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Curso “Fé e Liberdade” com Alejandro Chafuen

Aula 01 - As Origens da ideia do Livre Mercado

SINOPSE
Nesta aula introdutória, de forma surpreendente, o professor Alejandro
Chafuen demonstra como a origem das ideias de liberdade econômica
encontra-se nos autores cristãos, notadamente, nos escolásticos tardios.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao final desta aula, espera-se que você saiba: a relação dos escolásticos
tardios com o desenvolvimento da economia; quais são importantes nomes do
período; quais são as duas formas de compreensão da lei natural.

1. INTRODUÇÃO
Neste curso, quero compartilhar com vocês um pouco do que eu
aprendi, ao longo de muitas décadas de trabalho, sobre as origens dos
conceitos que nos levaram até uma economia de mercado. O melhor resumo
deste trabalho aparece no meu livro que foi publicado aqui no Brasil com o
título “Fé e Liberdade1”, cuja primeira edição chamou-se Christians for
Freedom: Late Scholastic Economics2. Eu também irei compartilhar com
vocês como eu acabei me envolvendo com isso, quanto fiquei surpreso com
tudo o que aprendi e o que isso pode significar nos dias atuais.

2. MINHA HISTÓRIA
Eu me apaixonei pela liberdade muito cedo em minha vida. Eu fazia
parte de uma equipe de tênis e o pai de um dos meus companheiros era um

1
Embasad o por uma íntima familiaridade com as fontes primárias releva ntes, temos na presente obra uma
visão sistemáti ca e tópi ca d os pontos d e vista d os escolásti cos tardias sobre preços, salári os, teoria do val or
e m uitas outras questões econômicas.
2
“O Pensamento Econômico d os Escolásticos Tardios” d e Al ejand ro A. Chafuén é o mel hor estudo sobre a
temática.
grande admirador dos Pais Fundadores da Grande Argentina, principalmente
pelo grande acadêmico, jurista, constitucionalista e escritor chamado Juan
Bautista Alberti3. Alguns chamam Alberti de pai das constituições argentinas,
a qual foi promulgada e começou a ser implementada em 1853. Naquele
momento, houve uma tentativa comunista de assumir a América Latina e eu
comecei a entender que sempre que um país tem uma relação com ideias de
liberdade ou respeita a ideia de propriedade privada, ele prospera. Por outro
lado, sempre que o país não respeita isso, começa a afundar. Eu vi isso
acontecer com a minha Argentina, nos Estados Unidos e também ao redor do
mundo.
Eu era ateu, agnóstico e seguidor de uma romancista russa que foi para
os Estados Unidos chamada Ayn Rand. No segundo e terceiro anos em uma
universidade católica é que a minha maneira de ver as coisas mudou. No
quarto ano, quando estava completamente preparado e era bastante radical
quanto ao livre mercado em todos os assuntos, eu discutia com todos os
professores que queriam ensinar keynesianismo, economia neoclássica,
teoria de substituição de importações.
No quinto e último ano, nós nos dedicamos o ano inteiro à história do
pensamento econômico. Nosso professor era um romeno chamado Oreste
Popescu, o qual havia estudado na Áustria, na Universidade de Innsbruck. Na
sua primeira aula, ele começou explicando o que faríamos ao longo do ano
inteiro. Ele esclareceu que começaríamos pelos gregos - Hesíodo, Xenofonte,
Aristóteles e Platão -, depois veríamos os romanos, como Cícero e Sêneca, e,
após isso, estudaríamos Agostinho, centrando-nos nas partes mais
importantes apenas. Seguiríamos por Tomás de Aquino 4 e seus seguidores
para, por fim, aprender sobre os mercantilistas e os fisiocratas. Nesta
oportunidade, ele mencionou que, com muita sorte, chegaríamos a Adam
Smith5. Eu já era defensor do livre mercado e já aceitava a ideia de que Adam

