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AULA 07 – PPO

- “Prolegomena”: Razões Históricas e Teóricas da Hegemonia Liberal

O Liberalismo, tanto no âmbito político quanto econômico, surge a partir de históricas


lutas da burguesia contra a ordem jurídico-política do feudalismo. No decorrer da
Baixa Idade média (aproximadamente entre 1200 EC e 1453 EC, ocasião da queda de
Constantinopla) a burguesia emergiu como um fenômeno histórico, econômico e
político quando os burgos da Europa Ocidental e da Europa Central se desenvolveram
em cidades dedicadas ao comércio praticado por indivíduos que migraram de áreas
rurais – geralmente, feudos.
Geralmente tal expansão urbana é relacionada à concentração econômica havida com
o surgimento da auto-organização de proteção econômica nas corporações mercantis.
Essas corporações, denominadas guildas, surgiram quando indivíduos (como
artesãos e comerciantes), por livre iniciativa, entraram em conflito com proprietários de
terras feudais que exigiam rendas maiores do que o previamente acordado.
Em síntese, no decorrer da Baixa Idade Média, os burgueses concentraram renda,
mas não participavam do poder político, ou seja, não faziam parte do centro produtor
de ordem social, então monopolizado pelo clero e pela nobreza feudal, conforme a
estrutura estamental do Antigo Regime
Neste contexto, paulatinamente, o Liberalismo surge como recurso político-filosófico e
econômico a se opor aos obstáculos que a ordem jurídica feudal opunha ao livre
desenvolvimento da economia (interesse dos comerciantes) e à participação política, com
vistas a equacionar o monopólio de poder político à concentração de renda e capital.
O fundador do pensamento liberal, tido como seu patriarca, foi o filósofo inglês John Locke
(1632 EC-1704EC), para quem o Estado (então ente político recente, devido a vários
movimentos nacionais centralizadores havidos no decorrer dos séculos XVI e VII) é hipotética
virtualmente criado a partir de um acordo entre os indivíduos objetivando proteger os
direitos “naturais” do ser humano, especificamente a vida, a liberdade e a propriedade.
Neste contexto, e, sobretudo a partir do pensamento de John Locke, o movimento liberal
emerge como crítica à legitimidade exclusiva de governo do monarca como único titular do
poder político. O que o pensamento liberal propugna, portanto, é, em detrimento ao Antigo
Regime, transcender a política da mera justificação do poder estatal pela legitimidade do
Príncipe para o âmbito da legalidade. Em outras palavras, propôs o Liberalismo, em oposição
ao feudalismo, o Estado de Direito liberal, sendo fundado sob formalização (e eventual
materialização) da liberdade política e privada e igualdade de participação dos súditos
(eventualmente entendidos como cidadãos) no meio político, ou seja, do centro produtor de
ordem social através da normatividade, id est, instauração de ordenamentos jurídicos
formalmente garantidores dos interesses da burguesia, geralmente concernentes à:
• Liberdade de comércio.
• Tolerância de pensamento.
• Abertura para participação política nos negócios do Estado, especialmente seu papel
legiferante.
Todavia, o Liberalismo, em sua primeira fase, paralelo à expansão colonialista mercantil, e,
posteriormente, atrelado à Revolução Industrial, ao focar nos aspectos meramente formais de
abertura política, econômica e jurídica, olvidou-se das condições daqueles indivíduos que,
anteriormente servos, passaram a formar massas de trabalhadores, cujos interesses,
geralmente, entravam em conflito com a exploração econômica oriunda do incremento do
modo de produção capitalista.
Neste contexto, surgirá um pensamento liberal mais focado na materialização da abertura
política, no qual Alexis de Tocqueville tenta engendrar um argumento que coteje a democracia
à liberdade e igualdade objetivas, de forma a ampliar a participação de cidadãos nos negócios
do Estado, bem como evitar que atavismos do Antigo Regime, ou excessos do individualismo,
ou ainda, a ascensão irrestrita das massas, pudessem perverter e degenerar os projetos
democráticos liberais em desenvolvimento no Ocidente desde o século XVII.

