados para uma análise da evolução da malha urbana de Tomar, por outro o meio rural
apresenta-se como um espaço com poucos indícios de ocupação, seriam espaços vazios? Tal cenário parece
pouco provável, já que o concelho além das suas características favoráveis para o desenvolvimento da
actividade agrícola; tem boas vias fluviais, como os rios Nabão, que atravessa o concelho, e o Zêzere, que
delimita o concelho a leste; e, pelo menos desde a época romana, que a sua rede viária é de elevada
importância, por estar num ponto central entre as civitates de Scallabis e de Conimbriga.
Uma das principais condicionantes é a falta de conhecimento mais preciso da rede viária de época romana.
Sabemos que algumas vias passavam no concelho, pressupõe-se algumas das localidades em que passariam, no
entanto apenas pequenos troços são conhecidos e poucos marcos miliários foram identificados na região.
Infelizmente devido a falhas informáticas não nos foi possível cruzar estas informações com os dados que se
poderiam obter através da criação de caminhos óptimos, como tal não ousamos avançar com propostas de
redes viárias.
Para a época medieval, podemos assumir que as vias romanas seriam utilizadas, já que a rede viária da civitas
de Sellium estaria num ponto central com acesso a cidades como Lisboa, Santarém e Conimbriga, que
eventualmente teria ligação à cidade de Coimbra. No entanto, no decorrer da pesquisa bibliográfica apenas nos
deparámos com um mapa das vias da vila de Tomar e seus arredores (Fig. 1). Parte do traçado das vias
medievais da vila coincidem com as estradas romanas da cidade de Sellium, indicando que a cidade seria um
ponto de confluência das vias que atravessariam o concelho, como se pode observar nas figuras 1 e 2. Contudo
voltamos a ir de encontro à pouca informação existente para a rede viária romana no concelho.
Para as vias fluviais, textos referentes à lenda de Santa Iria indicam que o corpo desta teria descido o rio
Nabão, chegando a Santarém, uma referência à utilização deste como possível via fluvial entre estas duas
cidades. Já para a utilização do rio Zêzere como via fluvial das comunidades que ocuparam o território pouca
informação se conhece.

Tomar romano
A cidade de Sellium, como referido acima, terá sido fundada por Augusto. Desde cedo que se destacou pela sua
localização estratégica numa zona de confluência de vias romanas (Fig. 2). Além de ponto central, encontra-se
situada no vale fértil do Nabão, que atravessa a cidade e se apresenta como principal via fluvial do território.

110
Algumas das intervenções levadas a cabo na cidade permitiram identificar um mercado interno dominado por
cerâmicas de produção local e de importação, das quais destacamos as cerâmicas de paredes finas, datadas do
século I d.C., oriundas dos centros de produção de Mérida e da Bética, algumas produções de Braga e ainda
importações da Itálica Central (Ponte, 1995a: 11). Estes dados apontam para uma cidade desenvolvida
economicamente, com uma rede comercial de longo alcance e a presença de uma elite local, associada aos
produtos de importação.

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Fig. 1 – A vila de Tomar e a sua zona periférica nos fins da Idade Média (In Ferreira e Duarte, 1992: 147).

Para uma melhor compreensão da ocupação territorial, inserimos a carta de solos da região (Fig. 4) e
adicionámos um buffer de 1000 metros em torno de cada sítio (Fig. 5), de forma a criar uma relação de
proximidade com as vias fluviais e com as principais zonas férteis do concelho. Estas ferramentas foram
aplicadas para ambos os períodos cronológicos.
A aplicação de métodos SIG a esta realidade arqueológica veio permitir a identificação de duas zonas com
maiores indícios de ocupação: o núcleo urbano, no centro do território do concelho, junto ao Nabão,
111
delimitado a verde na figura 3; e uma zona de cariz rural, já mais dispersa, composta por villae, casais rústicos e
alguns vestígios diversos, próximo da ribeira da Beselga e do limite do concelho de Tomar com o de Torres
Novas, delimitada a vermelho na figura 3.
O núcleo rural junto da ribeira da Beselga explica-se pela proximidade deste curso de água, pela grande área de
solos férteis, propícios ao desenvolvimento da actividade agrícola (Fig. 4) e pela proximidade à via Olisipo-
Bracara Augusta, que passaria na área em questão (Alarcão, 1992). No entanto, actualmente apenas se
conhece um pequeno troço de estrada na região, insuficiente para compreender o seu traçado. Nesta região
foram identificadas quatro villae e três casais rústicos, que pela adição de buffer de 1000 metros (Fig. 6)
podemos verificar que os dois casais rústicos existentes se encontram a uma distância inferior a 1 km das villae.
Seriam estes a pars rustica das villae? Seria a sua utilização comum aos vários proprietários da região?
A aplicação da Triangulação de Delaunay veio corroborar a importância da ribeira da Beselga e da localização
estratégica dos sítios (Fig. 7), já que estes se inserem numa zona de solos agrícolas, próxima de um importante
curso de água e de uma via que passaria na região (Mantas, 1992: 34).
Ainda acerca do povoamento rural romano no concelho de Tomar, destacamos a existência de um casal
rústico, situado a leste e junto ao rio Zêzere, próximo de uma área florestal, cujos vestígios arqueológicos são
compostos por vários fragmentos de escória (Portal do Arqueólogo: CNS 32810). Infelizmente não foram
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

identificadas minas na região que permitam associar a sua localização ao uso destas pelas populações da
época, no entanto como é o único sítio romano no concelho nas imediações desta via fluvial seria interessante
prospectar a área.

Fig. 2 – Cardo e Decumanus da cidade de Sellium (In Ponte, 2012: 10).

112
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 3 – Sítios romanos do Concelho de Tomar e principais núcleos de ocupação.

113

Fig. 4 – Carta de solos aplicada aos sítios romanos.


SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 5 – Sítios romanos com buffer de 1000 metros.

114

Fig. 6 - Relação entre villae e casais rústicos.


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Fig. 7 – Aplicação da Triangulação de Delaunay ao sítios romanos do território de Tomar.

Além do pouco conhecimento existente acerca do meio rural do concelho de Tomar, em época romana, surge
também uma carência de dados referente ao estudo das necrópoles e enterramentos da época. São
conhecidos apenas três locais associados a enterramentos romanos: o primeiro, em meio rural, o único
conhecido a norte da cidade, composto por duas sepulturas escavadas na rocha (Portal do Arqueólogo: CNS
1819), e dois em meio urbano. No entanto, destes últimos dois, apenas um tem indícios de ter sido usado como
necrópole, entre o século V e o século XVI d.C. (Portal do Arqueólogo: CNS 3615) (Fig. 8) e situa-se a escassos
metros do Fórum romano da cidade.

Fig. 8 – Necrópoles Romanas

115
Tomar medieval
Para a época medieval, o concelho de Tomar apresenta poucos dados referentes a uma ocupação visigótica e
islâmica, sabe-se que esta terá existido, como se pode observar nos dados já mencionados, no entanto mais
estudos seriam necessários, já que são momentos de ocupação com poucos dados arqueológicos. Em 1159 o
território de Tomar, inserido no território de Ceras, é doado à Ordem do Templo e, em 1160, Gualdim Pais
inicia a construção do castelo. Tendo em conta que estava situado numa região de fronteira, mais propícia a
ataques, tornou-se necessário um repovoamento da região, já que esta havia estado sobre domínio islâmico.
Para tal, e segundo informações retiradas do Foral de Tomar de 1162, o território terá sido repovoado com
população coimbrã, com imigrantes francos e galegos, bem como muçulmanos que terão optado por residir na
região (Conde, 1996: 201). Além destes dados acerca da proveniência dos seus habitantes, indica também uma
economia apoiada na agricultura (Conde, 1996: 205).
Numa fase inicial o núcleo urbano estaria situado dentro das muralhas do castelo, já que se viviam tempos de
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

instabilidade perante um possível avanço islâmico (Batata, 1997: 113). Ainda no século XII há referência à
existência de um arrabalde junto ao rio Nabão (Rosa, 1972: 46).
As ferramentas SIG utilizadas para a época medieval não diferem das de época romana. Em primeiro lugar
criou-se um mapa com a distribuição dos sítios medievais, inseridos sobre a carta de solos do concelho (Fig. 9).

Fig. 9 – Sítios medievais implantados na carta de solos do território de Tomar.

Perante a observação do mapa, e comparando a distribuição dos sítios medievais em relação aos sítios
romanos, é visível um abandono de grande parte da zona sudoeste do concelho, perante uma centralização
territorial em torno da vila medieval de Tomar, que assume o lugar de polo central, onde estaria sediado o
116 poder senhorial (Conde, 1996: 194).
O castelo de Tomar, localizado estrategicamente num no topo da encosta da margem direita do Nabão, além
da sua utilidade defensiva, foi o principal centro dinamizador da região em época medieval. Além de ter o
controlo visual do vale do Nabão, veio a permitir a expansão da área urbanizada junto ao rio e à ponte velha da
cidade, o que resultou no desenvolvimento agrícola, tecnológico e comercial da região. Como já sabemos, os
ricos solos do território eram bastante propícios à actividade agrícola, e, com base nas informações retiradas
dos forais de 1162 e 1174, sabe-se que se produziam cereais, vinho e que havia o comércio do linho (Conde,
1996: 205). Dado que o linho é um tipo de tecido mais rico, podemos assumir que se inseria numa ampla rede
de comércio, o que vai de encontro à evolução das actividades económicas demonstradas através de ambos os
forais: em 1162 as informações remetem para uma rede tributária baseada exclusivamente na agricultura; com
o foral de 1174 vemos um desenvolvimento da actividade mercantil, através da «designação concelhia do
almocaté, para supervisionar o mercado local, o refreamento dos falsários de medidas, ou a punição pela
venda de vinho no período de relego» (Conde, 1996: 211).
Com a aplicação da Triangulação de Delaunay (Fig. 10), verificamos uma redução da área de exploração em
relação à época romana, indo de encontro à ideia de que teria ocorrido uma centralização da ocupação
humana.

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Fig. 10 – Triangulação de Delaunay aplicada aos sítios medievais.

Após a descrição do tipo de economia local, podemos observar através da análise da figura 11 a relação dos
sítios medievais com as vias fluviais. Em comparação à época romana, a ribeira da Beselga perde importância,
dado que apenas dois casais rústicos se encontram na proximidade; já a ribeira da Lousã, a leste, apresenta
mais vestígios de ocupação; o rio Nabão volta a apresentar-se como principal via fluvial; e o rio Zêzere apenas
tem um sítio na sua proximidade, por sinal o mesmo sítio da época romana.

117
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 11 – Sítios medievais com buffer de 1000 m.

Para os espaços funerários encontramos duas tipologias diferentes: as necrópoles, localizadas na figura 12; e as
sepulturas escavadas na rocha, identificadas na figura 13. Das necrópoles, destacamos a que está situada em
núcleo urbano, junto da Igreja de Santa Maria dos Olivais, cuja cronologia vai do século V ao XVI.

118

Fig. 12 – Necrópoles medievais no território de Tomar.


SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 13 – Sepulturas escavadas na rocha no território de Tomar.

Observações finais em jeito de conclusão


Após a elaboração deste trabalho verificamos que a principal mancha de ocupação no território tomarense se
encontra debaixo do actual núcleo urbano, onde em época romana existiu a cidade de Sellium e em época
medieval a vila de Tomar. O núcleo rural existente em época romana aparenta ter deixado de existir na época
medieval, perante uma aproximação dos sítios rurais ao núcleo urbano.
As principais actividades desenvolvidas na região eram a agricultura, base da economia local, e o comércio,
como comprovam os dados já mencionados para a época romana e medieval. Estas actividades sem dúvida
terão beneficiado da existência de uma boa rede viária, muito provavelmente de origem romana, já que a
capital de civitas era caput viarium. Infelizmente os dados arqueológicos existentes são insuficientes para se
avançar com um traçado aproximado dessas vias, além de se conhecerem apenas pequenos troços de estrada,
são poucos os marcos miliários identificados na região e desconhece-se a existência de mansiones ou
mutationes que pudessem ajudar a desenhar um traçado mais preciso da rede viária.
Sobre a exploração mineira da região verifica-se uma total ausência de minas identificadas e da utilização
destas pelas populações locais, apesar de, a partir do século XVII, se mencionar a existência de minas de ouro
na região do Poço Redondo (Ponte, 1992). Seriam essas minas utilizadas previamente? Que tipo de extracção
era feito no local? São respostas que desconhecemos, já que os dados bibliográficos apenas referem a
descoberta de tais minas, sem qualquer informação referente à sua localização e utilização. Novas
investigações na área poderão levar à descoberta das respostas que procuramos.
Acerca das ferramentas SIG, a aplicação destas a realidades arqueológicas mostra-se útil, já que muitas vezes
vem a corroborar os dados obtidos através de intervenções no campo e de pesquisas bibliográficas, no entanto
esta apenas nos mostra uma possibilidade com a ausência do factor humano, o que leva a que seja necessária
uma interpretação não literal dos resultados que nos dão. No entanto, o seu valor é inegável, dado que 119
permite avançar com uma análise mais detalhada do território, de forma relativamente acessível.
Bibliografia
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120
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

121
Para uma Introdução
O propósito para o desenvolvimento do seguinte trabalho destina-se a
análise melhor compreender a forma como é entendido e valorizado o património
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

espacial da arqueológico e natural. Primeiramente iremos elaborar uma


contextualização geomorfológica que definirá o porquê da singularidade da
exploração região dos pontos de vista geológico e arqueológico. Será também aqui
exposto quais os trabalhos que se têm realizado para a valorização e
mineira em salvaguarda de um património que pertence a toda a comunidade e de que
forma é que esta tem tido conhecimento dos resultados encontrados.
Vila Velha de Apresentaremos dados a partir da base de dados que consta na Direção
Geral do Património Cultural (DGPC) em pontos de sítios centróides
Ródão aplicando diversas ferramentas de análise espacial, ilustrando e retirando
Fábio Fernandes algumas conclusões sobre o povoamento e os habitats antigos desta região.
Faremos uma correlação entre os sítios conhecidos e trabalhos publicados,
de modo a tentar entender como se relacionam os fatores, relevância
natural e histórica, com o rácio de publicações existentes sobre os sítios, e se
a localização da região, será também uma razão para a pouca notoriedade e
conhecimento junto da sociedade portuguesa. Do ponto de vista da
mineração teremos obrigatoriamente que apresentar a ocupação da região
em termos de exploração, sendo que esta é de longa duração, ocupando
transversalmente quase todos os períodos cronológicos desde a Pré-história
recente à atualidade com o último manuseador da técnica “à bateia” da foz
do Cobrão. Torna-se assim necessário perspetivar e apresentar um possível
caminho e/ou futuro para esta região tentando salvar um património e
identidade que correm o sério risco de serem esquecidos, num país que
maioritariamente se concentra no litoral e que marginaliza na sua maioria o
interior, tendo sido esquecido por muitos daqueles que deveriam ter como
dever cuidar dele. Até que ponto esta potencialidade encontrada na região,
e já reconhecida, poderá vir a tornar-se num levantar de véu para um
interior esquecido, reclamando para si algo demasiadamente adiado.

Breve síntese geomorfológica


Os sedimentos mais antigos encontrados em Portugal foram identificados
122 nesta região da Beira Baixa e datam de há mais de 600 milhões de anos.
O concelho de Vila Velha de Ródão apresenta uma variada geodiversidade,
tendo alguns casos dignos de destaque como as gargantas epigénicas de
Portas do Ródão e Almourão, ou os terraços fluviais e as jazidas paleontológicas.
A presença de cobre nesta região corresponde à principal ocorrência em território nacional situada a norte do
Rio Tejo. As mineralizações, encaixadas nos metasedimentos do Grupo das Beiras do Complexo Xisto-
Grauváquico ante-Ordovícico, integrando o Geopark Naturtejo da Meseta Meridional, fazem parte, desde
2006, da Rede Europeia e Global de Geoparques da UNESCO.
Além da presença de cobre e ferro, o grande metal que marcou determinantemente a exploração desta região
foi o ouro. Encontrando-se em substratos constituídos por depósitos de terraços embutidos, resultante de
ações de depósitos aluvião quartzíticos sucessivamente sobrepostos, formando estes terraços observáveis com
alguma facilidade no terreno.

Fig. 1 – Área total do


concelho de Vila Velha de

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Ródão.

Contextualização histórica de ocupação do local


Mineração de cobre e ouro em Vila Velha de Ródão
Sendo território que mostra provas de ocupação desde os período das indústrias Acheulense, Musteriense e
Magdalenense (Raposo, 1987), com as escavações de Monte do Famaco e do sítio da Foz do Enxarrique é na
Pré-história recente que encontramos estas matérias-primas, alvo de grande fascínio, tendo o seu
manuseamento e domínio sido atribuídos como desenvolvimentos tecnológicos tão determinantes que dão o
seu nome a períodos cronológicos, temos como uma figura central para as comunidades e o seu
desenvolvimento, como uma das ferramentas, o acesso e controlo das técnicas de mineração e da metalurgia.
No caso específico da região de estudo poderemos atribuir como prováveis primeiros exploradores deste tipo
de recursos as comunidades do Calcolítico, sendo que não existem indicadores que o provem para este espaço.
A exploração de forma intensiva e com evidências arqueológicas concretas são apenas encontradas para o
período romano, sendo que existem com pouca expressividade vestígios para a Idade do Bronze e Idade do
Ferro, apenas próximos, porém a alguns quilómetros, encontramos os sítios do Castelejo do Tostão e Castelos
das Barreiras de Tamujais que poderão ter mineração e metalurgia associados aos seus contextos. Terão sido
123
aqueles que habitavam e exploravam a região neste último período cronológico, que levaram ao conhecimento
e posterior exploração por parte do Império Romano. Encontramos referência na escrita de Plínio, “o Velho”,
onde este menciona:
” (…) as areias deste rio são mais ricas e abundantes de ouro, que as dos mais afamados rios do mundo, como
são o Pactolo na Ásia, e o Hermes na Lídia (…) ” (Livro IV, cap. XXII), mostrando o grande reconhecimento e
abundância de concentrações de ouro em depósitos de aluvião.
Para a forma de exploração mineira aplicada em período romano, a área de depósitos de ouro, cobre, e
estanho, as principais matérias-primas extraídas do território de Vila Velha de Ródão nesta época, necessitam
de alguns fatores que permitam a extração e tratamento do minérios. Recursos hídricos são fundamentais pois
estes é que permitem a lavagem e desmonte dos terraços para se proceder à extração do minério, neste caso o
ouro, aplicado às conheiras, onde é necessária remoção de sedimentos quartzíticos em blocos de média
dimensão.
Assim, determinante para o funcionamento das explorações auríficas em período romano são: as
barragens/lagoas de armazenamento; os canais para transportar a água destinada ao desmonte e lavagem; as
áreas destinadas a frentes de desmonte, amontoados de calhaus e cones de dejeção.
Ganhando uma tal importância, a água torna-se um fator inerente à localização de exploração, encontramos
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então as conheiras na área pesquisada, entre os rios Tejo e Ocreza e alguns dos seus afluentes. O investimento
calculado para as explorações, como a construção de canais, drenagem de zonas para chegar a depósitos de
leito, a necessidade de barragens, encontra em si uma urgência em requerer uma mão-de-obra, além de um
pouco especializada, em grande quantidade, assim pressupõe-se meios de subsistência para uma população
que trabalharia nessas explorações. Alguns habitariam junto a essas explorações, porém existem poucas
evidências de ocupação habitacional tendo como exemplo apenas com maior expressão o sítio do Monte do
Chaparral. Desta forma poderemos concluir que a maioria dos contextos habitacionais associados às
populações mineiras seria localizada na periferia das explorações em contextos de aldeamentos pobres.
Quanto à mineração de outro tipo de matérias-primas como o cobre, as técnicas de exploração seriam
diferentes, pelo que são identificados os filões e procedendo a escavação em galerias como é o caso das minas
de cobre da Buraca da Moura.
Após a vasta exploração de recursos mineiros por parte do Império Romano, no período visigótico
encontramos exploração, no entanto em menor escala. Entramos em período medieval, sem que tenhamos
registos significativos de grandes explorações também, porém poderemos, através de algumas referências
bibliográficas, inferir com algum grau de certeza que se procederia à extração do precioso metal (ouro), das
margens do tejo recorrendo à técnica da “bateia”.
Encontramos outros exemplos de exploração mas já no reinado de D. João III, onde temos na revista
“Panorama”, algo que nos indica que o rei possuía um cetro feito em ouro proveniente das águas do Tejo.
D. João III “mandou fabricar um sceptro das palhetas de fino ouro encontradas nas arêas deste rio [Tejo];
Duarte Nunes de Leão testifica que o viu, e se guardava no real tesouro.” Surge ainda referência por José
Pinheirinho: sabe-se que D. João III possuía um ceptro em ouro, para o qual dera o desenho Francisco de
Holanda, que asseverava terminantemente que: “o precioso objeto fora feito com uma barra de ouro tirada de
uma mina de ouro descoberta por Ayres de Quental; a mina que ele descobriu foi a do Rosmaninhal, na
província da Beira Baixa, próximo da raia. Este Ayres de Quental foi feitor-mor dos metais nos reinados de D.
Manuel I e de D. João III, e parece ter sido um dos portugueses mais notáveis nesta especialidade”.
Esta atividade perdura pelo século XVIII até ao século XX sendo que existem referências de explorações
sazonais nos meses do verão, no entanto, e sendo caso interessante, por parte de populações provenientes de
Arganil, cujos locais mencionam como “gandaeiros”.
Hoje apenas encontramos um local junto à Foz do Cobrão que apresenta demonstrações de exploração do
ouro, utilizando a técnica de “bateia”. Um panorama, embora de pequena relevância, mas conotado de grande
significado pois acarreta em si toda uma memória dos tempos das grandes explorações, carregadas de todo o
124 significado e esperança que levou muitos a passarem largas temporadas em busca do ouro, como
oportunidade de enriquecimento, muitas vezes logrado.
Ainda durante o século XX, para as minas de cobre, encontramos conceções atribuídas e em funcionamento até
à década de 1980, sendo que a última exploração em Vila Velha de Ródão encerra em 1986 e é a concessão do
Rio Enxarrique. Estas últimas concessões estavam a cargo da Empresa Portuguesa de Estanhos, Lda. e tinham
como concessões as minas: Peladas do Cobre (1968); S. Pedro, o Cabeiro; Sítio do Cobre; Vila Velha de Ródão
nº 2; e Ribeiro de S. Pedro nº 2 e nº 3 (1986).
Estes sítios, e também os de época romana, são atualmente identificados por se diferenciarem na paisagem
com grande escombreiras de escorrimento resultantes da extração do minério das galerias e o seu posterior
tratamento. Para a época romana temos dois grandes locais ainda hoje identificáveis, em Fratel o sítio “Cova da
Moura” e em Vila Velha de Ródão “Buraca da Moura – Tostão. Este segundo sítio torna-se interessante por se
terem lá identificado quatro fornos de fundição, e a sua exploração deveria ser feita em vala aberta e galerias.
Este sítio provavelmente já seria explorado em período pré-romano, pois encontramos o povoado do
“Castelejo do Tostão”, a cerca de 200 metros de distância das minas. Esta mina possui também vestígios de
exploração já durante o século XX, sendo apelidadas de “Minas de São Pedro de Cabeiro”.
É assim um dos melhores exemplos de uma ocupação e re-exploração de longa duração.

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Problemática de estudo – Identificação de vestígios e determinação
de cronologias
Apesar dos muitos esforços de modo a agregar todo o património presente na região a identificação dos
espaços de mineração e exploração, nem sempre são de fácil identificação e interpretação.
No caso das explorações mineiras em galerias o único problema com que os investigadores se deparam é com a
diacronia destes sítios e que populações e períodos é que ocuparam estes locais. Passando a uma breve
explicação, podemos referir que o ato de exploração de minério é um ato destrutivo, não deixando vestígios
que não sejam ou os aglomerados de conhos ou escombreiras, ou a escavação do seguimentos dos veios filões
ou as galerias. No entanto as técnicas utilizadas desde pelo menos o período romano são bastante idênticas ao
tipo de exploração praticado até ao século XX. Podendo assim os investigadores cair em erro quanto às
cronologias específicas dos sítios e quanto à diacronia de ocupação dos mesmos.
Já foi referida a forma como no período romano se procedia à mobilização e transformação dos espaços
envolventes das áreas de exploração em grande escala, com a construção de estruturas que, nem em período
moderno, se verificam. Esta será uma boa dica para a caracterização quer cronológica quer tecnológica destes
espaços.

Publicações existentes e insuficiências


Procedendo a uma breve pesquisa em base de dados da DGPC, encontramos uma situação um tanto estranha,
pois apesar da densidade de sítios arqueológicos, a quantidade de trabalhos realizados na zona e publicações
existentes são em número demasiado insuficiente.
Levantamos portanto algumas questões: Qual a razão? Até que ponto é que a sua localização impede o seu
conhecimento por parte da comunidade em geral? Que interesse científico possui? Que especialistas ou áreas
encontram aqui motivo de estudo?
Primeiramente importa salientar que este objeto de estudo tem sido acompanhado e estudado pela
Associação de Estudos do Alto Tejo nos últimos 40 anos, pelo que pelo seu esforço, e verificando-se no terreno,
existe hoje uma real preocupação em preservar um património que é memória destas comunidades. Porém é-
nos de difícil compreensão, então, do porque dos raros trabalhos arqueológicos efetuados, estando estes
apenas sujeitos a execução ao abrigo da obrigatoriedade em caso de destruição do património para a
realização de obras de interesse público, como as estradas.
Em segundo plano, temos a certeza que os investigadores que realizam os seus trabalhos pela Associação de
Estudos do Alto Tejo possuem todas as capacidades para o desempenho da tarefa, mas urge a necessidade de 125
meios para que os possam realizar e não o podendo fazer, têm trabalhado na valorização e salvaguarda,
aguardando por momentos melhores que permitam uma investigação mais completa e que obrigatoriamente
terá de ser abrangida e custeada por fundos e ajudas por parte do Estado.
Quanto ao interesse científico, nunca poderá ser posto em causa, pois temos uma região com uma densidade
de ocupação muito acima da média, para períodos similares, no que toca em riqueza de materiais como em
exploração dos mesmos. Com uma concentração de cerca de 36 conheiras registadas em base de dados e 9
minas, existe um potencial de estudo demasiado significativo para ser ignorado. Talvez interesses políticos
surjam de feição, numa área do país durante demasiado tempo ignorada e sítios como o que aqui
apresentamos, tenham a oportunidade de surgir, não só como uma importante ferramenta de estudo e
conhecimento histórico, mas como mecanismo impulsionador de uma área do interior de Portugal sobre o qual
pouco se conhece.
A Associação de Estudos do Alto Tejo promove bastantes iniciativas de promoção do seu património, porém
nem sempre com o sucesso desejado pelo que a sua publicitação não tem um impacto a nível da comunidade
geral, mas já muito foi conseguido, sendo que uma das grandes vitórias para esta região foi concretizada em
2006, quando o património natural, do qual as áreas de mineração estão incluídas, foi promovido e abrangido
pelo programa da UNESCO entrando assim numa agenda que salvaguardará e protegerá todas estas áreas,
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nunca demais relembrar, únicas no país, país este que se recusa a vincular a sua importância para a defesa de
uma identidade e como caráter essencial para a demarcação da região.

Vantagens da análise geoespacial


Recuando apenas algumas décadas e refletindo sobre a forma como eram elaborados os estudos de análise
espacial e todo o esforço que seria despendido apercebemo-nos imediatamente nas inúmeras vantagens que a
tecnologia dos Sistemas de Informação Geográfica nos proporciona.
A facilidade com que conseguimos rapidamente elaborar mapas com premissas próprias onde apenas as
informações que pretendemos são apresentadas e a rapidez de todo o processo, são mais do que razões para
levar qualquer um a inquirir sobre este tipo de análise, descobrindo em si a necessidade de saber mais acerca
destes sistemas, para criar e elaborar os seus próprios estudos.