3
Político (1810 - 1884).
4
Fil ósofo (1225 - 1274).
5
Economista (1723 - 1790).
Smith era o pai da ciência econômica. Eu gostava tanto do Adam Smith que
costumava usá-lo até em minha gravata.
Nessa circunstância, eu tive que rir alto e Popescu perguntou, com seu
sotaque romeno, estilo Drácula: “Do que está rindo?”. Eu lhe respondi: “Isso é
uma conspiração para esconder algo? Privando-nos do livre mercado?”. A
Economia tinha começado com Adam Smith e nem sequer chegaríamos até
ele?
Popescu me repreendeu de uma maneira que mudou a minha vida. Ele
pediu que eu lesse para a próxima aula a obra “Os Trabalhos e os Dias 6” de
Hesíodo e escrevesse um artigo. Isso mudou a minha vida, pois, com aquele
simples livro, eu fui capaz de ter ideias sobre temas como valor subjetivo,
propriedade privada, coisas que eu já havia lido em minhas admiráveis aulas
de Economia. O próximo livro de que tratamos era de Xenofonte. A propósito,
o nome “economia” vem de oikos nomos7, como se fossem as regras da
administração de uma casa. O primeiro livro com esse nome pertence
justamente a Xenofonte, um dos discípulos de Sócrates. Esse foi o começo do
meu interesse por ideias.
O professor Popescu sempre foi muito fiel ao país e à universidade onde
costumava lecionar. Quando esteve na Colômbia, ele começou a se concentrar
nos autores que estavam lá. E, na Universidade Católica, ele disse: “Precisamos
estudar algo chamado os escolásticos tardios hispano-americanos”.
Quem são estes? Foram as primeiras pessoas que vieram para as
Américas e começaram a trabalhar na moagem. Esses homens eram
basicamente sacerdotes que haviam estudado principalmente na Espanha, na
Universidade de Salamanca e na Universidade de Alcalá. Alguns tinham
benefícios de Coimbra e dos professores que estavam indo para lá. Então, se
você prestar muita atenção, a pesquisa se concentrou na universidade.

6
“Os Trabalhos e os Dias” também conhecido como “As Obras e os Dias” é um poema épi co d e Hesí odo, um
dos primei ros autores conhecidos da Grécia Antiga.
7
362 a.C.. Parte dos escritos socráticos, o ‘Econômi co’ é um tratado emine ntem ente prático sobre economia
em que, usand o o recurso literári o da apresentação do tema sob a forma d e diálogo, Xenofonte faz com que
Sócrates, durante um encontro com amigos, fale por el e em d efesa d e suas id eias.
Eu me tornei um aluno tão bom que Popescu me pediu para integrar a
sua equipe como professor e pesquisador.

3. OS DIREITOS HUMANOS E O DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA


Comecei pelos primeiros artigos de Economia nas Américas, os quais
foram feitos por um padre da ordem dominicana na ilha La Espanhola, uma
ilha que hoje é dividida pela República Dominicana e o Haiti. Adivinhem: o
primeiro tema econômico que esses padres estavam discutindo era a
liberdade para negociar. Na época, eles afirmavam que era uma loucura ter
que pedir permissão à Sevilha, à Espanha ou ao continente, para podermos
negociar com Yucatán ou com qualquer outra das colônias espanholas. Para
eles, além de não fazer sentido, isso aumentava os gastos.
Eles fizeram uma grande contribuição aos direitos humanos. Eu não
abordo muito esse tema no livro, mas talvez consigamos tratar dele aqui.
Outro personagem da Escola de Salamanca, que inclusive é considerado
fundador desta, é Francisco de Vitória 8, o qual é mais conhecido por sua
contribuição aos direitos humanos do que por sua contribuição à economia.
Imagino que alguns de vocês já tenham ouvido falar de Bartolomeu de las
Casas9, igualmente defensor dos direitos humanos, que, do ponto de vista
econômico, era muito a favor do livre mercado e muito conservador em
questões religiosas.
Há um famoso sermão realizado pelo Padre António de Montesinos10 no
início do século XVI, em uma data próxima ao Natal, no qual prega ser como
uma voz no deserto clamando pelos direitos dos índios. António de
Montesinos foi com um conquistador chamado Lucas Vásquez de Ayllón 11 para
os Estados Unidos. E nisso estou falando de quase um século antes do que
aconteceu em Jamestown e outras visitas inglesas ao continente norte-
americano. António de Montesinos sobreviveu.

8
Teól og o (1483 - 1546).
9
Frad e Dom ini cano (1484 - 1566).
10
Frad e Domini cano (1475 - 1540).
11
Ex pl orad or espanhol (1480 - 1526).
Todas essas discussões sobre direitos humanos estavam chegando à
Espanha e algumas das questões típicas que os moralistas se faziam era: “Os
índios têm direito de negociar? Os índios têm direito à propriedade privada?
Podemos tributá-los?”. Tentando responder a essas perguntas, nós
começamos a ver um desenvolvimento da economia.
Deixe-me voltar um pouco. Todos esses autores, comumente
denominados escolásticos tardios, eram sacerdotes, membros de
universidades. Inclusive, a primeira universidade foi iniciada por pessoas
muito próximas à Igreja, especialmente no mundo ocidental. A primeira
universidade foi a de Bolonha12. Houve uma iniciada no Marrocos, que não é
exatamente oeste, mas as mencionadas anteriormente foram os centros de
pensamento do mundo ocidental.
No século XVI, a Universidade de Salamanca 13 tinha cerca de 7 mil
estudantes. A hierarquia inglesa tinha a sua própria faculdade, bem como a
hierarquia irlandesa, as quais também estavam em Salamanca. Então, essa
universidade funcionava como o centro de pensamento. Desde o início, eles
ornamentaram com o que os romanos e gregos tinham contribuído. Além
disso, uma vez que Cristo veio ao mundo, é claro que os Evangelhos e a Bíblia
também se tornaram uma fonte de inspiração. E não era como hoje que com
um telefone temos acesso a milhares e milhares de livros. Na época, o ritmo de
produção era muito limitado. Então, cada um desses livros, como os de
Hesíodo ou Xenofonte, era uma espécie de literatura obrigatória.
Na cidade de Toledo, onde tive o privilégio de estudar, ocorreu um
grande impulso com as primeiras traduções das obras de Aristóteles 14. Foi
então que Tomás de Aquino começou a comentar sobre os livros deste,
incluindo as partes em que Aristóteles falava sobre economia. Agora estamos
falando do século XIII, que é o período no qual Tomás de Aquino escreveu.
Nos meus livros, tenho um pequeno tipo de gráfico no qual mostro a
árvore, o Gênesis, a árvore genealógica desses autores. Há a Bíblia, o Novo

