Você está na página 1de 133

Temas Globais

CONTEMPORÂNEOS
Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho
Maristela Bleggi Tomasini
Tito Lívio Barcellos Pereira
(Orgs.)
TEMAS GLOBAIS
CONTEMPORÂNEOS

A rtur R odrigo I taqui L opes F ilho


M aristela B leggi Tomasini
Tito L ívio B arcellos P ereira
(O rgs .)

1ª E dição
J a neiro | 2020
Gestão Universidade
Reitor Prof. Dr. Paulo Fossati - Fsc
Vice-Reitor, Pró-Reitor de Pós-grad., Prof. Dr. Cledes Casagrande - Fsc
Pesq. e Extensão e Pró-Reitor de Graduação
Pró-Reitor de Administração Vitor Benites
Diretora de Graduação Profª. M.ª Cristiele Magalhães Ribeiro
Diretor da Educação a Distância Prof. Dr. Mario Augusto Pires Pool
Diretor de Extensão e Pós-Graduação Lato Sensu Prof. Me. Márcio Leandro Michel
Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu Profª. Dr.ª Patricia Kayser Vargas Mangan
Diretor Administrativo Patrick Ilan Schenkel Cantanhede
Diretor de Marketing e Relacionamento Cleiton Bierhals Decker
Procuradora Jurídica Michele Wesp Cardoso
Assessor de Assuntos Interinstitucionais e Internacionais Prof. Dr. José Alberto Miranda
Assessor de Inovação e Empreendedorismo Prof. Dr. Jefferson Marlon Monticelli
Chefe de Gabinete Prof. Dr. Renaldo Vieira de Souza

Gestão EaD
Diretor Prof. Dr. Mario Augusto Pires Pool
Coordenadora Pedagógica Michele de Mattos Kreme
Coordenador de Produção Prof. Dr. Jonas Rodrigues Saraiva

Coordenações Acadêmicas
Coordenador da Área de Educação e Cultura Prof. Dr. Renato Ferreira Machado
Coordenador da Área de Gestão e Negócios Prof. Me.. Sílvio Denicol Júnior
Coordenador da Área de Direito e Política Prof. Dr. Daniel Silva Achutti
Coordenadora da Área de Inovação e Tecnologia Profª. Drª Ingridi Vargas Bortolaso
Coordenador dos Cursos de Adm., Processos Ger. e Logística Prof. Me. Carlos Eduardo dos Santos Sabrito
Coordenadora do Curso Gestão de Recursos Humanos Profª. Drª. Denise Macedo Ziliotto
Coordenadora do Curso de Ciências Contábeis Profª. Me. Patrícia Coelho Motta de Souza
Coordenador dos Cursos Gestão Com., Gestão Fin. e Marketing Prof. Dr. Paulo Roberto Ribeiro Vargas
Coordenadora do Curso de Pedagogia Profª. Drª Hildegard Susana Jung
Coordenadora do Curso de Serviço Social Profª. Drª. Michelle Bertoglio Clos
Coordenadora do Curso de Letras Profª. Drª. Lucia Regina Lucas da Rosa
Coordenador do Curso de Educação Física Prof. Dr. José Rogério Vidal
Coordenadora do Curso de História Profª. Drª. Tatiana Vargas Maia
Coordenador do Curso de Engenharia da Produção Prof. Me. Rafael Pieretti de Oliveira
Coordenador do Curso de Análise e Desenv. de Sistemas Prof. Me. Mozart Lemos de Siqueira

Equipe de Produção EaD


Anderson Cordova Nunes Daniele Balbinot Gabriel da Silva Sobrosa Nathália N. dos Santos S..
Arthur Menezes de Jesus Érika Konrath Toldo Guilherme P. Rovadoschi Patrícia Menna Barreto
Bruno Giordani Faccio Évelyn Rocha de Araujo Ingrid Rais da Silva Tiago Konrath Araujo
Daniela dos S. Cardoso Gabriel Esteves de Castro Jorge Fabiano Mendez

T278 Temas globais contemporâneos / Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho, Maristela Bleggi Tomasini, Tito
Lívio Barcellos Pereira (orgs.). – Canoas, RS : Universidade La Salle EAD, 2020.
132 p. : il. ; 30 cm. – (Educação e cultura)

Bibliografia.

1. Sociologia. 2. Sociedade. 3. Globalização. 4. Economia. 5. Política. 6. Direitos humanos. 7.


Diversidade. I. Lopes Filho, Artur Rodrigo Itaqui. II. Tomasini, Maristela Bleggi. III. Pereira, Tito Lívio
Barcellos. IV. Série.
CDU: 316.42

Bibliotecário Samarone Guedes Silveira - CRB 10/1418

Universidade La Salle Canoas | Av. Victor Barreto, 2288 | Canoas - RS


CEP: 92010-000 | 0800 541 8500 | ead@unilasalle.edu.br
APRESENTAÇÃO
Prezado estudante,

A equipe de gestão da EaD Unilasalle sente-se honrada em entregar a você este material
didático. Ele foi produzido com muito cuidado para que cada Unidade de estudos possa
contribuir com seu aprendizado da maneira mais adequada possível à modalidade que
você escolheu para estudar: a modalidade a distância. Temos certeza de que o conteúdo
apresentado será uma excelente base para o seu conhecimento e para sua formação. Por isso,
indicamos que, conforme as orientações de seus professores e tutores, você reserve tempo
semanalmente para realizar a leitura detalhada dos textos deste livro, buscando sempre
realizar as atividades com esmero a fim de alcançar o melhor resultado possível em seus
estudos. Destacamos também a importância de questionar, de participar de todas as atividades
propostas no ambiente virtual e de buscar, para além de todo o conteúdo aqui disponibilizado,
o conhecimento relacionado a esta disciplina que está disponível por meio de outras
bibliografias e por meio da navegação online.

Desejamos a você um excelente módulo e um produtivo ano letivo. Bons estudos!

Gestão de EaD Unilasalle


Temas Globais
Contemporâneos
APRESENTANDO OS ORGANIZADORES

Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho


Possui Licenciatura em Filosofia pelo Centro Universitário Lasalle (UNILASALLE/
CANOAS), o título de Mestre em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS), Mestre em História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e,
atualmente, cursa o Doutorado em História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Maristela Bleggi Tomasini


Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e possui Mestrado
em Memória Social e Bens Culturais pela Universidade Lasalle. Formou-se em Direito
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e, com habilitação específica em Direito
Civil, atua como advogada e consultora em Porto Alegre, RS. Atualmente desenvolve o
projeto de pesquisa “A psicologia coletiva como resposta ao problema da criminalidade
das multidões: uma perspectiva histórica”, nível de pós-doutorado em Psicologia Social
junto à UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Tito Lívio Barcellos Pereira


Possui licenciatura em Geografia pela Universidade de São Paulo (2009), bacharelado
em Geografia pela Universidade de São Paulo (2010). Atualmente é integrante - grupo de
estudos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humans (FFLCH-USP), mestre em
Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança pelo Instituto de Estudos Estratégicos da
Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF) e doutorando em Estudos Estratégicos
Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É integrante
do grupo de estudos sobre Rússia e Espaço pós-soviético pelo Laboratório de Estudos
da Ásia (Departamento de História - USP) e pesquisador do Laboratório Defesa e
Política[s] (INEST - UFF) e membro do Laboratório de Geografia Política e Geopolítica
(GEOPO) da USP. Tem experiência na área de Geografia, Ciência Política e Relações
Internacionais, com ênfase na área de Geopolítica, Geografia Regional, Rússia e Espaço
pós-soviético.
APRESENTANDO A DISCIPLINA

Seja bem vindo à disciplina de Temas Globais Contemporâneos. Neste livro iremos
estudar temas globais atuais, enfatizando a relevância do fenômeno da globalização para
a transformação e configuração das sociedades contemporâneas. Para isso, abordaremos
a temática dos Direitos Humanos de maneira transversal, por meio da discussão de
estruturas sociais, regimes políticos e questões ambientais; problematizaremos a
temática da diversidade social em suas matizes étnico-raciais, de gênero e sexualidade,
religiosas e aquelas relacionadas com processos migratórios.

Ao final desse percurso, você estará apto a compreender questões internacionais no


seu contexto político, econômico, histórico, geográfico, estratégico, jurídico, cultural,
ambiental e social, a partir de uma formação geral, humanística e ética.
Sumário
UNIDADE 1
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria.....................................................................................9
Objetivo Geral .............................................................................................................................................................9
Objetivos Específicos .................................................................................................................................................9
Questões Contextuais................................................................................................................................................10
1.1 A Guerra Fria e seu Cenário................................................................................................................................... 11
1.2 Análise Crítica das Transformações do Cenário Mundial no Pós-Guerra Fria ���������������������������������������������������� 18
1.2.1 O Fim da História e do Comunismo...........................................................................................................................18
1.2.2 O Fim do Sistema da Westfália................................................................................................................................. 19
1.2.3 O Fim do Sistema de Versalhes................................................................................................................................ 19
1.2.4 O Fim da Ordem Mundial Pós-45..............................................................................................................................20
1.3 A Dissolução do Bloco Soviético na Geopolítica e na Econômica Internacional ������������������������������������������������ 21
1.4 A Hegemonia Militar, Econômica e Cultural dos Eua e seus Aliados, e a Expansão do Modelo Político-Econômico
Liberal-Democrata....................................................................................................................................................... 26
1.4.1 A Ascensão Hegemônica dos EUA ............................................................................................................................26
1.4.2 Bases da Ascensão Hegemônica dos EUA. Da Política de Ajuda à Designação do Inimigo �����������������������������������������26
1.4.3 Examinando o Termo Hegemonia .............................................................................................................................27
1.4.4 Entre Conceitos, Ideologias e Temporalidades...........................................................................................................28
1.4.5 Uma Palavra sobre o Isolacionismo..........................................................................................................................30
1.4.6 Considerações sobre Ações e Articulações em Termos da Hegemonia dos EUA ��������������������������������������������������������30
1.5 Os Organismos Internacionais em Face das Questões Globais e do Fim da Bipolaridade �������������������������������� 32
1.5.1 Definindo os Organismos Internacionais...................................................................................................................33
1.5.2 ONU – Organização das Nações Unidas....................................................................................................................33
1.5.3 UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura...........................................................36
1.5.4 OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico ...............................................................36
1.5.5 OMS - Organização Mundial da Saúde .....................................................................................................................37
1.5.6 OEA - Organização dos Estados Americanos ............................................................................................................38
1.5.7 OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte ...................................................................................................38
1.5.8 BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento ou Banco Mundial ���������������������������������������������40
1.5.9 FMI - Fundo Monetário Internacional .......................................................................................................................40
1.5.10 OMC - Organização Mundial do Comércio .............................................................................................................41
1.5.11 OIT - Organização Internacional do Trabalho ..........................................................................................................41
1.6 Algumas Reflexões................................................................................................................................................. 42
Síntese da Unidade....................................................................................................................................................43
Referências................................................................................................................................................................44

UNIDADE 2
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global.........................................................................................47
Objetivo Geral ...........................................................................................................................................................47
Objetivos Específicos ...............................................................................................................................................47
Questões Contextuais................................................................................................................................................48
2.1 Globalização e Comunidade Global: a Via Econômica Integrando Mercados e Pessoas ����������������������������������� 49
2.1.1 Compreendendo um Conceito Abrangente................................................................................................................50
2.1.2 Cultura Global e Economia Global.............................................................................................................................53
2.1.3 O Mercado e a Economia Internacional: Origens Históricas.......................................................................................54
2.1.4 Simplificando a Globalização....................................................................................................................................57
2.2 Impactos Econômicos e Sociais da Globalização no Sistema Internacional....................................................... 59
2.2.1 Autonomia da Esfera Financeira............................................................................................................................... 59
2.2.2 Cultura como Produto de Mercado...........................................................................................................................60
2.2.3 Protagonismo das Empresas em Detrimento Daquele dos Estados...........................................................................62
2.2.4 A Emergência de Novos Mercados............................................................................................................................63
2.3 O Papel dos Organismos Internacionais na Regularização do Comércio e Finanças Internacionais 67
2.4 Projetos Regionais de Integração Econômica como Vetores de Desenvolvimento do Ponto de Vista da Economia
e da Política.................................................................................................................................................................. 71
2.4.1 A Desigualdade é um Fato........................................................................................................................................71
2.4.2 Um Pouco do Brasil Atual..........................................................................................................................................77
2.5 Algumas Considerações......................................................................................................................................... 81
Síntese da Unidade....................................................................................................................................................82
Referências................................................................................................................................................................83

UNIDADE 3
Novas Agendas e Atribuições Globais......................................................................................................................85
Objetivo Geral ...........................................................................................................................................................85
Objetivos Específicos ...............................................................................................................................................85
Questões Contextuais................................................................................................................................................85
3.1 O Humano Racional e o Animal Sensível............................................................................................................... 86
3.2 A Política dos Povos e o Processo de Segregação............................................................................................... 90
3.3 Direitos Humanos e o Princípio de uma Humanidade Indistinta.......................................................................... 97
3.3.1 Diversidade de Gênero e Sexual.............................................................................................................................105
3.3.2 Diversidade Religiosa.............................................................................................................................................106
3.3.3 A Questão das Migrações.......................................................................................................................................107
3.3.4 A Questão Ambiental..............................................................................................................................................108
3.3.5 Considerações Finais..............................................................................................................................................109
Síntese da Unidade..................................................................................................................................................111
Referências..............................................................................................................................................................112

UNIDADE 4
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional.............................................................113
Objetivo Geral .........................................................................................................................................................113
Objetivos Específicos .............................................................................................................................................113
Questões Contextuais..............................................................................................................................................113
4.1 Rompendo com o Mito das Nações e a Construção de uma Identidade Global ����������������������������������������������� 114
4.2 Atribuições da ONU e seu Poder de Intervenção................................................................................................. 119
4.3 O Século XXI e a Pauta da Natureza.................................................................................................................... 124
Síntese da Unidade..................................................................................................................................................130
Referências..............................................................................................................................................................131
unidade

1
A Reorganização do Sistema
Internacional Pós-Guerra Fria
Prezado(a) estudante.

Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram
organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo
completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e
tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos
propostos para essa disciplina.

OBJETIVO GERAL
Compreender as mudanças políticas e econômicas ocorridas no Sistema Internacional
ao final da Guerra Fria, e a inclusão de novas agendas para discussão em âmbito global.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Realizar uma leitura geo-histórica, elencando as principais transformações no
cenário político e econômico internacional após o fim da Guerra Fria;

• Analisar os impactos da dissolução do bloco soviético na dinâmica geopolítica e


econômica internacional;

• Analisar a hegemonia militar, econômica e cultural dos EUA e seus aliados, e a


expansão do modelo político-econômico liberal-democrata;

• Analisar a legitimidade e importância dos organismos internacionais como


ferramentas para resolução de questões globais com o fim da bipolaridade.
QUESTÕES CONTEXTUAIS
1. Qual o cenário mundial que antecedeu o surgimento da chamada Guerra Fria?

2. O que você sabe dizer sobre a Guerra fria?

3. Por que a Guerra Fria é “fria”?

4. Quando ela começou e quando ela terminou?

5. O que você sabe sobre o fim da história?

6. Por que a ordem da Westfália é importante para os estudiosos de direito internacional?

7. Cite três implicações ligadas ao fim da Guerra Fria.

8. O que é CEI e o que isso tem a ver com a Rússia?

9. O que isolacionismo e unilateralismo têm em comum?

10. Você sabe citar três temas preponderantes no cenário internacional?

11. Que organizações internacionais você sabe identificar pelo nome e pelos objetivos?
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 11

1.1 A Guerra Fria e seu Cenário


Antes de tratarmos da disputa de ordem política e militar que se tornou conhecida
como Guerra Fria, precisamos dar uma palavra sobre o cenário político que predominava
ao final da II Guerra Mundial (1939-1945). Tratava-se de um cenário traumático,
tenso, que marcou um “antes” e um “depois” desse conflito, de sorte até mesmo a alterar
paradigmas de Direito Internacional, fomentando toda uma nova compreensão do
próprio significado de humanidade. O trágico resultado desse conflito de proporções
gigantescas, segundo Becker (1975), foi de 54 milhões de mortos, 40 milhões de feridos
e mutilados, 150 milhões de europeus desabrigados e um custo estimado em um trilhão
e quatrocentos milhões de dólares.

Entre as consequências que se seguiram ao final da II Guerra, Becker (1975)


registra a extinção do nazismo e do fascismo em âmbito estatal: a Itália tornou-se uma
república e a Alemanha dividiu-se em dois blocos. Sobre essa partilha da Alemanha, Pena
(2019) chama nossa atenção para o fato de o país ter sido o grande derrotado do conflito,
tendo tido sua área dominada pela base aliada, formada por países que, na Conferência de
Postdam (1945), uniram-se para decidir acerca da administração desse território.

SAIBA MAIS

Como ficou o Japão após a Segunda Guerra Mundial?


Leia em: http://gg.gg/fv7dh.

Figura 1.1 – Clement Attlee, Harry S. Truman, and Joseph Stalin


na Conferência de Potsdam, julho de 1945.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).


12 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

Figura 1.2 – Divisão da Alemanha após o término da Segunda Guerra Mundial.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

Becker (1975), ainda quanto às consequências do pós-guerra, cita a expansão


do comunismo que, na Europa, se dá com a anexação, pela Rússia (URSS), dos países
bálticos (Letônia, Estônia e Lituânia). Temos ainda que a Polônia, a Tchecoslováquia,
a Hungria, a Romênia, a Bulgária, a Iugoslávia e a Albânia tornaram-se repúblicas
populares. Na Ásia, a China, a Mongólia, a Coréia do Norte e o Vietnã do Norte aderiram
ao comunismo e, na América, Cuba. Também os impérios coloniais da Grã-Bretanha,
Espanha, Holanda, Bélgica, Portugal e França tiveram fim. Emanciparam-se Ásia,
Indonésia e África, e surgiram mais de 50 novas nações independentes.

A Liga das Nações, criada em 1919 pelo Tratado de Versalhes, foi substituída
pela Organização da Nações Unidas (ONU), fundada em 1945 na cidade de San
Francisco e sediada em Nova Iorque, tendo por objetivo a paz universal (LE MONDE
POLITIQUE, 2007-2019). Destaca-se, ainda, a criação de organismos econômicos como
o FMI e o Banco Mundial, que causaram grande impacto na economia internacional
com o deslocamento do núcleo de poder da Europa para os EUA - o que trataremos com
maiores detalhes posteriormente.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 13

Claramente delineiam-se dois grandes blocos mundiais e, ― pode-se dizer ―,


o mundo se dividiu entre um bloco ocidental (capitalista), liderado pelos Estados Unidos
da América (EUA); outro oriental (socialista), liderado pela União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS).

VÍDEO

Encontre tempo para assistir


esse documentário educativo que
redescobre a II Guerra mundial em
seis episódios: 1° - A Agressão
Nazista; 2° - A Guerra Relâmpago;
3° - Pesadelo Alemão; 4° -
Momentos Decisivos; 5° - O Dia D;
6° - O Apocalipse.
São filmes que você encontra aqui:
http://gg.gg/fv7g1.

Em termos geopolíticos, podemos representar as alterações acima referidas com


o seguinte mapa:

Figura 1.3 – Situação política mundial durante a Guerra Fria (1959).

Fonte: Wikimedia Commons (2019).


14 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

SAIBA MAIS

Chama-se Cortina de Ferro a divisão da Europa em duas áreas distintas desde


o final da Segunda Guerra Mundial (1945) até o final da Guerra Fria (1991).
A URSS e os países socialistas do Leste Europeu aliaram-se militarmente
através do Pacto de Varsóvia; enquanto as democracias da Europa Ocidental
e os Estados Unidos organizaram-se através da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN).
Mais informações: http://gg.gg/fv7i6.