Qual a importância da geologia na distribuição dos sítios?


O primeiro objeto de estudo a ser analisado para a compreensão de atividade mineira, será obrigatoriamente,
a geologia, assim, o conhecimento da carta geológica da região torna-se fundamental, para um primeiro
rastreamento de locais de interesse para o
desenvolvimento da exploração mineira.
Sabendo a morfologia geológica da região
encontramos um ponto de partida para o
início de uma investigação por sítios
propícios ao desenvolvimento deste tipo de
ocupação no passado (Fig. 2).
Outro ponto também com relevância é a
altimetria da região, pois condiciona e
influencia a fixação das populações e o seu
modo de vida quotidiano.

Fig. 2 – Excerto da carta geológica


126 correspondente ao Concelho de Vila Velha de
Ródão
Territórios e a sua gestão
A preocupação com a gestão dos territórios é comum e transversal a todas as sociedades, no entanto um dos
modelos mais mencionados e reconhecido como exemplo claro na maximização da exploração de recursos será
sem dúvida, a cultura romana. A sua organização e compreensão do espaço e da forma como deveriam
interagir e interferir com o mesmo, levou a resultados expressivos no seu sucesso e esforço envolvido nesta
região.
Tomemos apenas o exemplo da exploração em contexto das conheiras, ainda hoje conseguimos comprovar no
terreno a imensa mão-de-obra necessária para operar uma exploração onde eram removidos patamares
sucessivos de depósitos aluviões, acumulados durante milhões de anos.
Já no exemplo da mineração direta em filão, o esforço seria idêntico, com a dificuldade acrescida da
movimentação de grandes quantidades de minério para tratamento, porém num ambiente confinado, no
subsolo.

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Aqui se torna necessário todo o engenho reconhecido à cultura romana que por grande esforço, quer por
grande interesse na região a explorou exaustivamente, retirando dela, grande riqueza e deixando como
herança as técnicas de exploração que perduraram por séculos, pouco tendo mudado até à Época
Contemporânea.

Fig. 3 – Altimetria da freguesia de Vila Velha de Ródão. 127


Ferramentas SIG e a sua aplicação
Apesar das inúmeras ferramentas e utilidades existentes no programa Quantum GIS, optámos apenas pela
utilização de algumas, achando-as coerentes com o tipo de investigação a que nos propusemos. Esperando
portanto que esta pequena análise dos elementos disponíveis, possa contribuir para a melhor reconstrução e
compreensão daqueles que outrora habitaram este território e que dele souberam extrair matérias capazes
que contribuírem para o seu próprio bem-estar e perduração.

Entre a lista das ferramentas utilizadas para o desenvolvimento deste projeto em Quantum GIS, temos o mapa
de pontos classificados em distintas bases cartográficas, as pesquisas por atributos, os marcadores SVG, a
categorização de simbologia de informação, a composição de tabelas de atributos, as pesquisas por localização,
a relação entre layers, o corte vetorial, a união de camadas vetoriais, a georreferenciação de cartografia, os
buffers, os polígonos de Voronoi, a Triangulação de Delaunay, os perfis de terreno, a análise de dados raster e a
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elaboração de mapeamento de região por altimetria.

Sítios com relevância patrimonial. Do Paleolítico à Época Moderna


Passando à apresentação de sítios com interesse patrimonial na freguesia de Vila Velha de Ródão, encontramos
ocupação desde o Paleolítico até à atualidade (Fig. 4). Fazemos uma apresentação desse património através da
sua localização por sítios centróides. O seguinte conjunto de imagens ajuda à compreensão da longa diacronia
de ocupação desta região, não se cingindo à ocupação de territórios pelo facto da mineração, ocorrendo
incidências de registo de ocupação de cronologias anteriores ao domínio de técnicas metalúrgicas.

Fig. 4 - Totalidade de ocorrências patrimoniais existentes na freguesia de Vila Velha de Ródão.


128
Perduração e exploração depois do abandono da mineração –
Abandono definitivo versus exploração pelas sociedades além da
mineração
Embora a mineração no local tenha terminado em época bastante recente, há apenas 26 anos, encontramos
alguns pontos que parecem esquecidos. O completo abandono destes sítios, prende-se com a pouca densidade
de minério e os atuais elevados custos de exploração. No entanto como já referido, os sítios não perdem o seu
propósito de visitação, pois são recorrentemente utilizados pela matéria-prima das escombreiras ou conheiras,
para a obtenção de pedra para a construção de surribas e muros apiários, para a construção de muros
delimitadores nas zonas de olival ou até para a construção civil, algo que tem deixado alguma mossa no
património existente.
Porém não nos podemos esquecer que são estas populações que ainda encontram nos sítios propósito que

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acabam por manter vivas as memórias tendo quase um culto por estes locais, respeitando a memória que eles
representam, para a sua própria identidade, colocando-os como seus, e protegendo-os dos elementos
exteriores com bastante convicção, tal como constatei num primeiro contacto com estas populações.
Além disso a memória preserva-se, mais uma vez, também com a colaboração da Associação de Estudos do
Alto Tejo, através da organização de mostras de técnicas antigas como a “bateia” ou passeios com intuito
natural e cultural de visita de alguns destes sítios arqueológicos, em conjugação com percursos através das
raridades naturais da região.
Tudo isto fará com que a memória perdure e que não caia no esquecimento este património tão importante
que a herança cultural destas regiões tanto precisa para se evidenciar e se desenvolver.

Análise da superfície de abrangência das minas e territórios


dominados
Espalhadas um pouco por todo o território, as explorações existentes na freguesia de Vila Velha de Ródão,
porém, têm uma maior concentração nos extremos sul e norte da região.
Estas minas são maioritariamente de cronologia romana, tendo também uma delas, continuidade para a Idade
Média (Foz da Sardinha) e outras, com cronologia mais tardia, associadas ao período moderno ou
contemporâneo (mina de Indaganais, mina do Monte do Pinhal e minas de cobre de Alvaiade), porém todas
estas de exploração em cronologia recente, são maioritariamente associadas ao cobre e em alguns casos à
extração de estanho. No entanto, as explorações de origem romana são na sua maioria de extração ou
tratamento de ouro, sendo a única exceção a mina da Buraca da Moura ou Tostão, onde inclusive encontramos
estruturas de fornos de fundição.
Podemos, portanto, através de ferramentas existentes no Sistema de Informação Geográfica Quantum GIS,
calcular quais seriam as áreas de abrangência e territórios de domínio pelo uso do cálculo de Polígonos de
Voronoi, cruzando esta análise entre minas e conheiras para a exploração aurífica e através de um buffer com
cerca de 1500 metros em torno das minas, para que envolvesse nessa área possíveis locais de exploração.

129
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 5 – Distribuição de minas com buffer de 1500 metros e cálculo através de Polígonos de Voronoi para determinação
de áreas correspondentes às zonas de conheira e territórios sob influência. Relação com os sítios romanos existentes.

Qual o grau de proximidade dos sítios arqueológicos às zonas mineiras?


Verificar a existência de sítios do mesmo período cronológico junto às minas e conheiras de época romana
torna-se facilmente identificável através do uso de ferramentas de geoprocessamento (Fig. 5).
No ponto seguinte apresentamos mapas explicativos onde são associados os territórios dos locais de
exploração com outros indícios de ocupação (Figs. 6 e 7).

Sítios romanos possivelmente associados


Para a análise do território em torno das minas e conheiras de época romana, preocupámo-nos em fazer uma
consulta por sítios arqueológicos do mesmo período e acabámos por encontrar uma característica
interessante, que nos permite retirar conclusões: a fixação de achados da mesma cronologia junto a estas
explorações.
Uma das primeiras questões levantadas estará, obviamente, relacionada com os espaços habitacionais ou
funcionais destas sociedades que se dedicavam à mineração, sendo que estes espaços não são muito comuns,
levando os investigadores a conjeturar, com uma fixação sazonal em condições habitacionais de construção
perene, ou a sua fixação nas regiões envolventes. No entanto é necessária a compreensão do funcionamento
da estrutura organizativa desta cultura e de todas as infraestruturas para a concretização do projeto de
mineração, tal como por exemplo a construção de pontes. Carecendo de mais investigação no campo,
apresentamos aqui sítios arqueológicos de cronologia romana, neste território, e a localização das minas,
conheiras e sítios do mesmo período, os quais aplicando a a Triangulação de Delaunay (Fig. 6), para cálculo de
trajeto mais curto entre pontos, e a ferramenta de Poligonos de Voronoi (Fig. 7), para cálculo de áreas de
influência, identificámos diversos pontos que se cruzam com locais de exploração mineira.
130
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 6 – Conjugação de diferentes triangulações de Delaunay sobre minas, conheiras e sítios romanos.

131
Fig. 7 – Polígonos de Voronoi sobre área de influência das minas, em conjunto com a Triangulação de Delaunay sobre os
sítios romanos. Interceções destes dois elementos com as diversas conheiras.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

132

Fig. 8 - Perfil de terreno com orientação sul/norte e diferentes momentos de depósitos quartzíticos.
Conheiras e as suas dependências
Provavelmente o maior fenómeno geológico que despertou o interesse da cultura romana, foi decididamente
as conheiras, antigos depósitos quartzíticos acumulados ao longo de milhões de anos, que escondem depósitos
auríficos erodidos e desprendidos dos seus veios de quartzo, por uma viagem, tendo como destino a deposição
junto às Portas de Ródão. É possível verificar no terreno, e num perfil efetuado na região sul da freguesia de
Vila Velha de Ródão, o local com maior concentração de conheiras, em três momentos de depósito destes
sedimentos. O perfil foi elaborado no sentido sul-norte (Fig. 8).
A sua distribuição permite-nos também calcular, com a ajuda da Triangulação de Delaunay, trajetos diretos
entre elas, entre sítios romanos e entre minas (Fig. 6), verificando o cruzamento de muitas das trajetórias
calculadas, podendo assim indicar possíveis acessos e vias de comunicação, sem ter em conta, no entanto, a
topografia ou a densidade vegetal, mas sim o percurso mais curto que une dois ou mais pontos.
Embora encontremos um grande vazio na zona central da atual freguesia, e não tendo em conta os elementos

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


anteriormente referidos, podemos no entanto questionar-nos sobre o sucesso desta fórmula de cálculo de
percursos.
Pois ao caso do período romano não será de todo descabido incumbir algum realismo ao padrão de acesso
criado, pois encontramos, na sua maioria, vias de comunicação do mesmo período, tendencialmente, junto a
estes trajetos mais curtos. Qualquer via romana tenciona sempre a obtenção do menor nómio, distância-
tempo, ou seja, a relação entre custo e duração, levando assim a percursos diretos, salvo grandes obstáculos
naturais.
Assim, embora sem confirmação de evidências arqueológicas, poderemos concluir a utilidade desta ferramenta
para o caso deste género específico de estudo, nesta cronologia.

Conclusão
Toda esta abordagem ao tema da mineração e da exploração dos recursos mineiros e hídricos da região de Vila
Velha de Ródão, tem como intuito o não esclarecimento de aspetos específicos de técnicas de trabalho nem de
análise química de graus de sucesso na exploração destes recursos, pelo que não foram feitas referências de
âmbito específico sobre essa matéria. Pauta-se sim, pelo interesse em divulgar e salvaguardar um património
do qual os habitantes locais ainda prezam, com o qual se identificam e a importância que estes sítios
arqueológicos representam ainda como contributo para a memória coletiva daqueles que intimamente
estiveram ligados a ele. Assim a herança presente na etnografia local ainda espelha aspetos claramente
evidentes de uma sociedade e de uma ocupação do território de vários milénios de existência que resultaram
naquilo que hoje é a sociedade que se conhece e que respeita esta “heritage” ou bagagem identificativa como
sendo sua, carregada de orgulho cultural.
Por fim, resta demonstrar a vontade que, num futuro próximo, esta região possa beneficiar e dar a conhecer-se
ao exterior, pois nela residem, mais do que potencialidade para o desenvolvimento, indicadores para melhor
conhecer um território cheio com 600 milhões de anos de vivências, cicatrizes e memórias, enquadrados em
paisagens idílicas, onde cada espaço celebra um segredo e cada gente conta um passado áureo.

133
Bibliografia
CARVALHO, João; GASPAR, Miguel (2009) - Breve nota sobre as mineralizações de cobre de Vila Velha de Ródão
e o seu interesse arqueomineiro. Açafa online. 2. Associação de Estudos do Alto Tejo.
CARVALHO, Carlos Neto de; RODRIGUES, Joana; METODIEV, Daniel (2009) - Inventário do património geológico
do concelho de Vila Velha de Ródão: contributo para a caracterização do Geopark da Meseta Meridional.
Açafa online.2. Associação de Estudos do Alto Tejo.
HENRIQUES, Francisco; BATATA, Carlos; CHAMBINO, Mário; CANINAS, João Carlos; CUNHA, Pedro (2010) -
Mineração aurífera antiga, a céu aberto, no centro e sul do distrito de Castelo Branco. Actas do VI Simpósio
sobre mineração e metalurgia históricas no sudoeste europeu. Abrantes, p. 215-246.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

134
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

135
Vias romanas e 1.Introdução
povoamento 1.1 Contextualização da área estudada
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

No período romano, a unidade politico administrativa “standard” era de


romano no facto a Civitas que numa aproximação aos limites organizacionais actuais se
pode comparar mais a um distrito moderno, do que propriamente a um
Conventus concelho, tendo cada território uma cidade que assumia a função de caput
civitates com aglomerados urbanos secundários que ficavam sob a sua
Bracarensis, alçada, e a própria população e estruturas rurais espalhadas dentro da sua
sob uma jurisdição.
Os romanos delimitavam então, territorialmente, as suas civitates tendo em
abordagem SIG conta não apenas os limites geográficos naturais (tendo as serras primazia
sobre os rios) mas também as divisões étnico-culturais já existentes quando
Fábio Amílcar Vieira anexavam um novo território. Em muitos casos, os próprios limites da nova
Civitas coincidiam com os das anteriores unidades de gestão territorial e
politica já existentes.
Estas Civitas ficariam integradas em Conventus (três no caso da Lusitânia,
sendo Pax Julia e Scallabis sedes de dois deles, por exemplo) que não era
nada menos que circunscrições judiciais que englobam várias cidades e
povos, e que teria como propósito da sua criação a facilitação na
administração da justiça, sendo o governador provincial o “órgão máximo”
jurídico a que se podia recorrer.
A categoria de Civitas poderia ainda ser subdividida em vários escalões, do
mais importante para o da simples “cidade-cliente”: a Colonia, resultante de
uma Deductio, ou imigração em massa para um certo local promovida pelo
Estado romano (e que se podia ainda dividir em Coloniae Civium Romanorum
e Coloniae Latinae); o Municipium Civium Romanorum, o Oppidum Latinum,
o Oppidum Liberum, o Oppidum Foederatum; e o Oppidum Stipendiarium,
povoação ou lugar fortificado, que tendo-se tornado romano por conquista,
e tendo-se rendido sem condições, devia pagar um tributo pesado: o
“vectigal” ou stipendium.
A Galiza dos romanos ou Callaecia, abarca os conventus de Bracara Augusta
e de Lucus Augusti, dois lugares centrais que são perfeitos para o estudo e
demonstração da evolução que a Península Ibérica sofreu durante a época
de ocupação romana, mais concretamente durante o período do Alto
136
Império e durante o período de Augusto, no que toca à urbanização e à
administração local.
Segundo Estrabão e Plínio, “o Velho”, a cidade não teria nesta região do Império nada mais que um papel
secundário: as estruturas administrativas dominantes que mais interessavam e ficavam sob a intervenção
romana seriam os próprios povoados (ou etnias locais).
Durante o período de Augusto, a organização do território conquistado foi sempre segundo um padrão em que
as cidades/centros-urbanos seriam administrados e confiados a notáveis locais que exerciam cargos públicos
romanos importantes, e que responderiam primeiro ao Governador da província e por sua vez ao Imperador.
Os únicos indícios efectivos que temos de forma “palpável”, no que toca às medidas impostas por Augusto a
nível da administração urbana do território ocupado na Península Ibérica, é de facto a forma como as
comunidades ficaram organizadas, segundo o modelo das civitates e a criação de novos lugares centrais como
por exemplo Bracara Augusta e Lucus Augusti.
De facto, não podemos ter a certeza de que todos os centros urbanos evoluíram para um modelo de cidade
que correspondesse ao modelo da civitas romana: mesmo com Plínio temos que pôr em causa a forma como o
próprio autor aplica aquele termo/estatuto quando fala de certos polos urbanos de destaque, uma vez que no

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caso de Bracara Augusta, por exemplo, o termo civitas é empregue para demonstrar que este conventus estava
muito desenvolvido em termos de nível de urbanização na região, mas a cidade não tinha necessariamente as
estruturas características de uma cidade típica ao estilo romano.
É importante então destacar que diferentes centros urbanos poderiam de facto ter a designação de Civitas e
contudo este ser apenas um meio de propaganda romana, de forma a destacar certos lugares em relação a
outros da região, tornando-os mais proeminentes que outros e ficando eles “à cabeça do território”. O nome
concedido por Augusto no caso de Bracara Augusta e Lucus Augusti, por exemplo, tinha um significado
religioso e um valor político evidente, sendo uma forma de controlo bastante bem dissimulada, uma vez que ao
dar o cognome aos sítios, o Imperador afirmava o seu domínio, mas ao mesmo tempo criava um sentimento de
prestígio concedido ao local, agradando às populações nativas.
Numa perspectiva dita mais puramente “geográfica” e de forma a melhor entender o terreno em questão é
importante referir que a região envolvente de Braga é um território bastante acidentado, dominado por
altitudes elevadas a leste (pontos mais altos variando da Serra Amarela, com 1361 metros de altura, à Serra do
Gerês com a maior altitude, a registar-se a 1545 metros, sendo a referência para a zona em estudo a Serra da
Cabreira, com 1262 metros de altitude), junto à fronteira espanhola, elevações essas que estabelecem inclusive
a delimitação de território administrativo com a área de Vila Real, e descendo até ao litoral ocidental, num
relevo cortado pelos vales de vários rios que correm de leste-nordeste para oeste-sudoeste.
No que toca à hidrografia mais relevante, entre os inúmeros ribeiros e afluentes de menor ou maior caudal, o
rio Cávado e o vale que este percorre, e que por sua vez atravessa totalmente a região (distrito) estudada,
dividindo as várias cordilheiras em duas áreas distintas, é o referencial hidrográfico mais importante. Este serve
mesmo de delimitador natural com o distrito de Vila Real por vários quilómetros, indo desaguar no litoral de
Esposende, a oeste, a única zona do distrito de Braga relativamente plana.
Não é portanto de estranhar que neste pequeno artigo se tenha escolhido a região de Braga (e concelhos
vizinhos, nomeadamente Vila Verde, Póvoa do Lanhoso, Barcelos, Guimarães, Amares e Vila Nova de
Famalicão) como área de eleição para a aplicação de ferramentas SIG, através da plataforma Quantum GIS,
uma vez que se apresenta como uma zona de elevado potencial, independentemente da “carga de estudo” de
que já terá sido alvo.

1.2 Objectivos e metodologia empregues


Embora a opção óbvia para a região de estudo em causa neste trabalho seja uma abordagem profunda no
âmbito da chamada “Arqueogeografia”, de uma forma amplamente diacrónica, tal não será o objectivo
primordial deste capítulo, premiando-se em contrapartida a aplicação e observação dos resultados de natureza 137
mais “técnica”, derivado da utilização e aplicação de várias ferramentas SIG através do programa QGIS.
Procurar-se-á demonstrar aqui em primeiro lugar as potencialidades das análises da rede viária romana que
percorreria o Conventus de Bracara Augusta, através de proposta de natureza mais “matemática” (com
ferramentas como os MADO e os chamados “Caminhos Óptimos”) tentando conciliar os resultados obtidos
com as vias já propostas por autores como Vasco Mantas, Rodríguez Colmenero e Mário Saa e, demonstrando
ainda a possibilidade de usar este mecanismos de forma diacrónica sendo que muitos dos ditos “vícios” do
Homem parecem ser os mesmo ao longo de vários períodos cronológicos, quanto menos “misticismo”
estivesse envolvido, preservando-se e melhorando progressivamente os “caminhos” que menor esforço e
tempo consumissem. Como ainda hoje se constata, tempo é dinheiro e não é de todo ilógico aplicar este
pensamento a civilizações passados, não esquecendo é claro os contextos e tecidos económicos de cada
período e sociedades em estudo.
É também objectivo aqui apresentar aplicações informáticas como as Bacias de Visão ou a Triangulação de
Delaunay, entre outras a enumerar durante este capítulo, como úteis ferramenta para a delimitação de áreas
de influência das civitas e outros tipos de povoados, e as suas áreas de controlo imediatos. Todavia, não deixa
de ser obrigatório referir que estas aplicações, como muitas outras, obedecem a algoritmos fixos (embora
maleáveis até certo ponto através da inserção de variáveis à escolha do utilizador) que produzem resultados
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exactos, mas não necessariamente verosímeis.

1.3 Fontes de Informação


Entre as habituais e tradicionais fontes bibliográficas (e online) que não merecem qualquer demérito, foi
privilegiado neste trabalho a utilização de fontes mais “técnicas” derivado da temática em questão neste
trabalho conjunto, nomeadamente, as cartas militares portuguesas georreferenciadas à escala de 1:25000 (nº
42, 55, 56, 57, 68, 69, 70, 71, 82, 83, 84 e 85), a lista de sítios com coordenadas do Portal do Arqueólogo
(DGPC), o “Modelo Digital de Elevação” para a região em estudo disponibilizado pela NASA/METI e de acesso
livre, sendo posteriormente aplicadas as ferramentas SIG.

2. Quantum GIS - Ferramenta meramente gráfica ou plataforma


solucionadora de problemáticas: o caso do Conventus de Bracara
Augusta
2.1 O povoamento romano e medieval na região de Braga
Através da análise das composições criadas através do QGIS, usando os sítios romanos georreferenciados para
a região de Braga e concelhos vizinhos (bem como os sítios medievais no concelho de Braga), podem ser
retiradas inúmeras ilações sobre o tipo de locais privilegiados para a criação e dispersão das comunidades, bem
como podem ser propostas áreas de influência (e de jurisdição administrativa aproximada para a Civitas de
Bracara Augusta) sob a alçada do império romano na região em estudo.
Sem qualquer dúvida, facilmente podemos constatar que o relevo e a altura são um factor a ter em conta no
momento do estabelecimento de povoados e da distribuição das diversas comunidades. Característica do
domínio romano na Península Ibérica, e em particular no caso do norte português, foram reaproveitados os
sítios centrais de poder, e os principais centros urbanos, como sedes de civitas e de conventus (no caso de
Bracara Augusta). E tal como se demonstra nas figuras 2 e 3, para estabelecer os novos pontos de controlo da
região por parte de Roma, respeitando as dinâmicas regionais bem como a questão primordial da defesa
estratégia dos locais: um local de altura tem sempre uma maior facilidade em visualizar a aproximação do
inimigo e de se preparar devidamente. E possui ainda, uma maior facilidade na defesa de um lugar sendo que é
de facto quase impossível aplicar armas de cerco em lugares muito montanhosos bem como aplicar unidades
138 de artilharia (sejam arqueiros ou outras) para atacar estes locais, pois tudo obedece à lei simples da gravidade
e um arco perde muito do seu poder destrutivo quanto menor for o ângulo que se lhe permite obter para o uso
do seu potencial bélico. Neste caso, um bom posicionamento das muralhas permite não só conceder uma
vantagem aos defensores do sítio de altura para a sua defesa com armas de arremesso ou arcos, como permite
uma fácil “retirada” para o seu interior protector.
É portanto evidente o entrelaçar e o olhar atento do poder romano sobre as dinâmicas proto-históricas que já
se encontravam vincadamente estabelecidas no território português aquando da sua conquista por Roma.

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Fig. 1 – Ocupação medieval de Braga
A referência aqui ao povoamento medieval é, na minha opinião, interessante de se demonstrar na forma de
mapa (Fig. 1), pois permite a qualquer leitor, de “olho treinado” ou não, entender as dinâmicas humanas no
que toca ao reaproveitamento de sítios ao longo de vários períodos cronológicos, bem como perceber e
constatar a reutilização dos mesmos caminhos ao longo de vários séculos, comprovando mais uma vez que o
ser humano, na seu quotidiano mais “primitivo”, tem por norma as mesmas necessidades de deslocação, de
escoamento de produtos e de circulação de pessoas.
É interessante de facto constatar o uso sucessivo de sítios romanos em período medieval devido às mesmas
necessidades de abastecimento, sejam elas hidrográficas, recursos naturais ou outras. O uso dos mesmos
caminhos parece-me que é evidente, comprovado pelos pontos de sítios medievais já identificados, indicados
no mapa da figura 1, sendo que muitos dele continuam a “surgir” junto a vias romanas e de acordo com o
MADO aplicado (o ser humano de forma involuntária acaba sempre por obedecer a padrões que podem ser
replicados na forma de algoritmos e, neste caso, através do uso de ferramentas como a “r.watershed”(1) na
aplicação GRASS do QGIS).

139
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Fig. 2 – Povoamento romano na região de Braga.

140

Fig. 3 – Triangulação de Delaunay aplicada aos sítios romanos do concelho de Braga.


A figura 4, embora de forma mais ilustrativa com o evidente enfoque na Sé de Braga como sitio central,
possibilita-nos ainda a observação da reutilização do ordenamento urbano romano no período medieval,
estando o cardus e decumanus (vias centrais na cidade romana) ainda bem representados.
Através da ferramenta de Triangulação de Delaunay da plataforma QGIS podemos ainda propor uma área
aproximada para a jurisdição da civitas de Bracara Augusta (Fig. 3). Digo aproximada pois, não só os cadastros
das civitates romanas, por mais que o poder central assim o orientasse, eram muitas vezes irregulares e de
acordo com as características de cada território (e não as redes de quadriculas idealmente pensada), mas
também a própria ferramenta referida e utilizada apenas nos sugere uma malha de ligações entre os vários
sítios identificados, não contemplando outros factores, como sítios por descobrir, relevos ou rios. Mais uma
vez, a matemática é uma ciência demasiadamente “exacta”.

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Fig. 4 - Ilustração do
período medieval sobre a
cidade de Braga
(In www.owje.com).

Se tivermos ainda em conta outros factores, como a rede hidrográfica da região de Braga (Fig. 5), podemos ver
que o povoamento, neste caso o romano (ainda que o medieval não difira em muito), obedeceu sempre a
regras simples de organização territorial.
No caso de Braga e concelhos vizinhos, podemos constatar que as comunidades romanas que aí existiram
procuraram sempre manter-se perto de recursos naturais como a água, bem essencial para o crescimento
demográfico e várias “indústrias” (como a exploração mineira), sendo óbvia a proximidade entre sítios e
recursos naturais bem como de redes viárias para o escoamento dos produtos, sejam eles matérias-primas das
villae na forma de bens de consumo, ou na forma de minérios para posterior transformação ou comércio a
nível regional ou para exportação. Sem dúvida, e como ainda hoje se observa, o caminho mais rápido e mais
barato, é muitas vezes encontrado sob a forma do transporte náutico de mercadorias.
Apesar de todas as interpretações e propostas aqui apresentadas, acho que devo salientar o facto de que este
estudo foi feito usando um número relativamente limitado para cada local/concelho logo, os resultados estão
bastante condicionados pelos dados disponíveis levando a que não se possa nunca afirmar nada como
absolutamente verossímil, sendo já essa a postura correcta a adoptar em qualquer pensamento arqueológico.
141
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Fig. 5 - Povoamento romano, rede hidrográfica e rede viária na região de Braga.