12
1088.
13
Uni versidade mais antiga da Espanha (1218).
14
Fil ósofo greg o (384 a.C. - 322 a.C.).
Testamento, os professores seculares e a importância de Tomás de Aquino
como um escritor-chave, sobre o qual todos deveriam comentar e dar opinião
acerca de seus artigos.

Alguns autores que deram mais atenção a essas contribuições foram


história do pensamento econômico. Talvez um dos professores mais famosos
da história do pensamento econômico tenha sido um austríaco que se
chamava Joseph Schumpeter15. Schumpeter escreveu um livro intitulado
“História da Análise Econômica16”, um grande volume que ainda é
considerado o livro mais importante. O livro tem cerca de 60 páginas
dedicadas a esses autores, os quais começaram a demarcar os estudiosos da lei
natural.

15
Economista (1883 - 1950).
16
O li vro fornece uma história com pleta da teoria econômi ca da Grécia Antiga até o fi nal da Segunda Guerra
Mundial.
3.1. A Lei Natural
Por que lei natural? Porque esse era o centro de sua perspectiva
filosófica e metodológica. No meu livro, eu explico como esses autores viam o
mundo. Primeiro, há a Lei Divina, que é o plano de Deus para levar cada
criatura ao seu derradeiro fim. É um tipo de metafísica de difícil entendimento.
Para eles, você precisa da Graça.
Esses autores veem a lei natural de duas maneiras. Na primeira maneira,
a lei natural pode ser entendida como a participação de cada ser humano
naquela ideia do Criador ou como o Criador vive em nós. Na segunda, a lei
natural corresponde ao que a razão nos diz sobre a natureza das coisas. Eles
acreditavam na existência da verdade. Portanto, para eles, a razão não cria a
verdade, mas é somente através da razão que os seres humanos podem
entender a verdadeira natureza das coisas.
Esse conceito de lei natural é base tanto para a lei positiva, que é a lei que
é incorporada na unidade central, quanto para a lei analítica. Ou seja, se
houver uma ordem natural na sociedade, tudo que é verdadeiro, de uma certa
forma, é ao mesmo tempo santificado e consistente com a fé. Não pode haver
nenhuma contradição.
Eu tendo a concordar com a maioria das análises deles. Quando eles
concordavam com algo com a razão, eles não diziam: “bem, a Bíblia diz isso,
então quem se importa com o motivo?!”. A minha pequena discordância com
esses autores é quanto à teoria da taxa de juros. A palavras para juros, a
verdadeira taxa de juros, era usura. E eles tiveram um problema com ela. Mais
adiante, vamos analisar outras tradições religiosas que tiveram ainda mais
problemas do que a religião cristã. No final da Idade Média, os cristãos
começaram a mudar suas práticas. No final do século XIX, no direito canônico,
no direito da Igreja, juros começaram a ser permitidos. Os muçulmanos, por
outro lado, até hoje não permitem a cobrança do juro puro. Eles precisam
descobrir maneiras indiretas para conseguir algo emprestado e dar uma
espécie de recompensa às pessoas que emprestaram.
Todos estes estudiosos que trabalhavam nessas grandes universidades
começaram a desenvolver um grupo de pensadores. Posteriormente,
Schumpeter os considerou os verdadeiros fundadores da ciência econômica.
No início da minha vida, eu fui muito privilegiado - acredito que por
Providência Divina - de conhecer a maioria dos grandes gigantes do livre
mercado. Um deles foi Friedrich Hayek 17, com que tive o prazer de estar por
diversas vezes. Outro, agressivo intelectualmente, foi Murray Rothbard 18.
Rothbard havia feito um trabalho chamado New Light on the Prehistory of the
Austrian School19 (“Nova Luz sobre a Pré-história da Escola Austríaca”).
Acredito que Rothbard não sabia ler latim e Hayek nem tanto também, por
causa de alguns erros que encontrei em parte dos escritos. De qualquer forma,
Rothbard fez esses autores parecem fantásticos.
Eu ainda tinha um pouco de dúvida, porque, às vezes, alguns adeptos do
livre mercado só querem usar os argumentos a favor da liberdade e aquilo que
é conveniente, ao invés de mostrar os dois lados. Eu estava lendo todos esses
artigos e, quando concluí a Universidade Católica, comecei a fazer ainda mais
pesquisas sobre esses autores. Eu comecei a me questionar onde aqueles
sacerdotes que estavam escrevendo na América Latina e faziam tanto sentido,
haviam estudado quando descreveram as condições econômicas. Então, eu
decidi que queria começar a estudar a escolástica europeia. Meu chefe, o
professor Popescu, disse que se eu quisesse fazer isso, eu precisaria ir embora.
Eu realmente queria estudar os escolásticos tardios da América Latina,
aqueles que haviam começado a escrever no momento em que chegaram aqui,
nos séculos XVI e XVII. Eu tive muita sorte, porque recebi uma bolsa da
Fundación Ortega y Gasset, do grande filósofo político20, autor de La