Acrescente-se ainda que ambos os blocos, além de disporem da tecnologia nuclear,


desenvolveram - por conta da competição espacial e armamentista que disputavam -
novas armas, tais como aviões a jato, foguetes de condução autônoma, etc. As relações
internacionais fizeram-se tensas, e não poderia ser diferente, frente à polarização.
Esta última se tornou importante à vista de todo o resto mundo, não apenas porque
se tratavam de duas grandes potências que divergiam na ordem política e na ordem
econômica, mas porque ambas dominavam a tecnologia nuclear, ou seja, a bomba
atômica, cujas consequências catastróficas o mundo já pudera conhecer em Hiroshima
e Nagasaki. Pena (2009), referindo-se ao fim da II Guerra em maio de 1945, fala-nos da
rendição da Alemanha nazista, quando Berlim, sua capital, teve suas ruas ocupadas pelo
exército soviético, rendição consolidada, em seguida, com as bombas que garantiram a
vitória dos Aliados sobre o Eixo.

Para Pena (2019), a Guerra Fria pode ser definida como “uma disputa político-
militar que marcou a antiga ordem mundial, polarizada por Estados Unidos e
União Soviética”. Essas duas potências que emergiram então passaram a traçar e a ditar
diretrizes na ordem política, econômica e militar, protagonizando o que ficou conhecido
como essa Guerra Fria, que só terá fim em 1989, com a queda do muro de Berlim seguida,
dois anos depois, da desintegração do bloco soviético.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 15

Figura 1.4 – Corrida espacial: Neil Armstrong chega à lua em 1969.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

Uma paz apenas aparente, ― daí se dizer fria ―, dissimulava a corrida


armamentista, já que ambos os blocos detinham alta tecnologia nuclear, sem falar que
uma polarização ideológica extrema gerava ainda mais tensão, promovendo perseguições
políticas e mesmo a morte de opositores. Nos EUA, o macarthismo ― expressão derivada
das práticas imputadas ao senador republicano Joseph McCarthy ―, caracterizado pela
caça aos comunistas, e, na URSS, o stalinismo, ― expressão que remete às práticas de
Joseph Stalin ―, promotor do socialismo, podem ser apontados como movimentos que
caracterizam muito bem essa polarização. (GEOPOLÍTICA, 2019).

GLOSSÁRIO

Macarthismo: É o termo utilizado para descrever a prática de acusar


de deslealdade, subversão ou traição à pátria, sem o recurso de provas
ou evidências. Atitude política interna norte americana voltada a um
anticomunismo absoluto que se fez com perseguições a homens e instituições
declaradas como “anti-americanas” por um suposto viés comunista que
pudessem apresentar (MACARTISMO, s/d).

Stalinismo: Regime político e econômico utilizado por Joseph Stalin entre


1922 e 1953 caracterizado por frequentes erros e falhas que levavam a
pensar estar-se abandonando o marxismo-leninismo por um sistema que
muitos historiadores comunistas e socialistas equiparam ao fascismo
(STALINISMO, s/d).
16 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

Figura 1.5 – “Americanos não patrocinam vermelhos”:


propaganda anticomunista norte-americana.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

Assim, entre o fim da II Guerra Mundial e a queda do muro de Berlim, portanto,


de 1945 até 1989, o cenário mundial mostrava um conflito que teve lugar em tempos de
uma velha ordem mundial, bipolarizada entre capitalismo e comunismo.

DESTAQUE

O muro de Berlim foi chamado de “dique de proteção antifascista” pela


República Democrática da Alemanha (a oriental), e de “muro da vergonha”
pela República Federal Alemã (a ocidental). Sua construção foi terminada em
13 de agosto de 1961 e estendia-se por 45 quilômetros. O Muro de Berlim foi
um emblema da Guerra Fria e da separação alemã (MURO..., s/d).

REFLETINDO

A realidade de um muro que dividiu, por quase três décadas, uma mesma
nação é um fato. Com base nessa evidência, o que você poderia dizer acerca
de possíveis consequências resultantes de divisões ideológicas que têm
lugar em uma mesma nação?
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 17

É importante que se registre, conforme Vigevani (1999), que o período


compreendido entre o final do século XX e o início do século XXI oportuniza uma reflexão
sobre as relações internacionais, especialmente no cenário Pós-Guerra Fria, quando,
teoricamente, se poderia ter como superado o conflito Leste-Oeste. Contudo, impositivo
que se proceda a um debate histórico, com exame das instituições internacionais e das
novas agendas que se destacam em âmbito global, para que se possa compreender as
alterações de ordem política e econômica daí decorrentes.

Sato (2000), por sua vez, sinala que os acontecimentos que tiveram lugar no final
da década de 1980 não devem ser interpretados de maneira episódica, mas como parte
integrante de uma processo de mudanças que culminaram com o fim da Guerra Fria e
com a emergência de uma complexa e instável ordem internacional não muito diferente
daquela que predominava durante a última década de duração dessa guerra.

A seguir, analisaremos algumas dessas implicações.


18 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.2 Análise Crítica das Transformações do Cenário


Mundial no Pós-Guerra Fria
Lima (1996), em publicação que procede a uma análise crítica de alguns cenários
relacionados à ordem mundial que emergiu após a Guerra Fria, nos fornece diferentes
interpretações e tendências implicadas neste debate. O artigo passa em revista a própria
delimitação temporal do que se tem por fim da Guerra Fria, analisando, a seguir, a
ordem pós-45, as tendência deste debate no âmbito acadêmico e, por fim, teses, a seu ver
equivocadas, sobre a ordem mundial Pós-Guerra Fria.

Para realizar uma leitura geo-histórica, que aponte para as principais


transformações no cenário político e econômico internacional após o fim da Guerra Fria,
com Lima (1996), vamos proceder à análise de alguns pontos que refletem diferentes
interpretações dessa mudança. Seriam eles: o fim da história e do comunismo, ― que aqui
serão tratados em conjunto ―, o fim do sistema de Westfália, do sistema de Versalhes e
o fim da ordem mundial pós-45.

1.2.1 O Fim da História e do Comunismo


Fukuyama, em sua tese sobre o fim da história, afirma que se estaria diante do
final de um ciclo iniciado em 1789 com a Revolução Francesa e encerrando em 1989 com
queda do muro de Berlim (HALLIDAY apud LIMA, 1996). Para Braga e Tresoldi (2019),
Fukuyama afirmou que a derrota do fascismo [e a do nazismo], bem como a do socialismo,
elevou o liberalismo à categoria de uma ideia-força na condução político-econômica
das sociedades. Não se tratava, todavia, de por aí afirmar que as sociedades se tornaram
liberais na política e na economia imediatamente, mas, de preferência, tratava-se de
estabelecer que a grande disputa ideológica entre liberalismo, fascismo e comunismo
terminara com o triunfo de uma ideologia liberal ocidental que implicaria em priorizar
o mercado na organização da economia mundial.

Lima (1996), todavia, encontra que a tese do fim da história, assim como a do
fim do comunismo teriam em comum acentuarem ambas a ausência de movimentos de
contestação à hegemonia de uma ordem política que se desdobra frente a um cenário de
economia liberal.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 19

1.2.2 O Fim do Sistema da Westfália


Para Lima (1996), trata-se aí de uma tese polêmica, porque a ordem da Westfália é
muito significativa para os estudiosos das relações internacionais, uma vez que se baseia
em dois importantes princípios: o da territorialidade e o da soberania das nações, desde
a paz de 1648. De referir, com Cruz (2011), que a chamada Paz de Westfália, ― que
envolveu uma série de tratados assinados em 1648 visando à paz na Guerra dos 30 anos
― implicou no fim da antiga ordem imperial, permitindo o surgimento de novas potências.

Todavia, Lima (1996) chama nossa atenção para o fato de que Westfália não
teria, em tese, constituído uma quebra definitiva da ordem medieval, porque
algumas instituições remanescentes do Sacro Império Romano só foram eliminadas no
século XIX, com Napoleão e suas conquistas. Por outro lado, o princípio da soberania
também seria uma construção doutrinária de preferência a uma realidade prática,
porque é depende de um reconhecimento recíproco para sua efetivação, com limites
politicamente estabelecidos. Por fim, deve-se ter presente que a natureza das mudanças
institucionais que examinamos aqui é descontínua e contingencial e, muitas vezes, está
sujeita a escolhas individuais, elementos estes que fragilizam a suposição de que se
estaria diante de uma evolução unilinear.

SAIBA MAIS

Saiba mais sobre a Paz da Westfália no artigo “Paz de Vestfália - Acordo


entre países europeus encerrou a Guerra dos Trinta Anos”, do portal UOL
Educação. Disponível em: http://gg.gg/fv7m2.

1.2.3 O Fim do Sistema de Versalhes


O chamado sistema de Versalhes implica na sistematização das decisões
tomadas quando da assinatura, em 1919, do Tratado de Versalhes, que estabeleceu a
paz, encerrando oficialmente a I Guerra Mundial (TRATADO, 2009-2019). Lima (1996)
acrescenta que se trataria do próprio fim do que ele chama de o sistema de Versalhes,
responsável por uma reconfiguração da ordem européia ao final da I Guerra, com retorno
ao sistema anterior a 1914, multipolar, e portanto, instável, no sentido de favorecer
20 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

conflitos e instabilidades no continente europeu. Nesse sentido, a Guerra Fria teria sido
um fator de estabilidade, mas não se segue daí que seu término implicasse em retorno da
Europa ao que ela era antes de 1914, porque, especialmente do ponto de vista econômico,
as condições atuais são completamente diferentes do que eram antes.

1.2.4 O Fim da Ordem Mundial Pós-45


Dizer que o fim da ordem mundial pós-45 seria uma das consequências do final
da Guerra Fria é, segundo Lima (1996), considerar que estaria encerrado um período que
se caracterizou pelo conflito ideológico mantido entre dois modelos sociais competitivos
na ordem político-militar, perspectiva que se mostra adequada, porque, ao contrário das
anteriores, interpreta a mudança como significativa em termos de distribuição do poder
em nível mundial.

Lima (1996) conclui que é preciso considerar o fim da Guerra Fria como uma
mudança de ordem sistêmica, destacando-se daí três consequências, a saber: o fim da
União Soviética como superpotência mundial, o fim da unidade territorial desse país e
o fim do socialismo real.

Portanto, o fim da Guerra Fria implica em que se analise as implicações envolvidas


na dissolução do bloco soviético do ponto de vista geopolítico e econômico.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 21

1.3 A Dissolução do Bloco Soviético na Geopolítica e


na Econômica Internacional
Analisar os Impactos da dissolução do bloco soviético na dinâmica geopolítica
e econômica internacional implica em que se estabeleça, desde logo, que o fim do
chamado comunismo implicou no fim de uma era bipolar, na qual dois sistemas se
opunham um ao outro.

Não se fugiu, assim, de considerar que esse evento implicou na vitória de um


sistema sobre outro, marcando o advento da democracia liberal. Esse novo contexto,
porém, conflita tanto com a situação dos países terceiro mundistas quanto suscita
temores acerca da emergência de um mundo unipolar, hegemônico, portanto, à vista da
superpotência americana.

A ordem econômica, por sua vez, dá a ver que antigos países comunistas
passaram a adotar estratégias de privatização. Também a China, nos anos 90, cresceu
significativamente. O livre comércio foi fortalecido, impondo-se progressivamente,
graças a acordos internacionais, sem falar que a Europa abre também as suas fronteiras.

DESTAQUE

O Tratado de Maastricht, ou Tratado da União Europeia, foi assinado em


1992 e, visando a estabilidade política do continente, estabeleceu a União
Europeia, que hoje conta com 28 Estados-membros e constitui-se no maior
bloco econômico do mundo.

Para Quadros e Machado (2015, p. 586), o contexto geopolítico que se sucede


a partir do fim da Guerra Fria significou mesmo “a erosão do Sistema Internacional
dividido em dois polos principais de poder e a consolidação da hegemonia norte-
americana”. Dessa sorte, com relação à Rússia, particularmente, tal período representou
“transformações significativas na política interna, impactos severos na dinâmica da
sociedade civil, edição de novas demarcações fronteiriças e a redefinição do papel que
o país ocuparia na arena internacional”. Internamente, a antiga economia planificada
migrou para a lógica de mercado, com incentivo à concorrência que exige a privatização.
A propósito desta, ao “final de 1994, 70% das indústrias russas haviam sido privatizadas,
em um ambiente que fez emergir poderosos grupos oligarcas que incrementam seu poder
até os dias que correm” (SEGRILLO apud QUADROS e MACHADO, 2015, p. 586).
22 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

Os países satélites da URSS proclamaram sua independência, valendo referir


a Letônia e a Armênia, em 1990, e o Turquemenistão e a Geórgia, em 1991. As alterações
em termos geopolíticos são significativas. Os países bálticos, ou seja, Estônia, Letônia,
e Lituânia, situados ao norte da Europa, na costa leste do Mar Báltico, emanciparam-
se aos poucos (LE MONDE POLITIQUE, 2007-2019). A demissão de Gorbachev teria
anunciado o fim da URSS, e Gorbachev tentou restabelecer a ordem econômica abalada
através de uma modernização, sem atingir, contudo, bons resultados. Assim, o fim da
URSS implicou na constituição da Comunidade dos Estados Independentes (CEI),
em 8 de dezembro de 1991, visando a criação de uma zona de livre comércio entre
si. Além da Armênia, participam a Rússia e a Ucrânia, Bielo-Rússia, Cazaquistão,
Moldávia, Quirguistão e Tajiquistão (PAMBOUKDJIAN, 2011).

Figura 1.6 – Mapa mostrando a dissolução da URSS nas quinze repúblicas independentes.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

Com Putin guindado à presidência da Rússia, no final da década de 1990,


os principais objetivos traçados em matéria de política doméstica, segundo Quadros
e Machado (2015, p. 590-1), foram centralizar o poder, imprimindo-lhe uma lógica
vertical, e restabelecer a ordem e a estabilidade. Defensor de um Estado forte, visto por
ele como coerente com a tradição cultural russa, buscava devolver à Rússia seu antigo
protagonismo:
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 23

Nosso Estado e suas instituições e estruturas sempre desempenharam


um papel extremamente importante na vida do país e do povo. Para
os russos um Estado forte não representa uma anomalia que deve ser
eliminada. [...] A Rússia foi e continuará sendo uma grande potência.
Isso está pré-condicionado pelas características inseparáveis de sua
existência geopolítica, econômica e cultural (PUTIN apud QUADROS
e MACHADO, 2015, p. 591).

Veja-se bem que se trataria aí, como bem analisam Quadros e Machado (2015,
p. 591), do velho estatismo russo profundamente enraizado em sua história, compatível
com uma tradição que remonta ao czarismo, explicando o status objetivado por Putin
durante anos 2000. Os resultados dessa política, em termos econômicos, podem ser
expressos graficamente:

Figura 1.7 – Gráfico que mostra as exportações da Rússia para a CEI, em bilhões de dólares, 2000-2012.

2000
78,4 2005
80 2010
79,4
70 2011
59,6 2012
60
50 32,6
40 13,8
30
40
10
0

Fonte: Adaptado de RUSSIA, 2012 apud Quadros e Machado (2015, p. 595).

O gráfico aponta para um incremento do comércio exterior mantido entre os


russos e os países da Comunidade dos Estados Independentes, CEI.

Por oportuno, não obstante os objetivos desta unidade se direcionem mais


particularmente à análise da dinâmica geopolítica e econômica em termos de impacto
internacional, aspectos ligados à capacitação militar dos países que compunham o antigo
bloco oriental podem ser esclarecedores, na medida em que apontam para uma efetiva
24 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

superioridade da Rússia, como se pode constatar na Figura 1.8 - importa mencionar que
não foram consideradas na comparação as repúblicas bálticas, uma vez que já estariam
distanciadas do raio de influência da Rússia (QUADROS e MACHADO, 2015, p. 599).

Figura 1.8 – Comparação das forças militares das ex-repúblicas soviéticas, 2013.

Veículo blindado de Aeronaves de


País Forças ativas
combate de infantaria combate
Armênia 48,850 104 15
Azerbaijão 66,950 111 44
Casaquistão 39,000 602 123
Bielorrúsia 48,000 1,111 93
Geórgia 20,650 63 12
Moldávia 5,350 44 0
Russia 845,000 7,360 1,462
Quirguistão 10,900 320 33
Tajiquistão 8,800 23 0
Turcomenistão 22,000 942 94
Ucrânia 129,950 3,028 211
Uzbequistão 48,000 399 135

Fonte: International Institute For Strategic Studies, IISS, 2013 (quadro adaptado pelos autores)
apud Quadros e Machado (2015, p. 599-600), com readaptação pela autora.

Constata-se, a partir do inventário expresso na imagem acima, que o efetivo


russo é muito superior ao das ex-repúblicas soviéticas, em termos de forças ativas,
de blindados e de aeronaves, de sorte que se pode concluir, com Quadros e Machado
(2015), que a Rússia, em que pese tenha sobrevivido “às ruínas do Estado soviético,
precisou conformar-se à sua posição subalterna em uma ordem internacional liderada
pelos Estados Unidos” (QUADROS; MACHADO, 2015, p. 600).

Lima (1996) coloca como consequência do colapso soviético, além da desarticulação


da política mundial, também uma desestabilização das relações internacionais, afetadas
pelo abalo teórico sofrido por interpretações que viam, nas relações internacionais, algo
distinto da política, da economia, da história e do direito. Nesse compasso, a distinção
entre externo e interno é afetada, na medida em que não é mais relevante “pensar a
política internacional desvinculada da dinâmica interna [...] da mesma forma que é cada
vez mais problemático analisar a política doméstica sem considerar o contexto externo”
(LIMA, 1996, sem paginação).
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 25

De modo bastante lúcido, Lima (1996) também nos alerta para construção de
cenários frágeis, ora com análise do período Pós-Guerra Fria, através de construções
analógicas que se repetem, ora através de projeções de tendências do presente. Porque,
segundo ele, não é suficiente avaliar o potencial econômico e militar das nações
que pretendem a condição de superpotência. Fundamental parece-lhe considerar a
dinâmica implicada em políticas e em interesses que podem se mostrar insuficientes para
garantir os recursos necessários para chegar à condição de superpotência. Ou mesmo,
― o que seria ainda pior ―, para direcionar ações predatórias com vistas à obtenção
de vantagens decorrentes de uma supremacia econômica e militar, bem como de uma
eventual relação de interdependência relativamente a outras nações.
26 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.4 A Hegemonia Militar, Econômica e Cultural dos


Eua e seus Aliados, e a Expansão do Modelo
Político-Econômico Liberal-Democrata
Nosso tema é complexo. Primeiro, porque se tratam de visões de um tempo ainda
muito presente entre nós, de sorte que o vivemos e o vivenciamos muito particularmente
em nossas escolhas, inclusive ideológicas. Segundo, porque a própria terminologia
empregada precisa ser explicitada de modo a possibilitar que se identifique sua
pertinência e o âmbito de sua aplicação. Em razão disso, pareceu adequada a divisão
da abordagem do assunto tratado nesta seção em itens pouco extensos, tentando assim
facilitar a compreensão dos diversos conceitos implicados.

1.4.1 A Ascensão Hegemônica dos EUA


Em artigo dedicado a examinar o papel dos EUA de 1989 a 2010, Pecequilo
(2010, p. 12) afirma, em linhas gerais, que a ascensão hegemônica dos EUA configura
a primeira grande estratégia internacional multilateral. Tal estratégia é frequentemente
associada a uma política de contenção ao comunismo e à URSS, desde os tempos da
Guerra Fria e associa-se a uma visão de liderança e ordem que remonta ao final da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e que atribui aos EUA papel central na economia e
política internacionais. A hegemonia norte americana parte de uma perspectiva liberal.
O poder militar, por sua vez, não é o único meio de sustentação de sua influência.

1.4.2 Bases da Ascensão Hegemônica dos EUA. Da Política de


Ajuda à Designação do Inimigo
Toda essa influência dos EUA que se faz sentir no mundo não tem por base
exclusiva o poder militar. Ela pressupõe ainda, segundo Pecequilo (2010, p. 12), três
diferentes vertentes de comportamento, três diferentes atitudes, diríamos. Elas seriam
uma vertente dura, uma branda e outra ainda de cooptação (hard, soft and cooptive
power). Por exemplo, podemos identificar uma postura branda ou soft diante de
parceiros, clientes ou dominados. Assim, a hegemonia é percebida como um fato real
que, paradoxalmente, fornece segurança em termos estratégicos militares e benefícios
decorrentes da cooperação, de sorte que a imagem percebida a partir do país parceiro
corresponde àquela de um mantenedor do equilíbrio.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 27

Não é demais lembrar de que essa política de ajuda dos EUA encontra raízes no
final da II Guerra. Ela foi mesmo formalizada pelo Presidente Harry Truman (1945-
1953), quando ele inaugurou as sessões do Congresso com um discurso no qual destacou
quatro prioridades da política externa americana, a saber: o apoio às Nações Unidas, a
reconstrução da economia mundial, a luta contra o comunismo e a ajuda aos países em
desenvolvimento” (AYERBE, 2002, p. 78).

