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O trabalho que apresentamos procura explicitar, ainda que de modo conciso, algumas das
questõ es centrais que abordá mos durante a leitura e o estudo do texto do Discurso de
Agradecimento do Prémio Georg Bü chner, que Paul Celan recebeu em 1960.
Celan procura ao longo deste texto aproximar-se das noçõ es de Arte, Poesia, Literatura e
simultâ neamente de Bü chner e da sua obra ficcional e dramá tica: as interrogaçõ es e
perplexidades plasmadas nas obras deste escritor interpelam Celan e sustentam e permitem-lhe
um debate, um aprofundamento gradual dessas noçõ es.
De certa forma, poderiamos dizer que o poeta Judeu elabora como que uma zetética, uma
investigaçã o progressiva que o conduza à natureza ú ltima, mais justa e precisa, dessas
categorias clá ssicas. Nã o há declaraçõ es peremptó rias sobre o que sã o Poesia ou Arte, mas
aproximaçõ es e busca, ajustamentos cautelosos:
Todavia, nã o é legítimo atribuirmos aqui neste texto ao escritor Romeno, uma indagaçã o
exclusivamente sobre categorias, como se o ocupasse unicamente o teorético; trata-se de
reconhecer também que a Poesia, no seu grau mais elevado, é escrita a partir de um «â ngulo de
incidência»: o â ngulo formado na Existência empírica do escritor e da sua vida. Sempre muito
pró ximo de Bü chner, e também aqui, neste passo, do entendimento originá rio deste do que é o
«Natural» e o «Criatural»:
«Na medida das forças que tivermos, devemos esforçar-nos por imitar a criação de Deus. A vida é o
principal e é tudo o que necessitamos; pouco monta que seja bela ou feia. O sentimento de que
alguma coisa se criou com vida está acima da beleza ou fealdade; em matéria de arte, é o único
critério. Aliás, só muito raramente deparamos com esse sentimento: em alguns trechos de
Shakespeare; nas canções populares , onde transparece o seu puro acento; por vezes em Goethe. O
resto pode lançar-se ao fogo. (...) O famoso idealismo é a mais vil contenção da humana natureza.» ,
(Lenz, Georg Bü chner, p. 43, trad. Ernesto Sampaio)
Aliá s, como sabemos, é Celan quem no-lo diz, é com o seu tempo que está comprometido, com a
sua época histó rica: «Eu escolho – porque nã o tenho escolha – o [acento] agudo.» (Ibidem)
É verdade também que o pensamento de Celan sobre Arte e Poesia afastam liminarmente
qualquer hipostasiamento do Eu, qualquer fixaçã o egocêntrica; o que subsiste do eu, o que o
suporta ainda, o minímo necessá rio à experiência da Poesia é um substracto, a Ipseidade:
«Quem traz a arte diante dos olhos e no sentido – esquece-se de si. A arte provoca um
distanciamento do Eu. A arte exige aqui, numa direcção determinada, uma determinada distância,
um determinado caminho.», (ibidem, p.51).
Ou ainda como dirá Emmanuel Lévinas em Del Ser al Otro: « Singular des-substanciacion del Yo!
Tal vez sea eso hacerse por completo signo!», e na nota associada a esta oraçã o: «Simone Weil
puede decir: Padre, arranca de mi este cuerpo y este alma para hacer las cosas para ti, y no dejes
subsistir de mi eternamente más que ese arrancamiento».
Caminho, direcçã o, trajectó ria, percurso, travessia, sã o como que topoi omnipresentes nesta
reflexã o: « Não estou a procurar fugas, continuo apenas a fazer perguntas, na mesma direcção e,
ao que penso, na direcção apontada pelo fragmento de Lenz»; ou ainda, «A ser assim a arte seria o
caminho que a poesia tem de percorrer – nem mais nem menos» , (ibidem, p.51).
Paul Celan refere-se ainda, a determinado momento, a um «passo em frente»; esse passo é o
que o afasta da Arte e da Poesia entendidas como um saber, uma instituiçã o, e o coloca na
presença e no cerne do Evento e do absoluto poético. É também esse o momento do afastamento
da comunidade, do mundo, do político, do saber. Tal deslocamento tem ainda uma curiosa
analogia com o deslocar-se ao lugar da fala Heideggeriano; como se ficasse manifestado em
ambos que a fonte do poético e do saber ocupam e irradiam do mesmo lugar originá rio.