17
Economista (1899 - 1992).
18
Economista (1926 - 1995).
19
Origi nalmente publicad o em Th e Fou n dat i on s of Moder n Au st r i an E con om i cs , editado por Ed w in
Dolan (Kansas City: Sheed and Ward, 1976).
20
Ortega y Gasset, ensaísta (1883 - 1955).
Revolución de las masas21, “A Rebelião das Massas”, que tiveram influência
sobre Hayek.
Havia um grupo de socialistas, se você quiser chamá-los assim, que
eram intelectuais e trabalhavam no Think Tank na Argentina, na
Universidade de Di Tella. Eu estive em Oxford, onde estudei com um professor
austríaco chamado Max Hartwell 22 e com muitos historiadores argentinos,
sociólogos e antropólogos, os quais começaram a mudar seus pontos de vista
em relação ao livre mercado. Dentre eles estavam Ezequiel Gallo e Manuel
Moreira Araujo, ambos já falecidos. Acho que quem está vivo é o Roberto
Cortez. Todos eles historiadores condecorados. Aqui, também temos um
filósofo famoso chamado Olavo de Carvalho, que basicamente fala da
importância da cultura. Foi realmente interessante. No período em que vimos
uma espécie de mudança na Argentina, tínhamos um grupo de ex-socialistas
que haviam se tornado liberais clássicos e atuavam na cultura, em sociologia,
na antropologia e em História. Nós nos beneficiamos muito deles.
Infelizmente, os economista se mantiveram inflexíveis. Vimos isso a distância
da Argentina, mas eles continuam dominando o cenário econômico no país.

3.2. O papel da Igreja


Isso mudou porque, quando cheguei à Europa e comecei a ver e ler todas
as obras e todos os originais, percebi que Rothbard havia escrito a verdade. Isso
foi o começo de uma doutrina comum em que pessoas não apenas em
Salamanca, mas nas universidades da Europa, nos séculos XIV, XV e XVI,
desenvolveram um grupo de pensadores que, na maioria das áreas, era
totalmente diferente do estereótipo que tínhamos, como liberais, sobre o
papel da Igreja. Como acadêmico, dediquei minha vida a apontar que isso é
injusto academicamente, que aquilo foi um trabalho acadêmico e que aquelas
pessoas precisavam ser conhecidas.