A projeção da hegemonia americana encontrou consenso diante do que foi definido


como a “ameaça soviética”. Nesse sentido, a instrumentalização de um inimigo teve
papel fundamental em um projeto voltado à construção da ordem, ou seja, ao exercício
de uma hegemonia que tinha como objetivos a contenção da URSS e do comunismo,
bem como a disseminação do liberalismo em nível político e econômico. Importante
ressaltar o papel de organizações internacionais governamentais (OIGs) na facilitação do
multilateralismo, na medida em que geram interdependência entre os Estados.

1.4.3 Examinando o Termo Hegemonia


Pereira (2011, p. 238), muito a propósito, observa que os termos poder, dominação
e hegemonia são frequentemente empregados por analistas, mas possuem sentidos
diferentes, de acordo as perspectivas teóricas a partir das quais são usados. Assim, por
exemplo, da perspectiva marxista, hegemonia relaciona-se à liderança de uma classe
em face das demais. Já o mesmo termo, quando aplicado no contexto das relações
internacionais, expressa o grau de liderança de um Estado perante os demais.

De qualquer sorte, podemos estabelecer, com Pereira (2019, p. 239), que hegemonia,
em sentido restrito, “significa o domínio de um Estado ou de um conjunto de estados
sobre os demais”. Essa relação de dominância diz de perto com capacidades físicas do
Estados. Contudo, pode-se dar ao conceito de hegemonia uma concepção mais abrangente,
a partir do qual ela é compreendida como um processo que envolve a liderança moral e
intelectual que uma classe dominante exerceria em face da sociedade civil. Presume-se aí
que haja prévio consenso junto às demais frações, uma vez que se trata, aqui, de liderança
de classe, do ponto de vista da ampliação do significado de hegemonia.
28 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.4.4 Entre Conceitos, Ideologias e Temporalidades


É preciso identificar, portanto, que os conceitos flutuam de acordo com o viés
ideológico colocado na perspectiva do interesse em pauta. No mesmo diapasão, a cultura,
a moral, o intelecto corporificam-se como via de poder. Assim, por exemplo,
a aproximação que se pode fazer entre ditadura e hegemonia, como não contraditórios,
do ponto de vista marxista.

Podemos exemplificar. No verbete identificado como El Estado Cubano,


encontramos na subdivisão Ditadura e Hegemonia o texto que segue, de tradução livre
da autora:

O célebre marxista Antonio Gramsci conceitua o Estado como o


complexo de atividades prático-teóricas com as quais a classe dirigente
não apenas justifica e mantém seu domínio como ainda consegue
manter o consenso ativo dos governantes. É precisamente ao Estado
como hegemonia (como direção política, como ordenamento moral e
intelectual) que se refere este marxista. Ditadura consiste então em
relações de enfrentamento entre os dirigentes e o conjunto de classes
aliadas em face das [classes] reacionárias que é necessário destruir.
Relação entre ambos: estes dois aspectos [ditadura e hegemonia] não são
mais que dois momentos reais e ativos de um mesmo fenômeno geral.
Expressam ambos, em última instância, o fato de que a supremacia de
uma classe social manifesta-se dois aspectos diferentes: como domínio
e como direção intelectual e moral. Portanto, não são contraditórios ou
excludentes estes aspectos (DICTADURA…, s/d).

Por aí é possível perceber que a hegemonia pode se manifestar também do ponto


de vista cultural, aplicação promovida pelo italiano Antonio Gramsci (1891-1937).
Hegemonia pode também, como é evidente, manifestar-se como superioridade militar, no
âmbito da força, do potencial bélico de um Estado que pode se impor perante os demais.
Ela também pode manifestar-se na economia, quando a superioridade dos recursos
permite o exercício de um poder que, em tese, pode comprar o que deseja conquistar.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 29

VÍDEO

Encontre tempo para assistir a esse


vídeo didático sobre a Teoria da
Hegemonia Cultural de Gramsci,
feito para a cadeira de Teorias II do
terceiro semestre do curso de
jornalismo da Universidade Federal
do Ceará. Autores: Lídia Ribeiro,
Vinicius França e Jéssica Queiroz:
http://gg.gg/fv7t7.

Resta também colocar que existe uma perspectiva temporal, a partir da qual é
preciso compreender que as relações internacionais do século XX, ― com seus múltiplos
atores tanto em termos de entes estatais quanto em termos de sociedade civil ―, são
inteiramente diversas daquelas levadas a efeito no século XIX, como, por exemplo,
na expansão do domínio internacional inglês. Ressalvados tais pressupostos, pode-se
prosseguir com a análise do protagonismo americano e de como ele pode ser percebido
em termos atuais.

Este papel protagonizado pelos EUA, cuja intervenção é identificada muitas


vezes como benigna, conforme Pecequilo (2010, p.12), teria rompido com duas antigas
vertentes predominantes na política internacional, que são: a antiga visão européia
das relações internacionais e a tradição unilateral. A primeira, ou seja, a antiga visão
européia, norteou o período de formação dos estados nacionais, entre os séculos XVII
e XVIII, atravessando guerras, inclusive os dois grandes conflitos mundiais; a segunda,
tradição unilateral, coincide com o nascimento da República, e se desenvolve no século
XVIII, com vistas à preservação da soberania e autonomia nacionais, separando o
velho do novo, ou seja, a América (nova) da Europa (velha). Diferentemente, os EUA
protagonizaram uma política internacional que poderia ser sintetizada nas palavras
do Presidente George Washington: “sem alianças permanentes”, visando os seguintes
objetivos: total independência de escolha, engajamento internacional limitado aos
próprios interesses nacionais, disseminação desse modelo pelo exemplo e pela atuação.
Não se trata, todavia, de uma política de isolacionismo, devendo ser compreendida,
de preferência, como não participativa em negócios externos, porém com intervenções
periódicas, afirma Pecequilo (2010, p. 13).
30 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.4.5 Uma Palavra sobre o Isolacionismo


O isolacionismo, vale lembrar, era a política daqueles que desejavam a “América
Primeiro”, preconizando um total desengajamento do sistema. Para os isolacionistas,
o final da Guerra Fria foi identificado como um tempo de crise no poder. A par do
isolacionismo, o “Internacionalismo Unilateral”, tinha em vista a recuperação da
margem de ação perdida ao longo da Guerra Fria em razão do domínio das OIGs, que
restringiam o poder americano, no auge, aliás, ao final da Guerra Fria, conferindo aos
EUA um status de superpotência que foi útil para a expansão de seus interesses, observa
Pecequilo (2010, p. 13). O Unilateralistas iam no sentido oposto dos Isolacionistas, visando
a prosperidade e a unipolaridade, sem recuos, com expansão hegemônica. Em comum,
todavia, ambos mantinham em suas agendas críticas ao liberalismo moral, à imigração
e ao crescente poder das chamadas minorias. Entretanto, como bem explica Pecequilo
(2010, p. 13), há também os Multilateralistas que, em contrapartida, pretendiam ajustar
a hegemonia, aproveitando o que seriam os dividendos da Guerra Fria, em especial,
para diminuir custos e expandir a influência do mercado, administrando tendências
multipolares que já se faziam notar desde os anos 1990 com o crescimento do Japão, da
China e da Europa Ocidental e que apareciam, afinal, como polos alternativos.

1.4.6 Considerações sobre Ações e Articulações em Termos da


Hegemonia dos EUA
Em termos simples, pode-se dizer que, de um lado, uma política voltada a construir
uma ordem, de outro, uma política voltada a conter a ameaça soviética resumem atitudes
que puderam gerar uma espécie de consenso que facilitou a projeção da hegemonia
americana nos âmbitos militar, econômico e cultural. Nisso, a instrumentalização
de um inimigo teve papel fundamental para a construção de uma ordem que visava,
prioritariamente, a três objetivos muito bem delineados por Pecequilo (2010, p. 13): a
contenção da URSS, a contenção do comunismo e a disseminação do liberalismo político
e econômico.

A propósito da importância desse tema, Sader (2005, p. 15) chega a afirmar que:

Nada de essencial do mundo contemporâneo pode ser explicado sem uma


compreensão minimamente adequada da hegemonia norte-americana,
tal foi a forma com que essa hegemonia ganhou centralidade depois da
desaparição do “campo socialista” no mundo.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 31

Em outras palavras, o conceito de hegemonia tornou-se ele próprio hegemônico em


termos de sua instrumentalidade como ferramenta de análise. Dessa sorte, a hegemonia
dos EUA não poderia ser diminuída, na medida em que qualquer visão que subestimasse
sua importância contribuiria de maneira negativa para com a sua superação, bem como
para a construção de “outro mundo possível”, afirma Sader (2005, p. 15), referindo-se
ao que ele considera como a mais importante questão política e teórica da atualidade:
“a construção de uma hegemonia alternativa ao modelo neoliberal (SADER, 2005, p. 15).

Figura 1.9 – Mapa com as bases norte-americanas ao redor do mundo.

US military bases world wide 2001-2003


In this period the United States has over 730 military instaliations and bases in over 50 countries.

Fonte: Adaptado de Naval Brasil (2019).

SAIBA MAIS

Sobre o potencial de armas americanas no mundo: http://gg.gg/fv81a.


32 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.5 Os Organismos Internacionais em Face das


Questões Globais e do Fim da Bipolaridade
O relacionamento entre Estados e Organizações internacionais é uma abordagem
frequente. Rinaldi e Morini (2015, p. 219) nos fazem lembrar que o ambiente internacional
sempre despertou a curiosidade dos homens, por envolver cenários onde temas
como guerra e paz, comércio, regimes de governo, terrorismo transnacional, direito
internacional, soberania, cooperação são pertinentes. Há ainda a globalização e tudo
mais que está aí envolvido, de maneira que o assunto reclama uma sistematização que
fica sempre na dependência de recortes. Um deles seria justamente o da relação entre os
Estados e as organizações internacionais, cuja importância diz com a análise de cenários
de cooperação.

No presente, ocorre uma intensificação das relações entre países no âmbito


político e econômico, em razão do incremento do comércio, da circulação de moedas,
mercadorias e pessoas, sem falar da aproximação político-cultural, situação esta que,
segundo Rinaldi e Morini (2015, p. 224), deu origem a uma tese que entende que as
fronteiras nacionais estariam se diluindo, de sorte que o próprio conceito de soberania,
― originário do direito internacional ―, estaria por ser redefinido. Contudo, Rinaldi
e Morini (2015, p. 224), com base em autores como Nye, colocam que as fronteiras,
embora tenham se tornado mais porosas, nem por isso perderam sua relevância.

Não é duvidoso, todavia, que a aproximação entre os Estados tem sido crescente,
fato este que desencadeou uma série de processos dentre os quais Rinaldi e Morini (2015,
p. 224) destacam o crescimento econômico, o desenvolvimento de novas tecnologias,
o incremento do comércio internacional que foi favorável a setores relacionados ao bem-
estar das populações, o aumento da expectativa de vida em geral, entre outros. Esse
fenômeno, ― então denominado globalização ―, facultou a países em desenvolvimento
que saíssem do isolamento e obtivessem acesso a saberes que, até então, mantinham-se
fora do alcance de seus nacionais. Dessa sorte, tem-se que a “história da globalização
(ou da mundialização) é, a rigor, a história do capitalismo” (RINALDI e MORINI, 2015,
p. 524). Trata-se de um longo processo, que pressupõe “ciclos de expansão e retração,
ruptura e reorientação “ (id. ibid.).
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 33

1.5.1 Definindo os Organismos Internacionais


Posto isso, é hora de definir o que vêm a ser esses organismos ― ou organizações
― de âmbito internacional, que também são conhecidos como instituições multilaterais.
Decicino (2013, sem paginação) as vê como “entidades criadas pelas principais nações
do mundo com o objetivo de trabalhar em comum para o pleno desenvolvimento das
diferentes áreas da atividade humana: política, economia, saúde, segurança, etc.” e as
define como sociedades entre Estados. São constituídas a partir de acordos ou tratados
e têm em vista incentivar a cooperação entre seus membros à vista de objetivos comuns.

Essas organizações podem ser definidas como uma sociedade entre Estados.
Constituídas por meio de tratados ou acordos, têm a finalidade de incentivar a permanente
cooperação entre seus membros, na consecução de objetivos comuns. Elas atuam em
conformidade com quatro orientações estratégicas que são apresentadas na figura abaixo.

Quadro 1.1 – Orientações Estratégicas das Organizações Internacionais ou Instituições Multilaterais.

Adoção, por parte dos países membros, de normas comuns de comportamento


1
político, social, etc.
Prevenção, planejamento e concretização de ações em casos de urgência aplicados
2 na solução de crises de âmbito nacional ou internacional originadas de conflitos
diversos, de catástrofes, etc.
3 Realização de pesquisas conjunta em áreas específicas.
4 Prestação de serviços de cooperação econômica, cultural, médica, etc.

Fonte: Adaptação da autora com base em Decicino (2013, sem paginação).

A seguir, veremos algumas organizações internacionais que se caracterizam por


sua relevância no mundo atual.

1.5.2 ONU – Organização das Nações Unidas


A ONU - Organização das Nações Unidas foi fundada no dia 24 de outubro de 1945
(ECURED, s/d) e deve sua criação aos países vencedores da II Guerra Mundial, tendo
como objetivo precípuo a manutenção da paz e da segurança internacionais, além de
incentivar relações amistosas entre seus membros. Registra Decicino (2013) que a ONU
proíbe o emprego unilateral da força, cuja utilização ela só prevê excepcionalmente, com
vistas à defesa de interesse comum dos países membros. Sua intervenção em eventuais
conflitos se dá não só visando a restauração da paz, como também para prevenção de
possíveis enfrentamentos.
34 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

A ONU definiu cinco principais domínios de competências, a saber: a harmonização


entre os países, pela manutenção da paz, da segurança e pelo desarmamento; a ampliação do
domínio de aplicação dos direitos humanos e da democracia; a cooperação internacional;
o desenvolvimento de operações; prevenção e negociação de conflitos. Seus principais
órgãos são: a Assembleia Geral, plena, composta de todos os Estados membros das Nações
Unidas, o Conselho de Segurança, órgão executivo da ONU, o Conselho Econômico e
Social, com 54 membros eleitos pela Assembleia Geral por três anos, o Secretário Geral,
que intervém nas dificuldades internacionais, diplomaticamente e de maneira pacífica (LE
MONDE POLITIQUE, 2007-2019).

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre a ONU, acesse: http://gg.gg/fv8az.


A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 35

Figura 1.10 – Organograma do Sistema ONU.

Fonte: ONU (2019).


36 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.5.3 UNESCO - Organização das Nações Unidas para


Educação, Ciência e Cultura
A UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
foi fundada em 16 de novembro de 1946 e deve sua criação à Conferência de Londres
(Decicino, 2013). É um organismo especializado das Nações Unidas que tem como
objetivo contribuir para a conservação da paz e segurança, estreitando, por meio
da educação, da ciência e da cultura, a colaboração entre as nações, com a finalidade
de assegurar o respeito universal à justiça, à lei, aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais que a Carta das Nações Unidas reconhece a todos os povos, sem distinção
de raça, de sexo, de idioma ou de religião. A UNESCO é integrada por 194 Estados
Membros e 7 Membros Associados. Seus órgãos de governo são a Conferência Geral e
o Conselho Executivo (ECURED, s/d). Desde 1960, a UNESCO vem atuando também
na preservação e restauração de espaços de valor cultural e histórico (Decicino, 2013).

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre a UNESCO, acesse: http://gg.gg/fv8d3.

1.5.4 OCDE - Organização para a Cooperação e o


Desenvolvimento Econômico
A OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico foi
fundada em 14 de dezembro de 1960 é um fórum intergovernamental que reúne 34 países
comprometidos com economias de mercado e com sistemas políticos democráticos que,
em conjunto, representam 81% do PIB mundial. No intercâmbio de políticas públicas, a
OCDE compara e intercambia políticas públicas para promoção e apoio do crescimento
econômico, aumento de empregos, melhora da qualidade de vida, manutenção da
estabilidade financeira, assistência a outros países em seu desenvolvimento econômico
geral, contribuindo para com o crescimento do comércio mundial (ECURED, s/d).

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre a OCDE, acesse: http://gg.gg/fv8fx.


A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 37

Figura 1.11 – Membros da OCDE – Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Coréia, Dinamarca, Eslovênia,
Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia,
Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Peru, Polônia, Portugal e Reino Unido.

Países membros
Países que subscrevem à
Declaração de Investimentos,
que por isso possuem PCNs,
porém não são membros.

Fonte: BRASIL. Ministério da Fazenda.

1.5.5 OMS - Organização Mundial da Saúde


A OMS - Organização Mundial da Saúde foi fundada em 7 de abril de 1948
e é o organismo internacional do sistema das Nações Unidas responsável pela saúde,
subordinada à ONU, portanto. Integrada por especialistas, elabora diretrizes e normas
sanitárias, ajudando países no enfrentamento de questões de saúde pública, apoiando e
promovendo investigações sanitárias. Através da mediação da OMS, os governos podem
enfrentar conjuntamente problemas sanitários de proporções mundiais. Além disso,
promove campanhas relacionadas à saúde, por exemplo, na promoção do combate ao
tabagismo e do alcoolismo (ECURED, s/d).

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre a OMS, acesse: http://gg.gg/fv8hr.


38 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.5.6 OEA - Organização dos Estados Americanos


A OEA - Organização dos Estados Americanos foi criada em 1948 por ocasião da
subscrição, em Bogotá, Colômbia, da Carta da OEA que passou a vigorar em dezembro
de 1951, com o objetivo de obter de seus Estados membros, conforme estipulado no art.
1° da Carta, paz e justiça, solidariedade, colaboração, defesa da soberania, da integridade
territorial e da independência. Tem como objetivos fortalecer a paz e da segurança,
consolidar a democracia, promover os direitos humanos, apoiar o desenvolvimento
socioeconômico e promover o desenvolvimento sustentável da América (ECURED, s/d).

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre a OEA, acesse: http://gg.gg/fv8i6.

1.5.7 OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte


A OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte, registra Decicino (2013),
foi criada em 1949, em tempos de Guerra Fria, portanto. Nasce como aliança militar
que congrega nações ocidentais em face dos países do bloco socialista. Inicialmente
contou com os EUA, Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Islândia, Itália,
Luxemburgo, Noruega, Portugal e Reino Unido. Em 1952, aderiram a Grécia e a Turquia;
em 1955, a Alemanha e, em 1982, a Espanha. Tem natureza política e militar e detém
expressivo arsenal nuclear (ECURED, s/d). Em seu sítio oficial lê-se que a segurança
no quotidiano é essencial ao nosso bem-estar. O objetivo da OTAN é, pois, garantir a
liberdade e a segurança de seus membros por meios políticos e militares.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 39

Figura 1.12 – Filiações e parcerias da OTAN no mundo.

Mapa das afiliações da OTAN na Europa

Estados-membros da OTAN

Plano de Ação de Adesão

Plano de Ação de Adesão Individual

Parceria para a Paz

Diálogo Mediterrâneo

Iniciativa de Cooperação de Istambul

Parceiros globais

Mapa das afiliações da OTAN no mundo

Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons (2019).

SAIBA MAIS

A Figura 1.12 considera os estados que integram a OTAN no momento da


elaboração da presente unidade. Contudo, importa ressaltar que a dinâmica
das relações internacionais e da fluidez das fronteiras pode comprometer a
atualidade do mapa.

Uma lista lista oficial e, portanto, constantemente atualizada, pode ser


encontrada em: http://gg.gg/fv9gw.
40 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.5.8 BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e


Desenvolvimento ou Banco Mundial
O BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento foi criado
em 1944 por 28 países. Começou a funcionar em 1946, com o objetivo contribuir para
com o desenvolvimento e a reconstrução dos territórios dos Estados membros. Hoje
conta com 186 países membros e é um dos organismos especializados da ONU, para
assistência financeira e técnica de países em desenvolvimento, contribuindo para com a
eliminação da pobreza e promoção do desenvolvimento sustentável. É também conhecido
como Banco Mundial. (BANCO…, s/d).

