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Jorge de Alarcão, A Lusitânia e a Galécia do século II a.C. ao século VI d.C., Coimbra,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018, 396 pp. Imagens a cores. Desenhos de José
Luís Madeira. i s b n: 978-989-26-1478-6.

A Lusitânia e a Galiza, ver-se-á pela leitu- fontes arqueológicas, numismáticas, epigrá-


ra atenta do livro em epígrafe, detiveram (e ficas se revestem de relevância primordial,
detêm, bem se sabe) características comuns, estávamos habituados a que os historiadores
não apenas do ponto de vista geográfico, nos explicassem, em capítulos separados,
mas também no modo de ser e de viver das qual havia sido o papel das cidades, como
suas gentes. Não poderá argumentar-se, por se fizera o enquadramento espacial, que
isso, que dedicar um livro ao estudo do que directrizes haviam presidido à organização
se passou na totalidade da faixa ocidental da administração e das actividades produ-
da Península Ibérica, do século II antes de tivas, que motivações estavam na base das
Cristo ao VI depois, possa ter, subjacente, manifestações religiosas… Faziam-se eco,
uma qualquer intencionalidade política de desta forma, dos estudos específicos levados
futura união (que amiúde se almeja) entre a cabo pelos especialistas nessas áreas do
Portugal e a província espanhola da Galiza. saber, envolvendo-os, muito embora, numa
É, sim, ao invés, a visão de quem, após muitos perspectiva global. Global, sim, mas, de um
anos de investigação arqueológica e histórica, modo geral, não cronológica. Ou seja, falava-
concluiu — e bem! — que, na sequência do -se, por exemplo, de divindades indígenas,
preconizado pelo Professor Orlando Ribeiro, surpreendíamos aí o Homem perante o Di-
assim como outros estudiosos da Geografia vino, mas quase éramos levados a esquecer
Humana, nas suas deambulações sobre o que essa atitude, nomeadamente perante
Mediterrâneo e o Atlântico, o ambiente ge- aquela divindade e não outra, não nascera do
ográfico plasma os povos e idênticas pulsões nada e tivera um contexto cronológico! Que
reclamam reacções iguais! houvera um processo complexo a envolver as
Esse, o primeiro aspecto a realçar na mais diversas áreas: a Política, a Economia, a
perspectiva que o Doutor Jorge de Alarcão Cultura em todas as suas vertentes… E é esta
decidiu dar ao seu livro. percepção do tempo, do percurso, da gesta-
O segundo, que não é de somenos, ção que se inicia, se desenvolve e, enfim, se re-
prende-se com a ‘filosofia’ adoptada. vela, que Jorge de Alarcão logrou surpreender
Para o estudo deste período da História e ora nos apresenta. Em termos, aqui e além,
— a chamada História Antiga — em que as de fundamentada hipótese, como sempre foi

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seu jeito, mas num discurso em que somos se deixa perceber o que a investigação hoje
enleados, porque… estamos a ler um livro nos permite concluir: no campo das crenças
de História e não um compêndio em que se religiosas e das suas manifestações concretas
dá conta dos progressos da investigação nos (estas, sublinhe-se, o manancial a partir do
variados ramos do saber histórico. qual aventamos hipóteses interpretativas), o
Permita-se-me que acrescente, desde passado facilmente se incorporou no novo,
já, um terceiro aspecto: o livro lê-se bem, por não ter havido imposição, mas apenas
mas, no final (ou, decerto, logo no início), propostas!
algo mui agradavelmente nos surpreende: a Claro, haverá aqui e além, nesse e noutros
apresentação gráfica em que pontificam os domínios, afirmações que vão merecer outras
desenhos, saídos do saber e do génio de José reflexões ou, até, discordância. Por exemplo,
Luís Madeira. As imagens não somente ilus- direi — na parte que me toca como especifi-
tram mas também aliciam, tornam sedutor o camente interessado no estudo das divindades
conteúdo escrito e demonstram, à saciedade, indígenas — que não concordo com a ideia
que um livro de História, mesmo versando de que Arentia e Arentius sejam um «par»
sobre tão recuadas épocas, não constitui divino (p. 242), mas sim a mesma divindade,
necessariamente algo de fastidioso e maçudo. venerada tanto na sua forma masculina como
Poder-se-á, pois, perguntar, já que delas feminina, porque os deuses não têm sexo e os
atrás se falou, como é que entram as divinda- Romanos amiúde escreviam «sive deus sive
des indígenas nesse entrecho? E a fundação dea», ‘seja deus ou seja deusa’. Mas também
de Pax Iulia ou de Olisipo? E o comércio de esse capítulo, que é naturalmente breve na
garum em Tróia? economia da obra, importa que venha a ser
Uma atenta observação do índice poderá encarado com toda a atenção, quer porque
ser, a esse propósito, deveras elucidativa. se ratifica claramente a conclusão de que
Pax Iulia, Olisipo, Bracara Augusta têm de «as divindades romanas foram adoradas
incluir-se na «época de Augusto» e será tam- sobretudo nas cidades, enquanto as indíge-
bém nesse capítulo que se falará do fomento nas se encontram atestadas principalmente
da urbanização e, consequentemente, das em ambientes rurais» (p. 244), quer por se
«obras viárias». Já as questões económicas abordarem questões nem sempre tidas em
encontrarão poiso no capítulo dedicado ao consideração, a forma, por exemplo, pela
tempo dos Júlios-Cláudios. qual, através da documentação, nos é possí-
E as questão das divindades? Mui estrate- vel lograr discernir como é que os Romanos
gicamente, o Autor pensou num capítulo VI: encaravam o Além.
«Pausa para um balanço sobre o estado da Não deixarão igualmente de chamar a
romanização nos meados do século II D.C.» atenção os temas abordados na conclusão. A
(p. 241-250). Já a questão fora abordada, ‘herança romana’, como era de esperar. De
nomeadamente na p. 29, mas ao assunto se modo especial, a relacionação entre «as estra-
volta aí mesmo (p. 242-246): das romanas e os caminhos da Reconquista
«A religião é um dos campos em que o Cristã». E uma questão que, sem dúvida,
passado indígena não proibido se conciliou haveria de se aflorar: será que já radicam
com o novo proposto, mas não imposto» na época romana as actuais assimetrias que
(p. 242). tantas preocupações nos trazem? Será que,
Valerá a pena fazer uma pausa aqui e como hoje, já os Romanos se interessavam
reler o que se acaba de citar, porque, numa só mais pelo litoral e pelas áreas urbanas do que
frase, deveras densa e mui rica de conteúdo, pelo interior? A resposta a esta última ques-