21
Gasset começou a publi cá -l o em 1929, na forma d e artig os, no jornal E l Sol . No m esmo ano, lançou -o na
forma de li vro. “A Rebelião das Massas” foi traduzid o em mais d e vinte idiomas.
22
Ronald Max Hartw ell, historiador (1921 - 2009).
Eu imagino que parte dos que nos assistem sabem quem foi Ludwig von
Mises23, um grande econômico austríaco que, depois de Menger, que é o
fundador da Escola Austríaca, talvez seja o mais famoso. A principal obra de
Mises é “Ação Humano” e ele tem outro livro chamado “Socialismo 24”. Para
Mises, a propriedade privada e a economia de livre mercado são uma força
muito poderosa, bem como a Igreja cristã. Assim, se essas forças se
opusessem, destruiriam as possibilidades de liberdade. Mises não conhecia
muito esses autores, não se dedicava a eles, não os pesquisava. Ele pensava que
a ideia de preço justo era uma imposição vinda do topo.
Hayek, pelo contrário, estava muito atento às contribuições da religião
e da tradição - talvez falemos mais sobre isso. Hayek tinha lido sobre esses
autores porque tinha uma aluna brilhante, uma estudante de literatura
chamada Marjorie Grice-Hutchinson25. Ao estudar os trabalhos dos escritores
espanhóis, Marjorie se deparou com artigos econômicos. Nesses artigos
acerca de teorias monetárias e preço justo, esses autores afirmavam que o
preço justo é aquele que sai da estimativa do mercado sem fraude ou coerção.
Que o preço justo não é um preço justo matematicamente, o qual apenas Deus
conheceria. Hayek então começa a prestar atenção a alguns desses autores,
principalmente aos jesuítas.
O argumento, que coloquei no meu livro e é importante para o público e
para todos os alunos, é que não é um fenômeno de ordem, não é um fenômeno
de uma universidade, da Universidade de Salamanca, nem sequer é uma
questão puramente católica, porque algumas das ideias desses autores
chegaram até Adam Smith através de alguns autores protestantes, tal como
Hugo Grócio26.
Vitória é o fundador do Direito Internacional e Grócio o sucedeu. Hugo
Grócio e Von Pufendorf27 eram protestantes demais. Adam Smith os menciona

23
Lud w ig von Mises, economista (1881 - 1973).
24
Uma análise econômica e sociol ógica é um li vro d o economista pensad or austríaco Lud w ig von Mises
(1922).
25
Economista (1908 - 2003).
26
Jurista (1583 - 1645).
27
Samuel von Pufendorf, jurista (1632 - 1694).
com muita frequência, não tanto em seu livro “Riqueza das Nações, mas
naquele chamado “Palestras sobre Jurisprudência 28”, que foi escrito pelos
alunos dele com as aulas que este deu. Eu contei 26 citações de Grócio e
Pufendorf, o que pode ser considerado a escolástica tardia protestante. Ambos
haviam lido os escolásticos espanhóis e por vezes os criticavam por serem
muito aliados à economia de livre mercado.
As ideias evoluem lentamente e continuam a evoluir. No entanto, não
há garantia de que vamos avançar em direção a ideias corretas, especialmente
nas ciências sociais. Eu acho muito importante conhecer essas raízes de como
a economia evoluiu, porque, às vezes, nas narrativas, tentam dizer que as
teorias de livre mercado são impostas pelo interesse capitalista, pelas grandes
multinacionais e por todos os globalistas. Eu afirmo que isso nasceu de nossa
tradição ocidental e da nossa cultura cristã.
Muitos chamam a esse conjunto de autores de Escola de Salamanca.
Outros, como Barão Acton29, o qual foi o mais famosos dos historiadores
católicos, ao dar mérito a esses autores, chama-os de jesuítas. O think tank
para o qual eu trabalho, o Instituto Acton, recebeu seu nome de Barão Acton,
o qual veio com essa famosa linha de que o poder tende a corromper e que um
poder absoluto tende a corromper absolutamente. Barão Acton afirma que
todos esses artigos sobre direito e todos esses autores da sociedade livre têm
sua origem do latim dos jesuítas.
Anteriormente, eu mencionei Francisco de Vitória, geralmente
chamado de fundador da Escola de Salamanca. Vitória era um dominicano, da
ordem dominicana portanto, fundada por Domingos de Gusmão, outro
espanhol30. Desde muito cedo, ele começa a ordem na Inglaterra. Eles
começaram uma prática chamada governo representativo. Da mesma
maneira que escrevi um livro mostrando como a economia de livre mercado

28
Também chamado d e “Pal estras sobre Justi ça, Polícia, Receita de Armas” é uma col eção d e pal estras d e
Adam Smith que inclui anotações d e suas primeiras pal estras. El e contém as ideias formativas por trás de
“A Riq ueza das Nações” .
29
Hi storiador (1834 - 1902).
30
Frad e domini cano (1170 - 1221).
foi iniciada por esses autores, havia autores em Cambridge e na Inglaterra que
estavam escrevendo livros sobre como a prática do governo representativo
levou à descentralização do poder e às origens do que entendemos hoje por
Estado de Direito, divisão de poder e governo republicano. É bastante
interessante.
Domingos de Gusmão foi um dos primeiros que traduziram algumas
obras de um santo, também da ordem dominicana, chamado Antonino de
Florença31. Antonino foi o grande bispo na cidade de Florença na época em que
esta era como a capital industrial do mundo.
Há um trabalho brilhante de uma jovem candidata a doutorado na
Universidade de George Mason chamada Clara Jace32. Eu pensei que tudo que
havia dito sobre os escolásticos já havia sido falado, mas não. Ela começou a
usar análises de oferta e demanda para tentar explicar por que estes artigos
começaram.
Eu mencionei o choque de encontrar repentinamente outra cultura, os
índios e a grande descoberta de outro continente que estava acontecendo.
Aliás, os otomanos também estavam nos portões da Europa. Então imaginem
a revolução. Você teve uma revolução tecnológica por causa da imprensa. Foi
como um foguete subindo. O desenvolvimento estava em uma crescente no
final da Idade Média, com inovações, novas máquinas, novos fabricantes, a
nova explosão na comunicação, as novas aberturas de mercado. Todo
mediterrâneo estava mudando para o Atlântico. Os muçulmanos estavam
quase dominando a Europa. Isso os fez impor muitas restrições aos direitos
humanos, quase como hoje. O princípio da guerra justa. Esses autores são
muito mais conhecidos pelo que contribuíram para a guerra justa do que para
a economia.