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre o BIRD, acesse: http://gg.gg/fv9hy.

1.5.9 FMI - Fundo Monetário Internacional


O FMI - Fundo Monetário Internacional é a mais importante instituição financeira
internacional. Seu objetivo é a promoção de políticas cambiais em nível internacional,
bem como a promoção do comércio. Assim como o Banco Mundial, O FMI integra
os organismos especializados em temas econômico-financeiros das Nações Unidas
(FONDO…, s/d) Decicino (2013) sinala que o FMI oferece empréstimos com baixos juros
para países que enfrentam dificuldades econômicas, exigindo em troca o cumprimento
de metas, equilíbrio fiscal, reforma tributária, desregulamentação, privatização e
investimentos em saúde, educação e infraestrutura.

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre o FMI, acesse: http://gg.gg/fv9j2.


A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 41

1.5.10 OMC - Organização Mundial do Comércio


A OMC - Organização Mundial do Comércio define-se como a única organização
internacional que trata das regras que regulamentam o comércio entre países. Tem
como objetivo ajudar os produtores de bens e serviços, exportadores e importadores a
gerenciarem os seus negócios. Decicino (2013) registra que os acordos formulados junto
à OMC são depois ratificados pelos respectivos parlamentos.

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre a OMC, acesse: http://gg.gg/fv9kh.

1.5.11 OIT - Organização Internacional do Trabalho


A OIT - Organização Internacional do Trabalho foi fundada em 1919 com o objetivo
de promover a justiça social. É a única agência das Nações Unidas com estrutura tripartite,
pois dela fazem parte representantes de governos, de empregados e de empregadores que
participam juntos e em situação de igualdade das diversas instâncias da Organização.
Seu objetivo é a promoção de oportunidades para que homens e mulheres possam ter
acesso a trabalho decente, fundamental para superação da pobreza, e produtivo, com
liberdade, equidade, segurança e dignidade (OIT, s/d). Decicino (2013) registra ainda
que a OIT possui uma rede de escritórios em todo o mundo.

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre a OIT, acesse: http://gg.gg/fv9l8.


42 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

1.6 Algumas Reflexões


Como se pode notar pelos temas analisados até agora, existe uma estrutura
considerável, em termos políticos e econômicos, voltada ao combate das desigualdades,
a uma melhor distribuição das riquezas e mesmo à superação de muitas questões de
interesse global que afligem a humanidade como um todo. Dezenas de organizações
de âmbito internacional acalentam propósitos voltados ao bem comum. E todas elas
desfrutam de uma legitimidade intrínseca, que resulta de sua própria constituição e da
qualidade de seus membros.

Todavia, os temas que envolvem a discussão ora em pauta requerem adaptação


imediata a um presente contínuo, tão característico de nosso tempo, no aqui e agora que
afeta fortemente a nossa pós-modernidade. Questiona-se mesmo a própria história que,
como vimos, poderia ter tido seu fim há bem pouco tempo, abrindo-se para um período
que ainda reclama paradigmas de construção.

O século XX superou dois grandes conflitos mundiais e chegou a um final que


parece definido, ao apontar para um processo de globalização hegemônica, poderosa, e
carregada de imponderáveis, uma vez que a estabilidade que impõe não é sem efeitos
colaterais, verbi gratia, a contra-hegemonia. Por tudo isso, na sucessão do XXI, nada
mais oportuno para encerrar esta unidade do que as palavras de Santos e Martins
(2019, p. 13), que nos sugerem refletir sobre o paradoxo implicado na questão que
segue: “Considerando que a hegemonia global dos direitos humanos como linguagem
de dignidade humana é hoje incontestável, permanece a questão de se saber se estes
poderão ser usados de um modo contra-hegemônico”.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 43

SÍNTESE DA UNIDADE
Começando pelo cenário que se apresentava na segunda metade do século XX, ao
final da II Guerra Mundial em 1945, a unidade trata da chamada Guerra Fria, procurando
compreender as mudanças políticas e econômicas ocorridas no Sistema Internacional
ao seu final, e a inclusão de novas agendas para discussão em âmbito global. Mais
especificamente, a unidade realiza uma leitura geo-histórica, elencando as principais
transformações no cenário político e econômico internacional após o fim da Guerra
Fria; analisa os impactos da dissolução do bloco soviético na dinâmica geopolítica e
econômica internacional; analisar a hegemonia militar, econômica e cultural dos EUA
e seus aliados, e a expansão do modelo político-econômico liberal-democrata e analisa,
por fim, a legitimidade e importância dos organismos internacionais como ferramentas
para resolução de questões globais com o fim da bipolaridade.
44 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

REFERÊNCIAS
AYERBE, L.F. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo:
UNESP, 2002.

BANCO Mundial. In: EcuRed. Enciclopédia Cubana. Disponível em: http://gg.gg/fva2q. Acesso
em: 27 out 2019.

BECKER, I. Pequena história da civilização Ocidental. São Paulo: Companhia Editora


Nacional, 1975.

BRAGA, H; TRESOLDI, C. Uma nota sobre “O Fim da História”, de Francis Fukuyama. Carta
Capital, 12 abr 2019. Disponível em: http://gg.gg/fva35. Acesso em: 25 out 2019.

CRUZ, F. Guerra dos Trinta Anos e o fim do conflito, 1° abr 2011. Direito Internacional,
Disponível em: http://gg.gg/fva38. Acesso em: 25 out 2019.

DECICINO, R. Organizações internacionais. Conheça as principais instituições multilaterais.


Educação UOL, 13 out 2013. Disponível em: http://gg.gg/fva3g. Acesso em: 26 out 2019.

ECURED. Dictadura e hegemonia, El Estado Cubano. EcuRed. Enciclopédia Cubana.


Disponível em: http://gg.gg/fva3s. Acesso em: 25 out 2019.

ECURED. Fondo Monetario Internacional. EcuRed. Enciclopédia Cubana. Disponível em:


http://gg.gg/fva4a. Acesso em: 27 out 2019.

ECURED. Macartismo. EcuRed. Enciclopédia Cubana. Disponível em: http://gg.gg/fva4g.


Acesso em: 25 out 2019.

ECURED. Muro de Berlin. EcuRed. Enciclopédia Cubana. Disponível em: http://gg.gg/fva4o.


Acesso em: 25 out 2019.

ECURED. Organización de las Naciones Unidas. In: EcuRed. Enciclopédia Cubana. Disponível
em: http://gg.gg/fva4v. Acesso em: 25 out 2019.

ECURED. Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura.


EcuRed. Enciclopédia Cubana. Disponível em: http://gg.gg/fva5k. Acesso em: 25 out 2019.

ECURED. Organización Mundial de la Salud. EcuRed. Enciclopédia Cubana. Disponível em:


http://gg.gg/fva5t. Acesso em: 25 out 2019.

ECURED. Organización del Tratado del Atlántico Norte. EcuRed. Enciclopédia Cubana.
Disponível em: http://gg.gg/fva5x. Acesso em: 25 out 2019.

ECURED. Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico. EcuRed.


Enciclopédia Cubana. Disponível em: http://gg.gg/fva63. Acesso em: 25 out 2019.

ECURED. Stalinismo. EcuRed. Enciclopédia Cubana. Disponível em: http://gg.gg/fva6a.


Acesso em: 25 out 2019.
A Reorganização do Sistema Internacional Pós-Guerra Fria | UNIDADE 1 45

LE MONDE POLITIQUE. Fin de la Guerre Froide (1985-2001). Le Monde Politique, 2007-


2019. Disponível em: http://gg.gg/fva6f. Acesso em: 24 out 2019.

LE MONDE POLITIQUE. Organisation des Nations Unies. Le Monde Politique, 2007-2019.


Disponível em: http://gg.gg/fva6p. Acesso em: 24 out 2019.

LE MONDE POLITIQUE. Organización de Estados Americanos. Le Monde Politique, 2007-


2019. Disponível em: http://gg.gg/fva6t. Acesso em: 25 out 2019.

LIMA, M.R.S. Teses Equivocadas sobre a Ordem Mundial Pós-Guerra Fria. Dados, Revista de
Ciências Sociais. 1996, vol.39, n.3. Disponível em: http://gg.gg/fva72. Acesso em: 24 out 2019.

OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: http://gg.gg/fva78. Acesso em:


27 out 2019.

PAMBOUKDJIAN, A.K.. Armênia, Rússia e mais seis países da CEI criam Tratado de Livre
Comércio. Estação Armênia, 19 out 2011. Disponível em: http://gg.gg/fva7g. Acesso em:
25 out 2019.

PECEQUILO, C.S.. As Grandes Estratégias Dos Estados Unidos (1989/2010). Meridiano 47,
Brasília, vol 11, ed. 120 (jul/ago 2010), pp. 11-17. Disponível em: http://gg.gg/fva7r. Acesso em:
25 out 2019.

PENA, R.A.. Guerra Fria, 18 jan 2019. Brasil Escola. Disponível em: http://gg.gg/fva7v. Acesso
em: 24 out 2019.

PEREIRA, A.E.. TRÊS PERSPECTIVAS SOBRE A POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS


UNIDOS: PODER, DOMINAÇÃO E HEGEMONIA. Revista de Sociologia e Política, [S.l.],
v. 19, n. 39, jun. 2011. ISSN 1678-9873, pp. 237-257. Disponível em: http://gg.gg/fva86. Acesso
em: 26 out. 2019.

PROENEM. Geopolítica e a Velha Ordem Mundial. Proenem, 2019. Disponível em:


http://gg.gg/fva8e. Acesso em: 24 out 2019.

QUADROS, M.P.R; MACHADO, L. A Rússia e o Exterior Próximo: potencialidades e entraves


para um projeto de grande potência, in: Brazilian Journal of International Relations, v. 4 n.
3, 583-607 (2015). Disponível em: http://gg.gg/fva8o. Acesso em: 25 out 2019.

RINALDI, A.L.; MORINI, C.M.. Estado e organismos internacionais: limites à cooperação sob
a ótica realista. In: Brazilian Journal of International Relations, v. 4 n. 3, 517-556 (2015).
Disponível em: http://gg.gg/fva93. Acesso em: 26 out 2019.

SADER, E. Hegemonia e contra-hegemonia. In: Hegemonias e Emancipações no Século XXI,


CECEN, A.E. org. Buenos Aires : Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales - CLACSO,
2005. Disponível em: http://gg.gg/fva9a. Acesso em: 26 out 2019.

SANTOS, B.S.; MARTINS, B.S. (Organização). O pluriverso dos direitos humanos. A diversidade
das lutas pela dignidade. Autêntica, 2019.
46 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

SATO, E. A agenda internacional depois da Guerra Fria: novos temas e novas percepções.
Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília , v. 43, n. 1, p. 138-169, June 2000.
Disponível em: http://gg.gg/fva9j. Acesso em: 24 out 2019.

TRATADO de Versalhes, 2009-2019. Só História. Virtuous Tecnologia da Informação, 2009-


2019. Disponível em: http://gg.gg/fva9w. Acesso em: 25 out 2019.

VELA, J.M. A geopolítica na Guerra Fria, 2009. Curso Enem Gratuito. Disponível em:
http://gg.gg/fvaa4. Acesso em: 23 out 2019.

VIGEVANI, T. Ciclos longos e cenários contemporâneos da sociedade internacional. Lua Nova,


São Paulo, n. 46, p. 5-53, 1999 . Disponível em: http://gg.gg/fvaad. Acesso em: 24 out 2019.
unidade

2
A Globalização e a Criação de uma
Comunidade Global
Prezado(a) estudante.

Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram
organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo
completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e
tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos
propostos para essa disciplina.

OBJETIVO GERAL
Compreender a internacionalização da economia e sua progressiva integração
comercial, financeira e tecnológica em nível global.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Analisar os impactos econômicos e sociais da globalização no sistema internacional;

• Analisar a criação ou expansão de organismos internacionais para regularização do


comércio e financeiras internacionais;

• Analisar os projetos regionais de integração econômica e sua importância como


vetor provedor de desenvolvimento.

• Analisar os impactos da construção de uma comunidade global: as iniciativas de


livre comércio, interdependência econômica, assimetria Norte-Sul, livre circulação
de pessoas e migrações.
QUESTÕES CONTEXTUAIS
1. O que é globalização?

2. Como você relaciona cultura global e economia global?

3. Por que se diz que o inglês se hierarquizou em relação a outros idiomas?

4. O que você sabe sobre as origens do processo de globalização?

5. Como diferenciar mundialização de globalização?

6. O que o cristianismo pode ter a ver com a globalização?

7. Quais seriam as quatro fases históricas da globalização?

8. Como a cultura se tornou um produto a mais no mercado?

9. O que você sabe sobre a desigualdade no Brasil?

10. Como você explica a desigualdade no Brasil do ponto de vista da história?


A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 49

2.1 Globalização e Comunidade Global: a Via


Econômica Integrando Mercados e Pessoas
Globalização. Eis uma palavra que se ouve e que se emprega a toda hora. Uma
palavra que sugere qualquer coisa de novo e de atual, mas que, na verdade, define algo
cujas raízes, segundo Gorender (1997), coincidiriam com o início do capitalismo. Para ele,
globalização é um “nome novo para o antigo processo de internacionalização ou de criação
do mercado mundial nascido com o próprio capitalismo” (GORENDER, 1997, p. 311).

Importante registrar também que não é incomum, a propósito do processo


de globalização, o emprego de uma combinação de conceitos diferentes a partir de
variações semânticas: globalização, globalidade, globalismo. Essa diferenciação têm
como propósito identificar fases de um mesmo processo que, por sua complexidade,
devem ser compreendidos a partir de sua lógica interna. Desse ponto de vista, teríamos a
globalização como resultado da interligação de múltiplos Estados soberanos no interesse
da expansão financeira. Já a globalidade ― também chamada de mundialização ―
faria referência à sociedade mundial que hoje têm fronteiras fluidas. O globalismo, por
sua vez, indicaria a ideologia aí implicada, qual seja, a ideia de conferir hegemonia ao
grande capital transnacional que integra a globalização (GLOBALIZACIÓN, 2002).

Embora seja importante conhecer o significado dessas palavras, trata-se aqui


de analisar um processo muito complexo, não só a partir de suas origens históricas,
mas também a partir das implicações econômicas nas quais ele acarreta. Precisamos
entender como e por que a globalização implica no surgimento de uma sociedade
global, unificada por um mercado que se amplia cada vez mais.

Esta Unidade tem como propósito facilitar esse entendimento. Ela foi estruturada
a partir de um objetivo geral e outros mais específicos. Esta primeira seção é dedicada
ao primeiro. Vamos aqui compreender o conceito de globalização desde a sua lógica
interna, de onde resulta sua grande abrangência. Veremos também o quanto a cultura,
por conta da globalização, vem ganhando um sentido econômico, talvez desumanizador,
questão aberta sobre a qual devemos refletir. Vamos examinar as origens históricas do
que ocorre hoje e, ao final, esquematizar a globalização, simplificando-a com vistas à
fixação dos conteúdos estudados.
50 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

A partir daí, nas seções seguintes, vamos analisar os impactos implicados no


processo de globalização, examinando quatro situações novas que implicaram em sérias
mudanças no âmbito econômico e social em termos mundiais. Depois, vamos entender o
papel dos organismos internacionais, — que examinamos na Unidade 1 —, na regularização
do fluxo comercial e financeiro, identificando as dificuldades que a globalização projeta
sobre a atuação desses organismos. Por fim, veremos o Brasil, ― um país desigual ―,
que enfrenta o desafio implicado na construção de projetos de integração econômica,
examinando esse desafio do ponto de vista da economia e da política.

2.1.1 Compreendendo um Conceito Abrangente


Globalização. O uso frequente dessa expressão nos indica que se está diante de
uma concepção abrangente, que surge em vários domínios de nossas vidas. Como bem
explicam Campos e Canavezes (2007, p. 8), a globalização surge de fatos, de contextos e
de circunstâncias muito diversos, que vão desde a utilização da internet até os problemas
ambientais, da competitividade às migrações. Não é de se estranhar, portanto, estar-se
perante um conceito que se presta a usos e a sentidos diversos. Portanto, para compreender
como esse fenômeno contribuiu para que se chegasse a uma comunidade global, a uma
internacionalização da economia e a uma consequente integração, em nível mundial, do
comércio, das finanças e da tecnologia, é fundamental examiná-lo como parte de um
processo muito mais amplo e, definitivamente, histórico.

Campos e Canavezes (2007, p. 8) falam com muita propriedade acerca da


dificuldade de se conceituar a globalização, argumentando que, na bibliografia disponível,
as definições variam de autor para autor. Assim, enquanto alguns emprestam maior
relevância ao caráter multidimensional do processo, outros enfatizam a dimensão
econômica da globalização, sua associação à ideologia neoliberal. Há espaço para os
que privilegiam sua dimensão política e cultural e ainda para os que a ela se referem
como “motor de um processo civilizacional, deixando implícita a sua naturalidade e
inevitabilidade” (CAMPOS; CANAVEZES, 2007, p.8).

Esse problema, no entanto, ― a falta de clareza de um conceito tão amplo quanto


pouco definido ―, não nos impede de explorar essas diferentes vertentes, procurando, de
preferência, o caminho histórico como melhor condutor da análise que aqui se pretende
realizar. Benoist (1997), com muita lucidez, refere-se ao fenômeno da mundialização
como o maior de nosso tempo. Ele explica também que os anglo-saxões dão preferência
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 51

ao termo globalização, noção que teria sido colocada em circulação por meio das
estratégias de marketing de massa que, a partir da década de 1980, começaram a falar de
comunicação global e mesmo de produto global. Um produto global, teoricamente, faria
alusão a uma mesma mercadoria que, por efeito também de uma mesma publicidade
poderia atingir o maior número possível de clientes, adaptando-se a culturas diferentes,
que tenderiam a se tornar culturas globais. Assim, na esteira da globalização, viria a
mundialização, fenômeno que, para uns, ultrapassaria a noção de estado; para outros,
definiria um novo tipo de oposição entre capital e trabalho.

Por fim, ainda na ordem conceitual, Ortiz (2016) nos fala sobre a diferenciação
que também ele faz entre os termos globalização e mundialização. O termo globalização
remeteria à ideia de unicidade, no sentido de existir uma economia global, assim como
uma tecnologia global. Todavia, para ele, não haveria uma global culture, uma cultura
global, mas haveria, sim, um “movimento diferenciado de mundialização no interior
de uma situação de globalização” (ORTIZ, 2016, p. 13). Nesse sentido, pode-se dar
como exemplo o idioma inglês, que foi hierarquizado em relação ao que Ortiz (id. ibid.)
chama de mercado mundial de bens linguísticos.

Figura 2.1 – O inglês se torna, cada vez mais, um idioma universal.

Fonte: Fotografia da autora.


52 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

DESTAQUE

Você viu que Ortiz (2016) fez uma importante observação acerca da grande
valorização do inglês no mercado mundial de bens linguísticos, onde ele se
tornou praticamente oficial no mundo das ciências, — lembre-se que um
trabalho científico geralmente possui resumo e abstract, por exemplo —,
e mesmo universal em termos de expressões no mercado tipo E-Comerce,
etc., sem falar na informática.

Figura 2.2 – Dicionários.

Fonte: Fotografia da autora.

No século XIX até praticamente a metade do século XX, por exemplo, o


francês era o idioma mais cotado nesse mercado de idiomas. Quem não
falasse ou compreendesse a língua francesa era excluído do mundo da
cultura. Para ser lido no mundo, era preciso publicar en français.

Houve ainda o tempo do latim, nos tempos da Roma Antiga, expandido pelo
exército romano. O latim ainda persistiu depois da queda do Império Romano,
como língua oficial da Igreja Católica Apostólica Romana (até hoje é, aliás).