7.1.1. Considerações Críticas sobre a Revolução Francesa e o Antigo Regime

"Os reis, aristocratas e tiranos, independentemente da nação a que pertençam, são escravos
que se revoltam contra o soberano da Terra, isto é, a humanidade, e contra o legislador do
universo, a natureza", declarou em 24 de abril de 1793 Robespierre, uma das figuras mais
importantes da Revolução Francesa.

O jovem advogado Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794) pretendia


mudar o destino da França. Desde o início de sua carreira política, destacou-se pela firmeza e
pela forma radical de defender suas ideias. Influenciado por Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778), ele pleiteava um Estado voltado para o bem comum e a vontade geral, estabelecido em
bases democráticas. "O indivíduo é nada; a coletividade é tudo", afirmava, lembrando o
famoso Contrato Social de Rousseau.

Político "incorruptível"
Robespierre ajudou a fundar e foi líder do Partido Jacobino na Convenção Nacional
(parlamento francês de 1792 a 1795). Seus discursos captavam o espírito da França
revolucionária. "É natural que o bom senso avance lentamente. O governo viciado encontra
nos preconceitos, nos costumes e na educação dos povos um poderoso apoio. O despotismo
corrompe o espírito humano a ponto de ser adorado e, à primeira vista, torna a liberdade
suspeita e terrível", afirmara no discurso Contra a Guerra.

Os ideais da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – compunham seu


slogan predileto. Robespierre tornou-se famoso como político sério e "incorruptível". Seu
objetivo era eliminar oa privilégios e instituições do Antigo Regime. Ele propagou ideias
revolucionárias para a época, como o sufrágio universal, eleições diretas, educação gratuita e
obrigatória, e imposto progressivo segundo a renda.

"Os habitantes de todos os países são irmãos; os diferentes povos devem se apoiar
mutuamente como cidadãos de um Estado. Quem oprime uma nação declara-se inimigo de
todas as nações. Quem faz guerra contra um povo, para impedir o progresso da liberdade e
sufocar os direitos humanos, deve ser perseguido por todos os povos. Não apenas como
inimigo comum, mas como assassino rebelde e bandido."

A lei da guilhotina
Proclamada a república, em 1792, Robespierre mostrou sua nova face. Não hesitou muito para
selar o destino do rei, aprisionado por revolucionários. Luís 16 foi julgado, condenado e, a 21
de janeiro de 1793, decapitado na guilhotina. Robespierre justificava o reinado do terror, o
qual "nada mais é do que a justiça rápida, violenta e inexorável. É, portanto, uma expressão da
virtude".

A pretexto de defender a revolução, os jacobinos instalaram um regime de terror na França em


1793-1794. Sob o comando de Robespierre, a Constituição foi suspensa e foram criados o
Comitê de Salvação Pública e o Tribunal Revolucionário. Esses órgãos descambaram depois
para a conspiração e execução na guilhotina de membros do próprio partido jacobino, como
Georges-Jacques Danton (1759-1794), confundindo inimigos e aliados.

A guilhotina funcionava sem parar. Com a ameaça de morte pairando sobre todos, deputados
moderados da Convenção Nacional tramaram a prisão de Robespierre e seus colaboradores
mais próximos. Em 28 de julho de 1794, deram aos ilustres prisioneiros o mesmo destino que
estes haviam dado ao rei Luís 16: a guilhotina.

De um despotismo para outro


Robespierre havia assumido poderes ditatoriais. Calcula-se que o terror jacobino causou
dezenas de milhares de vítimas, entre elas o químico Antoine Laurent de Lavoisier (1743-
1794). Em apenas 49 dias, mandou-se executar 1.400 pessoas. No final, o terror engoliu os
terroristas. Um ano após a morte de Robespierre, a França obteve um novo governo,
comandado por cinco "diretores".

O chamado Diretório representou o fim da supremacia e do terror dos jacobinos. Em 1795, a


Convenção promulgou uma nova Constituição, que, segundo seu relator, Boissy d'Anglas,
centrou-se em "garantir a propriedade do rico, a existência do pobre, o usufruto do industrial e
a segurança de todos".

De 1795 a 1799, o poder foi organizado sob a forma de uma república colegiada de notáveis,
tendo o Diretório como poder executivo. Nesse período, a França mergulhou numa nova crise
econômica e social, agravada por ameaças externas. Para manter seus privilégios políticos, a
burguesia entregou o poder a Napoleão Bonaparte, que o exerceu com o mesmo absolutismo
que havia sido derrubado pela Revolução Francesa.