3.3. As Dúvidas dos Cristãos

31
Frad e domini cano (1389 - 1459).
32
Economista.
Havia todo esse novo comércio que estava se formando, porém, as
pessoas acreditavam no mundo cristão. Elas costumavam ir à Igreja, muito
mais que agora. Então, tinham dúvidas se estariam pecando ou não caso
desobedecessem a uma declaração do governo sobre preço artificial. Elas
queriam saber se podiam desobedecê-la ou não. Ou, ainda, questionavam-se:
“eu tenho uma informação que limitaremos os lucros. Devo compartilhar
essas informações com outras pessoas ou posso guardá-las para mim?”. Esses
autores, tal como Antonino de Florença, começaram a escrever manuais para
confessores na tentativa de responder se cobrar um preço diferente do que o
governo dizia era roubar. Ao responderem a estas perguntas, eles começaram
a escrever sobre Economia. Antonino de Florença antecede Francisco de
Vitória em cerca de um século.
Há outra pessoa que também alcançou a santidade da ordem
franciscana, chamada São Bernardino de Siena33, que mencionaremos mais
adiante quando falarmos sobre propriedade privada e teoria do valor. Siena
fica a cerca de uma hora de Florença. É outra cidade belíssima e muito
produtiva na época. São Bernardino foi um dos melhores pregadores que já
existiu. Ele pregava em italiano e as pessoas o seguiam. Ele deve ter tido uma
voz incrível, porque não havia microfones. Imagino que ele sabia muito bem
como projetar sua voz e tinha uma boa linguagem corporal. São Bernardino de
Siena também escreveu sobre coisas muito valiosas para a Economia, no
mesmo período em que Antonino de Florença. No entanto, até mesmo São
Bernardino pegou de outro jesuíta franciscano, Pierre de Jean Olivi 34, um
francês, uma grande contribuição à teoria do valor e à teoria dos contratos.
Acabamos de ter a primeira tradução para o espanhol, inclusive em contrato,
no think tank Guatemala chamado Fé e Liberdade, com a tradução do
maravilhoso acadêmico multilíngue, que está no Vaticano, chamado Giovanni
Patriarca.

33
Pregador franciscano (1380 - 1444).
34
Teól og o (1248 - 1298).
Eu mencionei aqui os franciscanos e os dominicano. Eles foram grandes
jesuítas e acho que um importante para o Brasil, em razão da língua
portuguesa, foi Luís de Molina, pois ele ensinava em Coimbra. Esse foi
realmente um fenômeno amplo e diferenciado. Você tinha pessoas, onde hoje
seria a Alemanha, como Conradus Summenhart, que escreveu um livro
fabuloso sobre contratos.
O nome que eu uso para me referir a eles é escolásticos tardios, mas
você poderia dizer hispano-americanos. Eu aprendi há alguns anos que havia
um frei português chamado Rodrigo do Porto, o qual pediu ajuda a um famoso
escolástico chamado Martín de Azpilcueta de Navarra35, Doutor Navarro,
como o chamavam. Rodrigo do Porto pediu ajuda para Azpilcueta. Eles
colaboraram em um manual adicional para confessores e em questões
econômicas tais como: “posso cobrar esse preço? posso importar esse bem? É
pecado pagar o salário de um trabalhador com moeda desvalorizada?”. Martín
de Azpilcueta e Rodrigo do Porto fizeram esse manual adicional, que é muito
difícil de conseguir. Após isso, Azpilcueta pegou o livro. Todos o conheciam e
poucos conheciam esse outro acadêmico português, até porque Portugal é
muito menor do que a Espanha.
Para mim, foi realmente um fenômeno em toda uma grande área da
Europa, não apenas na Espanha. Nas universidades, também houve um bom
debate, uma vez que eles falavam um mesmo idioma em comum. Em muitas
delas, obviamente, o idioma comum era o latim. Como eu mencionei antes, os
ingleses e os irlandeses tinham suas faculdades em Salamanca. E então,
quando os jesuítas começaram sua universidade em Roma em meados do
século XVI, a universidade começou a oferecer ensino gratuito aos melhores
candidatos. Eles reuniram alguns dos melhores autores daquele século. Um
deles se chamava Juan de Mariana 36, do qual falaremos em outra aula,
especialmente quando falarmos sobre Francisco Suárez 37 e Roberto
Belarmino. A Universidade de Roma do século XVI era como uma Harvard da