SAIBA MAIS

Saiba mais sobre idiomas e número de falantes no mundo clicando aqui:


http://gg.gg/fypdy.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 53

2.1.2 Cultura Global e Economia Global


Eis algumas expressões que são aqui utilizadas do ponto de vista das ciências
sociais. No caso, como se tratam de ciências históricas, seus conceitos trariam com
eles “a marca do tempo, o momento e o lugar no qual foram elaborados” (ORTIZ, 2009,
p. 242). É assim que esse autor vai nos fazer ver que estamos diante de um fenômeno
que se manifesta na área econômica e que se reproduz na área da cultura, razão pela
qual temos como cultura global e economia global se assimilariam em uma espécie de
espaço homogêneo no qual certos símbolos poderiam adquirir caráter capaz de traduzir
o sistema. Essa colocação pode parecer difícil, mas ela é bem simples de explicar através
de exemplos. Basta pensar nas bonecas Barbie, nos videogames, nos Pokemons que
“são percebidos como artefatos ‘universais’ que correspondem às exigências de uma
demanda unificada” (ORTIZ, 2009, p. 240).

Deve-se ter presente que executivos, no manejo de campanhas de marketing,


deveriam necessariamente ter clara consciência da emergência de um capitalismo global,
como observa Ortiz (2009). Eles também perceberam o desenraizamento dos bens de
consumo, que se redefiniam à vista de um novo conceito de espaço e até de nação, de
sorte que o universo da publicidade manipulou esses símbolos já sem raízes, lançando-
os ao alcance mundial. Outro bom exemplo que nos é fornecido por Ortiz (2009, p. 241)
é a utilização, no anúncio das botas marca Camel, do enredo do filme “Os Caçadores da
Arca Perdida”.

Desse ponto de vista, haveria mesmo símbolos capazes de traduzir o sistema.


Ortiz (2009), todavia, nos alerta para que saibamos distinguir uma coisa da outra, ou
seja, diferenciar a mundialização da cultura da globalização da economia e da técnica.
Está-se diante de um processo único, mas tal processo se realiza de modo diversificado,
portanto, deve-se ter cuidado ao postular uma explicação econômica e tecnológica para,
através dela, compreender a dimensão cultural aí implicada, adverte Ortiz (2009, p. 246).
54 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

2.1.3 O Mercado e a Economia Internacional: Origens


Históricas
Pontuados tais aspectos relacionados à cultura e à economia, temos que a questão
de fundo recai sobre o mercado, algo que, historicamente, se caracteriza como um
movimento de trocas internacionais. Aliás, como muito bem lembra Benoist (1997),
desde o século XVIII a teoria econômica que se tem por clássica considerava a livre
circulação de bens como capaz de igualar sistemas produtivos e níveis de vida. Desde
sua origem, portanto, o capitalismo seria nômade. Dessa sorte, mundializá-lo ou
globalizá-lo equivaleria a restituir-lhe um caráter transnacional que ele já teria
desde a origem, com a diferença de que, na atualidade, imprime-se a esse processo uma
brusca aceleração, de onde resultariam novas características.

VÍDEO

Você acabou de ler que Benoist


(1997) afirma que o capitalismo
seria nômade. Pense nisso.
Encontre tempo para assistir
“Caravelas e Naus, um Choque
Tecnológico no século XVI”,
documentário que ficou em 1º lugar
entre 62 outros no concurso do
Discovery Channel e que trata do
impacto que as viagens marítimas representaram à época em que Portugal
foi alçada à categoria de principal potência marítima e económica do século
XVI. Assista aqui: http://gg.gg/fypep.

Mas é em termos numéricos que o processo de globalização já se evidenciava


ao final do século XX. Em 1990, as trocas internacionais, segundo Benoist (1997), já
representavam 15% do produto interno bruto mundial. Entre 1960 e 1989, as trocas de
mercadorias dobraram. Houve um incremento sensível na riqueza mundial: sua taxa de
crescimento anual, que era de 15% entre 1970 e 1985, quase dobrou, passando a 28% entre
1985 e 1990. Já se assistia, assim, ao advento de uma economia global, dependente do
comércio exterior e dos fluxos de capitais internacionais. Simultaneamente, constatava-
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 55

se o crescente papel que a informática e a eletrônica passaram a desempenhar na redução


de custos das transações a longa distância. As coisas passaram a acontecer em tempo
real, o que concorreu para que se estabelecesse uma mobilidade de fluxos financeiros
sem precedentes na história. Basta pensar, como sugere Benoist (1997), nas bolsas de
valores do mundo interconectadas, permitindo que os capitais se deslocassem de um
lado a outro do planeta na velocidade da luz, sempre à procura do melhor retorno aos
investimentos, instantaneamente.

Oportuno colocar que há lugar para sustentar que todas essas mudanças já se
dariam a ver antes, na década de 1970, com a crise do petróleo, quando os membros da
Organização dos Países Áarabes Exportadores de Petróleo proclamaram um embargo
petrolífero. Esta crise foi muito prejudicial à produtividade, às taxas de crescimento dos
países industrializados, à demanda de bens de consumo duráveis. Tal cenário acabou
estimulando a multiplicação de produtos puramente especulativos, em um processo
que teve continuidade nos anos 1980. Por conta disso, o endividamento público foi
aprofundado, o que favoreceu o desenvolvimento do mercado de capitais.

Assim, chegados os anos 1990, com a desaparição praticamente imediata da


URSS, ocorreu uma passagem, que Benoist (1997) qualifica como brutal, dos antigos
países comunistas para o sistema do capitalismo selvagem, com milhares de pessoas
representando mão de obra ociosa no mercado mundial, ao mesmo tempo em que se
difundia no mundo “a ilusão de um planeta unitário onde existiria apenas um bloco”
(BENOIST, 1997, sem paginação). Muito a propósito, aliás, o que já fora previsto por
Marx, que dissera: “A tendência a criar um mercado mundial está inserida no próprio
conceito de capital” (MARX apud BENOIST, 1997, sem paginação).

Consagra-se, assim, por uma série de metamorfoses, uma economia de mercado


que se instala em clima individual e, ao mesmo tempo, universal, porque repousaria
simultaneamente, diz Benoist (1997), sobre a metafísica da subjetividade e a valorização
do êxito material, num processo histórico cujas origens remontam ao século XV, época
das grandes descobertas, passando pela Revolução Industrial e pela colonização. A
propósito desta, em julho de 1885, Jules Ferry, um político francês, declarou perante a
Câmara dos Deputados que a fundação de uma colônia era a criação de um mercado,
porque, como refere Benoist (1997), favorecia a circulação de produtos.
56 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

DESTAQUE

Figura 2.3 – Manuscrito do século XII, escrita gótica de monges copistas.


Trata-se de uma das cópias do Evangelho de São João.

Fonte: Pixabay (2019).

A complexidade das questões de fundo implicadas no tema que ora


examinamos, muito embora se explique pela via econômica, faz emergir
questões que dizem respeito a identidades culturais, à compreensão do
que é universal e mesmo a ideias religiosas. Fédou (2002) explora esse
tema em um artigo no qual relaciona a Igreja a uma possível convergência
de humanização do planeta, por permitir a expansão do cristianismo. Ele
sustenta que o cristianismo tem um interesse fundamental acerca do futuro
da terra, de sorte que, por conta desse interesse, poderia inclinar-se a ver,
na mundialização, um fenômeno que permitiria aos cristãos abrirem sua
consciência a uma renovação de sua responsabilidade no mundo, argumenta
Fédou (2002, p. 220).

Com base em Orígenes de Alexandria, — teólogo cristão n. em 184 d. C. e


m. em 253 d. C. —, que disse que a Igreja era o mundo quando iluminado
pelo Salvador, Fédou (2002, p. 225) acrescenta que, além disso, importaria
crer que “malgrado as violências da história, esta mesma luz pode brilhar do
Norte ao Sul e do Ocidente ao Oriente, em toda parte onde a terra dos homens
faz aparecer formas de santidade que prestam elas mesmas testemunho da
ação do Espírito.”
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 57

REFLETINDO

Como você relaciona a expansão da fé cristã e os conceitos de mundialização


e de globalização, aproximando economia e cultura?

DICA

No Vídeo “Caravelas e Naus” você viu como Portugal conquistou boa parte
do mundo e como isso refletiu em seu poderio econômico. Mas não se
esqueça de que se tratava também de uma missão evangelizadora, que tinha
como propósito converter os povos pagãos.

2.1.4 Simplificando a Globalização


Para finalizar esta seção, vamos ver, de acordo com Brito (2018), em uma
abordagem resumida e simplificada, as fases que a globalização teria atravessado ao
longo da história.

Quadro 2.1 – Quadro mostrando as fases da Globalização.

Grandes navegações e
1ª fase Séculos XV-XVIII Revolução Industrial
descobertas marítimas
II Guerra Mundial (expansão do
2ª fase Séculos XVIII a XX Revolução Industrial
capitalismo)
Queda do Muro de Berlim (fim
3ª fase Século XX II Guerra Mundial da Guerra Fria, fim da URSS e do
regime socialista)
4ª fase Século XXI Nova Ordem Mundial Domínio do capitalismo no mundo.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brito (2018).


58 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

Brito (2018) destaca como a maior característica da globalização o surgimento de


empresas transnacionais, por aí entendendo aquelas com matriz em um país desenvolvido
e filiais que atuam em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Assim, tais
empresas não apenas expandem seu mercado consumidor como ainda drenam lucros para
suas matrizes, exploram matéria prima e se utilizam de mão de obra barata, não raro
de incentivos fiscais e outras vantagens. Fora isso, tem-se que a globalização também
interfere em aspectos culturais, como, por exemplo, na difusão de hábitos alimentares
novos, tipo fast food. Entre as desvantagens que ela oferece, está a competição com países
mais desenvolvidos, em condições de enfrentarem custos de produção mais altos, além
de disporem de maior experiência de mercado. Além disso, nas pequenas economias de
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, as marcas mais fortes terminam por
predominar, influindo negativamente na valorização dos produtos nacionais, sem falar
na redução que isso significa em termos de diversidade cultural.

Mas nem tudo se resume a desvantagens. Brito (2018) também coloca outros
pontos que são consequências de uma realidade que só tende a aumentar e que acarreta
no incremento das relações econômicas entre países, na produção e consumo de bens
e serviços, na facilidade de disseminação instantânea das informações, na criação de
empresas multi e transnacionais, no surgimento de blocos econômicos com redução de
barreiras comerciais. Entre os pontos positivos, Brito (2018) assinala o desenvolvimento
tecnológico, o livre comércio e mais opções de produtos no mercado, cujos preços podem
diminuir por efeito da competição.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 59

2.2 Impactos Econômicos e Sociais da Globalização


no Sistema Internacional
A partir do que vimos até agora, podemos afirmar que a globalização acarretou
uma brusca aceleração da economia, dotando o processo econômico de características
novas, dentre as quais aquelas relacionadas à informática, que examinamos mais acima,
e o predomínio dos produtos manufaturados sobre as matérias primas.

Há, todavia, outros fatores que podem ser analisados, todos resultado dos
impactos econômicos implicados nesse processo. Vamos abordar quatro, a saber: (1) a
autonomia da esfera financeira que proclamou, na prática, sua independência dos Estados
e respectivas políticas; (2) o surgimento de uma cultura de massa; (3) o protagonismo
das empresas que, no cenário global, se sobrepõe àquele dos Estados; e (4) a emergência
de novos mercados.

2.2.1 Autonomia da Esfera Financeira


Para Benoist (1997) a extraordinária autonomia da esfera financeira relativamente
à esfera produtiva econômica propriamente dita é um dos impactos mais marcantes nesse
processo.

Essa autonomia ocorreu desde a emergência de um capitalismo predominantemente


especulador, que suplantou o modo anteriormente praticado, qual seja, o capitalismo
industrial. O problema desse capitalismo especulador é que ele, além de arrecadar
fundos da economia privada, também reúne aqueles oriundos da economia pública e
social como, por exemplo, títulos da dívida pública dos Estados, fundos de pensão, etc.

Ao lado da lógica especulativa que norteia esse processo, há ainda o dinheiro


obtido com tráfico de drogas e com corrupção que se faz, ele também, um elemento
estruturante da nova ordem econômica, alimentando a especulação financeira, com
todas as facilidades que a velocidade das operações da bolsa hoje permitem.
60 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

DESTAQUE

“Na época moderna, a análise econômica liberal será progressivamente


estendida a todos os fatos sociais. A família será assimilada a uma pequena
empresa; as relações sociais, a um entrelaçamento de estratégias de
interesses comerciais; a vida política, a um mercado onde os eleitores
vendem seu voto pela maior oferta. O homem será percebido como um
capital; a criança, como um bem de consumo durável. A lógica econômica
será assim projetada sobre o todo social, onde há pouco se incrustou, até
englobá-lo inteiramente” (BENOIST, 2002, p. 21).

2.2.2 Cultura como Produto de Mercado

DESTAQUE

“Não quero de forma alguma dar a impressão de que tudo que é feito com
as redes digitais seja bom. Isso seria tão absurdo quanto supor que todos
os filmes sejam excelentes. Peço apenas que permaneçamos abertos,
benevolentes, receptivos em relação à novidade. Que tentemos compreendê-
la, pois a verdadeira questão não é ser contra ou a favor, mas sim reconhecer
as mudanças qualitativas na ecologia dos signos, o ambiente inédito que
resulta da extensão das novas redes de comunicação para a vida social e
cultural. Apenas dessa forma seremos capazes de desenvolver essas novas
tecnologias dentro de uma perspectiva humanista” (LÉVY, 1999, p. 12).

Outro fato inovador na economia que é citado por Benoist (1997) consiste nas
transações econômicas que capitalizaram realidades culturais que passaram assim a
integrar o regime da livre troca.

Trata-se de uma consequência grave, que demanda muita atenção, especialmente


quando se pensa no significado que assume hoje a chamada cultura de massa, fruto da
apropriação de objetos culturais que são literalmente consumidos.

A cultura, o mundo da arte, as competições esportivas, os serviços,


as fontes naturais, os produtos da propriedade intelectual passam ao
regime da livre troca. O jogo do mercado opera no sentido de uma
transformação de todas as coisas em divisas. O que entra no sistema
como coisa viva sai dele como mercadoria, como produto morto
(BENOIST, 1997, sem paginação).
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 61

Nesse mesmo sentido, Arendt (1972, p. 270-271) alerta para o fato de o consumo
implicar na desaparição das mercadorias que devem ser então rapidamente substituídas
por novos artigos, o que implica em uma verdadeira pilhagem do domínio cultural
passado e presente à cata de matéria apropriada que será modificada a fim de que se
torne fácil de consumir.

Figura 2.4 – Seria o fim das bibliotecas tradicionais?

Fonte: Pixabay (2019).

A autora escreveu um livro que trata da crise da cultura, no qual faz a seguinte
observação:

“Quando livros ou reproduções são lançados no mercado a baixo custo,


e são vendidos em número considerável, isso não atinge a natureza das
obras em questão. Mas sua natureza é atingida quando esses objetos
são modificados ― reescritos, condensados, digeridos, reduzidos ao
estado de pacotilha para reprodução ou colocação em imagens. Isso
não quer dizer que a cultura se difunde nas massas, mas que a cultura
se acha destruída para engendrar lazer. [...] Muitos grandes autores do
passado sobreviveram a séculos de esquecimento e de abandono, mas é
ainda uma questão pendente saber se eles serão capazes de sobreviver
a uma versão divertida daquilo que eles têm a dizer” (ARENDT, 1989,
sem paginação).
62 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

REFLETINDO

Arendt aborda aspectos positivos relacionados ao baixo custo de alguns


livros lançados no mercado. Mas ela também fala sobre o problema implicado
nas modificações que algumas obras sofrem em sucessivas reedições
simplificadas. Com base nessa colocação de Arendt (1989), que exemplos
desse tipo de conduta negativa você já encontrou dentre os chamados
produtos culturais em oferta no mercado?

2.2.3 Protagonismo das Empresas em Detrimento


Daquele dos Estados
E quanto aos atores implicados nesse processo, veremos, com Benoist (1997), que
não se trata mais, como antes, de Estados, mas de empresas multinacionais que dominam
as áreas de comércio e de investimentos, ao mesmo tempo em que o mercado de finanças
edita suas regras e que os bancos partilham entre si um setor financeiro que perde
progressivamente conexão com a economia real. Essa é uma transformação importante,
porque inverte a lógica vigente há algumas décadas apenas, quando eram os Estados
que geriam os produtos nacionais em concorrência intercapitalista territorializada, ou
seja, exercida dentro dos limites de uma nação industrial. Mesmo empresas sediadas no
estrangeiro mantinham sua centralidade em uma matriz de referência situada em alguma
nação, de modo que a economia e a política coincidiam em linhas gerais, enfatizando a
importância da política econômica conduzida por cada Estado em particular, marcando
contrastes entre centros industrializados e periferias terceiro-mundistas.

Hoje não é mais assim. Os componentes da produção se dispersaram do quadro


espacial da origem geográfica da empresa, e os produtos passaram a incorporar
componentes das mais diferentes origens, de modo que não se pode mais reconhecer,
afirma Benoist (1997), nem o que seria a contribuição específica de cada nação, nem a
nacionalidade da força de trabalho empregada na produção. O capital se desterritorializou:
saiu de um espaço-lugar para um espaço-fluxo, ou seja: uma espécie de rede que, ainda
segundo Benoit (1997), não corresponde mais a nenhum território, porque se inscreve
no mercado mundial e aí se emancipa da política estatal. De notar que é primeira vez na
história que o espaço da economia se separa do espaço da política.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 63

Campos e Canavezes (2007, p. 51), a propósito, entendem que se está diante de


um novo paradigma de ordem técnica e econômica, com reflexos diretos no trabalho
humano. As novas tecnologias já permitem gestão do processo produtivo, segmentado
e disperso pelo mundo, em tempo real. No entanto, a tendência é de que a gestão e a
administração dos negócios se concentrem em países mais desenvolvidos, com melhores
salários, bem como melhor qualificação profissional. Em contrapartida, as fases de
produção e montagem tendem a ocorrer em países onde os salários são mais baixos.

2.2.4 A Emergência de Novos Mercados


A emergência de novos mercados, ― um mercado asiático e, em menor escala,
a de um mercado latino-americano e do antigo bloco soviético ―, também pode ser
considerada, segundo Benoit (1997) um fato novo. Trata-se do chamado milagre asiático,
que se enraíza em um tecido cultural, de modo a fazer com que o nacionalismo tenha aí a
sua parte, quer seja no Japão, na Coreia ou em Singapura. A propósito disso, diga-se que
“os povos cujo sistema cultural foi menos brutalizado pela modernidade ocidental ou que,
ao menos, se abriram com mais prudência, parecem conhecer as melhores performances
econômicas” (Engelhard apud Benoist, 1997, sem paginação).

Marcante, no caso, os custos de produção mais baixos que acarretam uma forte
demanda dos produtos oriundos desses novos mercados em escala mundial. Como
exemplo, nossa própria realidade, que evidencia a propagação de produtos asiáticos,
distribuídos com abundância, que atraem pelo baixo preço e que alimentam até mesmo
o comércio informal.
64 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

BLOCOS ECONÔMICOS

Você já entendeu que a globalização estimula a competição, de sorte a fazer


com que os mais fortes se sobreponham aos mais fracos. Por conta disso,
— como observa Francisco (sem datação) —, buscam a união, estreitando
laços econômicos em prol da criação dos chamados blocos econômicos e
estabelecendo acordos comerciais e medidas de flexibilização das barreiras
alfandegárias, como isenção de tributos, por exemplo, para facilitar a circulação
de bens, serviços e valores.

Exemplo disso é o MERCOSUL, fundado em 1991 e integrado pelo Brasil,


Paraguai, Uruguai e Argentina, como países efetivos e Chile, Peru, Bolívia,
Colômbia, Equador e Venezuela como associados - “A diferença entre membro
associado e pleno é que o associado não adota a Tarifa Externa Comum (TEC),
uma vez que o Mercosul se encontra no estágio da União Aduaneira” (ROSSETO,
2019).

Mas por que criar blocos? Quais as vantagens (e as desvantagens) implicadas


em um mercado comum? Vejamos isso mais de perto.

Quadro 1.1 – Insira a legenda.