7.1.2. O Constitucionalismo Clássico


Contexto Histórico: Séc. XVIII – Revoluções Burguesas e Nacionais.
“O desenvolvimento do Estado moderno resultou em mudanças significativas no modo de
produção capitalista. O período que se estende da crise do feudalismo ao advento do
capitalismo industrial esteve intimamente relacionado à afirmação da classe burguesa e à
expansão de suas aspirações e valores. O predomínio do capitalismo comercial, o
questionamento do teocentrismo medieval, a ideias renascentistas assinalaram o início de
novos tempos e, com eles, olhares diferenciados acerca do poder estatal. O pensa- mento
político que se constituirá a partir do século XVI teve, em formuladores clássicos como
Maquiavel, a defesa da separação entre o universo politico e o âmbito religioso, iniciando-se,
pois, a busca efetiva pela centralização e autonomia do Estado” (Brandão, Cláudio, Saldanha,
Nelson, Freitas, Ricardo (coord). História do direito e do pensamento jurídico em perspectiva.
Atlas, 09/2012. [Minha Biblioteca]. p. 186)
A REVOLUÇÃO NORTE-AMERICANA
As principais idéias com as quais os americanos contribuíram para o constitucionalismo são:
a) a criação da primeira Constituição escrita e dotada de rigidez
b) A idéia de supremacia da Constituição – a Constituição é a norma suprema porque
estabelece as regras do jogo;
c) A garantia jurisdicional– é o Judiciário o principal encarregado de garantir a supremacia da
Constituição, pois é o mais neutro politicamente (1803.
d) a forma federativa de Estado;
e) o sistema presidencialista;
f) a forma republicana de governo;
g) o regime político formalmente democrático;
h) a rígida separação e o equilíbrio entre os poderes estatais;
i) o fortalecimento do Poder Judiciário; e
j) a declaração de direitos da pessoa humana

A REVOLUÇÃO FRANCESA
 Na França, surgiu a primeira constituição escrita da Europa, em 1791. A experiência francesa
contribuiu com duas idéias principais:
a) Garantia de direitos individuais;
b) Separação dos Poderes. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão é de
1789 e serviu de preâmbulo para a Constituição Francesa de 1791.
A apelação do constitucionalismo norte-americano aos juízes nos casos de violação dos
direitos naturais inerentes ao homem, no modelo francês, é substituída pela apelação ao povo
mediante um direito de censura das leis ordinárias, assim como de variadas formas de reforma
constitucional e referendo.
No modelo francês Constituição não se limita a fixar as regras do jogo, como na experiência
norte-americana, pois é concebida como um projeto político destinado a promover uma
transformação política e social
7.1.3. Democracia Liberal em Tocqueville

Alexis de Tocqueville (1805-1859) foi um pensador político e estadista francês. Foi considerado
um dos grandes teóricos sobre a democracia americana. Especulou sobre a natureza essencial
da própria democracia, suas vantagens e perigos. Alexis Charles-Henri-Maurice Clérel de
Tocqueville (1805-1859), conhecido como Alexis Tocqueville, nasceu em Paris, França, no dia
29 de junho de 1805. Descendente de família aristocrata formou-se em Direito e atuou como
juiz. Alexis Tocqueville viveu no período mais crítico da história francesa, durante o século XIX.
Nasceu pouco tempo depois da Revolução Francesa (1789), sobre a qual escreveria uma obra
clássica. Passou a infância na época das Guerras Napoleônicas (1803-1815). Assistiu à
restauração da Monarquia com Luís XVIII, até 1824, quando este foi sucedido por Carlos X (a
quem seu pai serviu), e a sua derrubada por Luís Felipe, em 1830. Em 1830 iniciou-se na vida
política quando foi eleito deputado. Apesar de aristocrata, tinha ideias com inclinações
democráticas. Viajou para os Estados Unidos, para estudar o sistema democrático em
funcionamento. Ficou impressionado com a nascente democracia norte-americana. De volta à
França, em 1832, escreveu sobre o que havia visto: a radical democratização de uma
sociedade, na qual todos, com exceção dos escravos, eram iguais perante a lei,
independentemente da origem social. Publicou sua obra prima, “A Democracia na América”
(1835-1840), em quatro volumes, que o consagrou e abriu-lhe as portas das mais importantes
instituições, entre elas, a Academia Francesa, em 1841. (FRAZÃO, 2016)