35
Martín d e Azpilcueta, jesuíta (1491 - 1586).
36
Hi storiador (1536 - 1624).
37
Fil ósofo (1548 - 1617).
ciência política. Para encorpar o assunto e para que vocês conheçam o quão
extensa essa contribuição foi, eu não escolhi apenas um autor ou quatro. Estes
foram quase todos os autores. Eles costumavam de se chamar de “os médicos”.
É o que dizem seus seguidores, porque era como uma doutrina comum.
Quando escrevi o livro, meu pensamento inicial era de escrever um livro
em cada capítulo. Então, minha vida mudou. Eu fui para os Estados Unidos e,
depois, em 1990, por providência divina, desempenhei o papel de ajudar a
iniciar algo chamado Instituto Acton. Tornei-me membro do Conselho e agora
temos institutos e departamentos universitários com esse esforço de estudar
e não negligenciar o que esses grandes autores da tradição cristã escreveram
sobre economia.

4. A ECONOMIA É UMA CIÊNCIA?


Quero terminar este primeiro segmento explicando como a moralidade
e a economia interagem, porque explica o método deles de estudar essas
questões. Como pontuei anteriormente, eles tinham os evangelhos, a Bíblia e
a razão. Então, falarei um pouco sobre o problema que temos quando
abordamos temas econômicos.
Ainda hoje, algumas pessoas acreditam e afirmam que a economia não
é uma ciência, porque temos um modelo nobre de pensar totalmente
diferente. Compare Paul Krugman ou Joseph Stiglitz com Vernon Smith. Como
isso pode ser ciência se esses nobres senhores pensam completamente
diferente? Assim, é apenas uma questão de opinião.
Acho que o problema é que as pessoas se confundem quando falamos
sobre economia. Uma coisa é Economia como ciência, algo que descrevemos
como “como alocamos meios que estão escassos e que podem ser usados para
usos alternativos para satisfazer necessidades que são diferentes para cada um
de nós e que são ilimitadas”. Essa é a definição clássica de sir. Lionel Robbins38.
A Escola Austríaca de Economia, através de Menger, Von Mises, tende a
definir economia como ciência como “O que podemos deduzir do fato de que