VANTAGENS DESVANTAGENS
Menor custo dos produtos (como Qualquer empresa que queira
consequência de maior produção para participar de um bloco comercial faz
atender o mercado consumidor. concessões comerciais.
Com a disseminação de tecnologia Enfraquecimento de soberania
entre os países membros, maior nacional.
eficiência na produção, comercialização
e administração.
Vantagens competitivas por conta da Enfraquecimento do multinacionalismo
eliminação de tarifas. perante o regionalismo criado por
blocos comerciais cada dia mais
potentes.
Aumento do consumo que permite A polarização geopolítica do mundo.
maior rapidez no ciclo de produção. Nessa luta, as pequenas nações e os
países subdesenvolvidos continuarão
a ser os maiores perdedores.

Fonte: Rosseto (2019).

Importante falar, com Rosseto (2019), da UE, União Europeia, criada em 1992,
com a assinatura do Tratado de Maastricht, que concretiza a criação de um
bloco com circulação livre de pessoas, mercadorias, capitais e serviços, além da
integração a partir da adoção da moeda única por parte dos países membros. A UE
é a sucessora da Comunidade Econômica Europeia (CEE), instituída em 1957 pelo
(Cont...)
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 65

(...)

Tratado de Roma. Os países membros são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária,


Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia,
França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo,
Malta, Polônia, Portugal, Reino Unido (em 2017 iniciou seu processo turbulento
de saída, conhecido como Brexit), República Tcheca, Romênia e Suécia.

Rosseto (2019) cita também o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte


(Nafta), que aparece ao final da década de 1980, visando a gradual eliminação de
barreiras alfandegárias no comércio entre os membros, quando os Estados Unidos
e o Canadá decidem integrar suas economias, com adesão do México em 1993.
Um ano depois, o tratado entra em vigor, estabelecendo o prazo máximo de 15
anos para a eliminação de barreiras alfandegárias no comércio entre os membros.

Existe ainda A Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (Apec), que aparece


em 1989, visando criar, até 2020, uma Zona de Livre-Comércio entre os 20 países
membros e Hong Kong, diz Rosseto (2019), tendo como membros: Austrália,
Brunei, Canadá, Chile, China, Cingapura, Coreia do Sul, Estados Unidos, Rússia,
Filipinas, Indonésia, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné,
Peru, Tailândia, Taiwan e Vietnã.

Rosseto (2019) prossegue para registrar também o Pacto Andino, instituído e,


1996 pelo Acordo de Cartagena, passando, no ano seguinte a funcionar como
Comunidade Andina, com vista a aumentar a integração comercial, economia
e política entre seus membros que são: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e
Venezuela.

Do continente africano, a União Africana (UA) criada 2002 com inspiração na


União Europeia, com objetivo de unificar política, social e economicamente o
continente. É integrada pelos 53 países independentes do continente. Aparece
para substituir a Organização da Unidade Africana (OUA), de 1963. Rosseto (2019)
ressalta as dificuldades de integração enfrentadas pelo continente africano,
observando que a UA pode intervir em um país membro em circunstâncias graves
(crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade). Formada pelos 53
países independentes do continente. Também na África a Comunidade da África
Meridional para o Desenvolvimento (SADC) surge em 1992 visando a paz e
a segurança na região. Integrada por 14 países objetivar um mercado comum,
embora permaneça ainda no estágio de livre-comércio (ROSSETO, 2019).

Finalmente, Rosseto (2019) menciona a CEI, — que aproximamos na Unidade 1 —


Comunidade dos Estados Independentes, que surge 1991, após a desagregação
da antiga União Soviética (URSS), reunindo 12 das 15 repúblicas formam
uma área de livre comércio. A disparidade econômica entre elas é a principal
dificuldade para sua integração. Os países membros são: Armênia, Azerbaijão,
Belarus, Cazaquistão, Rússia, Geórgia, Moldávia, Quirguistão, Tadjiquistão,
Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão.
(Cont...)
66 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

(...)

Figura 2.5 – Mapa com os principais blocos econômicos no mundo em 2010.

CEI
AELC

UE
NAFTA
CEA
CARICOM
AEC GCC
CEDEAO IGAD SAARC
CEMAC CAO
Comunidade Andna
ASEAN
MERCOSUL

SADC

Forum das ilhas do Pacífico

Fonte: Adaptado de Rosseto (2019).

VÍDEO

Procure saber mais explorando


outros blocos econômicos além
dos citados. Veja que o mapa traz
outros. Assista ao vídeo: BLOCOS
ECONÔMICOS | Resumo de
Geografia para o Enem. Clique
aqui: http://gg.gg/fypl7.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 67

2.3 O Papel dos Organismos Internacionais


na Regularização do Comércio e Finanças
Internacionais
A partir do que analisamos até agora, tem-se que a autonomia da esfera financeira
em relação aos Estados modificou de tal forma a circulação de capitais no mundo que
a necessidade de programas que pudessem regulamentar os interesses em jogo se fez
essencial. Crises relacionadas ao endividamento de nações, em particular, no terceiro
mundo, exigiram a intervenção de organismos internacionais para realização de
programas de ajustes.

Vale lembrar que, na Unidade 1, analisamos a legitimidade e a importância


dos organismos internacionais como ferramentas para resolução de questões globais.
Identificamos, inclusive, alguns deles, bem como o seu papel na resolução de conflitos.
Agora, todavia, se trata de entender as dificuldades que todo esse cenário da globalização
vai projetar justamente sobre a atuação desses organismos. Veremos que seu papel na
solução de conflitos pode ser dificultado, a ponto de as soluções obtidas privilegiarem
uma economia cada vez mais projetada na ordem planetária. Desnecessário acrescentar
que isso compromete tanto a criação de novos organismos internacionais quanto a
expansão da influência dos já existentes na difícil tarefa de regularização dos fluxos de
mercado e capital.

Para uma melhor compreensão das questões de fundo aí implicadas, trataremos


do tema de uma perspectiva geral, privilegiando as grandes linhas que apontam para uma
macro configuração comercial e financeira no mundo. Assim, por exemplo, segundo Benoist
(1997), o papel de entidades como o FMI e Banco Mundial, que levam países do terceiro
mundo a aplicarem receitas em países industrializados, muitas vezes resta dificultado,
porque posto a serviço da globalização, quando deveria se voltar à desregulação, ao
gerenciamento da flutuação das moedas e à condução das economias do terceiro mundo a
bem gerenciarem suas dívidas. O G-8, por sua vez, atuando a partir de países desenvolvidos,
tenta coordenar as políticas de gerenciamento de suas próprias crises.
68 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

GLOSSÁRIO

A sigla G-8 corresponde ao grupo dos 8 países mais ricos e influentes do


mundo, a saber: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Canadá, França, Itália,
Reino Unido e Rússia. Antes era o G-7. A sigla alterou-se com o ingresso da
Rússia no grupo em 1998.

Mas é justamente quando se trata do comércio mundial que os organismos


encarregados de supervisioná-lo desempenham um papel muito particular. Para entender
esse papel, é preciso, antes, recordar como se agia no passado, quando as negociações
comerciais entre Estados reduziam-se a um pequeno número de práticas, dentre as
quais Benoist (2007) cita as cotas de importação, as tarifas aduaneiras, o controle de
movimentação de capitais e outras voltadas à defesa de interesses internos. Hoje, todavia,
os interesses comerciais como que deram origem a uma espécie de relação diplomática
que pode se projetar para além das fronteiras territoriais dos Estados, envolvendo,
todavia, o conjunto de instituições internas, para que tudo caminhe na direção de uma
regulamentação uniforme, muito frequentemente alinhada à legislação norte americana,
com o objetivo de reduzir incertezas e riscos implicados nos investimentos estrangeiros.

Não se pode duvidar do poder de negociação das empresas multinacionais.


No cenário de disputas, não é incomum que seus interesses prevaleçam, a despeito
de entidades como a Organização Mundial do Comércio. No final das contas, como
bem coloca Benoist (1997), as sociedades são confrontadas com uma demanda de
transformação de suas regras internas e de suas instituições nacionais, ajustando-as
a modelos impostos de fora. O que mais importa é a mobilidade do capital, de sorte
que não é incomum que acordos que teoricamente deveriam promover o livre comércio
terminem por promover a livre circulação de capitais. O que resulta disso, muitas vezes,
são restrições a regulamentações nacionais e governamentais. Assim:

[...] os acordos de livre circulação de capitais podem ser compreendidos


como instrumentos que, em nome da redução de obstáculos ao comércio,
alteram ou permitem a renegociação de leis, de políticas e de práticas
que se desenham a caminho de uma economia de mercado planetária”
(ROBINSON apud BENOIST, 1997, sem paginação).
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 69

Observe que falamos de comércio e de finanças internacionais, da regulamentação


de seus fluxos e do papel que os organismos internacionais desempenha nessa
regulamentação, que pode se encontrar comprometida, sempre que se sujeitar aos
interesses de um mercado financeiro globalizado.

Todavia, vimos nesta mesma unidade que, dentre outras modificações impostas
pela globalização, lidamos hoje com produtos de natureza cultural e mesmo com
produtos inteiramente abstraídos de uma natureza corporal: marcas, símbolos, sons são
precificados e circulam como mercadoria. É importante dar mais uma palavra sobre isso,
porque a circulação desses produtos acaba definindo a natureza da própria globalização
cultural ― cultura de massa ― onde não circulam apenas mercadorias e bens tradicionais.
Como lembra Benoist (1997), tratam-se de sons, de imagens, de signos, de conexões que
realizam uma verdadeira colonização do imaginário, dominando a comunicação, em
escala mundial.

Benoist (1997), citando Benjamin Barber, nos fala da proposta feita por este autor
de tratar esse fenômeno como “McWorld” ― lembrando MacIntosh ou McDonald ―
para assim definir essa mercantilização generalizada de intensos fluxos internacionais
que instauram um consumo publicitário espetacular proposto como forma de integração
social. Essa integração, entretanto, alinha atitudes e comportamentos, uniformiza modos
de vida, erradica identidades coletivas e mesmo culturas tradicionais. Não se trata de
mera internacionalização, mas de um mercado de dimensões planetárias que, segundo
Benoist (1997), é governado por um sistema de regras uniformes que se mostram cada
vez mais exigentes sob um comando extranacional, mesmo extra-estatal, cujo objetivo
maior é obter o máximo de lucro, eliminando tudo o que pode servir de obstáculo a sua
liberdade de ação.

Com isso, há elementos consistentes que indicam que praticamente tudo, seja
de natureza material, seja imaterial, adquire um preço no mercado e por ele circula
no interesse do próprio mercado, restando muito prejudicada, comprometida mesmo, a
atuação das organizações que, em tese, deveriam representar o poder regulador.

Não é outra a posição de Díaz (2008?), em suas notas sobre a globalização, na


parte reservada ao estudo dos organismos internacionais frente a esse processo. Segundo
ele, os organismos internacionais, particularmente o Fundo Monetário Internacional
(FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são
entidades representativas do capitalismo e desempenham importante papel no processo
de globalização. Segundo ele:
70 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

O poder econômico e político é centralizado nas diferentes instituições


de caráter global (FMI, BM, OMC) para exportar e impor os modelos
ocidentais de desenvolvimento, de tecnologia e de expertises ao resto
do mundo. Nesse sentido, a “mão invisível” do mercado tem um
pulso firme e atores muito concretos. Obedece a ditames das grandes
instituições econômicas internacionais citadas e é governada por
agendas das grandes empresas transnacionais, com o beneplácito,
submissão e apoio de governos nacionais (DÍAZ, 2008, sem paginação).

Dessa forma, FMI, BM e OMC teriam sido instrumentalizados e colocados


a serviço do grande capital. Mesmo o Banco Mundial, cujo objetivo seria fornecer
empréstimos aos países pobres e em desenvolvimento, age, de preferência, no sentido
de levar esses países a uma abertura econômica voltada à livre circulação de bens e
capitais, reordenando seus sistemas produtivos. Nesse sentido, acrescenta Díaz (2008?):
“A coordenação entre o FMI e o Banco Mundial a serviço do capital privado internacional
é inocultável” (LICHTENSZTEJN apud DÍAZ, 2008).

Diante dessa problemática, a tendência é pela constatação de que o papel


regulamentador do mercado, ― reservado aos organismos internacionais ―, se
compromete frente às exigências impostas por interesses que não são nem aqueles dos
Estados envolvidos, nem aqueles oficialmente objetivados pelos organismos mesmos,
mas, sim, interesses internacionais, que visam, acima de tudo, ao lucro.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 71

2.4 Projetos Regionais de Integração Econômica


como Vetores de Desenvolvimento do Ponto de
Vista da Economia e da Política
Queiramos ou não, a globalização está no meio de nós, impondo-se poderosamente.
Ela se faz sentir, sobretudo, pela via econômica, onde se deixa medir e contabilizar,
como nos chega pela via política, mobilizando ideologias, sem falar da via cultural, a
partir de onde nos reduz a consumidores de cultura, de preferência a fruidores desta.

Há, contudo, em torno desse tema tão importante em nosso presente, um ponto a
partir do qual as perspectivas da globalização podem ser apreciadas em termos de nossa
realidade local, considerado o eixo Brasil.

2.4.1 A Desigualdade é um Fato

DESTAQUE

Alcione Araújo, escritor e dramaturgo, sobre a educação no Brasil:

“Secular periferia do mundo, a grande maioria das famílias brasileiras não


teve educação formal e está alijada do mercado cultural tradicional. Raras são
as residências em que se veem livros, quadros, esculturas e instrumentos
musicais, etc. Já a televisão, desde que surgiu, foi entronizada como o
meio, por excelência, de veiculação da indústria do entretenimento. Como
audiência, ela arrebatou pessoas que ainda não tinham adquirido os hábitos
culturais tradicionais. Os valores éticos, morais e estéticos da indústria do
entretenimento se tornam a referência — para as massas, a única referência
cultural— de um povo com baixa escolaridade, afastado da cultura tradicional
e despreparado para a fruição estética” (ARAÚJO, 2018, p. 61).

A partir do que analisamos acerca dos efeitos que a globalização impõe ao


mundo, o dado que daí ressalta é justamente aquele que, cada vez mais, diz com a
necessidade de redução das desigualdades sociais. Estas, por sua vez, se apresentam de
modo diferente em cada região. Quanto maior a desigualdade, maior comprometimento
no nível de desenvolvimento.
72 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

O Brasil está entre os países mais desiguais do mundo. Segundo dados


dos Indicadores de Desenvolvimento Mundial de 2007, do Banco
Mundial, dentre 127 países para os quais há valores disponíveis, o Brasil
possui o 11º maior coeficiente de Gini, de valor igual a 57.0 (conforme
pesquisa realizada em 2004). Esta situação é agravada pela dificuldade
de se reverter a concentração de renda. Desta forma, este tema é de
extrema importância, especialmente no que diz respeito à implementação
de políticas públicas, pois possui interferência nos âmbitos social e
econômico (BARROS; GOMES, 2008, p. 58, grifo nosso).

GLOSSÁRIO

O Coeficiente de Gini é nome que se dá a uma medida de desigualdade


desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, e publicada no documento
“Variabilità e mutabilità”, em 1912. Trata-se de uma medida que pode ser
usada para apurar qualquer distribuição embora seja comumente utilizado
para medir a desigualdade de distribuição de renda.

Assim, em matéria de projetos regionais de integração, e em termos de Brasil, o


que nos propomos a examinar aqui será, antes, o tipo de política implicada na implantação
de projetos de desenvolvimento, de preferência a um exame pontual destes. A natureza
de tais projetos pode variar bastante, mas eles têm quase sempre em comum o propósito
de contribuir para a redução da desigualdade. Do enfrentamento do racismo à redução
de ônus tributários, do aumento das ofertas de trabalho ao combate à discriminação de
mulheres, do combate à corrupção aos investimentos em educação, cada um, a seu modo,
trabalha nesse sentido. Assim o desenvolvimento de políticas agrárias, por exemplo.

2.4.1.1 Desigualdade: um Ponto Sensível na Economia

O desenvolvimento de áreas agrícolas nem sempre ocorre de forma homogênea,


de modo favorável à elevação do nível de vida da população agrícola, como afirmou
Chabaribery (1999), em tese que aborda as consequências da desigualdade espacial e os
efeitos de um modelo agrícola que se mostraram insuficientes na redução das disparidades
do espaço agrário paulista.

Nasser (2000, p. 146), em artigo que analisa a desigualdade no Brasil, destaca que
a economia regional vem merecendo destaque na literatura econômica, ressaltando sua
preocupação com as desigualdades bem como sua relação com a economia internacional.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 73

Nesses dois exemplos, afirma Nasser (2000, p. 146), o processo de globalização,


que atualmente dirige as economias, serviria para atenuar o destaque dado à economia
regional, na medida em que países passam a ser considerados como regiões dentro de um
mesmo bloco. O mesmo processo de globalização tem também se mostrado ineficiente
frente à solução de problemas de desigualdade, quando ele mesmo, em muitos casos, não
contribui para com o seu incremento, acrescenta Nasser (id., ibid.).

No caso brasileiro, ainda segundo Nasser (2000, p. 146), tanto a necessidade


de solução dos problemas colocados pela desigualdade regional quanto a existência de
um ambiente economicamente estável seriam fatores favoráveis à implementação de
políticas regionais voltadas à promoção de um desenvolvimento futuro. Tema relevante,
a desigualdade requer especial atenção voltada à evolução de seus indicadores e à
expectativa de sua evolução futura, intrinsecamente relacionada ao futuro da economia
brasileira, observa Nasser (2000, p. 153).

Não obstante expectativas de crescimento e um período de relativa estabilidade, a


economia brasileira ainda encontra barreiras no que concerne ao alto grau de desigualdade
que se identifica com base em indicadores sociais. Observe-se a participação no PIB
nacional em 1997, na figura que segue. O ano 1997, no caso, foi escolhido por apresentar
os mesmos valores da segunda metade da década de 1980 e da primeira metade da de
1990 para essa mesma participação. Pelo gráfico, tem-se que “o PIB da região Sudeste
representou 59% do valor do PIB nacional em 1997, enquanto a região Nordeste participou
com 13%. As outras regiões – Norte (4%), Centro-Oeste (6%) e Sul (18%) – também
estão apresentadas no gráfico” (NASSER, 2000, p. 153).
74 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

Figura 2.6 – Gráfico que mostra a participação das regiões brasileiras no PIB.

Gráfico 1
Participação das Regiões no PIB Nacional - 1997
(Em %)
0,70
0,59
0,60
0,50
0,40
0,30
0,18
0,20 0,13
0,10 0,04 0,06
0,00
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
Oeste

Fonte: Adaptado de IBGE (2019).

A diferença entre a região Nordeste e a Sudeste ― desigualdade que Nasser


(2000, p. 153) considera clássica ―, mostra que o PIB per capita da primeira é menos
da metade do PIB nacional, relação que caiu depois de 1985, estabilizando-se depois
de 1991. No mesmo período, o PIB da região Sudeste chegou a 140% do PIB per capita
nacional, valor bem superior à média.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 75

Figura 2.7 – Gráficos que mostram a participação per capita nacional 1985/97 e a participação per capita das
regiões Nordeste (vermelho) e Sudeste (azul) no mesmo período.

Gráfico 2
PIB Per Capita Nordeste/Nacional - 1985/97
(Em %)

0,50
0,48
0,48 0,46 0,46
0,46 0,45
0,44
0,42 0,45
0,42
0,40
0,38
1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997

Gráfico 3
PIB Per Capita Sudeste/Nacional - 1985/97
(Em %)

1,42 1,40
1,40 1,39
1,38 1,37
1,38 1,40
1,35
1,36 1,37
1,34
1,32
1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997

Fonte: Adaptado de IBGE (2019).

Desigualdades históricas? Sim. Historicamente, as desigualdades brasileiras


encontram explicação na transição de padrão econômico que passou de agrário-exportador
para urbano-industrial ao longo da segunda metade do século XIX e XX. A industrialização,
por sua vez, promoveu forte centralização em São Paulo e no Rio de Janeiro, tendência que
permaneceu, em que pese algumas flutuações, segundo Nasser (2000, p. 156).
76 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

2.4.1.2 A Desigualdade: um Ponto Sensível na Política

Do ponto de vista das políticas implicadas face ao processo de globalização, elas


podem ser reduzidas a duas, como define Pires (2017): uma voltada a enfrentar e a
resistir; outra voltada a se adaptar ou se ajustar “à globalização e aos seus desígnios da
competitividade espúria do capitalismo” (PIRES, 2017, p. 1), alternativas que ele ilustra
a partir da figura que segue:

Figura 2.8 – Vertentes políticas do capitalismo periférico brasileiro.