2.2 As bacias de visão ou viewsheds - suas aplicações


Tendo como referência uma serie de resultados obtidos com o plugin “Visibility Analisys” do QGIS – expostos
nas figuras 6 a 8, penso que é seguro afirmar que o uso desta aplicação está deveras condicionado pelo terreno
e relevos onde se procedem aos estudos/cálculos, é pelo menos esta a minha opinião.
Sendo que as bacias de visão são por natureza feitas num plano puramente horizontal (pelo menos usando a
ferramenta acima referida), os seus resultados além de muito dúbios podem mesmo ser erróneos, tal como,
uma visita no terreno aos sítios que servem de referência pode facilmente comprovar (o que foi impossível no
âmbito deste trabalho por questões de foro logístico).
Contudo, não deixo aqui de louvar as possíveis utilidades que se podem obter através do seu uso correcto, seja
em terrenos mais planos ou não, na medida em que facilmente podemos obter possíveis zonas de influência ou
de domínio por parte de um povoado para grandes áreas territoriais sem ser necessária a típica prospecção
extensiva e os gastos inerentes à mesma prática. Não esqueço, contudo, que esta ferramenta apresenta
apenas resultados teóricos e deve ser sempre utilizada como um mecanismo para confirmar teorias ou
providenciar mais pistas para a elaboração das mesmas e, não usada para a sua validação.
No caso da região que aqui estudamos, penso ser interessante o resultado apresentado (tendo escolhido os
pontos que me pareciam permitir uma visão mais panorâmica possível) para demonstrar tanto a área de
influência da Civitas de Bracara Augusta como o “controlo visual” que seria privilegiado sobre as vias de
comunicação com este centro urbano.
Tal como as “manchas” de visibilidade podem provar, e sendo isso óbvio falando-se de um sítio de altura, a
142 partir da Civitas facilmente se poderia visualizar uma área de largos quilómetros quadrados, permitindo mesmo
o controlo visual dos povoados e de sítios diversos que a circundavam. Todavia, penso que algumas das áreas
apresentadas para as bacias de visão não contemplam nem metade do espectro total de visibilidade, pois a
ferramenta não contempla o “movimento do pescoço” humano, que veria tanto de lado como de cima para
baixo.

Fig. 6 –
Viewshed do
Castro da Sola.

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Fig. 7 –
Viewshed a
partir do topo
da cidade
(ponto da
ruina romana
do fórum),
sobre mapa de
relevo.

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Fig. 8 – Viewshed a partir do povoado fortificado de Assento.

2.3 Os caminhos óptimos e a ferramenta MADO


Sendo um dos objectivos primordiais deste trabalho a análise das redes viárias que eclodiam ou se
encontravam em Bracara Augusta, é natural que boa parte dos resultados, em formato de mapa (Figs. 9 a 13),
tenham privilegiado a demonstração gráfica e a análise dos mais vários caminhos propostos tanto pela
plataforma QGIS (aplicação GRASS) através das ferramentas “r.drain” (os denominados “caminhos óptimos”) e
“r.watershed” (que resulta no chamado MADO), como por Mário Saa, Vasco Mantas e outros.
Penso que as imagens/resultados falam por si: na minha opinião o uso de recursos SIG para a análise de
caminhos possíveis, bem como para a criação de uma rede de caminhos associada a um ponto central, usando
as ferramentas acima referidas, está não só muito mal aproveitada como deveria ser muito mais divulgada e
facultada o seu ensino a futuros e “presentes” arqueólogos.
Para esta análise escolhi alguns dos caminhos mais bem conhecidos e com rotas bem documentadas dos
autores Mário Saa e Vasco Mantas (junto os contributos de outros investigadores como Rodríguez Colmenero),
rotas essa que passo a enumerar de forma esquemática.

Rotas de Mário Saa:


I. Rota I – De Braga para Lisboa, por Vila Real e Lamego
II. Rota II – De Braga para Astorga, via Chaves
144 III. Rota IV – De Braga para Astorga, por Tui e Lugo
IV. Rota VI – De Braga para Coimbra, por “via-marítima”
Rotas de Vasco Mantas e outros:
I. Itinerário XVI – Braga-Porto-Lisboa
II. Itinerário XVII – Braga-Chaves-Astorga
III. Itinerário XVIII – Braga-Gerês-Astorga
IV. Itinerário XIX – Braga-Astorga-Limia
V. Itinerário XX – Braga-Lugo-Astorga (por “via marítima”)

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Fig. 9 – Rede viária romana da região de Braga – legendada.

Antes de qualquer outra observação que aqui se venha a expor, devo salientar que não foi o propósito desta
pequena exposição pôr em causa as propostas de nenhum dos investigadores envolvidos na elaboração das
inúmeras vias em estudo. O objectivo era e é propor mecanismos mais viáveis/acessíveis para a elaboração de
possíveis caminhos de forma mais eficaz e aberta à aprendizagem rápida de qualquer futuro investigador
“encurtando” a necessidade de conhecimentos obrigatórios para a criação de propostas de vias, seja em que
período for (ainda que a partir do período cronológico da denominada Proto-história e para tudo aquilo que a
antecede, seja cada vez mais difícil o uso de modelos fixos informáticos, fruto das características
ideológicas/culturais especificas desta “gaveta” temporal).
Dito isto, penso que ficou provado através dos mapas apresentados, nomeadamente as figuras 10, 11 e 12, as
enormes potencialidades de uma análise “virtual” de possíveis redes viárias no território nacional.
Enquanto autores como Mário Saa e Vasco Mantas (entre outros) procuram estabelecer as suas propostas de 145
caminhos a partir de sítios devidamente identificados e balizados no período romano (e relatos dos autores
clássicos), estas ferramentas têm todo o terreno em questão e, devidamente calibradas, podem até gerir-se
através de variáveis estabelecidas pelo utilizador para encontrar possíveis caminhos para sítios arqueológicos
mais isolados que não possuam quaisquer vestígios arqueológicos entre estes e possíveis centros urbanos ou
outro qualquer lugar à escolha.
Deixo ainda, em jeito de crítica, a ressalva de que muitos dos autores que até aqui se dedicaram ao estudo
destas chamadas “redes viárias”, em particular as de natureza romana, têm-no feito através da marcação
arbitrária de pontos fixos (em sítios ou vestígios arqueológicos), que muitas vezes não me parecem ser as
melhores escolhas, ainda que a minha pouca experiência não me permita extrapolar muito mais… Penso,
contudo, que se esquece muitas vezes a correcta análise do espaço de uma perspectiva “arqueogeográfica”,
marcando rotas demasiamente rígidas e pondo de parte factores de natureza mais volátil como a vontade
humana e as características do próprio terreno, incluindo mesmo nisto a própria visita aos locais que por vezes
nos podem guardar surpresas.
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Fig. 10 – Caminhos Óptimos, em comparação ao MADO e Rede Viária, sobre mapa de relevo.

Explicando então de forma simplista as ferramentas usadas, nomeadamente os caminhos óptimos e o MADO,
para que o leitor perceba facilmente a forma como se processam, só é necessário ter em conta que tanto um
como o outro se baseiam em regras da Física, neste caso o efeito da gravidade na escorrência da água com
uma superfície de fricção (às escolha do utilizador) previamente estabelecida: à partida a água irá procurar o
caminho de “menor custo” de um ponto para o outro, e no caso do MADO, de um ponto central para todos os
caminhos possíveis na região escolhida.
Nos casos que analisei, acho que é evidente a sobreposição dos caminhos propostos a muitos caminhos
actuais, seja através do MADO ou dos caminhos óptimos, bem como de caminhos romanos já previamente
146 estudados e definidos pelos autores indicados. Não só isso, mas também se pode observar que estas
ferramentas percorrem um caminho muito mais “realista” podendo servir como um mecanismo excelente para
delimitar zonas de estudo, seja em campo seja em laboratório.
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Fig. 11 – Plano pormenorizado da ocupação antiga de Braga, sobre a ortofoto Bing Aerial

147

Fig. 12 – Rede viária romana e sítios romanos em Braga, sobre a carta militar.
3. Conclusão
Não querendo aqui repetir o que já por várias vezes neste capítulo procurei referir, afirmo sem dúvidas, que
cada vez mais o caminho correcto a seguir será o uso de plataformas como o Quantum GIS na elaboração tanto
de mapeamentos, como na investigação de fotografias aéreas, de regiões e cronologias específicas, resultando
na melhor maximização possível de pessoas e recursos para um qualquer estudo arqueológico.
A título de exemplo, através deste programa Open Source devidamente interligado com uma cuidada análise e
interpretação em “arqueogeografia” poderemos cada vez mais e melhor localizar zonas de interesse
arqueológico sem a habitual deslocação ao terreno de vários arqueólogos, resultando numa enorme eficiência
e num estudo muito mais abrangente de uma região como aqui procurei provar: utilizando apenas um simples
computador e toda uma parafernália de instrumentos informáticos foi-me possível localizar inúmeras possíveis
vias de comunicação entre sítios, e dos mesmos para o centro urbano, podendo-se facilmente criar zonas mais
precisas de prospeção ao longo das mesmas propostas, sem “sair de casa” e sendo o mais gasto a electricidade
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para sustentar a máquina.


Confesso que nada mais tenho a acrescentar nesta fase final uma vez que procurei sempre intercalar dados
com interpretação da forma que me pareceu mais correcta ao longo do trabalho. Contudo, não posso deixar de
referir que se se combinar o estudo dito “tradicional” em arqueologia com esta tecnologia mais vanguardista,
teremos cada vez mais mecanismos para expor o potencial arqueológico e cultural do nosso país, de forma
interna e externa, de uma maneira apelativa e longe dos velhos e pesados “tomos”, chamando cada vez mais a
população para aquilo que é seu e que merece ser preservado, não apenas por nós profissionais mas por
aqueles a quem a “cultura” realmente pertence, o dito cidadão comum.

Bibliografia
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Campo Lameiro. Col. TAPA. Santiago de Compostela: CSIC.
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de Astória. Vol. 2.

WEBOGRAFIA:

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http://viasromanas.zxq.net/

Notas
(1) De forma sucinta e de maneira a que o leitor possa facilmente entender o seu propósito básico, esta ferramenta simula a dispersão de
um “volume de água” através de um território predefinido pelo utilizador da dita aplicação, possibilitando a criação de sítios de “menor
esforço” para a deslocação humana e obviamente, correntes de água (sejam elas aluviais ou fluviais), ocorrendo por vezes sobreposições
desta ferramenta com linhas de água já existentes.
Este facto não invalida de todo o resultado, pois em alguns casos não seria de forma alguma impossível pensar no uso de barcas para fazer
trechos de caminho mais fácil e rapidamente.

149
Contributo Nota introdutória
Desde que se começa a assumir como ciência que a arqueologia teve a
dos SIG para necessidade de apresentar os dados do seu trabalho tendo em conta uma
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uma melhor perspetiva espacial. Os mapas de distribuição, quer a micro ou macro escala,
foram sempre uma forma de registo indispensável na atividade do
gestão e arqueólogo (Gamble, 2001: 139 apud Santos, 2006). Já no século XVIII são
interpretação encontrados muitos mapas de detalhe sublime, de sítios e escavações e até
mesmo como de espólio detalhadamente cartografado in situ (Weatley et alii,
do património 2002: 3 apud Santos, 2006: 1).
Aquando das primeiras aplicações de SIG por parte de arqueólogos, esta
histórico e investida foi no sentido de agregar a informação dispersa pela vária
arqueológico cartografia de forma a perceber melhor o espaço e a forma como este
condiciona as interações humanas das gentes que nele habitam ou
do Município simplesmente circulam (Santos, 2006: 2). Em 1976, dois arqueólogos
britânicos (Ian Holder e Clive Orton), publicam uma obra dedicada às
de vantagens da análise espacial em arqueologia, valorizando o cálculo e
Cantanhede representação computacional na investigação arqueológica.
Guilherme Cruz Se inicialmente a aplicação dos SIG em arqueologia esteve assente
primordialmente em mapas distribuição espacial, sensivelmente desde os
meados dos anos 90 do século XX, que as ferramentas SIG têm sido
exploradas no sentido de ajudar a fundamentar novos conceitos teóricos,
através dos seus resultados (Church et alii, 2006: 135 apud Santos, 2006).
No entanto a aplicação dos SIG na arqueologia tem, a meu ver, que ser
entendida com certa cautela e distanciamento. Ainda que eu próprio os
reconheça como uma mais-valia no campo da investigação, os seus resultados
devem sempre interpretados atendendo a certas condicionantes como por
exemplo, o meio envolvente e o período histórico em causa, condicionantes
estes que como todos bem sabemos são fundamentais na determinação do
modelo de assentamento escolhido em determinado momento da História.
Os SIG são efetivamente uma ferramenta muito útil na Ciência Arqueológica,
mas não conseguem dar resposta a todas as questões que temos que colocar
aquando do exercício da nossa atividade. Em boa verdade, os SIG não passam
de programas informáticos, criados a partir de algoritmos matemáticos, bem
como os resultados que estes produzem através das suas diversas funções, e
150 como tal penso que estes nunca conseguirão explicar o comportamento
humano, que como humano que é, é dotado da imprevisibilidade
característica.
Atentando a estas condicionantes naturais dos SIG, irei ao longo deste pequeno exercício tentar fazer uma
correta análise espacial, recorrendo a algumas ferramentas do programa de Open Source, Quantum GIS, que
irei referir ao longo da realização do trabalho, bem como a sua explicação, correspondente justificação para a
sua utilização e respetivos resultados.
De um universo de 214 sítios arqueológicos presentes do Município de Cantanhede, sensivelmente 40% dos
sítios são da Pré-História, 15% são do período romano, 5% são da Proto-História, apenas 2% correspondem ao
período do Medievo e 8% dos sítios possui mais do que uma ocupação na diacronia, que de sítio para sítio,
varia bastante. Infelizmente os trabalhos até ao momento desenvolvidos ainda não conseguiram dar resposta a
todos os espaços, pelo que cerca de 30% dos sítios arqueológicos permanece com uma cronologia ainda
indeterminada. Compreenda-se ainda que poderão, atualmente, existir outros sítios identificados, porém
apenas tive acesso a estes 214.

Descrição do município

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O concelho de Cantanhede localiza-se na província da Beira Litoral, inserido no distrito de Coimbra. Antes da
reestruturação administrativa em curso, que será aplicada dentro em breve, o Município dividia-se em 19
freguesias: Ançã, Bolho, Cadima, Camarneira, Cantanhede, Ourentã, Cordinhã, Corticeiro de Cima, Outil,
Covões, Febres, Murtede, Portunhos, Sanguinheira, São Caetano, Pocariça, Sepins, Tocha e Vilamar.
Paisagisticamente são denotadas com evidência três zonas distintas: o sistema dunar plano arenoso da faixa
litorânea, a zona da Gândara ou a zona das Gândaras, como é conhecida pela maioria dos munícipes,
possuidora de uma configuração espacial muito idêntica à primeira por mim descrita, e o Maciço Antigo, onde
se encontram os bancos de calcário e os barreiros, sendo esta a zona de maior densidade populacional.
É essencialmente um município de planície, com a maioria do espaço abaixo da curva de nível dos 100 metros,
a partir do nível médio das águas do mar.

Fig. 1 – Altimetria do concelho de Cantanhede. 151

Apenas as freguesias de Murtede, Cordinhã, Outil, Cadima e Portunhos apresentam uma altimetria de
destaque no Município, com cotas na ordem dos 150 metros. Simplificadamente, a rede hidrográfica deste
Município divide-se em duas bacias fluviais principais, a do Vouga, que é a principal subsidiária dos recursos
hídricos do espaço abordado neste trabalho, e a bacia fluvial do Mondego. Entre a bacia do Vouga
encontramos por exemplo, o rio Levira, Boco e Vala Veia, cursos de água de pouca volumetria. Da bacia do
Mondego destaca-se claramente a ribeira de Ançã, cuja volumetria é já mais considerável em relação às
anteriores, mas que no entanto varia muito consoante a estação do ano em causa
Existem ainda pequenos cursos de água que efetuam a sua drenagem diretamente no Oceano, percorrendo
estes um trajeto quase retilíneo, no sentido leste-oeste.
Ainda que naturalmente a cobertura vegetal seja o resultado de uma interligação entre factores de ordem
climática, topográfica, litológica, biogeográfica e antrópica, crê-se que o concelho de Cantanhede seja hoje o
reflexo de uma profunda humanização ocorrida desde a Pré-história (Ribeiro, 1987 apud Cruz, 2003: 15).
Atualmente, no Município, por entre a flora predomina o pinheiro, quer o bravo, quer o manso. O pinheiro
bravo encontra-se mais disseminado nas freguesias interiores de Ançã e Portunhos, já o pinheiro manso
encontra-se mais a litoral, travando “o avanço do ‘manto eólico’ para o interior” (Barbosa et alii, 1988 apud
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Cruz, 2003: 15). Os campos agrícolas gravitam em torno dos aglomerados populacionais, a vinha é a cultura de
maior destaque, influenciada naturalmente pela proximidade geográfica de algumas das freguesias com a
Bairrada, cujas vinhas se inserem ainda na “Rota do vinho da Bairrada” assentes primordialmente em solos
calcários.

Fig. 2 – Distribuição dos sítios arqueológicos pela


ortofoto do concelho.

Fig. 3 – Distribuição
dos sítios
arqueológicos por
cronologia.

152
Análise espacial
A utilização dos SIG na análise de sítios arqueológicos no Município de Cantanhede, mostra-se sem dúvida
como uma mais-valia na produção de conhecimento sobre as preferências do assentamento humano, ao logo
da diacronia para este espaço em causa. Porém, se como em todo e qualquer trabalho a leitura bibliográfica se
mostra essencial, nesta análise em SIG para além de essencial mostra-se determinante na interpretação dos
dados cartográficos.
No que toca aos critérios de implantação, o município confronta-se com uma concentração de sítios nas
freguesias mais interiores, nomeadamente Ançã, Outil, Cadima, Cantanhede, Cordinhã, Bolho, Sepins e
Portunhos, que destacadamente entre todas é sem dúvida a freguesia que apresenta mais ocorrências (59
sítios).
Como já referi anteriormente, o Município de Cantanhede caracteriza-se de forma geral por ser uma região
aplanada, com cerca de 70% do seu espaço abaixo da curva de nível dos 100 metros. Como é observável a

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partir das figuras 1 e 2, a ocupação do espaço parece tender para se localizar em curvas de nível com um
mínimo de 60 metros.
A qualidade dos solos e a quantidade e variedade de víveres que estes proporcionam, deveram ter sido sempre
fatores decisivos na escolha de espaços de fixação humana. Sendo que 70% dos solos do concelho de
Cantanhede são arenosos, a exploração agrícola no seu todo encontra-se à partida condicionada. Na região da
Gândara, os solos de origem aluvionar de fraca rentabilidade permitem apenas uma exploração agro-pastoril
condicionada. Se na zona da Gândara as atividades produtivas já se encontravam condicionadas por este fator,
a situação é ainda mais agudizada quando nos deslocamos para a faixa litorânea, onde se encontra um extenso
sistema dunar. Em boa verdade, a ocupação humana no município concentra-se no espaço de melhor
rentabilidade agrícola, assente principalmente nos solos argilosos e calcários do Maciço Antigo, solos de Classe
A (Cruz, 2003: 16). Se esta informação relativa à capacidade de uso de solos possui uma importância
transversal a todos os períodos de ocupação humana, claro que a partir do Neolítico esta importância é
reforçada, pois como bem sabemos, deverá ter sido neste período que o Homem desenvolve veemente a
prática agrícola e pastoril.

Fig. 4 – Buffer de 500


metros dos sítios
pré-históricos.

153
Os recursos hídricos são outro fator que se mostram incondicionalmente importantíssimos quando tentamos
perceber o porque da dispersão humana pelo espaço. A água é um elemento fundamental na manutenção
saudável da vida, quer seja da espécie humana ou das espécies animais e vegetais. Como já anteriormente
havia referido, o Município de Cantanhede carece de um curso de água de dimensão considerável à escala
nacional. Na verdade, assiste-se à presença de pequenas valas e ribeiras que se concentram principalmente no
Maciço Antigo calcário, em muito maior quantidade do que na cartografia que apresento, mas a que
infelizmente não tive acesso.
Após uma pesquisa por atributos, sendo a cronologia o atributo em causa, realizei buffers de 500 metros e
1000 metros dos sítios arqueológicos, com o objetivo de perceber a distância média destes em relação a cursos
de água de maior significância existentes no território, que represento na cartografia (Figs. 4 e 5).
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Fig. 5 – Buffer de 1000


metros dos sítios pré-
históricos.

Fig. 6 – Buffer de 500 e


1000 metros dos sítios
proto-históricos.

154
Fig. 7 – Buffer
de 500 metros
dos sítios
romanos.

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Fig. 8 – Buffer
de 500 e 1000
metros dos
sítios
medievais.

155
Fig. 9 – Buffer de 500 e
1000 metros dos sítios
com mais que um
período de ocupação.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Após a visualização de sítios da ampla cronologia presente no concelho, entendo que de forma consistente a
grande maioria dos sítios possuí um curso de água dentro do buffer com raio de 500 metros. No entanto, tal
como podemos observar nos diversos mapas expostos (Figs.4 a 9), existe ainda um volume considerável de
sítios que encontram apenas um curso de água, presente na minha cartografia, no buffer com raio de 1000
metros. Deste modo mais raro, é claro o caso de sítios que distam mais de mil metros em relação a um curso
de água assinalável. Porém a existência destes sítios mais distantes de curso de água não significa que para
estes assentamentos a abundância de água fosse um bem secundário. Como já anteriormente referi, a água
apresenta-se sempre como um bem essencial para a vida, mostrando-se determinante no momento da escolha
do local de assentamento. Na verdade, estes sítios, embora estejam ligeiramente distantes dos cursos de água
de maior dimensão na região, podem suprir as suas necessidades em cursos de água de pequena dimensão,
abundantes principalmente no Maciço Antigo. Outra possibilidade que se põe para estes sítios que distam dos
cursos de água, é a possibilidade das pequenas ribeiras e valas terem alterado consideravelmente o seu curso
ao longo dos tempos. Pessoalmente, considero que esta explicação assentará com particular expressão e
relevância, na região da Gândara e na faixa litoral dunar, que pela qualidade dos seus solos arenosos terá ao
longo dos tempos sofrido consideráveis mutações.
Carlos Simões afirma-nos que o litoral do município e parte da Gândara seria composto por um sistema lagunar
(Cruz 2003: 15), afirmação esta que é reforçado perante presença de topónimos como Feiteirinhas da Lagoa,
Lagoa, Lagoa do Bunho, Lagoa do Frade, Lagoa dos Bois.
Veja-se ainda que alguns destes topónimos, como Freiteirinhas da Lagoa, dizem respeito a freguesias, como a
dos Covões, que se encontram localizadas no Maciço Antigo, numa posição já bem interior no município. Assim
penso que não cometerei erro algum ao propor que grande parte do espaço aqui abordado seria uma extensa
156 área lagunar.
No espaço continental português, a cota média do nível do mar terá sido definida algures entre 5000 e 3000
BP, verificando-se um período de estabilização apenas marcado por pequenas alterações (Freitas, Conceição e
Andrade e César, 1998). Estes autores defendem que nos últimos 5000 anos, o Litoral entrou num progressivo
equilíbrio, ocorrendo um processo de assoreamento de zonas estuarinas e crescimento de restingas arenosas,
transformando parte significativa dos estuários em lagunas. Em Aveiro a referência mais antiga para uma
barreira detrítica separando o espaço lagunar do oceano, data do século X. Antes desta data o cordão litoral,
que hoje bem conhecemos entre Espinho e o cabo Mondego, não existiria. Na verdade, terá sido a formação
deste cordão, que contempla o litoral do município, que encerrou o espaço lagunar da ria de Aveiro, bem como
os espaços a ela diretamente ligados. Volto a lembrar, uma vez mais, que os cursos de água do município de
Cantanhede são grande parte deles subsidiários do rio Vouga.
De forma a encerrar a análise sobre implantação geográfica dos sítios arqueológicos, apliquei a ferramenta
Visibility Analysis. O que esta ferramenta possibilita, de forma simplificada, é uma elucidação sobre o campo de
visão que determinado sítio possuiria. Após uma análise de alguns sítios, dos vários períodos presentes,
constata-se que parece haver uma preferência pelo controlo visual das terras interiores, orientando-se
principalmente a leste e a sudeste.
A interpretação que deverá ser dada a esta ocorrência (Figs. 10 e 11), como já tenho vindo a exprimir, é que o

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litoral não deveria ser muito atrativo, pelo que seria no interior que ocorreriam as maiores dinâmicas humanas,
que a partir de certo momento se concentrariam em espaços importantes de grande concentração humana
como Conimbriga e Aeminium. No entanto, no que se trata a esta interpretação, por agora não me vou
estender mais, pelo que considero que será mais conveniente faze-lo nas considerações finais. Ainda que útil e
fornecendo dados interessantes, esta ferramenta não é totalmente fidedigna, pois apenas contempla o relevo,
o que é verdadeiramente errado, pois como sabemos as condições climatéricas são importantíssimas no campo
visual, bem como o tipo e configuração da vegetação existente.

157
Fig. 10 – Bacia de visão do povoado proto-histórico da Eira Velha.
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Fig. 11 – Bacia de visão da villa romana de Ançã.

O Diagrama de Voronoi
Se dúvidas não há sobre a mais-valia da aplicabilidade das ferramentas SIG em Arqueologia, penso no entanto
que teremos que ser críticos em relação a algumas delas, que por se mostrarem proveitosas em determinados
casos e em determinados espaços geográficos, não se mostram igualmente vantajosas noutro tipo de
realidades.
Um exemplo dessas ferramentas é com certeza a aplicação do Diagrama de Voronoi.
Primeiro, para defender esta minha posição penso que será benéfico explicar de forma sintética o que faz esta
ferramenta. O Diagrama de Voronoi realiza uma decomposição do espaço, determinada pela distância entre
dois ou mais objetos. Assim sendo, de que forma é que esta ferramenta pode contribuir para o estudo
arqueológico? Ao longo dos últimos anos, alguns autores têm vindo a aplicar este diagrama para tentar
determinar os limites do território dos sítios de ocupação humana, com principal relevo em espaços
habitacionais da Proto-História. Elisabette Alba aplicou este modelo num estudo sobre a organização do
território na Idade do Bronze e do Ferro na Sardenha Norte Oriental (2005). Com efeito, esta ferramenta tem
proporcionado a alguns investigadores resultados interessantes, coincidindo as linhas de divisão dos territórios
com divisões naturais do espaço, como encostas montanhosas e linhas de água de considerável dimensão, que
por isso são difíceis de transpor.
No espaço por mim estudado, faço uma avaliação inequívoca, esta ferramenta não nos fornece informação
158 passível de ser tida em linha de conta. Como tenho vindo a expressar, o concelho de Cantanhede é um espaço
aplanado, que apresenta uma ausência quase total de barreiras naturais, que se possam definir como
consideráveis divisores do espaço. A minha opinião é fortalecida ainda aquando da análise do povoamento ao
longo de alguns períodos da diacronia (Figs. 12 e 13).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 12 – Aplicação do Diagrama de Voronoi em assentamentos proto-históricos.

159

Fig. 13 – Aplicação do Diagrama de Voronoi em assentamentos romanos.