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tão é, a meu ver, sempre negativa, pelo que a em que, no âmbito das cadeiras leccionadas
documentação epigráfica demonstra, porque no Instituto de Arqueologia da Faculdade de
ao Romano não foi alheia a exploração da Letras da Universidade de Coimbra, se pro-
riqueza, mesmo que ela se encontrasse no curava saber tudo o que de teor arqueológico
interior e, para lá chegar, rasgava estradas… havia em cada município do País, esse ‘atlas’
Deste modo, à pergunta «Mas devemos dos vestígios romanos em todo o território
atribuir aos Romanos a responsabilidade português continua a ser ímpar manancial
deste desigual desenvolvimento regional?» informativo.
(p. 349), a resposta poderia ser esta: Não mencionou Jorge de Alarcão uma
«Afinal, quando eles chegaram e domi- experiência que também não recusará, pu-
naram, essas terras eram já “incivilizadas”, blicada em 1990: a coordenação do I volume
terras de gente que dormia no chão, bebia só («Portugal das Origens à Romanização»)
água e, de bolota, fazia pão. Apesar de terem da Nova História de Portugal, dirigida por
aberto estradas e de terem instalado cidades, dois dos mais conceituados investigadores da
os Romanos não conseguiram desenvolver História de Portugal, Joel Serrão e A.H. de
essas áreas que, através de todos os tempos, Oliveira Marques. Na terceira parte desse
ficaram sempre atrasadas» (ibidem). volume (p. 345-507), intitulado «O domínio
Creio, porém, que o avanço dos estudos romano», tive oportunidade eu próprio de
acabará por esclarecer em que moldes deve me ocupar da demografia e da religião, mas
ser entendido esse «atraso», mormente se Jorge de Alarcão tratou dos outros capítulos:
olharmos para o facto de renomadas famílias a conquista do território, o reordenamento
romanas se haverem instalado no interior e territorial, o Estado e o governo local, a
para o que, pouco a pouco, testemunhos epi- produção e a circulação dos produtos, a cons-
gráficos de bom recorte literário nos parecem trução na cidade e no campo.
querer deixar entrever… No prefácio de A Lusitânia e a Galécia,
Distraí-me a levantar questões — esse, o explicita, pois, o autor, em pinceladas largas,
carisma especial de um livro! — e esqueci-me a temática que vai abordar e esclarece que,
de resumidamente explicitar o seu conteúdo. tendo adoptado nas anteriores sínteses «um
Refere o autor, no prefácio, as experiên- discurso por temas ou matérias», como referi,
cias anteriores: preferiu agora, entremeando uns assuntos
— o Portugal Romano¸ com 1ª edição com os outros, seguir «um fio cronológi-
em 1973 (várias outras se lhe seguiram), a co», que lhe pareceu «mais esclarecedor»,
primeira síntese que tentou, apostada, como confessa, para nos dar conta «do que existia
atrás se referiu, a fazer o ponto da situação quando os Romanos chegaram, do que foi
acerca das temáticas em apreço (urbanismo, acontecendo ou das transformações que se
rede viária, economia, religião, manifestações foram operando, e do que ainda ficou depois
artísticas); do sucedido» (p. 14).
— o Roman Portugal, datado de 1988 e Assim é.
editado em Warminster, com um 1º volume, Trata o I capítulo das «etnias pré-roma-
de síntese muito actualizada em relação ao nas do Ocidente peninsular» (p. 15-68); o II,
que já abordara em 1973, e um 2º, ainda hoje da conquista romana (p. 59-96); da época de
de mui preciosa consulta, cujos três tomos Augusto, o III (p. 97-152); dos imperadores
incluem, por ordem geográfica, o que, em júlios-cláudios, o IV (p. 153-194); o impor-
cada lugar, à época romana se atribui. Fruto tante e renovador período que vai dos Flávios
de um amplo trabalho conjunto, numa altura a Adriano constitui o tema do capítulo V