38
Economista (1898 - 1984).
os seres humanos agem, que fazem escolhas?” Esse é outro grande ponto
comum entre os escolásticos tardios e a Escola Austríaca de Economia. O foco
está na ação humana, não em médias ou matemática. O foco está em como as
pessoas escolhem. A economia austríaca afirma que o fato de escolhermos
uma coisa em detrimento de outra significa que valorizamos aquela mais do
que as demais opções. E como eu decido entre ter água versus diamantes. Eu
gostaria de ter os dois, mas se não houver água, o valor desta subiria e há algo
como “a teoria da utilidade marginal”. Vamos ver como melhor descrever isso.
Suponha que o preço da água aumente muito no seu bairro. Nos Estados
Unidos, isso aconteceu, pois tivemos lugares muito secos. A primeira coisa que
você deixa de fazer é o que você menos valoriza. Você continua bebendo água,
mas para de tomar banho para fazer com que a água dure mais. Basicamente,
descreve como toda a economia equilibra custos e benefícios usando o
benefício adicional que você obtém ou o custo adicional que incorre se
continuar investindo uma unidade adicional para produzir um produto.
É muito técnico, mas, no final das contas, quanto às questões sobre esse
tema específico, o que realmente importa é que nenhuma das definições de
economia como ciência coloca o tema do valor, se isso é bom ou isso é ruim.
Ciências normativas são as que falam sobre bondade ou maldade de uma ação.
A ciência positiva não pergunta se é bom ou ruim, se é justo ou injusto.
Aqueles de nós que acreditam que a economia é uma ciência, acreditam
que os aspectos científicos são os que apenas analisam objetivamente o que
está acontecendo. Então, se eu imprimir dinheiro, qual é o impacto na taxa de
juros? Não estou dizendo se é bom ou ruim, isso é o que vem depois. Se eu
imprimir dinheiro, qual seria o impacto nos preços, nos salários? É um
imposto injusto? No caso desta última pergunta, você precisa trazer
conhecimento de outros lugares. Temos a economia como ciência.
Pois bem, se você desejar fazer uma boa ética econômica, você precisa
conhecer sobre economia, mas aí você é suprido. Somos donos de nossos
corpos? Somos donos do que produzimos? Alguém tem o direito de pegar
meus bens ou não? Isso tem a ver com ética. Algumas pessoas usam
meramente ética utilitária. Esses autores usam os dois tipos. E ainda pode-se
dizer: “ o que dizem os evangelhos?”. Isso é economia, ética econômica, certo?
Outro termo em que as pessoas às vezes usam a palavra “economia” é
para economia política. Por exemplo: economia de Paulo Guedes ou economia
dos socialistas. Isso é totalmente diferente. Economia política é a estrutura
legal que você usa e impõe em um país para as pessoas terem um comum
acordo. Quem faz isso, seres humanos? Seres humanos são livres e sempre que
há uma ação livre, você tem moralidade. Se você apenas está tentando
descrever a realidade, a moralidade só pode existir onde houver liberdade.
Eu já falei de três tipos de economia. Às vezes, a economia é a economia
do país. Se estão indo bem ou mal. Também sobre doutrinas econômicas.
Portanto, todos são diferentes aspectos da economia.
Antes de continuar neste tema, deixe-me resumir algo sobre Tomás de
Aquino. Tomás de Aquino não escreveu muito sobre economia, mas analisou
um tema-chave. Ele apresentou o caso de um comerciante que estava
chegando com um navio cheio de mercadorias. Ele sabia que atrás dele vinha
um navio com a mesma mercadoria e que, portanto, o preço desta cairia.
Então, ele se questionou: posso vender pelo preço de agora ou devo dizer às
pessoas que o preço vai cair, pois outras pessoas estão trazendo a mesma
mercadoria? A resposta de São Tomás de Aquino foi que estava perfeito,
porque o conhecimento tem valor.
Sempre que falar sobre preços, veremos que há limites para o quanto
você pode tirar de vantagem pela falta de conhecimento. Eles não permitiram
um adulto aproveitando a falta de conhecimento de uma criança. Em outros
casos, eles diriam: estes são os argumentos a favor, isso você deve permitir;
esses são os argumentos contra, você deve ser caridoso, fazer algo contra o seu
próximo. Eles diriam: “veja se a Bíblia diz algo sobre isso”. Então eles
chegariam à conclusão do que pensavam ser o mais provável. É isso que
chamamos de método escolástico.
O primeiro tema que vou analisar, na nossa próxima aula, é a
propriedade privada. Tentarei ser mais claro sobre como eles usaram seus
métodos e suas análises para demonstrar a grande importância da
propriedade privada.
Então, para recapitular: este é um período que abrangeu vários séculos.
No meu livro, acho que tenho uma citação de Santo Agostinho 39, que era um
padre escolástico do IV século. Inclusive, tenho citações de autores que vão até
o século XVII. É a tradução para o português de uma nova introdução que
escrevi para a Argentina, mostrando como os pensamentos desses autores
influenciaram o Rio da Prata. Um dos primeiros fundadores da Argentina e
defensor do livre mercado se chamava Manuel Belgrano40, o qual criou nossa
bandeira. Ele foi um advogado que estudou em Salamanca e era um grande
defensor da economia de livre mercado. Os livros que estavam sendo usados
em Salamanca no final do século XVIII, até o início do século XIX, tinham as
mesmas doutrinas que esses autores estavam ensinando e pregando.
Primeiro, há esse imenso período que não podemos negligenciar.
Uma pergunta que tento responder no livro e as pessoas sempre me
perguntam é: como começou o reavivamento destes autores há apenas
quarenta anos? Eu acredito que a Revolução Francesa teve muito a ver com
isso. Esse otimismo sobre os seres humanos e maiorias criando a verdade
chegou a tais extremos que a Revolução Francesa causou grandes danos a
alguns dos detalhes fundamentais do iluminismo. Além de cometerem muitos
abusos contra a Igreja, o racionalismo era sua principal questão. A Igreja tinha
tanta animosidade que, sem razão, parecia rejeitar a razão. Não se podia falar
sobre tudo que cheirasse a liberalismo. Não foi interessante mostrar isso.
Esses autores eram defensores da liberdade. Action menciona isso: os jesuítas
estão falando semelhante ao Rousseau. Por outro lado, eles diziam que a
Revolução Francesa estava com os grupos antirreligiosos. Eles nunca
quiseram mostrar nada de bom na Igreja.
Então, eu digo que examinando o círculo religioso com a nossa razão,
acredito que alguns, com a razão, sem razão rejeitaram a fé. E assim muito dos

39
Fil ósofo (354 - 430).
40
Economista (1770 - 1820).
grandes estudiosos têm agora seguido essa tradição e espero que alguns de
vocês trabalhem nesta área que é tremendamente rica para estudiosos
adicionais.
Nas próximas aulas, abordaremos diferentes temas econômicos,
começando por propriedade privada.

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