Este espaço não parece ter possuído, pelo menos até aos séculos XV e XVI, uma área de concentração
populacional de elevada densidade Até à data, o que os dados nos sugerem por todo o espaço, principalmente
nas freguesias do Maciço Antigo ou das suas proximidades, é a presença ao longo da diacronia de uma
povoamento disperso, que deveria geralmente corresponder a pequenos grupos.
Como é observável nas imagens obtidas (Figs. 12 e 13), a distribuição do território não é de todo uniforme, não
contemplando assim as necessidades humanas de um maior ou menor grupo, que são substancialmente
diferentes, ainda que tal como disse anteriormente nunca pareça ter existido um espaço de grande
concentração humana até aos séculos XV e XVI. Se para a Proto-História observamos já todas estas
condicionantes, para o período que se segue, acresce ainda a estas a natureza fortemente regulamentada da
divisão do mundo rural romano, que inviabiliza completamente esta divisão, que mais não é do que
matemática.
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Aplicações SIG na gestão do património


Ainda que no capítulo anterior tenha referido uma ferramenta SIG aplicada ao estudo arqueológico, com a qual
não concordo na integra, existem outras que parecem afigurar-se como quase que transversais a todos os
espaços e realidades. Esquecemo-nos, muitas vezes, que as preocupações dos arqueólogos não se cingem
única e exclusivamente aos dados que estes tiram da terra, ainda que esta seja uma importante competência.
Os arqueólogos e, com particular relevância, os arqueólogos municipais, enfrentam a necessidade constante de
gerir um certo número de espaços de valor patrimonial, não sendo estes apenas sítios arqueológicos, mas
também o património edificado. A velocidade a que atualmente o homem altera a paisagem é
verdadeiramente avassaladora, logo a necessidade de ter o património corretamente organizado numa base de
dados, que facilmente seja consultada para evitar o dano sobre algo, é fundamental. Os SIG podem para além
de ser uma ferramenta interessante na pesquisa arqueológica, servir como base de dados. No caso especifico
do Município de Cantanhede, muitos dos sítios classificados, especialmente os sítios de arquitetura religiosa,
encontram-se hoje localizados em aglomerados populacionais, pelo que nesta função de gestão os SIG se
podem mostrar adequados.

160

Fig. 14 – Buffer da zona de protecção da Fonte de Ançã sobre a ortofoto do Bing Maps.
Veja-se o exemplo da Fonte de Ançã, de forma muito simplificada, património classificado gozando de uma
zona de proteção envolvente de 50 metros, segundo o PDM vigente (Fig. 14). Através de um buffer,
delimitámos a zona abrangida por esta normativa, pelo que ao ocorrer alterações nos edifícios envolventes, o
arqueólogo desde que bem informado da realização dessas alterações, poderá precisar no imediato os espaços
que necessitam de acompanhamento ou trabalhos de minimização e quais não estão abrangidos por esta
necessidade.
Mas os SIG não ficam reduzidos só a este uso. Na verdade, no que toca a gestão, estes dão resposta a uma
série de necessidades, como por exemplo a simples definição na ortofoto da morfologia de estruturas
arqueológicas e do património edificado (Figs. 15 e 16).

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


Fig. 15 – Capela da
Varziela sobre a
ortofoto do Bing
Maps.

Fig. 16 – Paços do
Concelho e Convento
de Nª Srª da
Conceição sobre
ortofoto do Bing
Maps.

161
Considerações finais
Ainda que o espaço por mim abordado apresente questões bastante interessantes, quer sejam relacionadas
com o tipo de assentamentos, quer seja pela natureza da sua distribuição, este espaço carece ainda de
escavações sistemáticas capazes de trazer à tona novos dados. Por outro lado, se a carência de dados
arqueológicos se mostra condicionadora, o trabalho de identificação de sítios, um pouco por todo o município,
permite-nos a partir de uma análise auxiliada com os SIG, elaborar conceções teóricas bastante interessantes.
A primeira passa naturalmente pela concentração de sítios arqueológicos nas freguesias mais interiores. Na
verdade, o sítio que se encontra mais a poente, o Cabeço do Bilro/Leitões 1, localiza-se na freguesia do
Corticeiro de Cima, na latitude de -8.687205 (WSG 84). O porque de não existir, pelo menos até à data,
nenhum sítio arqueológico a oeste deste, é sem dúvida uma questão que se mostra pertinente.
Conceição Freitas e César Andrade (1998) propõem que grande parte do atual município, pelo menos até
5000BP, faria parte de um golfo, que pela crescente de restingas arenosas terá isolado a atual fachada litoral,
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criando um espaço marcadamente lagunar.


Ainda que esta resposta nos pareça conveniente e explicativa do porque da ausência de sítios arqueológicos
mais próximos do atual Litoral, penso ainda que poderei avançar com mais uma pequena consideração. Assim
como é percetível na figura 17, observa-se uma tendência para a fixação de populações em espaços de boa
qualidade de solos, e ainda que nem todos estes sítios digam respeito a comunidades produtoras, com certeza
que a avaliação do meio envolvente com boa qualidade de solos que proporcionam variedade e quantidade em
víveres, tal como anteriormente já havia referido, deverá ter sido determinante na escolha dos assentamentos.
Claro que não é ainda de descartar a importância que os recursos hídricos deverão também ter tido, recursos
estes que se mostram mais vigorantes nos espaço onde assenta o Maciço Antigo.

162

Fig. 17 – Implantação dos sítios segundo a qualidade dos solos.


Um exercício que gostaria ainda de ter feito, mas que infelizmente não me foi possível, diz respeito aos espaços
de passagem. O carácter plano característico do município faz com que todo este espaço fosse igualmente
atrativo à passagem, pelo que determinar corredores naturais principalmente para períodos mais recuados irá
com certeza no futuro mostrar-se uma tarefa de grande envergadura. Para o período romano, Vasco Mantas e
Jorge de Alarcão propõem algumas localizações da passagem de alguns troços de vias. Vasco Mantas, no seu
estudo sobre as vias romanas na faixa litoral entre o Mondego e o Douro (1996), propõe a passagem de uma
via orientada de norte a Sul, passando por Cordinhã até à Póvoa da Lomba, seguindo pelo vale do Mondego até
Montemor-o-Velho. Jorge de Alarcão (2004), por outro lado, propõe a passagem de uma via secundária
passando por Ourentã, Cantanhede e Cadima, descendo por Arazede ou Outil para Montemor-o-Velho. No
entanto quero deixar bem presente que estes traçados são meramente teóricos, pelo que só o trabalho de
campo poderá comprovar se um ou outro, ou nenhum dos dois, se encontra correto.

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


No que toca à concentração populacional, os dados indicam que, pelo menos até ao século XV ou XVI, não
existiria um verdadeiro centro urbano, pelo que predominava o ambiente rural de povoamento disperso,
marcado por villae e casais.
Assim sendo Aeminium e Conimbriga, como centros urbanos mais próximos, deveriam ser os centros político-
administrativos de referência das gentes que neste espaço habitava. Esta realidade levanta assim a
necessidade de um reparo da minha parte. Considero, após este breve exercício, que aquando de um estudo
de determinado espaço, não nos devemos cingir única e exclusivamente a esse espaço em si, mas sim estender
esse estudo, pois o espaço e as pessoas que nele interagem devem ser entendidos como um todo, em
constante articulação.
Assim, após toda esta apresentação de possibilidades, penso que é viável, sem dúvida, afirmar que os SIG são
uma mais-valia na problematização teórica e auxílio de gestão do património conhecido. Porém, este exercício
teórico apresenta-se sempre com a necessidade de se complementar com dados de escavações, o que
infelizmente para o concelho de Cantanhede não tem vindo a acontecer.

Bibliografia
ALARCÃO, Jorge de (2004) - In territorio Colimbrie: Lugares velhos (e alguns deles, deslembrados) do Mondego.
Trabalhos de Arqueologia. 38. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia.
ALBA, Elisabette (2005) - La organización del territorio en la Edad del Bronce y del Hierro en Cerdeña
nororiental (Italia). Arqueología y Territorio. Granada. 2, p. 31-46.
CRUZ, Carlos Manuel Simões (2005) - Carta Arqueológica do Concelho de Cantanhede. Cantanhede: Câmara
Municipal.
FREITAS, Conceição; ANDRADE, César (1998) - Evolução do litoral português nos últimos 5000 anos. Al-madan.
Almada. 7 (IIª série), p. 64-70.
MANTAS, Vasco Gil (1996) - A rede viária na faixa atlântica entre Lisboa e Braga. Tese de Doutoramento
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
OSÓRIO, Marcos; SALGADO, Telmo (2012) - Estudos de análise espacial com base na Carta Arqueológica
Municipal do Sabugal. Actas das IV Jornadas de Jovens em Investigação Arqueológica: JIA 2011. Vol. 1. Faro:
Universidade do Algarve, p. 89-95.
SANTOS, Pedro José Leitão da Silva (2006) - Aplicações de Sistemas de Informação Geográfica em Arqueologia.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação da
Universidade Nova de Lisboa.
SILVA, João Belmiro Pinto (2004) – Cantanhede. Honrando o passado, rumo ao futuro. Paços de Ferreira. Héstia 163
Editores.
Arqueologia Introdução
A freguesia de Castelo Branco abrange um vasto território com uma área
da freguesia total 169,66 km², o que a torna numa das maiores freguesias portuguesas.
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de Castelo Integra o mapa do concelho com o mesmo nome, que conta com um total de
25 freguesias. A cidade de Castelo Branco assume uma posição central no
Branco território da freguesia, que se estende entre os vales fluviais do Ocreza (a
norte) e do Ponsul (a sul). Estes dois rios definem o limite meridional e
João Frias setentrional da freguesia albicastrense.
Em termos arqueológicos, estão referenciados 50 sítios arqueológicos no
Portal do Arqueólogo para a freguesia de Castelo Branco, sendo que 44
apresentam coordenadas geográficas que permitem sua georreferenciação
em ambiente SIG. Por sua vez, a georreferenciação evidencia uma maior
concentração de vestígios a leste da cidade, ao passo que são escassas e
pontuais as evidências arqueológicas registadas fora do sector oriental da
freguesia, o que poderá reflectir uma necessidade de levar a cabo
investigações arqueológicas intensivas em todo o espaço da freguesia para
assim se conhecer melhor a dinâmica de ocupação deste espaço no passado.
Presentemente, os registos arqueológicos para a freguesia albicastrense,
mediante a análise da sua localização e respectiva bibliografia, parecem
apontar para uma ligação directa (e indirecta) às origens da cidade de
Castelo Branco, uma vez que os dados recolhidos permitem atestar, por via
da definição de padrões de povoamento, que o espaço da cidade e zonas
circundantes foram, desde tempos remotos, zonas preferenciais de fixação
das populações.
Destacam-se de forma evidente três núcleos populacionais topologicamente
distintos: O Monte da Cardosa, em cuja encosta orientada a leste se ergueu
o burgo medieval (a partir do qual se desenvolveu a actual cidade), o espaço
do denominado ‘triângulo arqueológico de Castelo Branco’, compreendido
entre as ermidas de São Martinho, Sant’Ana e Sr.ª de Mércoles e um terceiro
núcleo, em S. Bartolomeu, a cerca de 5 km da cidade.
Desta forma, esta análise centra-se sobretudo no território limítrofe da
cidade albicastrense a leste/sul, onde a concentração de vestígios é mais
significativa, com destaque para a áreas do ‘triângulo arqueológico’
(povoamento romano) e da Cardosa (povoamento medieval). A Proto-
164 História, nomeadamente o Idade do Bronze e a transição para o Ferro
marcam presença significativa quer no topo do Monte da Cardosa, onde se
terá desenvolvido um povoado fortificado (local onde hoje se ergue o castelo
medieval) e na relevante estação arqueológica do Monte de S. Martinho, que merecerá uma análise mais
detalhada.

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 1 – Localização dos sítios arqueológicos da freguesia de Castelo Branco, com base nas coordenadas do Portal do
Arqueólogo. As linhas azuis correspondem aos principais cursos fluviais da freguesia, com destaque para o rio Ocreza,
que delimita a freguesia a norte e o Ponsul, que delimita a sul. A laranja demarca-se a área urbana de Castelo Branco.

165
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 2 – Projecção dos sítios arqueológicos da freguesia de Castelo Branco sobre Modelo Digital de Terreno (MDT).

Enquadramento regional - o concelho de Castelo Branco


O distrito de Castelo Branco insere-se numa das sub-regiões da Beira Interior Sul (Beira Baixa) conhecida como
a Plataforma de Castelo Branco. Para este vasto território, que corresponde a uma grande percentagem de
área do actual distrito de Castelo Branco (composto pelos concelhos de Belmonte, Castelo Branco, Covilhã,
Fundão, Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão),
Francisco Tavares Proença Júnior realizou uma primeira abordagem arqueológica na sua Carta Archeologica do
Districto de Castello Branco, publicada em 1910, lançando as “primeiras sementes” para o desenvolvimento de
uma arqueologia de investigação dos sítios arqueológicos do distrito albicastrense.
166
Em termos geográficos, a Plataforma de Castelo Branco corresponde a uma vasta área de planície (de onde
provém o nome alternativo de Planície Albicastrense). Geologicamente corresponde à “fronteira” entre o
mundo do granito, característico da Beira Alta, e o mundo dos xistos e grauvaques característicos da paisagem
alentejana, levando muitos a considerar a Beira Baixa como uma simbiose paisagística entre o mundo beirão
(sobretudo a norte de Castelo Branco) e o mundo alentejano (particularmente expressivo a sul da capital
distrital).
A plataforma albicastrense é delimitada a norte pelo Planalto da Guarda-Sabugal (a extensão mais ocidental da
Meseta ibérica); a noroeste pelo corredor de circulação da Cova da Beira, Serra da Gardunha e Serra da Estrela;
a oeste pelas serranias da Cordilheira Central e Pinhal Interior; a sul pelo vale do Tejo. Para leste, a planura
característica desta região prolonga-se para o actual território espanhol, integrando a faixa territorial da
Meseta Inferior. Em termos de hidrografia, a região é atravessada por dois importantes rios que desaguam no
Tejo e ambos com orientação norte/Sul: o Ocreza e o Ponsul.

Proto-História
Povoados de altitude – Monte de Cardosa e Monte de São Martinho

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


O relevo pouco acidentado da Plataforma acentua os poucos, mas significativos acidentes geográficos
existentes na região, que se destacam claramente na paisagem, como é o caso do inselberg de Monsanto ou os
denominados ‘montes-ilha’ que pontuam a região e que se têm vindo a revelar como elevações habitadas por
comunidades humanas no passado remoto, mais concretamente numa fase anterior à romanização da região.
Este fenómeno é particularmente importante para o estudo do povoamento proto-histórico, tendo em conta
que os sítios de altitude são favorecidos como espaços de ocupação humana em detrimento das terras baixas,
e esse mesmo fenómeno é verificável em todo o espaço da Plataforma, de forma mais ou menos concentrada.

Fig. 3 – Localização do Monte da Cardosa (a NO), do Monte de S. Martinho (a SE) e dos sítios arqueológicos envolventes:
Pré-História (amarelo), Proto-História (verde), Período Romano (laranja) e Idade Média (púrpura).

Neste caso, a campina de Idanha reúne alguns dos povoados de altitude melhor estudados (por iniciativa de
Raquel Vilaça) para o a Idade do Bronze (sobretudo Bronze Final) e transição para a Idade do Ferro, embora
este período careça, para já, de informação arqueológica mais significativa que permita uma melhor 167
compreensão da distribuição e dinâmica interna destes povoados. São assim exemplo os povoados da
Cachouça, Monte do Trigo, Alegrios, Moreirinha e Monsanto (Idanha-a-Nova) e mais a norte, Monte do Frade
(Penamacor), que se destacam pela sua relevância informativa para o estudo da Proto-história da Beira Interior
Sul.
A sul da Campina de Idanha, no actual concelho de Castelo Branco, pelo menos dois locais são amplamente
destacados na paisagem: o Monte de São Martinho e o Monte da Cardosa (Castelo Branco), apesar de, para
este último sítio, a informação relativa ao assentamento pré-romano ser muito pobre e meramente referencial.
A cidade de Castelo Branco desenvolveu-se a partir da vertente sul/sudeste do Monte da Cardosa. São
Martinho dista cerca de três quilómetros da Cardosa nessa mesma orientação, elevando-se a uma cota máxima
de 435 m. Para sul de São Martinho, em direcção a Malpica do Tejo/Monforte da Beira, a planície dá lugar ao
vale pouco pronunciado do Ponsul, a cerca de cinco quilómetros de São Martinho.
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Fig. 4 – Relação entre o Monte da Cardosa e Monte de São Martinho com a área urbana da cidade (laranja), assim como a
serrania da Cardosa (amarelo), em cuja extremidade sudeste se ergue o respectivo monte.

Estação arqueológica do Monte de São Martinho


O Monte de São Martinho, localizado no concelho de Castelo Branco, é uma elevação de forma cónica que se
eleva a sudeste da cidade albicastrense, a cerca de 3,5 km do actual perímetro urbano. Com uma cota máxima
de 435 m, São Martinho destaca-se na paisagem circundante que se enquadra, em termos geográficos, na
plataforma de Castelo Branco, correspondente, grosso modo, a uma percentagem significativa da Beira Interior
Sul/Beira Baixa.
A estação arqueológica de São Martinho foi dada a conhecer por Francisco Tavares Proença Júnior, nos inícios
do séc. XX, mais propriamente durante as campanhas de escavação que este levou a cabo, a partir de 1903,
numa vasta área em redor de Castelo Branco, que abrangia o monte de São Martinho e a planície adjacente, a
norte e a leste - área que ficou conhecida como o “triângulo arqueológico de Castelo Branco”, em cujos
vértices se localizam a ermida São Martinho, a capela de Sant’Ana e a igreja da Sr.ª de Mércoles.

168
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 5 – Projecção da linha de cálculo do perfil de terreno entre o Monte da Cardosa (a NO) e o Monte de São Martinho (a
SE), onde se destaca claramente o perfil acentuado destes dois cabeços, evidenciando também a plataforma planáltica
localizada entre os dois montes, sobre a qual se desenvolveu a cidade. As cotas de altitude são destacadas neste perfil,
verificando-se que a Cardosa ultrapassa os 450 m de altitude, enquanto os 435 m de São Martinho, referenciados na
bibliografia, são confirmados pelo gráfico, que coloca a altitude máxima de São Martinho entre os 400 m e os 450 m.

Fig. 6 – Vista sudeste, a partir do Monte da Cardosa, na direcção do Monte de São Martinho. As setas brancas definem a
zona de projecção da linha de cálculo do perfil de terreno feito em ambiente SIG.
169
Definindo-se como um povoado de altitude, que conheceu uma longa diacronia de ocupação desde os finais do
II milénio a.C. até ao período romano, e considerando-se o inicio da sua ocupação no Neolítico ou Calcolítico,
São Martinho define-se como um exemplo típico do padrão do povoamento do final da Idade do Bronze e inicio
da Idade do Ferro na Beira Interior (sobretudo na Beira Interior Sul), onde a geografia da paisagem se reveste
de um poder simbólico indissociável do factor visual que os sítios de altitude proporcionam na paisagem, polos
de fixação das populações (em detrimento das terras baixas de planície) e simultaneamente locais sacralizados,
muitos deles até à actualidade, como é exemplo São Martinho, entre outros exemplos de sítios de altitude.

Descrição visual do espaço


São Martinho ergue-se a uma cota máxima de 435 m e é acessível através de vários caminhos de terra batida
que percorrem a área circundante, onde se estabeleceram diversas propriedades rurais de cariz agro-pastoril. A
subida ao monte exige pouco esforço físico pelo caminho de acesso principal (junto à queijeira de São
Martinho) (Fig.6), na encosta voltada a noroeste (na direcção de Castelo Branco). Existem outros caminhos,
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

relativamente dissimulados, de acesso ao monte, nomeadamente nas vertentes norte/nordeste. A vertentes


sul e sudeste apresentam um declive bastante acentuado o que, se por um lado dificulta a subida ao topo do
monte, é favorável, na perspectiva de um povoado fortificado, a uma defesa mais eficaz da plataforma
localizada no topo. Nestas vertentes verifica-se a presença de afloramentos quartzíticos, que denunciam o
substrato geológico que compõe o cabeço e que está na sua origem.
O topo do monte é aplanado, desenvolvendo-se numa plataforma de formato oval com orientação NO-SE. Na
extremidade noroeste da plataforma foi construída uma ermida dedicada a São Martinho (Época Moderna) de
onde o monte recebe o nome. Como espaço de santuário, a actual ermida é, presentemente, o elemento mais
evidente de uma conotação do espaço intimamente associado à esfera religiosa, que poderá vir de um passado
mais remoto, hipoteticamente sugerido pela iconografia dos monumentos de São Martinho (da Proto-História)
e, para o período romano, pelas três aras associadas a divindades recolhidas no topo do monte, sendo a
cristianização do espaço o reflexo contemporâneo da sacralidade do espaço.

170

Fig. 7 – Localização da estação arqueológica do Monte de São Martinho e rede de caminhos rurais em volta.
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Fig. 8 – O Monte de São Martinho representado no MDT a tons alaranjados (correspondente às cotas de maior altitude),
em contraste com a baixa altitude do vale fluvial da ribeira de Mércoles (em tons esverdeados).

A ladear a entrada pelo acesso principal a NO, junto à ermida, são visíveis duas cinturas de muros a descoberto
que se crê serem de sustentação da plataforma. Apesar de coberto por densa vegetação arbustiva, são visíveis
taludes que ladeiam a plataforma em todo o seu comprimento, sobretudo nas vertentes norte e Sul,
terminando no extremo oposto da plataforma junto a um marco geodésico construído sobre o afloramento
quartzítico. Existe a possibilidade de este talude acompanhar o traçado de uma muralha proto-histórica que
definiria o povoado fortificado de São Martinho. Terá sido junto a este talude que Francisco Tavares Proença
Júnior conduziu escavações, entre os anos de 1903 e 1906, identificando, segundo os seus apontamentos, um
sector da muralha do povoado.

Fig. 9 – Traçado conjectural da


muralha do povoado de São
Martinho (vermelho), dos
afloramentos quartzíticos
visíveis à superfície (cinzento),
da ermida (púrpura) e dos
acessos ao topo (verde).

É também de salientar a
densa cobertura vegetal
que hoje cobre o monte,
171
árvores como oliveiras,
carvalhos e alguns sobreiros, uma visão que contrasta radicalmente com o aspecto despojado de vegetação do
local, registado em foto por Tavares Proença Júnior nos inícios do séc. XX.
Período Romano
O triângulo arqueológico de Castelo Branco (São Martinho/Sant’Ana/Sr.ª de Mércoles)
Dos povoados de altitude proto-históricos segue-se a ocupação das terras baixas e aluviais, característica do
povoamento durante o período romano, representado na área do triângulo arqueológico, com especial ênfase
no eixo entre as capelas de Sant’Ana e Sr.ª de Mércoles, dois dos sítios que correspondem aos vértices do
referido triângulo, aos quais se junta a ermida de São Martinho.
Estão referenciadas nesta zona, para o período romano, entre outras coisas, uma inscrição, uma necrópole
(Sant’Ana), a villa da Sr.ª de Mércoles (nos terrenos da actual Quinta da Sr.ª de Mércoles), uma via romana no
sopé de São Martinho e uma barragem romana na ribeira de Mércoles. Aliás, o povoamento desta área (i.e. do
espaço do triângulo arqueológico) parece ter-se desenvolvido, para norte do Monte de São Martinho, numa
relação de proximidade ao curso de água.
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Fig. 10 – Triângulo arqueológico de Castelo Branco, com os vértices nas ermidas de São Martinho, de Sant’Ana e Sr.ª de Mércoles.

Alguns autores, como Jorge de Alarcão, defendem a possibilidade da presença neste espaço de uma relevante
povoação do período romano, chegando mesmo a admitir a hipótese de uma cidade romana (ideia reforçada
por algumas estruturas e vestígios do período romano encontrados nesta área), que surge referenciada na
documentação com o nome de Belcágia. Alarcão admite ainda a possibilidade de aqui se localizar a capital dos
Tapori. Se essa capital corresponde ou não a Belcágia, é uma questão que permanece em aberto e que não
será respondida (ou pelo menos, melhor elucidada) enquanto não forem levados a cabo trabalhos de
escavação arqueológica, que permitam um maior conhecimento da dinâmica do povoamento romano desta
zona limítrofe da actual cidade de Castelo Branco.
A análise destes espaços fornece pistas relevantes para a definição dos padrões de povoamento do território
albicastrense, na longa diacronia. A presença romana é aqui bastante evidente, tendo em conta os diversos
172 vestígios encontrados, sendo interessante verificar que a forma do “triângulo” parece coincidir com a área de
dispersão dos vestígios romanos nos campos da Sr.ª de Mércoles/São Martinho.
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Fig. 11 – Sobreposição das áreas de dispersão dos vestígios proto-históricos (verde), romanos (laranja) e medievais
(púrpura), no triângulo arqueológico de Castelo Branco.

173

Fig. 12 – Sugestão de padrões de povoamento por cronologias para o território de Castelo Branco, com base na dispersão
de vestígios.
A dispersão de diversos tipos de materiais do período romano pela área do triângulo arqueológico leva a crer
que no actual limite E/SE da cidade se poderá ter desenvolvido um núcleo de povoamento romano (cidade?). É
também na área do triângulo arqueológico que se concentra a maior percentagem de sítios arqueológicos
referenciados no Portal do Arqueólogo, para a freguesia de Castelo Branco. Desta forma, é possível sugerir
alguns padrões de povoamento para o território de Castelo Branco desde a Proto-História (Bronze Final/Ferro
Inicial), passando pelo período romano e terminando na Idade Média, com base nos núcleos onde estes
parecem ser mais significativos em termos de quantidade de achados.
Para a Pré-História, os dados existentes até à data são muito pontuais, não existindo informação substancial
em termos de vestígios que possibilite uma identificação de um padrão de povoamento, razão pela qual se
optou por deixar de parte esta cronologia para este estudo.
Desta forma, a definição de padrões geográficos de povoamento com base na dispersão dos vestígios de
natureza arqueológica leva-nos a crer que a dinâmica de povoamento do território de Castelo Branco poderá
ter-se desenvolvido nos seguintes polos: o povoamento proto-histórico em São Martinho, Cardosa e Barrocal; o
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povoamento romano no triângulo arqueológico de São Martinho/Sant’Ana/Sr.ª de Mércoles; o povoamento


medieval, inicialmente, na área do triângulo e, numa segunda fase, no Monte da Cardosa e encostas
sul/sudeste.
O ‘triângulo arqueológico de Castelo Branco’ surge assim como um elemento espacial que oferece pistas
relativamente sólidas para traçar e interpretar padrões de povoamento da zona que hoje corresponde à cidade
e territórios limítrofes, que parecem corresponder, com base numa análise espacial, aos padrões de ocupação
típicos do Bronze Final, Período Romano e Idade Média.
O povoamento da Idade do Ferro é, à semelhança do que acontece com grande parte dos sítios da Beira
Interior, inconclusivo devido à falta de dados arqueológicos relevantes. Assim, seguindo um raciocínio
diacrónico-espacial, identificam-se dois povoados de altitude com comprovada ocupação na Idade do Bronze
Final: São Martinho e Monte da Cardosa, apesar deste último ser parco em informação arqueológica relativa ao
povoado proto-histórico.
Alguma bibliografia, concretamente a que aborda a fortaleza medieval albicastrense, menciona vestígios
datáveis de uma ocupação pré-romana da Cardosa, nomeadamente pré-histórica e proto-histórica, mas esses
mesmos vestígios permanecem desconhecidos ou por publicar. Ainda assim, apesar da escassa informação,
considera-se também o sítio da Cardosa como referência. Ao São Martinho e à Cardosa junta-se também o
povoado do Barrocal, localizado junto ao limite sul da área urbana da cidade, entre os bairros da Carapalha e
Valongo, a “meia-distância” entre São Martinho e a Cardosa, bem como o núcleo de arte rupestre de
Chanfardões, nas proximidades de São Martinho.
É também no período romano que surge o topónimo de Castra Leuca, profundamente enraizado na memória
colectiva albicastrense, sem no entanto existir informação relevante e concreta que permita sustentar, no
terreno, a sua origem. O primeiro termo castra, de origem latina, remete para um castro, ou seja um povoado
fortificado ou uma fortificação enquanto o segundo, leuca, de origem grega, se traduz por ‘branco’, ‘alvo’,
‘brilhante’: castro branco, o topónimo arcaico que evoluiria para Castelo Branco na Idade Média e que surge
durante a romanidade, remetendo muito provavelmente ao povoado fortificado do Monte da Cardosa, sobre o
qual assenta hoje o castelo medieval templário.
Desta forma, o topónimo Castra Leuca reforça a existência de um povoado pré-romano no Monte da Cardosa,
que terá sido ocupado durante a romanidade, recebendo este nome, e coexistindo com o São Martinho que
também evidencia elementos que permitem atestar uma ocupação romana, não como um castro (tanto
quanto se sabe), mas provavelmente como um local de culto (e possivelmente atalaia). Por sua vez, o topónimo
de São Martinho - que poderá ter evoluído a partir do nome latino Marins – está intimamente ligado à tradição
174 cristã num Império Romano já plenamente cristianizado, atendendo à lenda associada a São Martinho (que
teria sido um soldado romano), admitindo-se, por esta via, que o culto de São Martinho no monte com o
mesmo nome se tenha iniciado (embora seja, obviamente, apenas uma dedução) no Baixo-império ou na Alta
Idade Média.
Idade Média
Cardosa – as raízes da cidade albicastrense
Para a Alta Idade Média, surge uma outra fonte que parece indicar definitivamente a origem remota da cidade
de Castelo Branco propriamente dita. A lenda de fundação oferece pistas que permitem traçar uma mudança
no padrão de povoamento, onde se volta a verificar uma preferência pelos sítios de altitude e se abandonam as
terras baixas.
«A fundação de Castelo Branco, sobre a qual divergem os historiadores, tornou-se lendária. Segundo a tradição oral, houve em
tempos remotos, na Granja dos Belgaios, situada entre as capelas de Santa Ana e de Nossa Senhora de Mércoles, a cidade de
Belcagia cujos habitantes foram dizimados por uma epidemia. Refere ainda a lenda que alguns bois, ao serem soltos nos viçosos
pascigos circunvizinhos da cidade, prestes os abandonavam, encaminhando-se para o monte da Cardosa onde pasciam e nutrindo-
se estes bois maravilhosamente ao passo que os restantes pereciam, foi esta circunstancia considerada pelos habitantes
sobreviventes como uma indicação providencial que eles decidiram acatar, abandonando as casas e os campos infectados e indo
estabelecer-se naquele monte onde deram origem à povoação de Castelo Branco.» (SANTOS, 1958: 13).