Resistir Adaptar-se
Defender o Estado Social Implementar a ideologia do Estado mínimo
Garantir parcialmente a reprodução social Garantir a acumulação global do capital

Globalização solidária/ Globalização


Não subordinada subordinada
Versus

Vertente desenvolvimentista Vertente ultraneoliberalista

Fonte: Pires (2017, p. 1).

Portanto, segundo Pires (2017, p. 2) constata-se a existência de políticas que,


fundadas em correntes ideológicas distintas, posicionam-se contra ou a favor do processo
de globalização. As que se alinham pelo enfrentamento evitam o aprofundamento de
uma competitividade destrutiva e estimuladora das desigualdades globais. Tratam-se
de políticas que, na América do Sul, recebem apoio dos setores intelectuais, sindicatos,
sociedade civil organizada e partidos políticos de centro-esquerda. As que se alinham
no sentido pró-mercado entendem que o processo de globalização é uma fatalidade, um
imperativo irreversível que impõe aos governos que se adaptem a esse novo paradigma e
que adotem medidas que favoreçam o ajuste à nova realidade. A essa corrente filiam-se
intelectuais vinculados ao poder midiático, empresários, representantes de instituições
financeiras ― FMI, Banco Mundial ― grandes grupos nacionais e internacionais,
políticos de direita, defensores da privatização e da internacionalização dos serviços de
utilidade pública.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 77

A proposta de Pires (2002, p. 2) é de resistência. Segundo ele:

[...]é preciso resistir e desenvolver uma globalização solidária e


não subordinada, que promova um conjunto de políticas públicas
alternativas que possibilitem a formação de uma sociedade com menos
desigualdades na distribuição de renda e que também promovam
a elevação no padrão de vida dos grupos sociais prejudicados com
as reformas atuais das relações de trabalho e perda dos benefícios
previdenciários assegurados pela legislação (PIRES, 2002, p. 2).

Como se pode constatar, seja em termos econômicos, seja em termos políticos, a


globalização aparece como um processo que tanto pode ser problematizado como solução
para o problema da desigualdade quanto pode ser apresentado como agravante. Por sua
atualidade e por sua forte presença no mundo, a globalização suscita posicionamentos na
ordem ideológica, e não poderia ser diferente.

2.4.2 Um Pouco do Brasil Atual


Falar do presente para o presente é sempre um desafio, até porque a própria história
é pensada a partir do homem na perspectiva do tempo. Quando se fala do presente, se
fala do agora, e é desta perspectiva que vamos examinar o Brasil do ponto de vista dos
recursos empregados em políticas de desenvolvimento.

As imagens a seguir, buscadas junto ao sítio do Banco Nacional de Desenvolvimento


Econômico e Social ― BNDES (2014?), relacionam os investimentos realizados por esse
órgão de fomento com a variação do PIB territorial. Ou seja, são mapas que mostram
a evolução do quociente entre a participação da região nos desembolsos do BNDES
(2014?) à vista da participação do PIB das diferentes regiões do país. Observando os
mapas, é preciso notar que os valores acima de 1 indicam que a proporção de recursos
do BNDES investida naquela região foi maior que a proporção da participação da região
na formação do PIB nacional.
78 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

Figura 2.9 – Mapas de 2007, 2010 e 2013 que relacionam investimentos


do BNDS com a variação do PIB territorial.

1,00

0,59

0,94

1,08
Indice PIB - 2007

Até 0,90

0,91 - 1,00 1,11

1,01 - 1,00

Acima de 1,11

1,31

0,76

0,73

1,05
Indice PIB - 2010

Até 0,90

0,91 - 1,00 1,08

1,01 - 1,00

Acima de 1,11

1,42

0,98

1,26

0,82
Indice PIB - 2013

Até 0,90

0,91 - 1,00 1,36

1,01 - 1,00

Acima de 1,11

Fonte: BNDES (2019).


A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 79

Segundo o BNDES (2014?), os mapas traduzem empenho desse órgão de fomento


na promoção o no apoio a investimentos aplicados nas regiões menos favorecidas do
Brasil. A Amazônia, por exemplo, recebeu recursos crescentes e acima de sua contribuição
ao PIB. O Centro-Oeste passou a contar com recursos acima de sua participação na
produção nacional. O Nordeste, por sua vez, já estaria conseguindo apresentar projetos
em valor suficiente para equiparar as aplicações do BNDES na mesma proporção da
participação dessa região no PIB do país.

Por fim, em termos de seu desempenho recente, e segundo o Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística ― IBGE (2018), a economia brasileira sofreu uma forte recessão
que se sucedeu a ciclo de crescimento considerável. A figura 2.7 apresenta as taxas de
crescimento entre os anos de 2003 até 2017.

Figura 2.10 – Taxa de crescimento do PIB de 2003 a 2017.

Gráfico 1 - Taxa de crescimento do PIB - 2003 a 2017

9,0%
7,5%
7,0% 5,8% 6,1%
5,1%
5,0% 4,0% 4,0%
3,2% 3,0%
3,0% 1,9%
1,1% 1,0%
1,0% 0,5%

-1,0% -0,1%

-3,0%
-3,5% -3,5%
-5,0%
2004

2008

2009
2007
2005
2003

2010

2014
2006

2016
2012

2017
2013

2015
2011

Fonte: IBGE (2018, p. 19).

De acordo com a figura 2.7, conforme o IBGE (2018, p. 19), são identificáveis
três períodos distintos: entre 2003 e 2008, crescimento bastante satisfatório com taxa
média de 4,2% ao ano; entre 2009 e 2014, aumento do PIB, porém com desaceleração do
ritmo, exceto 2010, marcado pela recuperação pós-recessão de 2009; e entre 2015 e 2016,
acentuada recessão, com perda acumulada superior a 7% para o PIB e a 8% para o PIB
per capita. Por fim, 2017, que marca o início da recuperação.
80 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

Resta muito a ser feito. Em termos de desigualdade, as diferenças sociais são


gritantes em nosso país. Todavia, ao menos do ponto de vista econômico, desde 2017
é possível prever com uma recuperação econômica e, a partir dela, sonhar, quem sabe,
com investimentos que possam, de algum modo, superar o distanciamento social que a
desigualdade impõe em termos econômicos e sociais.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 81

2.5 Algumas Considerações


VÍDEO

Encontre tempo para assistir o


documentário “A Globalização e a
mudança da estrutura das
sociedades”. Clique aqui para
saber mais: http://gg.gg/fyq6w.

Vivemos a globalização. Percebemos seus efeitos em termos de nossa própria


sensibilidade, quando o novo nos surpreende a cada dia, virtualmente. Sentimos seus
reflexos, em termos da intensidade com que esse processo nos impõe novas leituras
do mundo. Benoist (2007) afirma mesmo que o que assistimos hoje é o simultâneo
desaparecimento dos Estados-nações em proveito das comunidades e dos continentes.
Organizações de massa, por sua vez, dão lugar às redes. O conceito de território, ― e talvez
até o princípio da territorialidade ―, se desgasta em face de uma lógica transnacional.
O velho individualismo, morada de um solitário eu, recua diante da intersubjetividade
dos grupos, nas redes sociais, no caráter flutuante das conexões que não têm centro nem
periferia, o que significa que cada ponto pode ser ele mesmo central e periférico.

Seja como for, seria perfeitamente inútil querer opor a um poder global outro
poder global, reflete Benoist (2007). A estratégia de ruptura, para ele, seria outra, que
vai do pequeno para o grande. Nessa pós-modernidade em que nos encontramos, as
relações de força não têm mais a mesma natureza. Os conflitos são assimétricos: o 11 de
setembro é um exemplo disso. E a assimetria parece favorecer as ações de base, locais,
que podem reaparecer na dimensão política do social.

Essa pequena dimensão é que confere nossa pertinência. E ela pode ser a chave
para que se possa enfrentar problemas cujo sentido e extensão não foram ainda sequer
dimensionados. Os cenários mudam com tanta rapidez que mal se encontra a resposta e
outra indagação já se formula no horizonte instável que limita a paisagem que vemos hoje.

Nosso espaço histórico mudou, tornou-se paradoxal, adquiriu instantaneidade.


As imagens do antes e do depois se sobrepõem instantaneamente, aqui e agora.

Hic et nunc.
82 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

SÍNTESE DA UNIDADE
Trata-se, primeiro, de compreender, a partir do fenômeno da globalização
e da existência de uma comunidade global, a internacionalização da economia e sua
progressiva integração comercial, financeira e tecnológica em nível global. Na sequência,
mais especificamente, vai-se analisar os impactos econômicos e sociais da globalização
no sistema internacional; a criação ou expansão de organismos internacionais para
regularização do comércio e financeiras internacionais, analisando as dificuldades
implicadas na criação de novos quanto na atuação dos já existentes; e, por fim, quanto
a projetos regionais de integração econômica e sua importância como vetor provedor de
desenvolvimento, privilegiando a análise econômica e política de suas proposições.
A Globalização e a Criação de uma Comunidade Global | UNIDADE 2 83

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, A. Educação e cultura ou morte. Revista Observatório Itaú Cultural, N. 24, (jun./
dez. 2018), pp. 59-63. São Paulo : Itaú Cultural.

ARENDT, H. La Crise de la culture. Huit exercices de pensée politique Paris: Gallimard,


1989. Disponível em: http://gg.gg/fyqa2. Acesso em: 25/01/2016.

BANCO Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Desenvolvimento regional e


territorial (2014?). Disponível em: http://gg.gg/fyqa0. Acesso em: 1 nov 2019.

BARROS, L.C.; GOMES, F.A.R.. Desigualdade e Desenvolvimento: a hipótese de Kuznets é


válida para os municípios brasileiros? Revista Análise Econômica, v. 26, n. 50, pp. 57-81
(2008). Disponível em: http://gg.gg/fyq9v. Acesso em: 31 out 2019.

BENOIST, A. Face a la mondialization. Les Amis d’Alain de Benoist, 1997. Disponível em:
http://gg.gg/fyq9t. Acesso em: 30 out 2019.

BENOIST, A. Critiques théoriques. Lausanne: Editions L’Age d’Homme, 2002.

BRITO, R. O que é Globalização? Dicas de estudo, Enem, 12 abr 2018. Disponível em:
http://gg.gg/fyq9r. Acesso em: 29 out 2019.

CAMPOS, L; CANAVEZES, S. Introdução à Globalização. Lisboa: Instituto Bento Jesus


Caraça Departamento de Formação da CGTP-IN , 2007. Disponível em: http://gg.gg/fyq9n.
Acesso em: 30 out 2019.

CHABARIBERY, D. Inovação e desigualdade no desenvolvimento da agricultura paulista.


1999. 205f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia,
Campinas, SP. Disponível em: http://gg.gg/fyq9j. Acesso em: 24 jul. 2018.

DÍAZ, G.V.. Notas sobre globalización, 2008. In: Eumed.Net. Enciclopédia Virtual. Disponível
em: http://gg.gg/fyq96. Acesso em: 2 nov 2019.

ECONOMIA mundial após a globalização. Brasil Escola, s/d. Disponível em: http://gg.gg/fyq93.
Acesso em 31 out 2019.

FÉDOU, M. Le christianisme à l’heure de la mondialisation, Études. Revue de culture


contemporaine, 2002, t. 394, pp. 215-225. Disponível em: http://gg.gg/fyq8x. Acesso em:
30/10/2019.

FRANCISCO, W.C. Formação de blocos econômicos. Brasil Escola. Disponível em:


http://gg.gg/fyq8q.Acesso em: 21 nov. 2019.

FREITAS, E. “G-8”; Brasil Escola. Disponível em: http://gg.gg/fyq8f. Acesso em nov 2019.

GLOBALIZACIÓN. In: EcuRed. Enciclopédia Cubana, 2002. Disponível em: <>. Acesso em:
2 nov 2019.
84 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Maristela Bleggi Tomasini

GORENDER, J. Globalização, tecnologia e relações de trabalho. Instituto de Estudos


Avançados da Universidade de São Paulo, São Paulo , v. 11, n. 29, p. 311-361, abr 1997.
Disponível em: http://gg.gg/fyq88. Acesso em: 30 out 2019.

INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística ― IBGE. O Crescimento da Economia


Brasileira entre 2018-2023, 2018. Disponível em: http://gg.gg/fyq84. Acesso em: 1 nov 2019.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

NASSER, B. Economia regional, desigualdade regional no Brasil e o estudo dos eixos nacionais
de integração e desenvolvimento. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14 , p. 145-178,
dez. 2000. Disponível em: http://gg.gg/fyq7x. Acesso em: 31 out 2019.

ORTIZ, R. Globalização: notas sobre um debate. Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 1, p.


231-254, jan./abr. 2009. Disponível em: http://gg.gg/fyq7s. Acesso em: 30 out 2019.

ORTIZ, R.. As ciências sociais e os desafios da contemporaneidade. Entrevista, Araraquara,


fev 2016. Disponível em: http://gg.gg/fyq7o. Acesso em: 30 out 2019.

PIRES, H.F.P. Globalização, cultura e território: o Brasil no novo milênio. Espaço e


Economia. Revista brasileira de geografia econômica 11 | 2017, ano VI, n° 11. Disponível em:
http://gg.gg/fyq7i. Acesso em: 31 out 2019.

ROSSETO, M.J. Blocos Econômicos. Quero Bolsa, 8 jan. 2019. Disponível em: http://gg.gg/fyq7e.
Acesso em: 21 nov. 2019.
unidade

3
Novas Agendas e Atribuições Globais
Prezado(a) estudante.

Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram
organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo
completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e
tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos
propostos para essa disciplina.

OBJETIVO GERAL
Analisar as razões e a importância da inclusão de agendas comuns a todos os países-
membros do atual sistema internacional.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Analisar a reorganização dos organismos internacionais e a incorporação de novos
temas e atribuições para discussão e formulação de políticas.

• Analisar a importância crescente de novos temas sociais, culturais e ambientais


que ganharam protagonismo nas discussões globais.

• Analisar a legislação, ferramentas e organismos criados para formulação e


implementação desses novos temas em nível global.

QUESTÕES CONTEXTUAIS
1. Como concebemos o ser humano?

2. Por que separamos o mundo entre os iguais e os diferentes?

3. É possível rompermos a barreira da segregação?

4. Como podemos pensar a humanidade em uma dimensão global?


86 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

3.1 O Humano Racional e o Animal Sensível


Quando pensamos na organização política atual, com estruturas consolidadas e a
crescente dinâmica de relações globais que versam sobre a economia, a cultura e, inclusive,
sobre a maneira com que passamos a conceber o outro e a nós mesmos. (BARBOSA,
2010). A consciência de um mundo globalizado nos instiga a rever a maneira com que
concebemos a nossa própria história, não somente regional, mas da humanidade como
um todo e questionar os meios pelos quais chegamos onde nos encontramos é essencial
para tratarmos dos temas globais contemporâneos.

Ao longo da história humana, podemos observar um vasto conjunto de definições


referentes àquilo que visa instituir as bases fundacionais daquilo que passamos a
conceber enquanto características universais constituintes de nossa espécie. Para
além de concepções que versam sobre as características físicas e biológicas do corpo,
o entendimento do humano enquanto ser no mundo instigou (e ainda instiga) um
vasto conjunto de questionamentos: O que nos faz humano? Quais são as nossas
características fundacionais? Quais as nossas capacidades? Quais os nossos limites e
potenciais? Enfim, quem somos nós?

Em meio a esse processo, acabamos por nos deparar com uma lógica comum e
deveras predominante no movimento de estruturação das características que viriam a
nos definir. Tal processo nos remete ao movimento que instigou Aristóteles a propor uma
das primeiras e mais consolidadas definições do que viria a constituir a base fundacional
de todo ser-humano: o humano é um animal racional (ARISTÓTELES, 2012).

Sua lógica se encontra centrada em um processo de segregação ou diferenciação


como base para a construção da identidade humana. O que isso significa? Basicamente
que, para definir a característica fundacional do ser humano, Aristóteles utilizou um
processo comparativo, destacando aquilo que o humano possuía em detrimento às
demais criaturas existentes no mundo. Em outras palavras, o filósofo destacou aquilo
que ele percebia estar presente no humano e não em outras criaturas, desse modo
definindo aquilo que constituiria a própria humanidade: a racionalidade. (REALI;
ANTISERI, 2009A).
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 87

SAIBA MAIS

Segundo Aristóteles, a razão humana nos permite perceber os limites e


os potenciais intrínsecos a nossa existência. Percebendo a fragilidade de
nossa constituição, o autor infere que passaríamos a viver em grupo a fim
de garantir a persistência de nossa existência diante das adversidades do
mundo.

Devido a isso, o filósofo atribui ao humano uma segunda característica, a


de animal político. Para saber mais sobre essa concepção, acesse o site:
http://gg.gg/fyz47.

Assim, a razão, característica fundamental que definiria o humano no mundo,


decorreria de uma separação primária entre o humano e os demais seres existentes no
mundo. Daí derivaríamos toda a concepção do potencial humano enquanto interventor,
dotado da missão de segregar a natureza animal da natureza racional – entendida
enquanto natureza humana. É devido a tal separação que a atuação da racionalidade
humana acaba por promover a transformação e a organização das dinâmicas de relação
humana, assim como promove a estruturação (formal) da vida pública. Algo que se
encontra em oposição àquilo entendido enquanto dinâmica concernente a estrutura basal
da vida animal, por sua vez impulsiva, desorganizada e sensível.

Em contraponto à razão organizadora, teríamos a sensibilidade, e cedendo


a ela ou demais manifestações emotivas, estaríamos negligenciando aquilo que nos
faria humano e aproximando-nos dos impulsos, característica comum às demais
criaturas existentes no mundo. Com isso, escolheríamos entre dois universos: sermos
humanos, portanto, racionais, ou simplesmente animais, agindo por impulso e cedendo
a sensibilidade para orientar nossas ações.

É a partir da concepção aristotélica que entendemos o apreço humano ao princípio


da razão e, por consequência, a resistência (crônica) em entender a sensibilidade como
parte inerente à vida.

Com base na concepção humana atrelada à lógica de uma razão organizadora do


mundo e da própria vida, é que entendemos ser a concepção das muitas organizações
políticas advirem de um princípio estrutural orientado por justificativas (puramente)
racionais. Por consequência, entender e, igualmente, ceder ao princípio organizador da
razão seria, por assim dizer, algo digno do humano.
88 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Frente a essa lógica, a conhecida gravura de Francisco Goya retrataria aquilo que
haveria de mais humano na concepção clássica da tradição: a razão nos afastaria de
uma perigosa e imprevisível sensibilidade animal.

Figura 3.1 – O sono da razão produz monstros – Francisco Goya.

Fonte: Wikioo (2019).

Com base em uma estrutura racional, a qual é entendida como a característica


fundacional da humanidade em detrimento a uma sensibilidade animal, da qual buscamos
nos distanciar, passamos a entender as concepções modernas de Estado político advirem
(em sua grande maioria) de um movimento segregacionista. No sentido de superar ou
afastar a condição racional (humana) de uma sensibilidade (animal), entendida, por
sua vez, como uma característica por deveras perigosa e, em certo ponto, igualmente
indesejada, a história acabaria por trilhar um processo gradual em vias de transformar
o mundo em um ambiente próspero para o humano, o que exigiria, ao mesmo tempo,
o desenvolvimento de um processo de ensino capaz de promover (aos humanos) o
entendimento sua própria natureza (REALI; ANTISERI, 2009B).
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 89

Nesse sentido, entendemos o movimento promovido por alguns autores, onde


nos são apresentadas concepções de governos ideais, justificados sob o princípio da
razão organizadora e orientados a sanar as necessidades fundacionais de uma concepção
(ideal) de humanidade. É possível observar essa ideia nos pensadores contratualistas
como John Locke, Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau, por exemplo, os quais,
antes de apresentarem suas concepções políticas, buscaram apresentar as características
fundacionais da natureza humana atreladas a razão organizadora, como a liberdade e
os problemas decorrentes de se viver em um estado desprovido de uma devida orientação
que viesse restringir seu campo de ação.