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(p. 195-240). É o capítulo VI a referida e mui páginas 335-349, seguindo-se-lhe: o índice


inteligente «pausa para um balanço sobre o das figuras, que insere também, em relação a
estado da romanização nos meados do século algumas delas, mui oportunas notas comple-
II d.C.»: paramos, a fim de nos interrogarmos mentares (p. 351-356), e o rol das referências
em que estádio é que, afinal, nos encontrá- bibliográficas, mui exaustivo e actualizado
vamos então (p. 241-250). Retoma-se o fio (p. 357-396).
da história no capítulo VII, «Dos meados do Um livro bonito, portanto; um livro repo-
século II aos finais do III d.C.» (p. 251-260). sitório de muita ciência colhida ao longo de
E, antes da conclusão (p. 335-349), há lugar décadas, mas — e isso importa frisar — um
ainda para um capítulo VIII («O século IV», livro que nos permite reflectir sobre o que
p. 261-310), em que se dá o natural relevo foram os nossos antepassados, a herança
às villae, que conheceram nessa época grande que nos legaram e o empenho que deve ser o
esplendor, como se sabe; e para o derradeiro nosso para a não deixar olvidar.
tema abordado, «O reino dos Suevos» (ca-
pítulo IX, p. 311-334). A conclusão ocupa as José d’Encarnação

Dániel Bajnok (ed.), Alia miscellanea antiquitatum. Proceedings of the Second Croatian-
Hungarian, PhD Conference on Ancient History and Archaeology (Hungarian Polis Studies,
HPS, 23), Budapest, Debrecen 2017, 238 pp. i s s n: 1417-1708.

Los coloquios de jóvenes investigadores re- rrespondientes comentarios, con algunos pun-
servan muy a menudo interesantes sorpresas tos muy interesantes como es el caso de una
y en ellas se realizan síntesis llenas de nuevos coniux sacerdot(alis) en la núm. 1; la forma
puntos de vista. Es éste el caso del volumen precurrentibus en la núm. 11 y los formularios
que reseñamos que reúne trabajos de trece de los núms. 26 y 30. Mirna Vukov revisa a
estudiosos antecedidos por una introduc- continuación los altares de los beneficiarios
ción del profesor Dr. Tivadar Vida, director del limes del Danubio en Croacia, con una
del Instituto de ciencias arqueológicas de correcta introducción a la topografía romana
la Eötvos Lórand Tudományegyetem, que del territorio estudiado, destacaríamos el altar
traza brevemente los antecedentes históricos núm. 2 dedicado a Liber Pater, ILIug. 3014, y
del encuentro, celebrado en los días 10 y 11 la esperable presencia abrumadora de I.O.M.,
de noviembre del año 2016. Los trabajos todo el trabajo viene acompañado por una
como podemos ver han sido publicados en ajustada bibliografía.
la activa colección que dirige el profesor Un aspecto menos convencional es el
Dr. György Nemeth, flanqueado por Ádám presentado por Tünde Vágási que trata la
Szabó. Notaremos, consultando el programa documentación epigráfica del deus Azizos, el
de estas jornadas, que no todos los trabajos Lucifer de Emesa en las provincias danubia-
presentados han sido recogidos en esta más nas, una divinidad traída evidentemente por
que sugestiva publicación. Pasemos a reseñar las fuerzas militares de Hemesani destinadas
brevemente el contenido de sus páginas. en la zona. Resultan de particular interés las
Hana Ivezic estudia en primer lugar la identificaciones con otras divinidades del pan-
presencia de las mujeres en la epigrafía de teón tradicional. Un apéndice epigráfico con
Siscia, para lo que reúne 31 ítems con sus co- 22 ítems documenta lo expuesto en el cuerpo

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