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No caso de Castelo Branco, as terras baixas onde se localizaria Belcágia (?) (ou seja, o espaço do triângulo
arqueológico), são abandonadas em favor de um estabelecimento populacional na encosta oriental do Monte
da Cardosa, formando-se assim o núcleo populacional alto-medieval que transitaria para a Baixa Idade Média
com o nome de Vila Franca da Cardosa. No séc. XIII, com a chegada da Ordem do Templo e da atribuição da
comenda da Cardosa aos Templários, a localidade adquire o nome de Castelo Branco que até hoje se mantém.
O castelo é construído (supostamente, no espaço antes ocupado pelo castro pré-romano de Castra Leuca) por
iniciativa da Ordem do Templo, assim como a cintura de muralha que define o burgo medieval albicastrense,
que “desce” do castelo ao longo da encosta sudeste do Monte da Cardosa, onde a fortificação se assume como
um elemento nevrálgico na fixação da população num espaço bem definido. Desde então a cidade evoluiu e
cresceu a partir do seu núcleo medieval.
Não há menção de qualquer tipo de repovoamento de São Martinho, admitindo-se que desde o
estabelecimento do culto a São Martinho, ou seja, da cristianização do local, o sítio permaneceu, até aos dias
de hoje, como um espaço religioso por excelência (à semelhança do que aconteceu com a ermida da Sr.ª de
Mércoles), deixando de ser um núcleo habitacional, núcleo este que, aparentemente, só foi relevante durante
a Proto-História até à romanização, enquanto povoado fortificado.

175

Fig. 13 – Localização hipotética do povoado proto-histórico do Monte da Cardosa (no espaço da alcáçova medieval).
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 14 – Monte da Cardosa (Castelo Branco): castelo medieval e centro histórico (encosta E/SE) com respectiva cintura de
muralha (traçado conjectural). Quarteirões residenciais destacados a laranja e projecção dos arruamentos principais.

Fig. 15 – Monte da Cardosa: reconstituição conjectural da planta da alcáçova do castelo medieval templário, a partir da
176 planta de Nuno Villamariz Oliveira (2010), à escala 1:1000.
Outras observações decorrentes do SIG
Identificação de estruturas.
A análise do terreno mediante a utilização de imagem de satélite (Bing ou Google Earth) permitiu assinalar, no
sopé do monte de São Martinho, o percurso do gasoduto instalado a sul de Castelo Branco, que percorre o
sector sul/leste da freguesia. O percurso desta infra-estrutura encontra-se bem destacado pela desmatação do
solo efectuada com vista à definição do corredor de instalação do gasoduto. Isto permitiu delinear, em
ambiente SIG, uma linha que acompanha o percurso do gasoduto ao longo de todo o concelho de Castelo
Branco e não apenas da freguesia. Por sua vez, mediante uma análise ao histórico de intervenções na estação
arqueológica do Monte de São Martinho (Portal do Arqueólogo), encontram-se registadas campanhas de
prospecção sistemática no sopé do monte durante o ano de 1999, com vista à prospecção prévia antes do
início de obra e ao acompanhamento efectuado durante a execução de obra.
O percurso do gasoduto é facilmente identificável no sopé de São Martinho, nomeadamente nas encostas leste

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


e sul, o que leva a crer que corresponde, de facto, às obras referenciadas no histórico de intervenções de São
Martinho. Por outro lado, a georreferenciação em ambiente SIG dos sítios arqueológicos da freguesia de
Castelo Branco, disponibilizados no Portal do Arqueólogo, fez coincidir três sítios arqueológicos - São Martinho
III, a sul do monte com o mesmo nome (Fig. 16) e Tapada do Poço e Tapada do Poço I, no traçado do gasoduto
(Fig. 17), o que leva a crer que estes três sítios arqueológicos foram descobertos e referenciados num
momento imediatamente anterior aos trabalhos de instalação do gasoduto ou durante o acompanhamento de
obra.

Fig. 16 – Sítio de São Martinho III (com diversos vestígios romanos) no corredor de passagem do gasoduto (linha branca).
177
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 17 – Sítios da Tapada do Poço (estação de ar-livre pré-histórica) e Tapada do Poço I (casal rústico medieval) no
corredor de passagem do gasoduto (linha branca).

Topónimos comuns: propriedades rurais/sítios arqueológicos:


O recurso a cartografia específica de suporte ao trabalho em SIG (informação raster), nomeadamente a Carta
Militar de Portugal 1:25000 (CMP) possibilitou a identificação e transposição de diversos elementos geográficos
para o ambiente SIG, desde a confirmação das cotas de altimetria à identificação e posterior digitalização de
caminhos e cursos de água, cuja visualização em imagem de satélite não é, em muitos casos, clara. Por outro
lado, uma análise mais aprofundada à folha n.º 292 “Castelo Branco” da CMP, permitiu a identificação de
inúmeras propriedades rurais nos terrenos limítrofes da cidade de Castelo Branco, uma tendência de
exploração territorial que se verifica um pouco por todo o espaço da freguesia, sobretudo a sul, onde a referida
folha se sobrepõe.
As propriedades rurais, de cariz latifundiário, apresentam-se dispersas uniformemente pela paisagem e
denotam a forte vertente agro-pastoril do mundo rural albicastrense, uma estratégia de ocupação e exploração
do território que contrasta radicalmente com o espaço urbano de Castelo Branco. Por sua vez, a vasta e
complexa rede de caminhos rurais identificada em imagem de satélite corrobora esta importante vertente rural
do território. É interessante verificar que algumas destas propriedades se estendem até aos limites da malha
urbana da cidade, cujo crescimento gradual leva à sua assimilação/integração na área urbana. É por esta razão
que os principais bairros residenciais da cidade adquirem o nome das explorações agro-pastoris (quintas) em
cujos terrenos são construídas. São disto exemplo os bairros residenciais da Quinta da Carapalha, Quinta do
Valongo, Quinta das Violetas, Quinta de Pires Marques, entre outros.
178 No presente exercício, os topónimos correspondentes a propriedades rurais identificados na CMP foram
assinalados por pontos em ambiente SIG, sendo a sua localização (entenda-se, dos edifícios principais de cada
‘quinta’) confirmada através da observação por satélite.
A georreferenciação dos sítios arqueológicos da freguesia de Castelo Branco possibilitou uma interessante
coincidência, ao sobrepor a localização de alguns dos sítios com propriedades rurais hoje existentes, sendo
referenciados com o nome dessas mesmas propriedades. Esta situação verifica-se, por exemplo, a norte da
Quinta da Sr.ª de Mércoles (o espaço que corresponde, grosso-modo, à área do triângulo arqueológico de
Castelo Branco), nos terrenos que correspondem às quintas de Desembargadores, Fonte da Mula (junto à
ribeira com o mesmo nome) e Rebouça. Nestas três quintas estão referenciados três sítios arqueológicos do
período romano: respectivamente um povoado, uma necrópole e um casal rústico. No caso da Rebouça, o
facto de terem sido identificadas estruturas correspondentes a um casal rústico romano no espaço que ainda
hoje se mantém como uma exploração agro-pastoril, denuncia a importância da exploração sistemática e
continuada do mundo rural albicastrense na longa diacronia (pelo menos desde a romanidade).
Estas e outras informações adquirem alguma relevância em termos de estudos arqueológicos, sobretudo para a
colocação de questões relativas à dinâmica de ocupação do território, durante o período romano. A
proximidade destas três propriedades (e respectivos sítios arqueológicos) ao espaço do triângulo arqueológico,

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


que, como já ficou expresso anteriormente, concentra os vestígios arqueológicos romanos mais significativos
da freguesia (onde se destaca a identificação de estruturas que poderão corresponder a uma villa: Sr.ª de
Mércoles) indica novas pistas para a percepção do território como um espaço com uma forte tendência para a
exploração agro-pastoril desde, pelo menos, o período romano. Numa outra perspectiva, a identificação de
algumas necrópoles romanas (Fonte da Mula, Sant’Ana, Sr.ª Mércoles) neste espaço, abona a favor da
presença de um povoamento romano concentrado, relativamente numeroso e agregador da população (cidade
de Belcágia?).

Fig. 18 – Topónimos comuns às propriedades rurais e aos sítios arqueológicos: Desembargadores, Fonte da Mula e
Rebouça.

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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 19 – Rede de caminhos rurais a nascente de Castelo Branco, no espaço compreendido entre as estradas N18-8 (a sul)
e N233 (a norte), rio Ponsul (a sudeste) e o limite da freguesia (a nordeste).

Considerações finais
O recurso ao software SIG, como é o caso do Quantum GIS utilizado neste estudo, têm-se revelado, nos últimos
anos, um campo com franco potencial de crescimento e adaptabilidade à investigação arqueológica,
providenciando um suporte essencial à informação espacial e ao estudo territorial em contexto arqueológico. O
backup de elementos e tipologia de informação que se pode projectar, analisar e cálcular em ambiente SIG,
dificilmente pode ser replicado por outros meios, sem evitar lacunas ao nível da informação disponibilizada e
concentrada num só suporte.
A proposta de uma abordagem arqueológica à freguesia de Castelo Branco tem por base vários factores, desde
logo a identificação de padrões de povoamento do território que hoje corresponde à circunscrição
administrativa da Junta de Freguesia de Castelo Branco, com vista a um melhor conhecimento do seu passado
histórico e sobretudo, arqueológico.
A referenciação dos sítios arqueológicos em ambiente SIG aponta para uma grande lacuna em termos de
investigação arqueológica na freguesia, com grandes áreas que se apresentam vazias em termos de informação
arqueológica em pleno contraste com outras onde essa informação é tendencialmente concentrada, como é o
caso dos territórios limítrofes da cidade. Procurar conhecer os contextos arqueológicos da freguesia é
portanto, até à disponibilização de mais informações, procurar conhecer as origens da própria cidade que, não
180 obstante ser uma capital de distrito, apresenta ainda informação muito residual e pouco aprofundada no que à
sua arqueologia diz respeito, ao contrário de outras cidades portuguesas de igual estatuto. No entanto, a
informação existente, suportada pela consulta bibliográfica, permite a obtenção de algumas conclusões
interessantes quando suportada por uma análise a posteriori dos dados do SIG.
A complementaridade das informações bibliográficas e dos dados em ambiente SIG é, para todos os efeitos,
uma das vias mais sólidas para a concepção de novas informações (e conclusões), sobretudo quando os dados
já conhecidos são complementados por outros elementos que resultam desta análise. Exemplo disto é, como já
foi exemplificado anteriormente, cruzar, em ambiente SIG, dados pré-existentes por referenciação (ex. sítios
arqueológicos) ou presentes noutros suportes (ex. propriedades rurais assinaladas na Carta Militar de Portugal)
com dados novos (ex. caminhos rurais traçados com base em imagens de satélite).
É a partir deste “diálogo” de informações que nasce informação complementar inédita: verifica-se, por
exemplo, uma coincidência entre topónimos de sítios arqueológicos e propriedades rurais, que por sua vez se
encontram integrados numa vasta rede de caminhos rurais que poderão incluir, mediante uma investigação
mais aprofundada, uma rede de caminhos antigos ao ligar um ou mais sítios arqueológicos. Da mesma forma,
parece existir uma relação de proximidade e semelhança (em termos de dinâmica de povoamento) entre os
Montes da Cardosa e o Monte de São Martinho (este último considerado um povoado fortificado proto-
histórico “clássico” e, sem grandes dúvidas, a estação arqueológica mais relevante da freguesia), informação

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


suportada não só pela bibliografia e respectivos vestígios arqueológicos, mas também pela análise da
informação SIG, nomeadamente, o Modelo Digital de Terreno.
Os SIG permitem, como se pode verificar por este estudo, conhecer o território através de uma nova
perspectiva. A informação arqueológica de Castelo Branco, apesar de parca em termos de intervenções de
campo, é sugestiva quanto baste para motivar novos rumos de investigação e propostas interpretativas (ex. o
território do triângulo arqueológico corresponderá a um exemplo de assentamento rural romano concentrado
ou haverá razões para aí localizar um núcleo urbano romano?).
Com base na dispersão dos vestígios arqueológicos para as diversas cronologias, foi possível criar ‘manchas’ de
ocupação que poderão definir padrões de povoamento do território de Castelo Branco, mas estas e outras
perguntas apenas poderão ser melhor elucidadas mediante a implementação e desenvolvimento de um plano
sólido que contemple a execução de intervenções arqueológicas (prospecções e escavações) nos espaços de
potencial interesse arqueológico. Para a definição desses mesmos espaços e de outras áreas de interesse, o
suporte SIG torna-se definitivamente essencial, uma vez que possibilita uma percepção do espaço geográfico
de óbvia utilidade formal e não poucas vezes conduz a sugestões e conclusões inéditas aos olhos do
observador.

Bibliografia:
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SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

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VILAÇA, Raquel (2010) - Da Idade do Bronze à Romanização no Centro Interior: espaços, territórios e
sociedades. Congresso Internacional de Arqueologia “Cem anos de investigação arqueológica no Interior
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182
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

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Práticas Introdução
Os objetivos iniciais deste seminário, tendo em conta a temática e os casos
funerárias e de estudo utilizados, visavam perceber sobretudo a localização e
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cultuais do implantação deste tipo de sítios, de práticas e rituais funerários e cultuais,


numa determinada área e na sua paisagem, bem como as suas
Bronze Final características, enquanto local de implantação de um culto em determinadas
condições naturais e topográficas.
da Beira Alta: Assim, neste seminário, usámos dois casos de estudo, que fazem parte dos
sítios intervencionados e estudados para o projecto: “Práticas funerárias e
o caso das cultuais do Bronze Final da Beira Alta”, que são os casos da necrópole da
Serra da Muna: um conjunto de três tumuli que foram escavados durante o
necrópoles da projeto e cujos resultados foram posteriormente publicados; bem como o
Serra da sítio da Casinha Derribada: outro local que apresenta um grupo de 5 tumuli.
Estes dois sítios arqueológicos localizam-se no concelho de Viseu e
Muna e encontram-se separados por 2500 m, sendo atribuída a ambos uma
cronologia dos finais da Idade do Bronze.
Casinha A justificação da escolha deste tema faz-se de acordo com motivações de
interesse pessoal por este tipo de sítios, com estas características funerárias
Derribada e cultuais, e porque se tratam de dois locais que foram ainda recentemente
alvo de escavações e de publicação no âmbito do projecto: “Práticas
(Viseu) funerárias e Cultuais do Bronze Final da Beira Alta”, que tem como
Luís Costa coordenadores científicos, os docentes e investigadores Domingos Cruz e
Raquel Vilaça.
Destes sítios possuímos já informação bibliográfica de base para se poder
partir para uma análise avançada, usando as ferramentas dos Sistemas de
Informação Geográfica, de maneira a poder confirmar ou trazer novas
perspectivas acerca das abordagens teóricas que tentam explicar a sua
implantação e localização na paisagem onde se encontram: o porquê das
suas características de implantação no terreno e sua influência ou papel
tanto nos rituais e práticas ai realizadas, como a questão da importância da
sua implantação, mais uma vez a realidade de vida dessas comunidades da
região, durante o final da Idade do Bronze.
Em relação à área a estudar é de salientar que esta sofreu também alguns
condicionalismos práticos, que têm a ver com algumas limitações técnicas
184 pessoais no manuseamento das ferramentas proporcionadas pela
plataforma SIG usada no trabalho, bem como condicionalismos próprios do
software usado.
Em termos metodológicos, a abordagem foi feita a partir das publicações científicas sobre os sítios que se
pretendia estudar e fazer uma leitura diferente ou complementar a essa informação já existente, usando as
capacidades de análise geográfica que os Sistemas de Informação Geográfica nos fornecem hoje em dia. A base
dessa análise espacial foram as fontes de informação geográfica de que dispomos hoje em dia, como as cartas
militares ou cartas temáticas sobre o território, bem como os modelos de elevação terrestre disponíveis
através do projeto G-DEM da NASA em parceria com o governo japonês.
O manuseamento dessa informação com as ferramentas dos SIG permitiu explorar novos dados para o estudo
desses sítios, numa perspectiva de análise das questões relacionadas com a importância da sua implantação no
terreno e em termos de interligação com os recursos naturais ou ainda numa perspectiva de tentar perceber a
dinâmica desses sítios com a sua função e com as populações a quem se destinam ou que fizeram uso deles.
Como fontes de informação para este seminário, foram usadas as cartas militares de Portugal n.º 166, 167, 177
e 178 (à escala 1:25000), assim como o inventário do Portal do Arqueólogo, como fonte de informação de onde
retirámos as coordenadas dos sítios arqueológicos estudados. Para além disso, usámos a carta litológica de

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Portugal à escala 1:1000000 e a informação teórica acerca dos sítios da Serra da Muna e da Casinha Derribada,
das publicações referenciadas na bibliografia e que fazem parte do projeto de estudo da região: “Práticas
funerárias e cultuais do Bronze Final da Beira Alta”.

Desenvolvimento
O trabalho prático realizado para este seminário e as questões que foram colocadas e exploradas no
desenvolvimento do mesmo, encontram-se condicionadas ao tipo de sítio arqueológico que é abordado, tendo
em conta que são locais de carácter funerário ou cultual. A abordagem feita teve em conta essa natureza do
sítio, podendo a análise e as questões colocadas serem diferentes, caso se tratasse de um sítio arqueológico de
natureza habitacional, por exemplo.
Sendo assim, e tendo em conta a abordagem e as questões colocadas nas publicações já existentes acerca do
sítio e de outros semelhantes, impõem-se certas questões que normalmente caracterizam mais este tipo de
sítios, como a sua implantação topográfica no terreno, o seu domínio na paisagem, a sua localização em termos
naturais, ou seja a proximidade aos elementos mais importantes da paisagem, considerados como locais com
simbologia mágica ou simbólica para as populações locais no final da Idade do Bronze, como os cursos de água
ou sítios naturais que sejam mais destacados na paisagem como zonas mais elevadas ou que exerçam um certo
domínio ou controlo visual da região.
Também a relação entre as matérias-primas usadas na sua construção e a oferta natural de matérias-primas na
região, bem como a sua ligação e importância para as populações vizinhas ou a dinâmica que formariam com
essas populações na vida social da região onde se localizam.

Descrição dos conjuntos funerários/cultuais da Serra da Muna e da Casinha Derribada


A necrópole da Serra da Muna é um conjunto de três tumuli ou monumentos com características de tradição
megalítica. Mas embora sejam construções de pedra como os monumentos megalíticos, têm dimensões muito
menores, e são chamadas de “cairn”, sendo características desta paisagem da Beira Alta, para este período do
final da Idade do Bronze.
A necrópole encontra-se em terrenos baldios que são pertencentes à freguesia de Campo, no concelho de
Viseu, distando cerca de 500 m para sudoeste do aeródromo municipal.
Estes três monumentos encontram-se no topo de uma pequena plataforma, a Serra da Muna, a uma altitude
média de 634 m, tendo assim um destaque na paisagem envolvente, devido também às suas próprias
185
dimensões.
Os monumentos encontram-se isolados na paisagem, devido às características do terreno, pois a área da Serra
da Muna que ocupam é favorecida pela inexistência de linhas de relevo. É um terreno ou uma plataforma mais
aplanada, em termos da orografia, que serve como base à construção destes três monumentos, fornecendo
ainda uma localização, um domínio visual para o vale do Mundão.
Em relação ao conjunto da Casinha Derribada, este é composto por cinco tumuli, das mesmas características
morfológicas dos três monumentos da Serra da Muna, encontrando-se a uma distância de 2500 m para leste da
Serra da Muna, localizados numa plataforma entre os 660-670 m, em terrenos que se encontram nos limites
das freguesias de Mundão e de Lordosa.
Os dois conjuntos estão virados para o vale do Mundão, encontrando-se ambos numa área mais abrangente
que pode ser considerada como uma plataforma mais elevada que acompanha o curso do rio Vouga, a sul
deste, constituindo um esporão da Serra da Nave, a leste do Sátão.
Para esta primeira abordagem à localização dos sítios a estudar, é mais fácil fazer essa visualização utilizando já
as ferramentas SIG, criando uma shapefile a partir da inserção das coordenados dos vários monumentos, que
pudessem depois ser visíveis na Carta Militar de Portugal nº 178, à escala 1:25000 (Fig. 1) e já georreferenciada
no SIG, de maneira a que as coordenadas dos sítios e a carta militar se sobreponham correctamente, utilizando
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o mesmo sistema de coordenadas para evitar erros na marcação dos sítios.

Fig. 1 – Implantação dos tumuli da necrópole da Serra da Muna (à esquerda) e os cinco tumuli do grupo da Casinha
Derribada (à direita), sobre excerto da carta militar n.º 178.

A implantação dos monumentos na paisagem


Para estudar a sua forma de implantação e a ligação com a paisagem e com as populações locais, podemos
dividir esta análise em distintos pontos de vista ou problemáticas acerca das características de implantação dos
monumentos.
Numa primeira abordagem, que tem mais a ver com as características topográficas do terreno onde estes
186
monumentos se inserem, tenta-se perceber a sua localização num território mais abrangente do que aquele
assinalado à partida apenas na Carta Militar, usando para esta observação diferentes ferramentas fornecidas
pelo software SIG ou por outras fontes de representação topográfica ou altimétrica, como são os Modelos
Digitais de Terreno (MDT). Neste ponto, foi fundamental visualizar a região da qual se partia para este estudo,
no caso, o concelho de Viseu, num modelo digital de elevação. Essa informação foi encontrada através do
projeto G-DEM, disponível na internet e patrocinado pelo governo japonês, em parceria com a NASA.
Esta fase de procura de informação levou a que, devido a condicionalismos do funcionamento do software, não
fosse possível ter a informação em formato MDT para toda a área do concelho de Viseu, ficando circunscrito
apenas ao território definido pelas quatro cartas militares (nº 166, 167, 177 e 178).
Nesse Modelo Digital de Terreno ou mapa altimétrico da área de estudo, os diferentes valores da altitude têm
correspondência numa escala de cores, onde foram assinalados os monumentos identificados (Fig. 2).

Fig. 2 – Localização dos


monumentos sobre um

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Modelo Digital de Terreno.

Este modelo é fundamental para o nosso estudo pois para além de nos dar uma perspectiva e uma
possibilidade de visão mais clara acerca da topografia da região, permite também, devido às suas
características e pelo facto de se tratar de um formato matricial no qual a cada pixel da imagem corresponde
um valor numérico, fazer muitas outras operações no software que são importantes numa análise deste tipo.
Como por exemplo, a elaboração de uma imagem em 3D da área de estudo, o chamado Modelo Digital
Terreste (Fig. 3), que permite fazer a mesma leitura do terreno em termos de perceber a sua topografia, não
apenas pela escala de cores, mas através da perceção dos declives e do seu relevo de uma forma mais
entendível.
187
Fig. 3 – Localização dos
monumentos funerários sobre
mapa de relevo.
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Outra ferramenta que pode ser utilizada a partir do mapa altimétrico é a elaboração de perfis de terreno, que
dão outra leitura da topografia. Os perfis de terreno são uma ferramenta simples que permite fazer um
diagrama com as altitudes entre dois pontos escolhidos no mapa, permitindo efectuar uma análise do relevo da
região, perceber as diferenças de altitude entre os pontos escolhidos e observar graficamente as continuidades
ou descontinuidades do terreno, o que ajuda à sua perceção.
Utilizando a ferramenta de perfis de terreno foi possível elaborar uma série de diagramas altimétricos
escolhendo alguns pontos do terreno que permitissem ler a região onde se inserem os dois grupos de
monumentos estudados, lendo os perfis do terreno em diferentes direcções, passando sempre pelas
necrópoles da Serra da Muna e da Casinha Derribada, fornecendo mais um dado para o estudo da posição
topográfica de ambos os locais.
Por exemplo, uma das abordagens possíveis é a de perceber graficamente que o conjunto da Serra da Muna se
encontra no lado oeste do vale do Mundão e que os monumentos da Casinha Derribada se encontram no lado
oposto do vale e numa cota de terreno superior ao dos monumentos da Serra da Muna. Isto feito a partir de
um perfil de terreno em que se percorre um itinerário pelos monumentos dos dois conjuntos, como se observa
na figura 4.

Fig. 4 – Perfil entre


os dois conjuntos
de monumentos
188
Também é possível ler graficamente a posição das necrópoles em relação à fronteira natural mais importante
da região que é o rio Vouga e que corre a norte do local, como que paralelamente à faixa de terreno mais
elevado, que tanto a Serra da Muna como a Casinha Derribada ocupam.
A partir de um perfil traçado desde o rio Vouga até à necrópole da Serra da Muna, na direção norte/sul, com o
mesmo procedimento realizado para o núcleo da Casinha Derribada (Figs. 5 e 6), é possível verificar mais uma
vez que estes dois locais se encontram num plano mais elevado do território de estudo.

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Figs. 5 e 6 – Perfis entre os distintos pontos de implantação das necrópoles e o vale do Vouga.

Foram realizados dois outros perfis de terreno, também interessantes de observar, para analisar e identificar a
diferença de relevo entre os monumentos dentro da mesma plataforma, isto é, a plataforma da Serra da Muna
(Fig. 7) e a plataforma da Casinha Derribada (Fig. 8). Esta perceção do relevo de cada conjunto de monumentos
é interessante, pois a sua análise será como que uma leitura complementar a uma outra ferramenta usada
durante este trabalho, a identificação das bacias de visão de cada um dos monumentos.