O pensamento político de Alexis de Tocqueville concerne à sistematização objetiva da


democracia, não como mero ideal filosófico, mas como práxis incorporada às instituições, a fim
de sustentar o triunfo do liberalismo como:
• Ideologia hegemônica pela Revolução Francesa (1789).
• Recém-implantado sistema de governo nos Estados Unidos da América.
Todavia, demonstrava decadência com as tensões surgidas entre trabalhadores
superexplorados e burgueses, bem como eventuais degenerações de projetos liberais, como
no terror jacobino e no regime napoleônico.

O ideal político-filosófico de Tocqueville, no contexto do liberalismo, notadamente


fundamenta-se em sua própria biografia, diacronicamente contextualizada ao momento
histórico em que viveu. A sua história na França revolucionária e as experiências nos Estados
Unidos possibilitaram ao escritor francês um amplo campo de pesquisa e argumentação de
como uma democracia poderia funcionar de maneira genuinamente liberal, ou degenerar-se
em despotismo (como Napoleão) ou tirania da maioria (como o terror jacobino).

O pensador francês Aléxis de Tocqueville (1805‐1859) tem sua fama garantida nos anais da
Filosofia Política por duas grandes obras. A primeira, a mais famosa, tem como título A
democracia na América (1835) e a segunda, O Antigo Regime e a Revolução (1856). Essas duas
obras bastaram para tornar a leitura de Tocqueville obrigatória para os que se interessam pela
questão da democracia e da liberdade. Tocqueville escreveu A democracia na América depois
de viajar extensamente pelos Estados Unidos, em companhia de um amigo; o objetivo da
viagem era estudar as prisões norte‐americanas. Nessa obra, Tocqueville apresenta, em dois
volumes, um completo retrato dos Estados Unidos da época de sua visita, concentrando‐se no
que havia de novo no sistema político e social norte‐americano. Procura mostrar como um país
fundado sobre princípios tão diferentes daqueles que fundamentavam as constituições dos
países europeus podia funcionar, e funcionar muito bem. A democracia na América é uma
obra que apresenta um estudo sobre as condições e modos de um novo sistema político, e
reflexões sobre o presente e o futuro desse sistema, o qual, segundo Tocqueville, estava
destinado a se espalhar pelo mundo. (RAMOS, 2014, pp. 143-144)

Tocqueville observou que as sociedades europeias, ainda aristocráticas, marcadas por


atavismos feudais, baseadas na desigualdade e na hierarquia, paulatinamente eram
substituídas desde a Idade Média por arranjos sociais mais democráticos, ao menos
formalmente.

Para Alexis de Tocqueville a verdadeira democracia liberal resultaria da necessária soma dos
seguintes valores: liberdade, igualdade e soberania popular.

i) Liberdade
Tocqueville, a partir da descrição da epopeia estadunidense de independência e de
autoafirmação nacional, encontra as hipotéticas condições materiais da democracia na
necessidade de estabelecer-se, objetivamente, o hábito de erigir uma sociedade com
costumes e leis democráticos a partir do desejo ou vontade de liberdade, no sentido de
independência e ordem – erigidas a partir da luta – na união e combate ao colonialismo inglês.

ii) Igualdade
Considerando que o efetivo desenvolvimento de uma sociedade liberal jaz na progressiva
igualização dos indivíduos e dos povos entre si, Tocqueville assevera que esta igualdade é
conseguida por meio do profundo patriotismo a partir da tomada de consciência formada por
esse povo acerca de sua participação no poder político, sendo este a fonte soberana de
organização social e autodeterminação popular.

iii) Soberania popular


A participação popular nos negócios do Estado e a sua autodeterminação política (soberania) é
exaltada por Tocqueville, mas considerando os eventos havidos durante o Terror Jacobino,
assevera a necessidade de delimitar tal poder com base em critérios objetivos de Justiça. Para
o pensador, portanto, não se pode autorizar nem legitimar todo e qualquer ato da Sociedade
representada no Estado em nome da soberania popular. Em outros termos, observa-se seu
temor e aversão ao irrestrito domínio da maioria, ou seja, à tirania de muitos em detrimento
de minorias políticas, étnicas ou religiosas.
Neste sentido, para Tocqueville as sociedades democráticas podem ser liberais ou
degenerarem-se em tirânicas. Quanto à hipótese de degeneração, Tocqueville aponta dois
grandes perigos que ameaçariam as democracias:
i) A tirania da maioria.
ii) O despotismo do Estado.

