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DOCUMENTOS Guajará, Baixo Acará, Estado do Pará,

neste mês de maio, uma correspondência


Posição da Associação Brasileira de informando sobre uma ação na qual se
Antropologia sobre a iniciativa de solicitava a anulação do registro do
anulação do registro do imóvel imóvel decorrente do titulo de
decorrente do título de Reconhecimento Reconhecimento de Domínio Coletivo
de Domínio Coletivo expedido a favor da expedido a favor da Associação "Filhos
Associação Remanescente de Quilombos de Zumbi" pelo ITERPA, em novembro
"Filhos de Zumbi" - 26 de maio de 2003. de 2002. Na correspondência em questão,
está anexa cópia da ação de anulação
Brasília, 26 de maio de 2003 encaminhada pelos seus demandantes à
Juíza da Comarca do Acará, em que lhe
A Associação Brasileira de Antropologia exigem "que determine a execução da
(ABA), sociedade científica fundada em perícia biológica mediante exame de
1955 e que reúne os antropólogos do país, DNA nos membros que compõem a
tem pautado sua atuação pela experiência Associação Remanescente de Quilombos
reflexiva e prática acumulada de defesa 'Filhos de Zumbi'" (03.4. p. 16); e que
dos direitos humanos dos grupos "determine a execução de perícia etno-
minoritários. Os antropólogos tiveram histórica para comprovar se existem
papel decisivo no reconhecimento dos provas históricas, culturais e
direitos das comunidades de quilombos arqueológicas" de existência de "um local
ao indicar a necessidade de se perceber os de refúgio de escravos. Ou seja um
fatos a partir de uma outra dimensão, que quilombo" (03.3).
incorpore os direitos étnicos e culturais
dos grupos que aspiram à vigência dos A Associação Brasileira de Antropologia,
direitos atribuídos pela Constituição ao mesmo tempo que informa o
Federal. Assim, os usos de marcadores Ministério Público Federal e autoridades
biológicos/genéticos e a procura estaduais sobre a natureza perigosa de tal
deliberada por vestígios arqueológicos ação, entende que a realização de "perícia
que não se encontram investidos de biológica" em uma determinada
qualquer significado importante para o população beira ao racismo explícito e
próprio grupo, têm sido relativizados por faz lembrar sistemas discriminatórios de
não constituírem evidências etnográficas triste memória na história da
sobre o passado. A gestão atual da ABA, humanidade. Este tipo de ação necessita
através do Grupo de Trabalho sobre ser evitada com rigor para impedir que
Laudos Antropológicos, tem dado posições racistas encontrem amparo no
continuidade aos compromissos e aparato jurídico. Consideramos também
responsabilidades sociais dos que não se deve negar o direito à auto-
antropólogos que, através das atribuição de uma identidade básica, no
experiências concretas de pesquisa, caso, a de quilombola, determinada por
participam do processo de sua origem comum e formação no
reconhecimento de grupos étnicos sistema escravista. Esclarecemos, assim,
diferenciados e dos direitos territoriais de que:
povos indígenas e comunidades negras
rurais ou as chamadas "terras de preto". 1. O artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT) da
A Associação Brasileira de Antropologia Constituição de 1988 fez emergir um
recebeu da Associação Remanescente de significado atualizado de Quilombo para
Quilombos "Filhos de Zumbi", que conferir direitos territoriais a
representa a comunidade quilombola de remanescentes de quilombos que estejam
ocupando suas terras. Portanto, Quilombo
ou Remanescente de Quilombo são A Associação Brasileira de Antropologia
termos usados para conferir direitos reitera sua posição junto às autoridades e
territoriais. à sociedade brasileira, que procedimentos
como os demandados pela suprareferida
2. O texto constitucional não evoca ação de anulação devem ser radicalmente
apenas uma "identidade histórica" que rejeitados em nome da justiça e do
pode ser assumida e acionada na forma respeito aos cidadãos da comunidade
da lei. É preciso, sobretudo, que esses negra rural de Guajará e de todas as
sujeitos históricos presumíveis existam comunidades que reivindicam direitos
no presente e tenham como condição étnicos e territoriais.
básica o fato de ocupar uma terra que, por
direito, deverá ser em seu nome titulada
(como reza o artigo 68 do ADCT).
Assim, qualquer invocação ao passado,
deve corresponder a uma forma atual de
existência, que pode realizar-se a partir
de outros sistemas de relações que
marcam seu lugar em um universo social
determinado.

3. A perspectiva dos antropólogos,


produto de diversas pesquisas e reuniões
e expressa em documentos, é que "o
termo quilombo tem assumido novos
significados na literatura especializada e
também para grupos, indivíduos e
organizações. Ainda que tenha um
conteúdo histórico, o mesmo vem sendo
'ressemantizado' para designar a situação
presente dos segmentos negros em
diferentes regiões e contextos do Brasil.
[...] Contemporaneamente, portanto, o
termo quilombo não se refere a resíduos
ou resquícios arqueológicos de ocupação
temporal ou de comprovação biológica.
Também não se trata de grupos isolados
ou de uma população estritamente
homogênea. Da mesma forma, nem
sempre foram constituídos a partir de
movimentos insurrecionais ou rebelados
mas, sobretudo, consistem em grupos que
desenvolveram práticas cotidianas de
resistência na manutenção e reprodução
dos seus modos de vida característicos e
na consolidação de um território próprio.
[...] No que diz respeito à territorialidade
desses grupos, a ocupação da terra não é
feita em termos de lotes individuais,
predominando seu uso comum".

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