Fig. 7 – Perfil de terreno dos monumentos da


Serra da Muna.

Fig. 8 – Perfil de terreno dos


monumentos da Casinha Derribada.

189
A ferramenta que nos permite identificar o campo de visão de cada um dos monumentos – a bacia de visão -
faz uma análise a toda a área que é visível a partir de um ponto escolhido, e só é possível devido aos dados
fornecidos pelo mapa de altimetria já referido anteriormente.
Aplicando esta ferramenta a cada sítio, individualmente, que corresponde a cada ponto escolhido, o software
SIG dá-nos uma mancha de pixéis que correspondem àqueles que são visíveis do nosso ponto de vista.
Assim, para os três monumentos da Serra da Muna temos a figura 9, com a correspondente bacia de visão dos
monumentos 1, 2 e 3.
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Fig. 9 – Bacias de visão dos monumentos 1, 2 e 3 da Serra da Muna.

Ao observar estes dados, podemos fazer a comparação com aquilo que é a descrição da implantação dos
monumentos na paisagem referida na bibliografia. Podemos observar que o seu campo de visão se encontra
orientado para um controlo visual do vale do Mundão, igual para os três monumentos, sendo possível depois
observar algumas diferenças entre os três “cairn” devido às suas características especificas de implantação no
terreno.
Esta análise é facilitada, como foi referido acima, pela observação dos perfis de terreno elaborados para a
plataforma topográfica onde os monumentos foram construídos. Voltando à figura 7, e ao perfil que obtivemos
da plataforma da Serra da Muna, é possível perceber, por exemplo, que o monumento 3 tem um campo de
visão mais amplo sobre o território devido ao facto de estar construído a uma cota mais elevada que os outros
190 dois monumentos.
De realçar também que, de acordo com os dados fornecidos pela ferramenta das bacias de visão, apenas o
monumento 3 tem visibilidade para o conjunto da Casinha Derribada, o que mais uma vez se deve ao facto de
estar situado a uma cota superior.
Como vem referido na bibliografia, os três tumuli da Serra da Muna surgem na paisagem mais isolados uns dos
outros, aproveitando e ocupando áreas favorecidas pela inexistência de muito relevo, apesar da diferença de
cota entre os três, sendo que no caso do monumento 3, este aproveita uma superfície de cumeada de um
pequeno relevo que lhe dá um maior destaque visual e uma ampla abertura para o vale do Mundão.
Já em relação ao monumento 1, o seu domínio visual sobre o vale do Mundão é maior que os outros
monumentos, devido também à sua implantação no terreno, pois encontra-se mais a sul que os outros dois,
numa zona mais baixa e orientada para o vale.
Outro aspeto em que a análise das diferentes bacias de visão corrobora a informação bibliográfica é a de que
os monumentos não são visíveis entre si, também pela diferença de cotas, bem como dada a sua natureza
construtiva, em pouca altura.
Em relação aos cinco monumentos do conjunto da Casinha Derribada, os resultados obtidos com as bacias de
visão são observáveis na figura 10.

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Fig. 10 – Bacias de visão dos


monumentos 1, 2, 3, 4 e 5 da
Casinha Derribada. 191
A esta série de imagens que mostram os resultados da ferramenta das bacias de visão de cada um dos cinco
monumentos da Casinha Derribada, podemos fazer o mesmo tipo de análise que foi realizada para os
monumentos da Serra da Muna.
Neste conjunto de monumentos da Casinha Derribada é possível destacar os monumentos 1 e 2 dos restantes
três. Isto devido à sua implantação no terreno: quer em termos da cota a que se situam, que é mais elevada
nos monumentos 1 e 2 (como se observa no perfil de terreno traçado para a plataforma da Casinha Derribada:
Fig. 8), bem como em relação à sua posição, pois os monumentos 1 e 2 situam-se um pouco mais a norte, no
topo da cumeada, enquanto os monumentos 3, 4 e 5 se encontram numa posição mais baixa, para sul,
descendo já para o vale do Mundão.
Assim, na relação entre os monumentos de cada conjunto, a análise dos seus campos de visão poderá ser
parecida com aquela que é feita para a Serra da Muna, onde os monumentos numa posição menos elevada do
terreno e mais para sul, em direção ao vale do Mundão, têm um domínio visual muito mais circunscrito ao vale
do Mundão, do que os monumentos 1 e 2 que, aproveitando a sua posição mais elevada no terreno, têm um
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domínio visual muito maior que ultrapassa o próprio vale do Mundão, abrangendo mais paisagem envolvente.
Este maior domínio visual resultante da minha análise aos monumentos 1 e 2 já fora referido na bibliografia
referente à Casinha Derribada, mas apenas relevando a posição do monumento 1, em que se refere que a
topografia confere ao monumento 1 uma relativa monumentalidade e controlo visual de todo o espaço
envolvente.

A ligação com as populações da região


Estas características da implantação na paisagem, descritas e observadas anteriormente, levam-nos a tentar
encontrar e procurar as suas razões, de acordo com os autores da bibliografia de estudo dos monumentos,
para estabelecer a relação entre os monumentos e as populações locais.
Existiria uma proximidade geográfica e funcional a um povoado especifico, situado nas proximidades das
necrópoles, ou estes dois conjuntos serviriam um maior conjunto de populações dispersas por toda a área de
estudo?
Falando sobre este tipo de sítio arqueológico e a sua funcionalidade, e de acordo com a bibliografia consultada,
neste caso a ligação entre os monumentos e as populações da região não parece ser tão direta, em termos de
proximidade a um povoado específico ou de uma determinada população que dá vida a esse monumento, mas
encontra-se mais na perspectiva de serem atribuídos significados e simbolismos diferentes a estes locais de
culto funerário ou cultual.
De acordo com as evidências arqueológicas e com o espólio encontrado nestes monumentos (referidos na
bibliografia consultada) não é possível fazer uma ligação com os povoados mais influentes da região e que se
encontram em áreas próximas da Serra da Muna e da Casinha Derribada.
O local de habitação mais próximo da área destas duas necrópoles é o povoado fortificado do Bronze Final de
Santa Luzia, que se encontra a cerca de 3 km para sudoeste da Serra da Muna e a 5 km da Casinha Derribada.
Ora, de acordo com a bibliografia, este povoado fortificado, característico do Bronze Final da região, não
demonstra uma ligação direta com as duas necrópoles. Por exemplo, tendo em conta os vasos cerâmicos que
foram retirados destes tumuli, este espólio revela mais semelhanças e paralelos com a cerâmica do Cabeço do
Castro de S. Romão, em Seia, muito mais distante da área onde se encontram estes dois conjuntos funerários
que nos encontramos a estudar.
A localização e a proximidade do povoado de Santa Luzia a estas duas necrópoles pode ser melhor observada
através da visualização do exercício aplicado na figura 11.
192
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 11 – Análise da proximidade dos monumentos funerários ao povoado de Santa Luzia através de buffer de 5,5 km.

Para a época de que são datadas estas duas necrópoles, e para a sua construção e utilização, o tipo de
povoamento da região ainda não se encontrava caracterizado pelos povoados fortificados de altura do Bronze
Final, como o de Santa Luzia, mas existia um povoamento disperso pelos vales e zonas mais baixas do
território, mais propensos a uma prática agrícola.
É neste contexto que se encaixam as características de implantação destes monumentos no terreno, a
localização destes locais de culto no alto das plataformas mais elevadas da região, aproveitando as cumeadas,
declives ou esporões, sobretudo nesta região da Beira Alta, uma zona com vários acidentes e elevações do
terreno.
Essa posição de destaque poderia servir como uma forma de reunir as populações que se encontravam
dispersas pelas terras baixas deste território, como fator agregador das comunidades, num momento anterior
ao aparecimento dos povoados de altura fortificados, que vieram a reunir algumas populações num seu habitat
delimitado e onde se concentrariam depois todos os aspetos da vida económica, social e politica dessas
populações, em áreas contiguas a esses povoados, como é o caso das necrópoles.
Esta localização dos monumentos funerários da Serra da Muna e da Casinha Derribada nos pontos mais
elevados dos montes leva-nos também para outra possível explicação e significado, para além do fator
agregador e da marcação da paisagem. Estes locais identificadores da paisagem podem já conter significados
simbólicos ou religiosos, em termos de fenómenos naturais e características da paisagem que carregam essa
simbologia para os habitantes da região. Podiam ter o significado de lugares naturais sagrados ou mágicos, e
por isso seriam santuários para essas populações que viviam em comunhão bastante próxima com aquilo que a
natureza lhes dava, sendo a sua base económica sustentável a agricultura e o aproveitamento dos vários
recursos naturais. 193
Dentro desses recursos indispensáveis aos indivíduos da região, e que teriam certamente também uma
importância simbólica ou sagrada, encontramos os rios e as linhas de água mais importantes desta área de
estudo, onde se situam a necrópole da Serra da Muna e da Casinha Derribada, que são também um elemento
de estudo e análise importante a partir das ferramentas fornecidas pelo SIG.

Relação com os recursos naturais da região


Sendo os rios e as linhas de água de maior importância, indispensáveis à vida das populações da região, é
também interessante fazer uma análise da localização das necrópoles e a sua proximidade a estes recursos
hídricos tão importantes.
As ferramentas SIG foram importantes para esta análise, na medida em que é possível, através daquilo que elas
oferecem, transportar para informação vetorial a informação acerca das linhas de água que temos a partir das
cartas militares e identificar aquelas que consideramos mais importantes para o nosso trabalho, por serem as
mais caracterizadoras da região e da paisagem que nos encontramos a estudar. Essa recolha e transformação
de informação permite-nos compor uma imagem da nossa região com as diferentes informações de que
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precisamos, juntando as linhas de água e os sítios arqueológicos estudados num mesmo formato, em que é
possível apresentar apenas essa informação escolhida e fazer o seu manuseamento, conforme podemos ver na
figura 12.

Fig. 12 – Localização dos monumentos da Serra da Muna e da Casinha Derribada, na parte do concelho de Viseu
abrangida pelas cartas militares n.º 166, 167, 177 e 178, com as respectivas linhas de águas mais importantes da região.

Outra ferramenta que também ajuda a perceber a área de influência ou a proximidade às linhas de água mais
importantes da região, partindo do local onde se encontram os sítios que nos encontramos a estudar, são os
buffers. Esta aplicação permite traçar uma circunferência com um valor de raio entendido, definindo uma área
de influência, apenas geométrica, pois não tem em conta outras condicionantes, como sejam a distância
percorrida em tempo ou as dificuldades do terreno, que não seja a distância entre o ponto do qual partimos e
o raio que definimos para a circunferência.
Neste caso, a aplicação da ferramenta buffer foi realizada para os três monumentos da Serra da Muna e para os
cinco da Casinha Derribada, tendo em conta que se pretendia fazer uma análise da proximidade dos locais aos
194 rios e ribeiras da região, e que esse buffer ajudasse a ter uma maior perceção acerca da proximidade ou não da
Serra da Muna e da Casinha Derribada com essas linhas de água.
A análise resultante da aplicação de um buffer de 5,5 km de raio a cada um dos tumuli da Serra da Muna e da
Casinha Derribada, respectivamente, é observado na figura 13.
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Fig. 13 – Buffer de 5,5 km a cada tumuli da Serra da Muna e da Casinha Derribada.

A definição de uma área de 5,5 km de raio à volta de cada monumento, ajudou-nos, por exemplo, a analisar
que o rio Vouga constituía uma fronteira territorial bastante importante para a nossa área de estudo, se não
fosse possível atravessar o rio no seu curso natural e fosse necessário percorrer um longo caminho para o fazer
fora do seu curso ou numa zona em que existisse um menor caudal. Marcando uma fronteira terrestre a norte
das duas necrópoles, que definisse uma área de influência às respectivas necrópoles e para as populações que
exerciam os seus ritos sociais nesses locais, definiria uma área de vivência e de agregação mais pequena do que
era suposto pensar a uma escala maior de análise, uma espécie de demarcação territorial de um grupo de
diferentes comunidades que viveriam dentro das suas fronteiras mais próximas e simbólicas que seriam estes
cursos de água.
Outra observação interessante a retirar da elaboração destas imagens é que, no seu conjunto, a Serra da Muna
e a Casinha Derribada encontram-se no centro ou no encontro destas linhas de água mais importantes da
região. Parece existir um entendimento na construção destes elos de ligação com o mundo simbólico e
religioso, bem no centro do território que ocupam estas populações e da sua paisagem, marcando visualmente
ou apenas simbolicamente o coração do seu território com os seus antepassados, talvez uma forma de
devolver os seus antepassados a todas essas populações que viviam dispersas devido à sua atividade
económica, mas que se sentiriam parte integrante de uma comunidade maior que partilhava dos mesmos
valores e que afirmaria essa posição colocando aqueles que já tinham morrido, e as suas crenças e rituais, num
lugar da paisagem que chegasse a todos, que estivesse à mesma distância tanto ao nível geográfico, físico e
espiritual.
A relação entre os monumentos da Serra da Muna e da Casinha Derribada com os recursos naturais da região,
deve ter em conta uma análise mais focada nos monumentos em si, na sua construção e não tanto nas suas
significâncias. É necessário reconhecer que estes monumentos, apesar de serem de dimensões mais reduzidas,
vinham numa tradição da construção de estruturas megalíticas presentes em momentos anteriores desta
região.
Estes monumentos, tipificados como “cairn” por serem pequenas construções de pedra (matéria-prima
construtiva principal), tinham uma forma de serem realçados e destacados pelo uso de matéria-prima que
fosse um pouco contrastante com o resto do terreno em que se encontravam implantados. Sendo assim, e de
acordo com a informação bibliográfica, estes monumentos seriam construídos em grande parte com recurso à
matéria-prima mais abundante na região como é o caso do granito, mas também usando o quartzo como
elemento diferenciador e emprestando um impacto visual maior aos monumentos.
195
Essa referência é feita na bibliografia, destacando a implantação do conjunto da Casinha Derribada no local
chamado de “Monte Branco” ou “Penedos Brancos”, devido à grande quantidade de quartzo naquela área da
Serra do Mundão.
Fazendo a caracterização geológica desta área também é possível dizer que se trata de uma área do concelho
de Viseu que se encontra no “complexo xisto-grauváquico, de idade câmbrica e pré-câmbrica, com
intercalações de conglomerados constituídos por elementos de quartzo e quartzito”, sendo a região da Serra
do Mundão e Serra da Muna dominadas por uma paisagem granítica.
Neste caso, estes dados podem ser observados através da informação presente na Carta Litológica de Portugal,
assinalando os locais dos monumentos e usando novamente o exercício geométrico do buffers aos sítios, que
nos permitem fazer uma estimativa das matérias-primas existentes nas redondezas, novamente com um raio
de 5,5 km, o que dá aproximadamente um território teórico de exploração de uma hora de marcha, mas que se
encontra condicionado à região ou ao território mais pequeno que já antes referi como sendo talvez um espaço
de maior proximidade social entre os diferentes grupos de comunidades que povoavam dispersamente essa
área. Essa análise, através do uso destas ferramentas, é visível na composição da figura 14.
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 14 –Buffer dos tumuli sobre a Carta Litológica de Portugal.

Conclusão
Em jeito de balanço deste trabalho, devo referir que a área de estudo que tinha definido à partida era
demasiado ambiciosa e assim sofreu alguns ajustes à medida que foi sendo desenrolado o trabalho, focando-se
apenas nas duas necrópoles do final da Idade do Bronze de Viseu - a Serra da Muna e a Casinha Derribada,
analisadas em conjunto devido às suas similitudes ao nível construtivo e da implantação na paisagem, bem
como devido à sua proximidade geográfica.
Num futuro desenvolvimento deste tipo de análise, deve-se tentar ter em consideração o restante conjunto de
sítios desta natureza existentes na região, deste período cronológico, para um estudo de âmbito mais alargado,
juntando a estes dois sítios outros como a necrópole do Paranho (Tondela), Senhora da Ouvida e Rochão
(Castro Daire) e o sítio do Pousadão (Vila Nova de Paiva), de maneira a tentar usar as capacidades de análise e
as ferramentas disponibilizadas pelos SIG para estudar as características geográficas, topográficas e naturais
196 destes sítios, e da sua interligação com a paisagem, com os recursos naturais da região e com as suas
populações.
Fica para mim a ideia de que, e de acordo com a bibliografia e os autores utilizados como base teórica para
este trabalho, o estudo deste tipo de sítios, com estas características e funcionalidades a que lhes atribuímos,
tanto a nível da prática funerária como de outros rituais religiosos e simbólicos, deve ser orientado para uma
perspectiva que contemple principalmente a sua inserção e a sua implantação na paisagem e ligação com os
recursos naturais existentes na região. Não descurando também as simbologias atribuídas à paisagem pelas
populações que nela habitam e de onde deriva o seu sustento, já numa perspectiva de arqueologia da
paisagem, de significâncias dadas à paisagem, onde as ferramentas e aplicações SIG não deixam de ser muito
importantes e úteis para este tipo de análise, como foi feito neste trabalho.
Para além das ferramentas usadas e descritas neste trabalho, foram experimentadas outras aplicações
disponibilizadas nos SIG, mas quer pelos resultados obtidos, quer pela natureza dos sítios ou pelo seu número
reduzido, não achei que fizessem sentido: como os polígonos de Thiessen, o Diagrama de Voronoi ou a
Triangulação de Delaunay. Em minha opinião, são ferramentas que funcionam melhor, ou dão mais indicações,
se tivermos um maior número de sítios, que interajam de maneira diferente num espaço geográfico maior.
Não creio ser possível dizer que existe um controlo ou domínio em termos do território e a nível social e
económico entre a Serra da Muna ou a Casinha Derribada, como por exemplo se estivesse a estudar um

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conjunto de castros do Bronze Final ou da Idade do Ferro numa determinada região e as interações entre os
mesmos.
Por tudo isto, entendo este trabalho como uma tentativa de explorar novas ferramentas para a abordagem
teórica da arqueologia, não como um trabalho já realizado e concluído, mas como um estudo inicial e
complementar à análise teórica e bibliográfica existente. Reconhecendo também que existe ainda uma falha na
exploração destas ferramentas SIG pela minha própria pessoa.
É apenas um pequeno contributo para esta problemática, mais da esfera cosmológica e de significados e
simbologias, no meu entender, que todas as populações durante a sua existência física e social, ao longo das
eras, foram dando àquilo que as rodeava, à natureza, bem como à noção da morte e do fim da existência
terrena dos indivíduos.

Bibliografia
CRUZ, Domingos Jesus (1989) - Expressões funerárias e cultuais no norte da Beira Alta (V-II milénios a.C.).
Estudos Pré-históricos. Viseu. 6, p. 149-166.
CRUZ, Domingos Jesus; GOMES, Luís Filipe Coutinho; CARVALHO, Pedro Sobral (1998) - Monumento 2 da Serra
da Muna (Campo, Viseu). Resultados preliminares dos trabalhos de escavação. Estudos Pré-históricos. Viseu.
6, p. 375-395.
CRUZ, Domingos Jesus; CARVALHO, Pedro Sobral de; GOMES, Luís Filipe Coutinho (1998) - O grupo de tumuli da
"Casinha Derribada" (conc. de Viseu). Resultados preliminares da escavação arqueológica dos monumentos 3,
4 e 5. Conimbriga. Coimbra. 38, p. 5-80.
VILAÇA, Raquel; CRUZ, Domingos Jesus (1999) - Práticas funerárias e cultuais dos finais da Idade do Bronze na
Beira Alta. Arqueologia. Porto. 24, p. 73-99.

197
A Arqueologia Introdução
O presente trabalho, enquadrado na unidade curricular de Sistemas de
no Baixo Informação Geográfica aplicados à Arqueologia, terá como objectivo abordar
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Vouga até ao I as questões em torno do povoamento antigo na zona do Baixo Vouga,


através dos SIG. Para o efeito, o programa utilizado foi o Quantum GIS,
milénio a.C.: leccionado na referida unidade curricular.
Em termos arqueológicos, toda a zona apresentada tem um profundo défice
questões e no que toca ao conhecimento arqueológico, bem como das realidades
antigas geográficas, espaços esses que determinavam o dia-a-dia das
propostas comunidades ali instaladas.
A escolha deste espaço estudado prendeu-se principalmente com o grande
Luís Fareleira interesse que temos por esta zona, uma vez que somos de Aveiro, e
sentimos que é nosso dever, como cidadãos e como arqueólogos, tentar
introduzir um estudo de caracter arqueológico, uma vez que apenas existem
informações dispersas e algo vagas, tentando assim promover uma grande
interdisciplinaridade, pois entendemos que só assim é que o conhecimento
pode evoluir.
Em termos administrativos, o Baixo Vouga inclui onze concelhos, contudo no
nosso trabalho apenas vamos trabalhar oito destes concelhos: Albergaria-a-
Velha, Águeda, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Murtosa, Oliveira do Bairro e Vagos.
A escolha baseia-se principalmente em dois pontos fulcrais: por um lado, a
questão do tempo acabou por determinar a abordagem que foi feita, uma
vez que uma área mais alargada iria envolver, obviamente, um maior estudo,
o que por sua vez iria tornar a análise mais demorada. Por outro lado,
percebemos desde cedo que tentar perceber as dinâmicas e realidades
espaciais do paleo-estuário do Vouga era uma questão imperativa, na
medida que essa iria delimitar um espaço de estudo, mas também iria ser
fulcral para entender as comunidades aqui presentes, uma vez que sem
entender o seu espaço, a nosso ver, é impossível tentar compreender as suas
dinâmicas. Desta forma, os concelhos escolhidos acabam por traduzir essa
realidade estuarina, bem como o contraste entre as zonas mais altas do
Vouga.
Em relação à informação recolhida no que toca à Arqueologia local, esta
baseou-se unicamente no Portal do Arqueólogo (DGPC). Assumimos desde
198 logo que para um estudo deste tipo, o que deveria ser feito para a
compreensão total do espaço era um levantamento integral de todas as
realidades arqueológicas que se conhecem, sendo que o portal não integra a
totalidade dos sítios existentes. Contudo, na zona estudada, a quantidade de
intervenções arqueológicas realizadas no espaço são escassas (não por falta de interesse arqueológico, mas por
pura negligencia e falta de sensibilidade para estas questões). Assim, este processo de procurar mais
arqueossítios envolveria uma grande pesquisa bibliográfica, bem como uma necessidade de ir ao terreno e
georreferenciar as ocorrências patrimoniais identificadas.
Em relação ao tipo de sítios escolhidos, a nossa baliza cronológica situou-se na ocupação até ao I milénio a.C.
Isto é, apenas foram registados arqueossítios onde a cronologia fosse romana, ou anterior. Esta opção tem
haver principalmente com a questão do paleo-estuário do Vouga, visto que se existia um sítio implantado
numa certa localização, ali não poderia estar submerso pelas águas. Neste sentido, é a Arqueologia que acaba
por ter um papel central nesta identificação das realidades geográficas antigas, sendo que as implantações
humanas nos podem dar uma possível linha de costa.
Assim, temos por objectivo máximo com este trabalho levantar questões, lançar hipóteses para que a
investigação do Baixo Vouga comece a ser valorizada no seio da comunidade arqueológica. Apesar de este
estudo ser de carácter introdutório, as análises apresentadas tiveram o cuidado de se alargar para outros

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campos relacionados com a complexidade destas realidades antigas, quer em termos de geologia, geografia e
climatologia, para que o resultado final consiga ser o mais abrangente possível.
Neste sentido, a região do Baixo Vouga é constituída por zonas bastante baixas (altitudes que rondam os 10
aos 140 metros), sendo esta delimitada por uma zona mais alta, a rondar os 150 metros.

Fig. 1 – Apresentação gráfica da região de estudo: altimetria, linhas de água e o povoamento até ao I milénio a.C.

Todos estes terrenos têm um grau de fertilidade bastante elevado, sendo propícios para a agro-pastorícia. Hoje
199
em dia, os terrenos mais baixos são usados principalmente para a prática agrícola, bem como para a exploração
de sal.
Em relação à rede hidrográfica, o Vouga assume-me como o rio principal de toda a realidade em estudo. No
entanto, na sua zona estuarina, forma-se uma rede complexa de pequenos ribeiros e afluentes, a que uns
designam de Haff, e outros de Ria. No entanto, nota-se uma grande confluência dos cursos fluviais, criando
entre si uma rede entre o Baixo e o Alto Vouga.
A nossa análise centrar-se-á, porém, no paleo-estuário do Baixo Vouga e nas dinâmicas das suas comunidades.
Assim, a realidade actual acaba por ser drasticamente diferente do que a sua antiga forma. Um dos grandes
agentes de mudança nesta zona estuarina (se não o maior) foi a construção da Barra de Aveiro. De facto, a
assoreação do rio Vouga foi de tal forma violenta, que o contacto com o mar foi barrado, criando graves
problemas em termos de saúde pública, uma vez que as águas estagnadas acabariam por gerar grandes surtos
de doenças na população. Assim, a construção desta abertura para o mar foi uma obra imperativa para o bom
funcionamento de toda a comunidade.
É com este cenário de diversidade, complexidade e interdisciplinaridade que iremos abordar a questão do
povoamento do Baixo Vouga até ao I milénio a.C.
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Acerca dos Sistemas de Informação Geográficos aplicados à


Arqueologia
Os Sistemas de Informação Geográfica são sem dúvida uma ferramenta essencial para o melhor entendimento
das paisagens actuais, bem como para detectar elementos que possam identificar vestígios de
ocupações/utilizações dos espaços. Através das análises de fotografia aérea, bem como a observação das
curvas de nível das cartas militares, torna-se possível identificar traçados antigos (ou mesmo vestígios de redes
viárias), bem como a identificação de assentamentos antigos – tudo isto ligado com a Arqueogeografia,
disciplina que se debruça sobre todo este tipo de questões ligadas com o espaço (1).
No entanto, apesar de todas as potencialidades que esta grande ferramenta nos pode fornecer (referimo-nos
aos SIG), pensamos que o seu uso tem de ser cuidado e bem pensado, pois de outra forma poderemos entrar
num raciocínio erróneo, na medida em que se pode acabar por criar uma realidade que nunca existiu. Por
outras palavras, estas ferramentas dão-nos a possibilidade de representar graficamente aquilo que observamos
(através do desenho das formas que são observadas), bem como a criação de polígonos, alguns sendo
baseados em esquemas teóricos.
É o caso dos Polígonos de Thiessen, também denominados Diagramas de Voronoi, que apesar de possuírem
uma grande base teórica (matemática) por trás, em última análise são um mero conjunto de pontos num
determinado espaço, donde a distância entre cada um não é maior que a sua distância para os outros pontos,
sendo por isso equidistantes. Ora, em termos arqueológicos este tipo de metodologias têm de ser aplicadas
com muito cuidado, e a nosso ver, com muitas reservas. Isto porque, como sabemos, a ocupação humana num
espaço não se baseia propriamente na sua localização equidistante (por vezes isso não era sequer tido em
conta), mas sim nas melhores localizações para o estabelecimento das comunidades: factores como a
proximidade a linhas de água, terrenos férteis, zonas de fácil defesa (caso dos castros) ou outros tantos
factores que nós desconhecemos. Assim, criar zonas de dispersão a partir de um modelo estático e
determinista, que não tem em consideração todo este tipo de variáveis, acaba por se tornar, a nosso ver, um
esforço reflectivo com pouco proveito para o entendimento das comunidades ali presentes.
Outros modelos de cálculo são igualmente usados para o entendimento destas comunidades. Um caso
paradigmático será o processo de cálculo dos “caminhos óptimos”, onde através de análises feitas por
ferramentas do programa (neste caso, o GRASS), é traçada uma linha que liga um ponto a outro, da forma mais
directa possível. Todo este processo não é arbitrário, e tem em consideração alterações altimétricas, bem
200 como as zonas mais planas e mais propícias para serem percorridas. Contudo, a nossa opinião acaba por ser,
novamente, a de algumas reservas e cuidado ao usar este tipo de ferramentas. Isto porque a realidade espacial
de hoje, não seria certamente a realidade de milénios atrás, logo o cálculo acaba por ser desenquadrado da
realidade. Este percurso ignora também as linhas de água, ou melhor, atravessa-as sempre que se cruzam no
caminho. É óbvio que esta realidade é bem possível (a construção das pontes serve exactamente para esse
propósito), mas é difícil de entender que várias comunidades construíssem várias pontes para seu usufruto do
espaço. Dada a grande quantidade de matéria-prima empregue, bem como trabalho e tempo, seria de esperar
que as comunidades acabassem por usar algo já construído anteriormente, ou por outro, arranjar outras
soluções que hoje não são possíveis de ser identificadas.
No entanto, assumimos que esta ferramenta pode ser útil em casos bem estudados, onde a realidade antiga é
bem conhecida, e principalmente, se este for considerado como mais um elemento de reflexão ou de hipótese
reflectiva. De facto, esta ferramenta acaba por ter grandes potencialidades para levantar questões e lançar
hipóteses, sendo este um passo imperativo para a construção de qualquer discurso científico.
Assim, consideramos que os SIG devem ser usados na sua maior potencialidade na Arqueologia, possibilitando
o entendimento do espaço de uma forma extremamente bem enquadrada com as realidades arqueológicas ali
presentes. A nosso ver, num tempo onde os financiamentos para estudos arqueológicos estão a ser
dramaticamente reduzidos, onde a própria Arqueologia passa por tempos de alguma estagnação, o uso deste

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tipo de programas informáticos torna-se imperativo para o avanço da ciência, uma vez que com o devido
estudo, enquadramento, ponderação e vontade, é possível conhecer-se realidades e complexidades
arqueológicas que até hoje não eram entendidas.