Tocqueville temia que os hábitos e os costumes de uma maioria destruíssem as vontades de


minorias ou de indivíduos isolados.

Para o pensador francês, o despotismo poderia se introduzir na democracia através do


individualismo – justamente um dos pilares do individualismo. Tal hipótese poderia
materializar-se quando cidadãos, equivocadamente atentos apenas aos seus assuntos
privados, abandonariam o interesse pelos negócios públicos, abrindo espaço para o
surgimento de um déspota que em um primeiro momento se apoderaria de toda a
administração pública e, posteriormente, viria a intervir nas liberdades fundamentais,
atacando, portanto, o mesmo individualismo que, praticado exacerbadamente, possibilitou a
ascensão do regime despótico.

Por outro lado, a aporia da soberania popular, quando não atrelada a critérios objetivos de
justiça e solidariedade, ensejaria uma tirania da maioria, na qual as minorias (políticas,
religiosas ou étnicas) seriam alijadas à anomia e à barbárie, apartadas da sociedade
participante do Estado.

7.2.1. Relativismo Filosófico e Cultural

Relativismo Cultural: é a atitude de olhar uma cultura ou um elemento cultural de


forma a compreender que os indivíduos são condicionados a terem um modo de
vida específico e particular de acordo com o processo de endoculturação [Processo
constante de aprendizagem e de assimilação do conhecimento, em que o indivíduo
aprende o modo de vida e a cultura da sociedade em que nasceu], sendo entendido
que seus sistemas de valores são próprios de sua cultura. No final do século XIX, a
fim de rechaçar o etnocentrismo e o positivismo, a ideia de relativismo cultural
ganhou força, através das obras de Franz Boas [não confundir com Frantz Fanon].
** Princípio Axiomático (Franz Boas): cada cultura se expressa de forma
diferente, portanto, a atividade humana individual deve ser interpretada dentro
do contexto de sua própria cultura. Todavia, não há dogmatismo, pois, o
relativismo parte das conclusões que são produzidas da observação e da
convivência com outros grupos e com suas convicções. “O princípio do
relativismo cultural decorre de um vasto conjunto de fatos, obtidos ao se
aplicar nos estudos etnológicos as técnicas que nos permitiram penetrar nos
sistemas de valores subjacentes às diferentes sociedades” (HERSKOVITS,
Melville Jean. “Man and his Works". New York: A.A. Knopf. 1951 [1948], p. 63)
** Relativismo Radical: tendência a priorizar os julgamentos internos de uma
sociedade, considerando a cultura a única fonte de validade para os
julgamentos
** Relativismo Moderado: essa versão repousa sobre a noção de que é
sempre possível a tradução entre ontologias distintas, o que garante a
intersubjetividade e, consequentemente, a objetividade. Essa posição é
inspirada no relativismo estrutural de Claude Lévi-Strauss.
** Críticas e Debates: O relativismo cultural é criticado por sua própria
contradição interna. Se "tudo é relativo", esta afirmação também é relativa.
*** Relativismo Cultural X Etnocentrismo: O relativismo cultural se
afasta da noção positivista que uma sociedade está em permanente
mudança e nega o progresso moral. Enquanto o etnocentrismo traz uma
ideia de julgamento e hierarquia de civilizações, o relativismo cultural
procura considerar costumes e tradições como frutos de uma cultura
específica.
*** Relativismo Cultural X Universalismo: Os universalistas defendem
a existência de padrões culturais universalistas, aceitos universalmente
como bons, belos e benéficos. Para esses, o julgamento de um
comportamento social independe da visão moral interna do grupo
cultural onde este se deu. Para os relativistas, é impossível afirmar que
exista uma concepção de bom, belo e benéfico que seja unívoca e
universal, pois tais percepções ou juízos valorativos são construídos
socialmente.
*** Relativismo Moral X Cultural: Relativismo cultural é um método de
pesquisa que serve para descrever, analisar e avaliar a cultura de um
grupo humano baseado em termos e valores daquele grupo. Por outro
lado, relativismo moral prega não haver absolutos ou universais. O
relativismo cultural opõe-se ao etnocentrismo enquanto relativismo
moral opõe-se ao universalismo moral.