Curta Nota Biográ fica.
A Arte aparece em três versõ es, em três roupagens ou aparências, veiculada em quatro obras de
Georg Bü chner (1813-1837); na Triologia Dramá tica e em Lenz.
Pigmalião,
Segundo Ovídio, poeta romano contemporâneo de Augusto, Pigmaleão era um escultor e rei de
Chipre que se apaixonou por uma estátua que esculpira ao tentar reproduzir a mulher ideal[1]. Na
verdade ele havia decidido viver em celibato na Ilha por não concordar com a atitude libertina das
mulheres dali, que haviam dado fama à mesma como lugar de cortesãs[1].
A deusa Afrodite, apiedando-se dele e atendendo a um seu pedido, não encontrando na ilha uma
mulher que chegasse aos pés da que Pigmaleão esculpira, em beleza e pudor, transformou a
estátua numa mulher de carne e osso, com quem Pigmalião casou-se e, nove meses depois, teve um
filho chamado Pafos, que deu nome à ilha[2].
Em Pseudo-Apolodoro, a filha de Pigmaleão se chama Metharme, e ela se casa com Cinyras, tendo
dois filhos, Oxyporus, Adonis, e três filhas, Orsedice, Laogore e Braesia[3]. “A Arte é como uma
marioneta, um ser jâmbico de cinco pés e sem descendência”; é uma entidade produzida, instável e
única. (fonte: Wikipédia)
“A Arte é como uma marioneta, um ser jâmbico de cinco pés e sem descendência”; é uma
entidade proteiforme, instá vel e ú nica.
“A Arte nã o tem apenas uma configuraçã o íntima, onde a sua expressã o é ardente, efervescente
e radiosa.”
“O Charlatã o aparece ao lado da criatura e do Nada que essa criatura traz consigo”, (Woyzeck,
cena III) – já nã o é um portador de uma fala entusiá stica e apaixonada.
“Há ainda uma terceira figura”, “A Arte aparece aqui com mais acompanhantes do que antes,
mas – e isso salta à vista – está no seu elemento. (...) Valério é apenas um outro nome para o
Charlatã o”. Valério é o personagem do Filisteu ( Leô ncio e Lena, Acto III, cena 3).
A Arte para Celan é um problema, e Bü chner põ e-no em cena: “Mutá vel, resistente e perene,
isto é Eterno”. Nã o-apropriá vel.
“Mas quando se fala de Arte há também sempre alguém que está presente e ... nã o presta
atençã o ao que se diz.” – Trata-se de Lucile, que no entanto nã o é completamente estranha à fala
e ao “sentido e destino” da mesma (A Morte de Danton).
“Lucile, cega para a arte, a mesma para quem a linguagem tem algo de pessoal e perceptível,
reaparece com o seu ‘Viva o Rei!’”, Celan chama-lhe uma contra-palavra, uma palavra
inesperada, absurda, que aqui nã o tem uma intençã o satírica, derrisó ria; é puramente absurda,
extemporâ nea, iló gica, impró pria, perturbadora. Trata-se também de uma espécie de Liberdade
Absoluta.
“Esta majestade do absurdo” é fundamental porque coincide e caracteriza a “Poesia”. Poesia está
em posiçã o do testemunho, nã o do saber.
Paul Celan diz-nos que é a inscriçã o da data no poema, com o que isso implica de maximamente
individual, que permite a esse mesmo poema falar em causa alheia e em nome do outro. (p.55)
«Diferença entre palavra e coisa», «origem», por exemplo; a palavra está no lugar da coisa;
Desvio.
«Esse Ainda e sempre do poema só pode ser encontrado na poesia de quem nã o se esquece de
que fala sob o â ngulo de incidência da sua existência, da sua condiçã o criatural»
Toda a obra de arte traz consigo um lado inconceptualizá vel e outro expressivo.
Poesia, é qualquer coisa que pode significar uma mudança na respiraçã o (p.54); uma
perturbaçã o, uma descontinuidade.
Bibliografia Principal e Complementar:
Celan, Paul; Arte Poética – O Meridiano e outros textos; Ediçõ es Cotovia, Lisboa, 1996.
Celan, Paul; Sete Rosas mais Tarde; Ediçõ es Cotovia, Lisboa, 1993.
Derrida, Jacques; O Monolinguismo do Outro ou a Pró tese de Origem, Campo das Letras