A análise geográfica do paleo-estuário do Baixo Vouga


O presente estudo tem como objectivo a tentativa de análise das dinâmicas humanas na bacia do Baixo Vouga,
mas em Arqueologia, torna-se impossível analisar o Homem, sem analisar o seu espaço. Neste sentido,
tentaremos propor uma possível linha de costa para a cronologia já referida sendo esta entre o III milénio a.C.
até ao início do I milénio d.C. Contudo, esta problemática acaba por ser extremamente complexa, tendo já sido
estudada por grandes cientistas e pensadores contemporâneos (desde Amorim Girão, Alberto Souto até João
Alvarinho Dias, entre tantos outros), e por isso, muito humildemente nos debruçamos sobre esta discussão,
tentando de certa forma confrontar os dados estudados com uma projecção inserida na realidade actual.
Este problema não tem uma explicação clara e conclusiva, na medida em que existem uma grande quantidade
de variáveis a ter em conta. Desde as alterações do nível do mar, ao processo de assoreação dos rios, passando
pela acção humana, traduzida em alterações profundas dos terrenos e dos cursos de água, tornam esta
questão extremamente difícil de entender e, provavelmente, impossível de afirmar com certezas as
configurações dos espaços há milénios atrás.
No caso do Baixo Vouga (principalmente, em relação ao seu estuário), assiste-se a uma alteração
extremamente profunda da costa, sendo talvez a mais complexa no caso português. No entanto, existem
algumas pistas e estudos sobre a sua situação antiga – sendo elas de carácter geográfico, geológico, geofísico e
arqueológico – que nos podem dar a entender como seria a sua configuração neste espaço.
Esta abordagem traduz-se numa plena interdisciplinaridade entre as várias ciências, onde até aqui a
Arqueologia tem sido a menos interventiva. De facto, na região de Aveiro, o estudo do passado humano é
muito pouco valorizado (salvo raras excepções, caso do Município de Águeda). De facto, para esta questão do
paleo-estuário do Vouga, os dados arqueológicos tornam-se indispensáveis, visto que a implantação humana
representa um espaço consistente, onde existiriam condições mínimas de habitabilidade, correspondendo
assim a um local que não seria engolido pelo mar. Discutiremos as questões dos assentamentos humanos mais
a frente.

As dinâmicas do nível do mar


Existem claras deficiências no que toca ao entendimento das morfologias no litoral português. Por um lado, as 201
alterações climáticas podem ditar as dinâmicas do nível do mar (desde logo as glaciações e os processos de
degelo), por outro as acções humanas podem ter uma grande influência no que toca as configurações destes
territórios, por vezes mais do que a própria natureza.
Segundo J. Alveirinho Dias (2), há cerca de dezoito mil anos o mar estaria a uma cota de 120 m abaixo do nível
actual, o que representaria uma faixa de costa mais extensa, “entre vinte e cinco e quarenta e cinco
quilómetros para Oeste” (Dias, 1987: 322). Desta forma existiria uma grande faixa de terra (hoje engolida pelo
mar), o que desde logo nos alerta para o facto da grande alteração geográfica que a modificação dos seus
níveis pode causar.
Segundo o mesmo autor, esta subida do nível do mar deve ter estabilizado entre cinco mil a dois mil e
quinhentos anos atrás, criando condições para a constituição dos depósitos litorais. No entanto, “indícios vários
apontam para a possibilidade do nível do mar ter estado ligeiramente abaixo do actual há cerca de dois mil
anos (Baixo nível romano)” (Dias, 1987: 333).
De qualquer modo, estando o mar a uma cota superior à actual, indica que este inundava as zonas mais
húmidas de hoje, obrigando as populações a adaptarem-se à nova realidade ou a procurar zonas mais estáveis
e com melhores condições de vida.
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Gráfico 1: Nível do mar proposto por Alveirinho Dias (1987)


com base nos dados sedimentológicos e geomorfológicos da
planta continental nortenha apoiada em estudos efectuados
por outros autores para o Atlântico Norte (Freitas e Andrade,
1998: 66).

O gráfico 1 mostra as realidades das flutuações do nível do mar. De facto, as suas variações são consideráveis,
não havendo uma evolução gradual da linha de costa. Parece ainda haver algumas dúvidas em relação ao seu
nível durante os anos, traduzindo-se na existência de duas linhas, mostrando o intervalo métrico que os
especialistas consideram aceitável para a sua subida.
Assim, é possível observar que deverá ter sido entre cinco mil e dois mil anos atras que o mar estabilizou. Da
mesma forma, é pertinente pensar que, durante o I milénio a.C., o mar se poderá ter situado a cerca de 3 ou 4
metros abaixo da cota actual.
Neste sentido é importante ter em conta que, estimando a «elevação de apenas 1 m do nível médio do mar
2
implicaria a submersão de cerca de 40000 km da superfície dos EUA (metade da área de Portugal
Continental)» (Freitas e Andrade, 2009: 40).
São os mesmos autores que abordam a questão das pequenas alterações deste nível, no sentido em que
existem durante a história do Homem algumas situações onde se verificaram algumas mudanças nas cotas das
águas vindas do oceano.

202
Gráfico 2 - Variação do nível do mar nos últimos
2500 anos na costa atlântica francesa (adaptado de
Dias, 1987; Freitas e Andrade, 1998: 66).

Desta forma, é possível observar as

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mudanças que se verificaram ao longo
dos tempos. Por um lado, as cotas, em
período romano, estão a 2 metros da actual. Isto significa que durante o período em que estas cotas seriam
inferiores, a morfologia dos terrenos poderia ser significativamente diferente, podendo formar-se pequenas
ilhas, ou pequenas baías, contribuindo para um ajustamento, quer em termos agrícolas, quer em termos de
adaptação as novas realidades marítimas.
Esta flutuação constante das águas do mar alerta-nos para estas pequenas variações: é que apenas com estas
pequenas alterações, a área de terra ocupada poderá ser dramaticamente maior, bem como a profundidade de
zonas de água, representando quase mar aberto, zonas que hoje correspondem a terra firme. Exemplo disso
será a armadilha de pesca encontrada na praia de Espinho. Apesar de ser fora da área estudada no presente
trabalho, acaba por ser um bom exemplo da importância deste factor.
A armadilha foi encontrada numa área de marés vivas, a 2,5 metros de profundidade, ficando a “descoberto da
areia em resultado do acentuado recuo na linha de costa nesta zona; recuo que cifrará em cerca de 500 metros
no prazo de um século” (Alves, Dias, Almeida, Ferreira e Taborda, 1988-1989: 187). Esta estrutura estava sobre
uma camada argilosa, e coberta por uma camada de turfa, com a presença de raízes de árvores.
As datações da estrutura indicam os séculos I-II, a camada inferior apresentou uma datação de 2420 BP,
enquanto a camada superior data dos séculos IX-X, e as raízes foram datadas dos séculos X-XI.
Estes dados introduzem-nos para a realidade mais complicada de perceber, sendo esse o nosso objectivo de
trabalho: o estuário do Vouga. Será importante fazer um parêntesis para expor o que foi dito durante os vários
estudos feitos sobre esta temática.
Para Luiz Lucci, «no local onde hoje se encontra a Ria de Aveiro, desempenhava-se outrora uma reentrância da
costa» (Lucci, 1918: 43), desembocando o Vouga para noroeste, na reentrância da Murtosa.
Segundo Amorim Girão, a antiga linha de costa deveria passar onde se encontra a linha férrea - partindo de
Esmoriz, passando por Ovar, Estarreja, Salreu, Farmelã, Angeja, Esgueira, Aveiro e terminando em Vagos (Girão,
1922).
Para Alberto Souto, o estuário do Rio Vouga não deve ser muito diferente do que se verifica actualmente,
defendendo que o cordão que se avista hoje no litoral começou a ser formado durante a época romana, não
referindo a sua foz (Souto, 1923).
Em 1941 Amorim Girão e Fernando Martins em 1947, escrevem que a foz do Vouga se situava a “cerca de 20
km para o interior do litoral actual, perto da confluência dos afluentes Águeda e Cértima” (Alves, Dias, Almeida,
Ferreira e Taborda, 1988-1989: 199).
Para Jorge de Arroteia (3), a região costeira acabou por sofrer alterações na sua configuração original, levando à
formação do extenso cordão litoral que se estende desde Espinho até Mira, determinando a evolução das 203
populações de toda a zona ribeirinha. De facto, «a bacia do Vouga nem sempre teve a amplitude, o vigor e o
movimento dos nossos dias», já que «há cerca de dez séculos o vale era mais estreito e reentrante e a foz mais
recuada – ficando perto da confluência do Águeda e do Cértima» (Arroteia, 1996: 5).
Francisco Teixeira (4), em 1997, escreveu que «o espaço actualmente ocupado pela Ria de Aveiro foi há muitos
séculos atrás um pronunciado golfo, onde desembocava, orientado a Noroeste, um vasto estuário comum aos
Rios Vouga, Águeda e Cértima. Este golfo formou-se já no plistocénico, após a modificação do relevo dos rios
que a regressão vilafranquina (1,5 M.a) proporcionou. A região foi afectada por sucessivas regressões e
transgressões que tiveram um enorme impacto na foz do Rio Vouga, passando o seu curso a correr de Sudoeste
para Noroeste» (Teixeira, 1997: 8).

Gráfico 3 - Evolução do estuário do rio Vouga no séc. X,


reproduzido de Galera Franco (Blot, 2003).
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Achamos necessário alertar para mais uma questão pertinente. Estando o mar a uma cota inferior da actual
linha de água, a antiga linha de costa deveria se estender em 25 a 40 km. Não será de considerar esta paleo-
costa em termos arqueológicos?
Apesar do estudo ser de uma grande complexidade, quer em termos científicos, metodológicos, e
principalmente com grandes encargos financeiros, é de extrema importância ter em mente este tipo de
situações. Caso paradigmático disso é o assentamento conhecido como Doggerland (5), tratando-se de um
grande complexo do Paleolítico/Mesolítico, onde os arqueológos pensam que se poderá tratar de várias
comunidades, somando cerca de dez mil pessoas.
Este arqueossítio localiza-se no Mar do Norte, entre a Grã-Bretanha e a Dinamarca, estando por isso hoje
submerso pelo dito mar. As datações até agora apontadas para o seu desaparecimento encontram-se entre
18000 e 5000 anos antes do presente.
Apesar de ser um estudo envolto em controvérsia, e certamente com grandes problemáticas em termos
metodológicos, bem como dificuldades interpretativas, acaba por ser um despertar para uma vertente da
Arqueologia até aqui impossível de aplicar por falta de meios capazes de analisar estas realidades. É certo que
este tipo de estudos têm de ser feitos com cuidado, e a nosso ver, facilmente podem escorregar para o campo
da imaginação, deixando o campo reflectivo, analítico e interpretativo. Contudo, é uma prática inovadora e que
acaba por responder a todas estas questões que envolvem o povoamento antigo.
204
Fig. 2 – Imagem de
satélite (Google Earth)
da Península Ibérica.
A oeste, a sul e a leste é
possível ver as áreas onde
se poderia situar uma
paleo-costa há 18 mil
anos atrás.

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A assoreação no rio Vouga
Segundo o que foi estudado até hoje, a principal causa da grande alteração da zona do estuário do Vouga deve-
se à assoreação. Este processo traduz-se na erosão que o rio provoca no seu leito, e devido à corrente, estes
sedimentos são conduzidos para as suas margens, e eventualmente para a sua foz. O depósito destes
sedimentos levará a acumulação de grandes quantidades de matérias, podendo diminuir as dimensões dos
rios, dos estuários ou, em casos mais extremos, criar uma barreia entre o mar e o rio, impossibilitando que o
segundo corra para o primeiro. Foi isso que se verificou no caso do estuário do rio Vouga.
Luiz Lucci foi um dos primeiros investigadores a debruçar-se sobre a complexa questão. Segundo ele, «a
maioria dos geólogos atribui as alterações litorais sobretudo a movimentos do solo, amortecendo o papel
desempenhado por alguma oscilação do nível dos Oceanos» (Lucci, 1918: 17). Este processo de assoreação
pode também estar ligado a fracas marés e à ausência de grandes profundidades.
Durante a sua obra, o autor cita outro investigador, Frederich Ratzel, a propósito deste processo. De facto,
«quando um rio desemboca numa lagoa separada do mar por um lido, ela depõe os materiais neste espaço
restrito. Quanto mais abundantes forem os sedimentos transportados e menor o espaço, tanto mais
rapidamente a lagoa se transformará num delta, o qual no fim só deixa reconhecer a sua génese pelas margens
sólidas e porventura elevadas». Esta afirmação tem um valor enorme. Por um lado, encaixa-se perfeitamente
no caso do Vouga, e por outro lança-nos a ideia que este poderá ser “recriado” a partir da análise das curvas de
nível. E de facto, o processo de sedimentação acaba por resultar numa acumulação de terras, elevando a cota
dos terrenos afectados.
Será importante notar a referência feita para P. Choffat e Leite de Vasconcelos, na medida em que estes
arqueólogos tentaram alertar a comunidade científica para estas questões ligadas com a complexidade envolta
no povoamento desta região.

205
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013

Fig. 3 – Realidade actual da área de estudo. De notar que o cordão que separa o estuário é artificial. A Barra de Aveiro é
uma estrutura que começou a ser construída no final do séc. XVIII, sendo ainda hoje alvo de pequenas intervenções.

J. Alvarinho Dias defende que no decurso da fase de estabilização do nível do mar, provavelmente nos últimos
5000 anos, “o litoral entrou progressivamente em equilíbrio tendo-se constituído os depósitos litorais” (Dias,
1987: 333), sendo geralmente aceite que o nível actual terá estabilizado entre 5000 e 2500 anos atrás.
Este investigador defende também que a laguna se tenha formado recentemente, há cerca de 1000 anos.
Apesar disso, o nível do mar poderia ser um pouco abaixo daquilo que estará hoje, traduzindo-se numa foz
diferente, havendo talvez zonas propícias à ocupação, que hoje se encontram submersas.
As alterações da linha de costa podem dar-se através de dois processos bastante distintos, porém claros:
através do litoral de arriba ou erosão, e litoral de baixo de acumulação. “É neste último que ocorrem as baías,
lagunas e estuários, locais onde as transformações evolutivas são mais notáveis a longo prazo” (Freitas e
Andrade, 1998: 64).
Os rios acabam por ter um papel decisivo nas dinâmicas da linha de costa. Sendo estes um grande veículo de
sedimentos (originando a sua posterior deposição), e visto estarmos num regime transgressivo, as zonas de foz
são alvo de um grande processo de deposição de terras, uma vez que os sedimentos fluviais “que eram
depositados no Oceano, serão agora depositados no interior do curso fluvial” (Freitas e Andrade, 1998: 67).
Desta forma, esta assoreação conjugada com o nível do mar resulta numa associação cada vez mais para o
interior, formando por exemplo as lagunas e os cordões de terras. Para os autores referidos, é entre 7212 e
3700 BP que esta evolução se faz à custa de uma barreia impermeável e à custa de sedimentos terrígenos.
Outra realidade que acaba por contribuir para este factor é a desmatação e desflorestação dos terrenos, o que
por sua vez leva a um processo de menor instabilidade de terras, acentuando o seu escorrimento para zonas
206 mais baixas.
Em relação à formação da foz de Aveiro, antes do séc. X, o “cordão litoral que se estende hoje entre Espinho e
o Cabo Mondego, encerrando o espaço lagunar da Ria de Aveiro não existiria, e o litoral desenharia um golfo
amplo, aberto ao Oceano, onde desaguava o Cértima, o Águeda e o Vouga” (Freitas e Andrade, 1998: 68).
Amorim Girão, que escreveu uma das melhores obras sobre esta problemática, recorre-se da Arqueologia para
a explicar. No entanto, o autor relaciona a problemática do estuário com povoações que poderiam estar ligadas
à pesca, referindo a Agra da Pedra Moura e a povoação da Mamoa de Estarreja (arqueossítios que não
conseguimos localizar). No entanto, nada argumenta em relação à sua actividade piscatória.
O investigador fala-nos também de uma ilha (referida inicialmente por Martins Sarmento), a qual denomina de
Pelagia Insula. «Deve pois, ser a verdadeira afirmação de que à foz do Vouga aproavam navios fenícios,
Cartagineses, e depois Romanos» (Girão, 1922: 60).
Interpreta esta ilha como sendo o local de refúgio das populações aquando a conquista romana. «Ali, junto à
nova foz do Vouga se fundou a povoação de Aveiro» (Girão, 1922: 62). Girão afirma que esta zona tinha a
denominação de Aviarium.
Alberto Souto socorre-se igualmente desta suposta ilha, mas defende que o estuário da altura não seria muito
diferente do que se regista hoje. Segundo este, é possível a existência de um acidente geográfico – como uma
ilha – na orla costeira da região, localizando-a hipoteticamente entre o Vouga e o Mondego.

SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013


Segundo o autor, esta Pelagia Insula deveria ser coberta de vegetação, que não seria típica de uma
implantação em alto mar, traduzindo-se assim «numa lagoa, duma ria, com canais, bacias sossegadas, ilhas de
verdura alta, tal qual a Ria de Aveiro».
Alberto Souto reflecte também sobre o facto de as populações terem fugido para as ditas “Ilhas” ou zona
costeira, aquando da invasão romana. Durante a história, mesmo a do exército romano, nunca foi boa política
para uma força militar daquele tipo combater em zonas alagadiças, muito menos navegar com barcos pesados
em zonas pouco profundas – poderá isto significar que a zona actual de Aveiro era pantanosa, cheia de ilhas e
ilhotas, como hoje se verifica?
No entanto, este tipo de ilhas pode ser explicado, novamente, pelos níveis do mar, e pelas dinâmicas que este
teria pelos seus avanços e recuos, traduzindo-se em zonas mais altas que o mar não tinha engolido. De lembrar
também o facto da foz se poder localizar na actual zona onde desaguam os rios Cértima e Águeda, revelando
uma reentrância das águas fluviais para o interior.
Pelos estudos apresentados, só há cerca de 3000 anos é que o nível das águas estabilizou, e a partir daí a
sedimentação começou a ter um efeito mais notável. No entanto, esta interpretação contém um dado
importante. Antes desta realidade actual, onde a sedimentação acabou por fechar o contacto com o mar, será
que existiriam canais, outros braços de rio, que posteriormente foram preenchidos por sedimentos? Se assim
for, a zona não inundada poderia ter outro tipo de configurações que não são visíveis, e que só estudos
geofísicos o poderão revelar.

Aplicação directa dos dados à região de estudo


Como já foi referido anteriormente, o presente trabalho insere-se na unidade curricular dos SIG aplicados à
Arqueologia. Para a compreensão deste paleo-estuário é necessário conjugar todo o tipo de informações
disponíveis, partindo do princípio que estas informações são minimamente credíveis. Neste caso, todas as
informações (traduzidas em shapefiles) foram retiradas de instituições credenciadas cientificamente para a sua
criação. Neste caso, o Atlas do Ambiente foi o nosso recurso mais valioso (instituição pertencente ao Ministério
da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território), fornecendo-nos informações
extremamente valiosas para a compreensão desta complexa questão.
Em termos da localização dos sítios arqueológicos, estes foram retirados do Portal do Arqueólogo, organização
pertencente à Direcção-Geral do Património Cultural.
Há no entanto uma ressalva que nos sentimos deontologicamente obrigados a fazer. Os sítios apresentados (de
lembrar novamente, que apenas foram seleccionados aqueles que não ultrapassassem a cronologia dita 207
romana - até aos séculos IV-V d.C.) não são todos os conhecidos na região de Aveiro, mas apenas aqueles
presentes no Portal do Arqueólogo, daí o seu escasso número, visto que para a região analisada registam-se
somente 21 ocorrências patrimoniais. Contudo, pesquisas realizadas apontam para uma maior densidade de
assentamentos (ou vestígios de ocupação) do que aqueles apresentados.
Porém, grande parte destes arqueossítios não apresentam uma localização geográfica precisa, o que envolveria
um trabalho de prospecção intenso, actividade não realizada devido aos curtos prazos que enfrentamos
actualmente. No entanto, assumimos que para um estudo verdadeiramente completo e perfeitamente
coerente deveriam estar inserido, pelo menos, grande parte do património arqueológico conhecido.
Todavia, estão presentes todos os sítios registados nos concelhos que se localizam mais para o litoral (sendo o
caso de Ílhavo e Aveiro), não se tendo registado quaisquer resultados nesta pesquisa no que toca às áreas de
Vagos e Murtosa. Mesmo assim, estão registados três dos melhores locais conhecidos arqueologicamente
(sendo talvez, os mais bem estudados), sendo estes Cacia, o Castro de Salreu e o Cabeço do Vouga.
Infelizmente, apenas o último apresenta um estudo mais complexo (embora grande parte dele não publicado),
sendo que Cacia possui apenas algumas informações dispersas e com alguma falta de metodologia. No que
toca ao Castro de Salreu, parece-nos que ainda não foram publicados nenhuns resultados do seu estudo, mas
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sabemos que já existiriam intervenções arqueológicas recentes, e por isso aguardamos com espectativa a
publicação dos resultados.
Para a conjugação de todos estes dados, há três registos de povoamento que achamos de grande importância
para uma tentativa de aproximação acerca do paleo-estuário do Vouga. Entre eles incluem-se o Serrado em
Ílhavo, o Crasto da Agra e as estações da Marinha Baixa e Torre localizadas em Cacia. No entanto, tanto no caso
do Serrado como no Crasto da Agra as informações que chegam até nós são escassas, mas suficientes para
indicar uma ocupação daquele espaço.
Estes assentamentos acabam por ter uma grande relevância no sentido em que são os mais chegados à costa.
De facto, o Serrado (tratando-se de vestígios pré-históricos) situa-se a uma cota de 6 m acima do nível do mar,
o Crasto da Agra encontra-se a 12 m e os casos de Cacia situam-se a uma cota entre os 8 e 12 m.
No caso do arqueossítio de Ílhavo, existem poucas informações sobre estes trabalhos, e os seus resultados
acabam por ser pouco claros, tanto que a sua cronologia atribuída foi dada como da “Pré-História”. Esta
designação acaba por abarcar uma larga diacronia, e mesmo vários milénios. Contudo, esta localização é um
exemplo perfeito da importância das alterações do nível do mar, pois confirmando-se uma ocupação deste
espaço, não poderia (ou não deveria) instalar-se em terrenos alagadiços ou pantanosos. Contudo, apenas um
estudo mais alargado poderá dar mais informações.
O caso do Crasto da Agra é mais interessante. Apesar de nunca ter sido publicado nenhum artigo sobre as
escavações, através de informações dadas pelo Doutor Fernando Almeida, a quem agradecemos
profundamente a disponibilidade, foram encontrados alguns materiais datados do período Calcolítico (a
direcção arqueológica da escavação esteve a cabo da Doutora Isabel Pereira). Apesar de este se localizar em
terrenos da Universidade de Aveiro, os trabalhos arqueológicos foram escassos, não se sabendo se terão
seguimento. Contudo, as construções do alargamento do campus da universidade continuam, apesar de não
haver nenhum acompanhamento arqueológico.

208
No entanto, se chegar a confirmação deste sítio datar do Calcolítico, entraremos numa baliza cronológica por
volta do III milénio a.C. Justamente, por esta época a linha de costa poderia ser dramaticamente diferente, no
sentido em que o processo de assoreação poderia não ter a extensão que tem hoje, fazendo com que a foz do
Rio Vouga pudesse ser mais recuada. De outro modo, a sua localização dá-nos uma informação muito concreta:
o nível das águas, nesta zona, não deveria passar a cota dos 12 m.

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Fig. 4 – Apresentação dos depósitos do Quaternário na área de estudo.

O caso das estações de Cacia é mais interessante do ponto de vista arqueológico. Pelo que se escreveu durante
algum tempo sobre esta zona, parece que se observou a presença de âncoras de tipologia romana nos seus
terrenos (Pereira, 1907; Girão, 1922; Souto, 1923). Estas, como foi dito anteriormente, situam-se a uma cota
entre os 8 e os 12 m. No entanto, se estes vestígios romanos foram encontrados a uma cota negativa da actual,
poderá indicar que o mar se encontraria a uma cota que recentemente foi enchida por depósitos de aluvião,
revelando também a presença de um caudal volumoso o suficiente para a navegação de embarcações de
alguma dimensão.
Posto isto, há que reflectir num outro factor importante: as águas poderiam ocupar uma cota que hoje
consideramos como negativa. Devido, justamente à assoreação ocorrida ao longo do tempo, os sedimentos
depositados criaram estratos de terra e argilas que ocuparam os espaços de leitos e margens. Desta forma,
todo o estuário poderia ter uma configuração diferente, não só apenas ao nível da largura das suas margens,
bem como da profundidade das águas por ele preenchidas.
Esta assoreação deve ter ocorrido, tal como referido anteriormente e depois da análise dos dados, após o início
da Era de Cristo. Em termos geológicos, enquadra-se no Holocénico, integrada no Quaternário. Com a aplicação 209
do shapefile relativo às formações do Quaternário, fornecido pelo Atlas do Ambiente, os resultados são
bastante interessantes.
A imagem, tal como é dito na legenda (Fig. 4), mostra-nos as deposições formadas ao longo do Quaternário. De
facto, é extremamente interessante verificar que esta área não ultrapassa as áreas assinaladas como sendo
parte do povoamento antigo, parecendo que estes poderiam indicar uma antiga linha de costa. Em relação ao
caso de Cacia, se esta deposição for resultado da sedimentação do rio Vouga, é de certa forma uma
confirmação que este seria um povoado costeiro, podendo ser mesmo um pequeno porto.
Para além destas informações, o mapa apresentado mostra também a localização dos rios Vouga, Cértima e
Águeda. Como foi dito anteriormente, há suspeitas que a foz do Vouga poderia ser na confluência destes rios, a
cerca de 20 km da linha de costa actual (e de facto, essa é a distância real apresentada no mapa). Podemos
estar perante uma representação do que seria a foz do Vouga em tempos recuados? Será complicado de
responder afirmativamente.
Aliado ao nível do mar, ao grande processo de depósito de sedimentos vindos dos cursos fluviais, existe
também a questão dos paleo-leitos que esta zona poderia ter, e que hoje só com o recurso a prospecções
geomagnéticas e geofísicas a questão poderá ser respondida.
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Contudo, a posição dos assentamentos esta perfeitamente alinhada com a representação dos depósitos do
Quaternário, o que poderá ser um sinal de que será este o caminho a percorrer para chegar a uma conclusão
mais coesa e coerente.
Decidimos apresentar também uma análise a partir das curvas de nível das cartas militares de Portugal. Esta
partiu da observação das cotas dos assentamentos ali situados, que se encontram à volta dos 12 m acima do
nível do mar. No entanto os resultados não foram tão esclarecedores.
Recorrendo ao tratamento de modelos digitais de terrenos fornecidos pela NASA/METI (imagine-se onde
chegou hoje a globalização do conhecimento!), decidimos atribuir a todas as cotas entre os 0 e os 12 m acima
das águas do mar, a cor azul, tentando demonstrar como seria o estuário se o mar estivesse nesta cota.