7.2.2. Formalismo e Substancialismo

a) Democracia Formal: indica um certo número de meios que são


precisamente as regras de comportamento acima descritas independentemente
da consideração dos fins (ver procedimentos universais).

Democracia Substancial: indica um certo conjunto de fins, entre os quais


sobressai o fim da igualdade jurídica, social e econômica, independentemente
dos meios adotados para os alcançar

7.2.3. Perspectiva Jurídica e Constitucional

• Procedimentos Universais (ou regras formais): “1) o órgão político máximo, a quem é
assinalada a função legislativa, deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos
pelo povo, em eleições de primeiro ou de segundo grau; 2) junto do supremo órgão legislativo
deverá haver outras instituições com dirigentes eleitos, como os órgãos da administração local
ou o chefe de Estado (tal como acontece nas repúblicas); 3) todos os cidadãos que tenham
atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de censo e possivelmente de sexo,
devem ser eleitores; 4) todos os eleitores devem ter voto igual; 5) todos os eleitores devem ser
livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente possível, isto é, numa
disputa livre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional; 6)
devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais
alternativas (o que exclui como democrática qualquer eleição de lista única ou bloqueada); 7)
tanto para as eleições dos representantes como para as decisões do órgão político supremo
vale o princípio da maioria numérica, se bem que podem ser estabelecidas várias formas de
maioria segundo critérios de oportunidade não definidos de uma vez para sempre; 8)
nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo
especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições; 9) o órgão do Governo deve
gozar de confiança do Parlamento ou do chefe do poder executivo, por sua vez, eleito pelo
povo” (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1998, pp. 327-328).
• Ambivalência: A Revolução Francesa instituiu a dúvida acerca da validade de um
Estado democrático nos valores e mentalidades de uma sociedade burguesa; como pensar
nestes termos a efetividade de uma Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sem
limitar a definição de homem e de cidadão a um aspecto meramente formal? Essa é apenas
uma das aporias que deixará como legado ao pensamento jurídico político ocidental, em
contraste com o desenvolvimento teórico anterior que previa a democracia como base a
soberania do povo.
• Democracia Representativa: “A representação democrática, constitucionalmente
conformada, não se reduz, porém, a uma simples delegação de vontade do povo. A força
(legitimidade e legitimação) do órgão representativo assenta também no conteúdo dos seus
actos, pois só quando os cidadãos (povo), para além de suas diferenças e concepções políticas,
se podem reencontrar nos actos dos representantes em virtude do conteúdo justo desses
actos, é possível afirmar a existência e a realização de uma representação democrática
material” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina,1993, p.
420).
• Constitucionalismo X Ideal Democrático: Enquanto no “ideal de democracia” as
decisões da coletividade são contingencialmente apontadas por uma maioria, os limites serão
encontrados no constitucionalismo, que há de obrigatória e necessariamente excluir
determinadas questões do âmbito coletivo e condicionar, em tese dialogicamente, o modo
como aquela maioria deve decidir. Esta tensão entre os referidos ideais há de circunscrever o
ideal democrático constitucionalmente jurisdicionado. Em tese, a lógica básica deste exercício
constituinte jaz na ideia de que maioria simples, por si só, não constitui o melhor
procedimento para decidir sobre determinadas questões sensíveis ao Direito (cf. ELSTER, Jon.
Régimen de mayorías e derechos individuales. In.: SHUTE, Stephen e HURLEY, Susan [Org.] De
los derechos humanos. Madrid: Editora Trotta. 1998., p.169) - soberania popular e a vontade
majoritária consagradas por uma ideia primeva de democracia, em detrimento do
constitucionalismo, que delimita o poder (inclusive popular) e vaticina o respeito aos direitos
fundamentais (inclusive da minoria, a despeito da maioria). Todavia, a segunda assertiva não
pode ipso facto frustrar a primeira, e tal limitação há de ser problematizada.

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