Fig. 5 – Proposta para o nível das águas à cota actual de 12 metros.


210
Desde logo o raciocínio encontra dois grandes problemas: o primeiro prende-se com o facto dos
assentamentos se situarem a esta cota, e por isso a água não poderia inundar estas zonas; e segundo, não
sabemos se o nível das águas estaria a uma cota superior ou se os terrenos é que estariam a uma cota bem
inferior, criando um volume de água muito maior.
De qualquer forma, os resultados desapontaram-nos, visto que é incontornável o facto de algumas destas
zonas hoje estarem a uma cota bem superior, principalmente devido às grandes construções feitas em torno da
Barra de Aveiro. No entanto, é possível verificar uma forma do que poderia ser toda esta zona estuarina,
havendo um braço que reentrava pela costa. De facto, hoje a Ria (que pelo nome indica logo o grau de
salinidade das suas águas), percorre toda a cidade de Aveiro. Poderemos chamar a esta reentrância um braço
de mar? De facto, alguns autores apontam que o estuário deveria formar um golfo, que se traduz exactamente
por uma reentrância do mar pelo interior da costa (este pode ser confundida com uma baía, mas a grande
diferença reside nas suas dimensões, sendo este ultimo acidente de menor dimensão).
Não nos sentindo totalmente satisfeitos com os resultados, e em função das suposições que foram feitas,
decidimos alargar esta proposta de estuário, assumindo desde logo mais um erro. Neste caso, adoptámos a
cota de 20 m como sendo o nível do mar nesta altura, e os resultados acabaram por ser mais satisfatórios,

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porém, com uma grande probabilidade de não se encontrarem correctos.
Justamente, os resultados foram mais satisfatórios porque a esta cota é possível contornar grande parte das
estruturas edificadas hoje em dia, tendo uma melhor percepção de todo o suposto paleo-estuário, na medida
em que se pode ter uma melhor perspectiva sobre a sua dimensão. Em relação à dita foz do Vouga, sendo esta
localizada na confluência do Cértima e do Águeda, esta imagem mostra igualmente que a esta cota, seria
possível haver uma zona bem estruturada onde as águas pudessem desaguar.

Fig. 6 – Proposta para o nível das águas à cota actual de 20 metros.

Contudo, a proposta apresenta graves erros, desde logo em relação aos assentamentos, uma vez que estes se
encontram em zonas supostamente inundadas, situação que é obviamente errónea. Somando a isto, a escolha 211
da cota dos 20 m acaba por ser perfeitamente arbitrária, e por isso, vale o que vale.
No entanto achamos pertinente o facto de esta proposta se assemelhar bastante à apresentada atrás, no
Gráfico 3, bem como a tantas outras propostas apresentadas por diversos autores. Será que poderá ter algum
valor? Seguindo a linha de raciocínio proposta atrás, o nível das águas poderia ocupar um leito que se situaria a
uma cota inferior. Partindo do pressuposto que os sítios arqueológicos se localizam a uma cota de 12 m, e esta
proposta se situa numa cota a 20 m, a diferença entre os valores resulta em 8 m. Queremos com isto dizer que,
para esta configuração se apresentar como proposto, o fundo do leito deste paleo-estuário deveria estar à cota
actual de quatro metros (e portanto, oito metros abaixo dos doze referidos), de forma a suportar este grande
volume de água.
Apesar de estarmos conscientes que esta proposta poderá ser perfeitamente descabida, devemos lembrar que
o presente estudo se afirma como sendo de carácter introdutório, tendo como objectivo máximo lançar
questões e levantar dúvidas. De facto, sem um estudo geofísico destas realidades, não será possível aferir qual
seria a realidade geográfica deste local. Sem querermos parecer presunçosos ou arrogantes, a Ciência faz-se
exactamente de erros, e de tentativas falhadas. Provavelmente, esta será mais uma.

A análise arqueológica do Baixo Vouga: questões e reflexões


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Com base nas propostas feitas anteriormente, iremos tratar aqui do carácter arqueológico do Baixo Vouga.
Nesta região, existem três referências em termos de trabalhos arqueológicos, isto é, sítios que se conhecem
melhor em termos arqueológicos, sendo eles o Cabeço do Vouga, o sitio da Torre e da Marinha Baixa (em
Cacia) e o Castro de Salreu.
Do último apenas sabemos que foram realizadas escavações e que provavelmente corresponderá a um castro
da Idade do Ferro (6). Ao que conseguimos perceber ainda nada foi publicado, pelo qual aguardamos os
resultados com bastante interesse.
Em relação ao Cabeço do Vouga e às realidades arqueológicas de Cacia, estão melhor estudadas, embora a
última ainda num estado bastante prematuro. No entanto, são as informações disponíveis, e para já só é
possível levantar algumas questões e lançar meras hipóteses.

O Cabeço do Vouga
O Cabeço do Vouga situa-se num relevo com duas zonas perfeitamente distintas. A leste situa-se o Cabeço
Redondo, com uma altura máxima a rondar os 90 m de altura, e a oeste, o Cabeço da Mina onde o seu ponto
mais alto está a 62 m a cima no nível do mar. Entre estes dois cabeços, existe uma depressão onde se encontra
actualmente a Capela do Espirito Santo. Na paisagem envolvente, este cabeço acaba por ter alguma
visibilidade, uma vez que a altura média nos terrenos à sua volta ronda entre os 25 e os 40 m.
O Cabeço do Vouga situa-se entre dois rios: o rio Vouga a nordeste, e o rio Marnel a sudoeste. Hoje em dia,
toda esta região é marcada por uma grande cobertura arbórea (protagonizada por eucaliptos), bem como uma
grande presença de campos agrícolas, associados aos terrenos de aluvião que marcam toda esta zona. Em
termos arqueológicos, o rio Vouga é muito mal conhecido. O Cabeço do Vouga será o exemplo mais marcante
no que toca à ocupação diacrónica nesta zona do Baixo Vouga.
A percepção das dinâmicas sociais e económicas deste sítio poderá trazer pistas importantes para o
conhecimento de toda a realidade da região, uma vez que uma das problemáticas mais veementes neste
estudo será o próprio reconhecimento da foz do Vouga, dados que ainda são escassos, visto que a investigação
arqueológica não tem, infelizmente, um papel relevante nesta região.
O assentamento foi escavado por Rocha Madahil (1941) bem como por Sousa Baptista (1950), onde o primeiro
escavou o Cabeço da Mina, e o segundo o Cabeço Redondo. De uma forma sumária, Rocha Madahil detectou
durante o seu processo de escavação (ainda que arbitrário e sem grande metodologia arqueológica), uma
grande muralha, quatro estruturas circulares (que interpretou como sendo bastiões, mas que durante
212 trabalhos posteriores se revelaram como sendo contrafortes de muralha), uma cisterna de águas pluviais e
ainda uma estrutura de carácter circular, datando-a do período pré-romano.
Já Sousa Baptista acabou por ter um trabalho bem menos denso e complexo no Cabeço Redondo, mas onde
detectou três patamares, todos eles com taludes associados. No entanto, os seus resultados acabaram por ter
como base as estruturas encontradas por Madahil no Cabeço da Mina, uma vez que a altura das muralhas do
Cabeço Redondo foram atribuídas como sendo sensivelmente as mesmas do que as do Cabeço da Mina, sendo
uma atribuição, a nosso ver perfeitamente arbitrária.
Na década de 90, Fernando Silva e a Câmara Municipal de Águeda decidiram, e muito acertadamente, a
reactivação do estudo do Cabeço da Mina. Os resultados de seis campanhas de escavação (desde 1996 a 2001)
foram impressionantes. O sítio é um perfeito exemplo de um assentamento da Idade do Ferro (ou até
posterior) que foi posteriormente ocupado pela presença romana. Aqui, é possível encontrar algumas
estruturas de carácter circular (por vezes ainda usadas em período romano), uma zona provavelmente
habitacional provavelmente anterior à ocupação romana, bem como algumas estruturas em negativo,
revestidas de opus signinum, que o autor considerou como sendo tanques de produção de garum. Estes
estudos estão presentes nos seus relatórios de escavação, infelizmente nunca publicados, bem como no Guia
ao Turista do Sítio da Mina (Silva, 1996-2001). Porém, até hoje grande parte dos materiais ainda não foram
estudados, impossibilitando assim datar com certeza grande parte das estruturas, bem como a funcionalidade

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do sítio e as suas dinâmicas.

Fig. 7 – Localização dos sítios referidos na carta militar nº 186 (1:25000).

A nosso ver, os estudos feitos carecem de uma maior componente relacionada com a interpretação dos
próprios resultados. Desta forma, gostaríamos aqui de tentar lançar algumas questões relacionadas com o
entendimento deste sítio.
Durante a descrição de Sousa Baptista sobre o Cabeço Redondo, foram avançadas algumas hipóteses no que
213
toca à existência de uma estrutura amuralhada neste cabeço.
Relembrando esta descrição, Sousa Baptista identificou três plataformas. Um recinto interior definido por uma
muralha, um segundo patamar com cerca de trinta metros de largura, e ainda um terceiro patamar em que as
suas indicações acabam por ser difusas. A sul, refere que o muro inflecte, podendo corresponder a uma
entrada. Através da (tentativa) de análise do Cabeço Redondo, identificou-se algumas irregularidades que
podem indicar a presença de algum tipo de estruturas.
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Fig. 8 – Tentativa de fotointerpretação do Cabeço Redondo. A vermelho, o contorno exterior e a branco algumas formas
interessantes que foram “identificadas”.

Neste pequeno exercício de fotointerpretação, tivemos por objectivo analisar as hipóteses lançadas por Sousa
Baptista. Por um lado, representado a vermelho, parece haver um contorno visível na vertente norte do
Cabeço Redondo (Fig. 8). Temos muitas dúvidas em relação à sua planta, no sentido em que em algumas zonas
este contorno fica praticamente imperceptível. Associamos esta forma a uma possível muralha exterior que
poderia circunscrever o cabeço.
A preto assinalámos as formas que nos pareceram existir no interior deste “recinto”. A que se localiza no
centro apresenta uma morfologia difusa, mas que se poderá assemelhar à forma “sub-elipsoidal”. Aquando da
sua identificação, Sousa Baptista referiu existir uma muralha com a forma aqui apresentada. Em relação à
forma mais a sul, e mais pequena, poderá corresponder à “entrada” mais meridional, identificada também pelo
autor citado. Não queremos com este pequeno exercício reflexivo tentar corroborar o pensamento de Sousa
Baptista, apenas tentar verificar se existe alguma conexão entre o registado, e o que se pode observar.
Uma vez mais, queremos reforçar a ideia de que se trata apenas de uma pequena abordagem, que no fundo,
vale o que vale. No futuro, temos intenções sérias em fazer um estudo com base neste tipo de observações.
Na mais recente publicação do Cabeço do Vouga, o Guia das Ruínas do sítio, são-nos apresentadas algumas
214 peças que chamam à atenção de contactos exteriores transmediterrâneos, dadas como Fenícias ou Púnicas
(Fig. 9). A presença deste espólio levanta questões importantes no que toca às dinâmicas económicas do
Cabeço do Vouga. O que nos remete para um outro aspecto: qual seria a importância do sítio apresentado para
a região do Baixo Vouga?
Fig. 9 – Espólio apresentado no “Guia das
Ruinas do Cabeço do Vouga” (Silva, 2010).

Na figura 10 pode-se ter uma imagem panorâmica da região do Cabeço do Vouga. De facto, a norte é possível
observar a existência de uma ponte romana que daria um acesso bastante directo a toda a área envolvente ao

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sítio em questão.
Noutra perspectiva, é possível observar um dos grandes problemas no que toca à compreensão deste tipo de
regiões aluviais: no caso do rio Marnel, é possível observar uma visível alteração do curso do rio, no sentido em
que o seu traçado foi adulterado pela construção de um dique artificial (marcado pelo seu carácter rectilíneo).
No entanto, é possível observar a confluência destes dois rios, o que nos poderá indicar que, a partir daqui,
seria possível percorrer, através da via fluvial, para dois pontos distintos: para leste e oeste. Assim, o Cabeço do
Vouga poderia ser um ponto central no que toca ao contacto entre comunidades mais distantes, sendo este um
factor propício à trocas de ideias, comerciais e sociais, marcando vincadamente o seu carácter dinâmico.

Fig. 10 – Implantação do Cabeço do Vouga na ortofoto Bing Aerial View. 215


A estação da Torre e Marinha Baixa
A freguesia de Cacia situa-se a cerca de 7 km do centro da cidade de Aveiro, funcionando actualmente como
dormitório de Aveiro, bem como concentrando em si um grande conjunto de indústrias e fábricas. Assim, é
uma zona extremamente afectada pela construção e alteração humana, sendo que o único registo
arqueológico que chegou até nós foi este arqueossítio.
Toda a zona envolvente ao espaço estudado é fortemente marcada pela construção habitacional e industrial.
Contudo, no pequeno cabeço não existe actualmente nenhuma construção.
Os trabalhos arqueológicos foram realizados entre 1999 e 2005, por Alexandre Sarrazola.
Desde logo, sabemos que esta zona foi alvo de uma grande extracção de Saibro durante o séc. XX, e segundo
Sarabando (nos seus Contributos para o estudo da presença romana em Cacia, de 1976), diz-nos que “o Outeiro
ficou reduzido de dez a doze metros na sua altura primitiva”) (Sarrazola, 2005: 37). Desde logo, deve-se
salientar que provavelmente grande parte do registo arqueológico terá sido destruído por estas acções tão
vincadas na paisagem.
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De facto, é Alberto Souto que observou estruturas graníticas estranhas à geologia local, que se encontravam a
cerca de 1 m da cota superficial. Tanto a Marinha Baixa como a Torre devem corresponder a uma área onde a
ocupação foi continuada.
As escavações permitiram detectar três fases distintas. A 1ª fase ficou marcada pela construção de dois
recintos delimitados por muros pétreos e sobrepostos por uma construção de terra argamassada – revelando
uma área de funcionamento de alguns fornos. Estes não deveriam estar ligados à produção de cerâmica, visto
que análises por difracção de raios X revelarem que o forno não atingiria as temperaturas necessárias para a
cozedura da cerâmica presente no local (Sarrazola, 2006: 16).
A 2ª fase passou por uma reorganização dos espaços funcionais, onde foram identificadas algumas estruturas
arquitectónicas bem como algumas estruturas em negativo, e ainda um pavimento de terra batida. Todo este
espaço está associado a uma linha de água, delimitada a ocidente.
A 3ª fase passou por uma submersão da Marinha Baixa, documentada pelo nivelamento dos derrubes das
construções de terra da fase anterior, bem como pela presença de um conjunto de buracos de poste.
Em termos de espólio, as cerâmicas romanas presentes datam do séc. IV e V, havendo também uma grande
quantidade de vidros presentes. O autor relaciona assim este espaço com a possibilidade de ser um centro de
produção e reciclagem de vidro.

216
SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Fig. 11 – Localização do sítio arqueológico na CMP n.º 174 (1:25000).

Algumas considerações e hipóteses sobre as dinâmicas do


povoamento antigo no Baixo Vouga
Poderá haver algum tipo de ligação entre Cacia e o Cabeço do Vouga? Se a configuração do estuário do Vouga
corresponder ao que foi proposto, e se o caudal o permitisse, concordamos totalmente com Vasco Mantas e
Alexandre Sarrazola que propõem uma ligação comercial, fluvial e terrestre, entre estes dois locais. É o ultimo
que propõe que pudesse existir uma ligação (que talvez se pudesse traduzir numa via romana de carácter
secundário), entre Travassô, a sul do Cabeço do Vouga, a Cacia, passando por Eixo, sendo esta a conclusão da
via Viseu-Marnel.
De facto é de valorizar a “questão da importância estratégica de Cacia, do seu posicionamento costeiro na
desembocadura do Vouga, e da sua ligação fluvial a Cabeço do Vouga, povoado fortificado sobranceiro a via ad
Bracara Augusta” (Sarrazola, 2006: 82).
Analisando a fotografia aérea da área em questão (Fig. 12), é possível observar uma forma em jeito oblongo,
bem como algumas outras linhas que podem suscitar alguma discussão e debate. Visto que se localiza numa
linha de água, poderá ser um porto? Poderá ser resultado de uma obra de carácter romano, ou anterior, que
vincou a paisagem de tal forma que, hoje em dia, é possível reconhecer traços de uma ocupação antiga?
Contudo, não nos sentimos capazes de discutir, pelo menos por agora, esse tipo de realidades uma vez que não
temos os conhecimentos necessários, nem da área envolvente, nem das formas arquitectónicas que este tipo
de portos ou ancoradouros poderiam revelar (uma vez que um porto tipicamente tem uma forma claramente
distinta e marcante na paisagem, o que não acontece), e principalmente não dominamos a prática de leitura do
217
espaço, tal como um arqueogeógrafo. No entanto, seria extremamente interessante, e útil, fazer uma
abordagem inserida nesse contexto.
De facto, Alexandre Sarrazola expõe de uma forma muito bem argumentada a possibilidade do sítio da Torre e
da Marinha Baixa terem funcionado como um pequeno centro de produção e reciclagem de vidro romano (se
bem que numa fase já bastante tardia). A sua localização poderá revelar-se decisiva no que toca ao contacto
com outras comunidades, havendo a possibilidade da existência de contactos comerciais entre Cacia e o
Cabeço do Vouga (Fig. 13), e quiçá outras povoações.
Segundo Alberto Souto, Estrabão diz-nos que no Vouga as embarcações seriam de pequena dimensão, e o seu
rio seria caracterizado por ter muitos fundos. Deste modo, o autor defende que se existisse um “estuário
fundo, e se esse estuário se lançasse directamente no mar, sem um delta, uma ria, um lido, não seria o Vouga
considerado um grande e importante rio e próprio para um activo tráfego? (Souto, 1923: 150).
Apesar de concordarmos que o estuário seria dramaticamente diferente, pelas razões enunciadas
anteriormente, e entendermos que não existem registos (escritos ou arqueológicos) suficientes para avaliar o
trafego no rio Vouga, esta afirmação dá-nos que pensar.
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Fig. 12 – Visão aérea do arqueossítio.

218
Ainda que a sedimentação só começasse a ter um maior impacte na foz, a partir do “equilíbrio” no que toca ao
nível do mar, isso não quererá dizer que ao longo do rio este fenómeno da baixa profundidade, baixo caudal e
até a existência de algumas ilhotas não fosse uma realidade. Como devemos então reflectir em relação a este
importantíssimo factor?

Fig. 13 – Localização do Cabeço do Vouga e da Torre/Marinha Baixa – representação do possível paleo–estuário.


SEMINÁRIO: SIG EM ARQUEOLOGIA 2012/2013
Um estudo feito no Museu de Ílhavo faz uma associação bastante interessante ao contrapor o moliceiro (7), a
embarcações antigas da mesopotâmia, sendo estes também de borda baixa e alongados. É óbvio que este tipo
de embarcações acabaria por ser uma solução para as zonas mais baixas, onde a navegação não pode ser feita
por barcos de maior envergadura – no enanto, apesar de não haver qualquer ligação directa entre os dois
exemplos, é o próprio Estrabão que descreve as embarcações do Vouga como sendo de diminutas dimensões.
Desta forma, o dinamismo do Vouga podia não passar apenas por barcos de grande envergadura, mas por
embarcações mais pequenas, que faziam as ligações entre pessoas e bens ao longo do rio. No entanto, em
Cacia estão presentes âncoras romanas, o que nos poderia dar a informação que ali sim, existiria um porto para
embarcações de maior dimensão. Poderia haver um ponto onde mercadorias e pessoas poderiam confluir,
sendo este um ponto de saída de maiores embarcações? Estaremos na presença de uma rede de maiores
embarcações e de barcos de porte mais pequeno - o primeiro dedicado à exportação para fora da região, e o
segundo como meio de transporte dos produtos para este ponto central, produtos vindos de regiões mais
219
altas, mais ricas, mas com uma configuração que impossibilitaria a circulação de embarcações maiores?
Vasco Mantas escreveu um pequeno parágrafo acerca destas problemáticas, defendendo uma dinâmica
económica na zona do Baixo Vouga, raciocínio que partilhamos e concordamos: «Partindo do litoral, (…), o
primeiro local identificável com uma povoação de certa importância junto à costa é Cacia na margem esquerda
do curso do terminal do Vouga. Esta estação pertencia ao território de Talabriga e corresponde provavelmente
ao porto de embarque dos minérios provenientes de Albergaria-a-Velha e Sever do Vouga» (Mantas, 1990:
158).
O autor acaba por demonstrar a mesma suspeita de que Cacia poderia ser um local onde mercadoria, pessoas e
matéria-prima pudessem começar a sua viagem pelo Atlântico, funcionando como um porto, ou pelo menos
um local de desembarque. Apesar de não mencionar o Cabeço do Vouga, acreditamos que este teria um
grande peso no que toca à administração deste comércio e fluxo de pessoas, no sentido que esta poderia ser a
capital administrativa, económica e política da região do Vouga. Mais do que tentar falar em Talábriga, o nosso
objectivo passa por tentar entender estas comunidades e as suas dinâmicas.
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Fig. 14 – Excerto da Carta Mineira de Portugal (1960) com a área de estudo delimitada a preto, as extracções de cobre
assinaladas a verde e as extracções de estanho assinaladas a cor-de-laranja.

Pela Carta Mineira, é possível perceber muitas destas localizações de minérios se localizam perto dos rios,
neste caso do Vouga e do Caima (Fig. 14). Não temos conhecimento de se as comunidades saberiam destas
localizações ou se seria possível extrair o minério, dada a tecnologia existente (não sendo esta característica
aplicada ao caso romano). Contudo, apenas um estudo mais aprofundado sobre esta temática poderá
responder à hipótese que foi levantada.
No entanto, as informações e afirmações continuam a ser vagas e hipotéticas, uma vez que possuem pouco
fundamento argumentativo já que estamos perante uma situação onde temos uma clara falta de dados claros e
conclusivos. Existe uma grande lacuna no que toca aos estudos de carácter arqueológico na região do Baixo
Vouga, principalmente das redes viárias, tentando compreender as suas dinâmicas e as suas orientações.
Outra questão que acaba por ser decisiva é o entendimento da própria morfologia das redes fluviais, uma vez
220
que a acção humana, bem como o grande assoreamento da região, alteraram de forma muito significativa a
morfologia e os cursos de água, sendo assim os paleo-leitos um ponto fulcral no entendimento arqueológico da
região em questão.
Uma outra abordagem que carece de análise é a questão das vias fluviais, uma vez que se torna extremamente
complicado perceber estas realidades, sem a existência de dados concretos sobre as vias terrestres, e
principalmente sem a identificação de portos ou “simples angras ou praias abrigadas da vaga e do vento, onde
os navios podiam fundear ou varar em segurança” (Mantas, 2000: 24), o que acaba por ser uma tarefa
extremamente complexa.
De lembrar será também o facto da existência de construções mais antigas, proporcionando um melhor
entendimento entre as comunidades e as dinâmicas fluviais e marítimas. Relembrando Vasco Mantas,
invocando o «dique fenício de Tebbat-El-Hamman na Síria, (…) de cerca de 200 metros e que remontará ao
século XX a.C.» (Mantas, 2000: 25).

Conclusão
As hipóteses aqui levantadas tiveram por objectivo incentivar o estudo, o diálogo e a troca de ideias sobre a

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Arqueologia no Baixo Vouga. Contudo, temos noção que muito do que aqui foi dito só poderá ser comprovado
com um trabalho muito mais aprofundado e mais reflexivo do que aqui foi apontado.
Para um melhor entendimento, seria necessário um melhor aprofundamento do estudo bibliográfico
(principalmente a identificação de sítios, vestígios e achados), um estudo toponímico da região, uma análise
mais focada nas redes viárias e fluviais antigas (as ultimas, através dos paleo-leitos), na mineração antiga, e
mesmo no estudo cerâmico recolhido do Cabeço do Vouga, bem como na publicação dos resultados das
campanhas do Castro de Salreu, e principalmente, pelo cumprimento da Lei de Bases do Património de 2001,
que obriga as autarquias e os privados a estarem acompanhados de equipas de arqueologias antes e durante a
execução da obra, de forma a perceber qual será o património arqueológico afectado, e posteriormente, a
melhor forma de o conservar ou registar. Na região em estudo, esta realidade continua a ser uma utopia, uma
vez que os trabalhos arqueológicos registados são muito inferiores ao número de execuções de obra.
No entanto, só fomentando o estudo arqueológico no Baixo Vouga é que se pode promover este entendimento
e sensibilidade das Autarquias locais. E de facto, toda esta região tem um potencial arqueológico altamente
subestimado. As dinâmicas fluviais e terrestres são algo que sempre esteve presente nas comunidades
humanas, e como foi proposto durante o trabalho, estas deveriam ter dinâmicas especificas e bastante
complexas.
Deste modo, sentimos que o nosso objectivo foi cumprido com este trabalho. Apesar de incompleto, dada a
grande complexidade da realidade do sítio, a compilação de dados e o levantamento de hipóteses era o nosso
objectivo. Não obstante a possibilidade da existência de outros trabalhos feitos neste sentido para a região em
questão (que para nós, são até agora desconhecidos), sentimos que esta reflexão de carácter introdutório foi
importante para se começar a entender o sítio, do ponto de vista das dinâmicas do povoamento antigo. Era
com bastante alegria e interesse que veríamos novos contributos a surgir, pois a Ciência faz-se de erros,
discussão, reflexão, e principalmente interesse pelas questões em causa.

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Notas

(1) Para um melhor entendimento destas realidades consultar: http://www.archeogeographie.org

(2) Especialista relacionado com as áreas de Ciências Marinhas, Geologia Costeira, Dinâmicas Sedimentares, Ordenamento da Costeiro e
Impactes das Alterações Climáticas – Faculdade de Ciências do Mar e do Ambiente, Universidade do Algarve.

(3) Professor Catedrático da Universidade de Aveiro. Vice-Presidente da Comissão Nacional de Geografia entre 2005 e 2007.

(4) Investigador do Pós-Doutoramento na Universidade de Aveiro.

(5) http://www.nature.com/news/2008/080709/full/454151a.html

(6) http://www.cm-estarreja.pt/newstext.php?id=7397

(7) Embarcação típica de Aveiro, caracterizada por ter uma borda baixa, usando como métodos de propulsão a vela, vara e sirga – este
último usado para ultrapassar canais estreitos e juntos às margens. Hoje em dia o seu propósito já não é a apanha do moliço, e são usados
motores para a sua deslocação.

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