VÍDEO

Para conhecer os pensadores


contratualistas, a organização
Brasil Escola desenvolveu um
vídeo explicativo, que nos auxilia
em seu entendimento. Assista em:
http://gg.gg/fyz66.

Assim, as estruturas organizacionais e toda a dinâmica atrelada a uma vida em


sociedade se encontraria calcada na lógica da segregação entre o humano (racional) e
o animal (sensível) - onde o primeiro seria valorizado enquanto algo positivo e essencial
a ser cultivado para as futuras gerações e o segundo, entendido enquanto algo pejorativo
e atrelado a ideias degradantes da própria condição humana (ideal), como a desordem, o
caos e, inclusive, a irracionalidade.

O problema decorrente de tal processo segregário está na construção


ideológica daquilo que consistiria a raiz fundacional do ser humano, negligenciando sua
animalidade, isto é, sua sensibilidade como parte constituinte e, igualmente, inerente
a sua natureza. Ao entender a animalidade como algo negativo, a humanidade acaba
por condenar a desaprovação, toda e qualquer conduta que versasse com tal dinâmica,
permitindo com que alguns, entendidos como mais humanos, viessem a condenar outros
por sua vez considerados menos humanos.
90 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

3.2 A Política dos Povos e o Processo de Segregação


A consequência da lógica segregacionista entre o humano (raciona) e o animal
(sensível) é a condenação do diferente, isto é, daquele que não conferir a mesma
concepção ideológica constituinte do humano (ideal), do humano dotado de uma conduta
considerada condizente com uma natureza racional atrelada a máxima da racionalidade,
algo divergente da sensibilidade animal que, por sua vez, corresponderia àquilo
indesejado, portanto, desqualificado e passível a condenação.

Assim a história humana se desenrolaria, valorizando alguns em detrimento a outros


e reproduzindo a máxima de George Orwell ao enfatizar que apesar de todos os animais
serem (aparentemente) iguais, alguns são mais iguais que outros (ORWELL, 2015).

VÍDEO

Para conhecer alguns dos temas


abordados pela obra A revolução
dos bichos de George Orwell,
assista o vídeo do canal Em
Diálogo, que nos apresenta uma
interessante abordagem. Assista
em: http://gg.gg/fyz6f.

VÍDEO

A banda gaúcha Engenheiros do


Hawaii canta, na música Ninguém
= Ninguém, que apesar de
anunciarmos a ideia de igualdade
enquanto algo essencial para
nos reconhecermos enquanto
humanos, na prática o que se
consolida é uma desigualdade
justificada. Será que, apesar de
possuirmos vivências, experiências, culturas e práticas tão diferentes uns
dos outros, estaria justificada a desigualdade como prática? Assista o vídeo
da música em: http://gg.gg/fyz6l.
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 91

Valorizando, estimulando e ressaltando determinadas práticas, ao mesmo tempo


em que julgando, sentenciando e condenando práticas concernentes a uma conduta
divergente, a humanidade construiria nações e justificaria suas práticas de grupo,
erguendo e destruindo governos, justificando e desqualificando condutas, ressaltando e
depreciando práticas políticas, promovendo e impedindo guerras, e muito mais, sempre
sob o véu da racionalidade e se valendo do valor atribuído à ideia de humanidade para
orientar suas ações.

Essa prática fora estudada e trabalhada como objeto de pesquisa pelo historiador
estadunidense Patrick Geary em sua obra O Mito das Nações. Nessa obra, o autor
ressalta o quanto a ideia de humanidade acaba sendo reformulada por povos distintos ao
longo da história da humanidade, sobretudo na Europa medieval, onde o conceito fora
gradualmente sendo alimentado por valores nacionalistas como patriotismo, obediência
às autoridades e superioridade étnica, constituindo aquilo que o autor ressalta ser o mito
(fundacional) das nações. (GEARY, 2005).

Conforme o autor, o princípio do nacionalismo, quando exacerbado, esconde


um grande perigo anunciado: considerar uma determinada nação dotada de qualidades
mais valorosas que aquelas possuídas por outras nações, isto é, segregar o outro por
considerá-lo menos valoroso que seus iguais. Essa valoração exacerbada, conforme
Geary, mascara práticas perniciosas e admite certas condutas por deveras monstruosas
como a segregação, a esterilização (tanto física quando ideológica), chegando ao ato final
de considerar o outro como alguém inapto ao convívio humano, com isso, justificando a
morte e, inclusive, o genocídio. (GEARY, 2005).
92 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Figura 3.2 – Holocausto judeu: uma vala comum no


campo de extermínio de Bergen-Belsen.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

A segregação (considerada como mito da fundação das nações), acaba por se


desdobrar enquanto prática, tendo por definição o termo ódio como política. Título do
livro organizado pela cientista social Esther Solano Gallego, a obra se debruça no perigo
da radicalização da polarização política, em acordo com aquilo apontado por Geary
obra: considerar os seus mais valorosos que os outros, assim justificando uma lógica
perniciosa que flertaria, em certa medida, com a insurgência de uma política radical em
defesa de ideologias que se encontrariam enraizadas em ideias arcaicas (e perigosas) de
uma natureza humana ideal e que acaba por se alimentar de um ódio contra o diferente.
(GALLEGO, 2018).

A ideia do ódio como política se estabelece, em acordo com os autores da coletânea,


sob a mesma máxima de segregação que estabelece a própria definição do conceito de
humano, isto é, no ato de ressaltar aquilo possuído enquanto característica fundacional do
humano em detrimento ao não-humano. Quando tornado valor, passaríamos a segregar
e condenar condutas de nossos pares quando não condizentes àquilo considerado e
consolidado pelo grupo como humano de fato. (GALLEGO, 2018).
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 93

Tal prática pode ser observada em muitos momentos da história, sendo a


Segunda Guerra Mundial, ocorrida ao longo das décadas de 1930 e 1940, um dos exemplos
mais radicais da política do ódio alcançando o limite da crueldade. Justificado por uma
ideia de superioridade biológica, intelectual e, inclusive, moral, grupos representantes
dos países que compunham as forças do Eixo (liderados por Alemanha, Itália e Japão)
promoveram um grande movimento de limpeza étnica, condenando muitos grupos
(étnicos) a morte, pela justificativa básica desses virem a não possuírem, em si, as
características básicas necessárias para propiciar o desenvolvimento positivo da espécie
humana, em vias de atingir um futuro ideal e, por que não dizer, exemplar.

VÍDEO

Para conhecer a história da


eugenia e qual o seu papel na
construção do ideal de
superioridade de determinados
povos, assista o documentário
Homo Sapiens 1900, do cineasta
sueco Peter Cohen. Disponível em:
http://gg.gg/fyz74.

A crueldade intrínseca à prática do genocídio vivida pela humanidade ao longo


do período da Segunda Guerra Mundial trouxe à tona a necessidade de se pensar na
humanidade enquanto um todo, isto é, em um sentido universal, desconstruindo as
identidades construídas ao longo do grande desenrolar histórico vivido e que, por sua
vez, estruturou as identidades dos muitos povos (até hoje existentes). Identidades estas
que nem sempre se encontram estruturadas em princípios valorativos não-perniciosos,
segregacionistas, preconceituosos e/ou condenatórios, enfim, que não se alimentem da
política do ódio como premissa.

Refletir sobre aquilo que nos torna humano e o que desejamos enquanto
humanidade para as futuras gerações se tornou uma preocupação fundamental, não para
uma ou outra nação, mas para todos (em um sentido humanitário e universal).
94 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

A filósofa judia Hanna Arendt, no ano de 1960 acompanhou, enquanto


jornalista, a prisão, o julgamento e a condenação de Adolf Eichmann pelo tribunal
Israelense. Eichmann fora um burocrata do governo nazista alemão durante o período
da década de 1940, responsável pela logística de muitos dos campos de concentração
sustentados pelo Estado. Ao longo de seu julgamento, Arendt percebia uma contradição
diante daquilo esperado com o que de fato se manifestava no discurso de Eichmann,
resultando em um livro que ela intitulou Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a
banalidade do mal (2013).

No julgamento de Adolf Eichmann, Hannah Arendt percebera, conforme sua obra,


que o Eichmann não representava a face desnudada do nazismo pernicioso e monstruoso
que, em tese, teria em si muito bem justificado o extermínio de povos divergentes as suas
concepções de raça/etnia superior. Para ela, suas crenças e valores não se distinguiam,
em sua grande maioria, dos (muitos) cidadãos que almejavam sucesso em meio às
muitas organizações políticas contemporâneas a eles, na década de 1960. Em outras
palavras, segunda a filósofa, Eichmann representava muito menos os ideais nazistas de
segregação étnica e extermínio, se aproximando, muito mais, de uma imagem simplória
de um nacionalista superficial, reprodutor de valores rasos e incapaz de argumentar,
criticamente, acerca de questões políticas, sociais, culturais e, inclusive, acerca de seu
papel enquanto burocrata do Estado. Enfim, Eichmann representava algo muito mais
perigoso que a crueza da ideologia nazista: ele representava a naturalização dessas
práticas na dinâmica da vida cotidiana. (ARENDT, 2013).

Figura 3.3 – Julgamento de Adolf Eichmann.

Fonte: Domínio Público (2019).


Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 95

VÍDEO

Para conhecer um pouco mais sobre


o julgamento de Eichmann e a leitura
desse evento, a partir da perspectiva
de Hannah Arendt, o vídeo produzido
pelo canal Se Liga Nessa História
traz um resumo muito interessante:
http://gg.gg/fyz7h.

A banalidade apresentada pela figura de Eichmann levou Arendt a teorizar


sobre a periculosidade do cultivo de valores segregacionistas em meio a uma estrutura
nacionalista perniciosa. Para isso, ela evoca a filosofia de Santo Agostinho para
afirmar que o mal é facilmente cultivado entre os povos, pois ele engendra a dinâmica
do individualismo nacionalista, isto é, ele passa a fazer parte da práxis cotidiana na
medida em que o sujeito se percebe membro de um grupo dotado de valores cultivados
e difundidos enquanto superiores, impossibilitando com que esse exercite a autocrítica e
se pense enquanto vítima da violência promulgada. (ARENDT, 2013).

SAIBA MAIS

A concepção de bem e mal de Hannah Arendt advém de seus estudos acerca


da obra de Santo Agostinho, filósofo medievalista que teorizava acerca a
superficialidade do mal e, em consequência, a profundidade do bem. Para
conhecer mais sobre este pensador, acesse o link: http://gg.gg/fyz7m.

GLOSSÁRIO

Práxis: palavra grega comumente usada para designar uma relação dialética
entre o homem e a natureza, na qual o homem, ao transformar a natureza
com seu trabalho, transforma a si mesmo.
96 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Nesse sentido, para Arendt, o mal acaba por ser concebido enquanto algo
superficial, fácil, chulo, rasteiro, decorrente de um juízo simplório engendrado na máxima
segregacionista da valorização de si e na depreciação alheia, enfim, o mal se estrutura
na banalidade de sua dinâmica. Em contraponto, Arendt escreve que o bem, para se
fazer manifesto, exige tempo e dedicação, precisa ser pensado, refletido, organizado e
questionado constantemente. (ARENDT, 2013).

Pensando em exemplos práticos, o mal é superficial pois ele é rápido, ele consiste,
em muito, na reação que temos quando algo desconcertante nos afeta e pensamos: “eu
vou espancar ele/ela se aparecer aqui de novo”; “se eu ver na minha frente eu mato”;
“desejo que aconteça algo bem ruim pra ele/ela”. Nesse sentido é que o mal acaba por
ser superficial, pois ele se enraíza no ódio e em soluções rápidas, como: “para solucionar
a pobreza basta matar os pobres”. O problema de se dar voz ao mal é que, segundo a
filósofa, ele não é profundo, isto é, não leva em consideração a razão argumentativa e
nos impede de discutir a própria monstruosidade do que, implicitamente, estaríamos
admitindo em dar voz a argumentos perniciosos.

Em oposição, o bem decorreria de uma simples questão: por que não devo fazer
o mal? Como um momento de reflexão frente ao impulso da maldade, o bem colocaria
em questão as consequências do ato da maldade, nos levando a admitirmos o fato de que
podemos, em dado momento, sermos vítimas da maldade alheia e considerarmos o outro
como uma extensão de nós mesmos. (DUARTE, 2009).

Diante disso, pensar o bem, enquanto política pós-Segunda Guerra Mundial,


seria algo essencial para que a política do ódio não se propagasse e trouxesse, para a
humanidade, a banalidade do mal como argumento primeiro para justificar o nacionalismo
pernicioso.
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 97

3.3 Direitos Humanos e o Princípio de uma


Humanidade Indistinta
O término da Segunda Grande Guerra deixou a humanidade em uma
indigesta situação, que versava com a maneira com que as nações vinham lidando com
a sua soberania e a permissividade (perigosa) de seus atos de guerra.

Em um primeiro momento houve a descoberta dos campos de concentração e


extermínio de grupos étnicos indesejados, de responsabilidade nazista, sendo eles, em
sua grande maioria constituído por judeus. A logística que envolvia o processo de prisão,
locomoção, manutenção da mão de obra e extermínio daqueles que não mais serviam
ao trabalho, desvelou, para a humanidade, a face de uma crueldade tamanha, a qual,
conforme anunciado por Arendt – diante do julgamento de Eichmann – a desumanização
se caracterizaria como parte da dinâmica comum ao ambiente laboral, isto é, o fato
humano fora banalizada de tal maneira que todo o processo que envolvia a morte, passara
a ser convencional a dinâmica laboral, tal como emitir um formulário ou executar um
protocolo qualquer. (ARENDT, 2013).

Já o segundo momento, em decorrência ao término da guerra, se caracterizou pelas


bombas de destruição em massa lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima
(06 de Agosto de 1945) e Nagazaki (09 de Agosto de 1945), a fim de forçar a rendição
(total) do Japão as forças aliadas. Devido à resistência do império japonês em assinar
a carta de rendição às forças aliadas, os Estados Unidos da América, no ano de 1945,
lançou sobre as cidades japonesas duas bombas atômicas com um poder de destruição
em massa, atingindo um grande número de pessoas não-envolvidos diretamente no
conflito armado: crianças, idosos, trabalhadores, pais, mães, estudantes e muito mais
foram vítimas de um confronto político internacional. A destruição proporcionada pelas
duas bombas lançadas, até os dias atuais, é considerada tamanha que, para nós, seria
imensurável quantificar o seu impacto à condição humana.
98 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Figura 3.4 – Bomba de Nagazaki em 9 de agosto de 1945.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

Os dois grandes momentos do término dos conflitos trouxeram ao mundo


problemas que exigiam mais do que reflexões e sim soluções diante das possíveis
consequências decorrentes de tais ações. A emergência refletia sobre as consequências,
caso não houvesse o estabelecimento de um limite para atos que, simplesmente, pautavam
a manutenção da soberania das nações a todo custo, envolvendo, inclusive a população
civil e transpondo o respeito a vida humana.

Tais questões já vinham sendo discutidas desde 1941, quando, em ocasião,


Londres sediava nove governos exilados por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Nesse
mesmo ano, por meio da Declaração do Palácio de St. James, diversos governos traziam
a pauta da necessidade de se promover a manutenção da paz e esboçavam o futuro em
um cenário pós-guerra. No dia 14 agosto de 1941 foi publicada a Carta do Atlântico, na
qual se encontravam algumas exigências que viabilizariam o estabelecimento de uma
organização mundial.

No ano seguinte, em 1942, representantes de 26 países que lutavam contra as


forças do eixo decidiram apoiar a Declaração das Nações Unidas, fundando o primeiro
documento composto por um vasto conjunto de países (unidos) que se posicionavam
contra aos atos (monstruosos) decorrentes da guerra. Assim o documento seguiu sendo
aprimorado e angariando o apoio de um maior número de países até junho de 1945, onde,
em ocasião da Conferência sobre Organização Internacional, na cidade São Francisco
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 99

(USA), representantes de 50 países assinaram a Carta das Nações Unidas, dentre estes
o Brasil, selando a fundação (oficial) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Contando com a assinatura da Polônia, em agosto de 1945, a ONU teve o início de suas
atividades marcada em 24 de outubro deste mesmo ano, tendo, como registro, 51 países
fundadores, que marcavam a aurora de um novo modelo de se pensar a humanidade em
uma escala global.

Figura 3.5 – Carta das nações unidas.

Fonte: Nações Unidas (2019).

VÍDEO

Para conhecer sobre a história do


desenvolvimento da ONU, assim
como seu papel (ativo) na política
internacional, acesse o link: http://
gg.gg/fyz83.
100 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Tendo por origem a busca pela manutenção de princípios universais acordados


entre as mais diversas nações, o surgimento da ONU acabaria por proporcionar uma
mudança por deveras radical na dinâmica das políticas internacionais. As relações,
que antigamente eram pautadas por acordos de interesses particulares – centradas nas
ambições das nações envolvidas e que, por sua vez, relativizava valores humanitários,
assim como promovia a manutenção da segregação em respeito a soberania dos mesmos,
acabaram por sofrerem uma transformação nas suas atividades, visto que a Carta das
Nações Unidas institui uma linha condutora que viria orientar as relações, desde então,
pautando limites, assim como instituindo regramentos fundacionais para as políticas
internacionais.

A fim de promover a manutenção da paz em detrimento a soberania das nações,


a ONU buscou organizar um documento capaz de compilar aqueles que seriam os
objetivos fundamentais necessários para se pensar a vida humana com dignidade,
independente das suas características distintivas, como poder aquisitivo, nacionalidade,
etnia, gêneros, sexualidade, religiosidade, crenças e valores, enfim, propôs-se pensar no
ser-humano e naquilo necessário a ser preservado para que os povos pudessem, enfim,
viver uma vida digna e respeitosa com o seu próximo. Assim, no dia 10 de dezembro
de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi concebida: um
documento elaborado por representantes de diferentes grupos identitários de todo
o planeta, pautando aquilo que viria a ser os objetivos comuns a serem alcançados e
preservados por todos os povos e nações.

Desde a sua concepção, a Declaração Universal dos Direitos Humanos sofreu


inúmeras alterações, incluindo em seu documento original, pautas emergenciais e que
transcendem as políticas particulares. Como pauta inicial à DUDH, os artigos visavam
definir a igualdade entre os povos das mais diversas nações, a partir do entendimento
daquilo que nos une enquanto humanidade. A fim de condenar atos de preconceito e
extermínio do outro, a convenção de 1948 da DUDH, seguida da convenção de 1965,
versavam acerca da repressão do genocídio e da eliminação das discriminações raciais
inerentes ao mito das nações.

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a concepção fundacional de


ser humano acabou por ser expandida, transcendendo a visão segregaria e, igualmente,
estrutural da filosofia aristotélica, nos permitindo questionar aquilo que nos torna
humano para além dos limites fronteiriços, sejam eles determinados pela estruturação de
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 101

uma política formal ou pela contextualização (informal) de nossa construção valorativa


particular. Acima disso, a DUDH preza por conceber a humanidade como um conjunto de
sujeitos que, por princípio fundamental, almejam simplesmente viver uma vida tranquila
e saudável, sendo atendida suas necessidades fundamentais de saneamento, alimentação,
saúde, segurança, trabalho, entretenimento e estudo. O que aparentemente pode nos soar
um tanto superficial, a raiz da concepção humana da DUDH pressupõe que para viver
bem, é necessário garantir o mínimo necessário para todos, de maneira indistinta.

Conforme a Organização das Nações Unidas prevê, algumas das características


essenciais a serem preservadas pela DUDH são:

1. A garantia da dignidade e o valor de cada pessoa: Isso significa que cada


indivíduo, independente de seu poder aquisitivo, de seu status social, de suas
crenças, de seus valores, de sua titulação, enfim, independentemente de qualquer
elemento que os diferencie, todos serão vistos como dotados de um mesmo valor
pela DUDH, sendo dignos de um tratamento digno e indiferenciado;

2. A universalidade dos direitos humanos: Consiste, basicamente, na garantia de


abrangência da DUDH, a qual, por sua vez, abrange toda humanidade, de maneira
indistinta;

3. A inalienabilidade dos direitos humanos: Aponta que ninguém pode ser privado
de ser amparado pela DUDH, podendo ser limitada a sua abrangência apenas em
situações específicas, como as judiciais, por exemplo;

4. A indivisibilidade dos direitos humanos: Por fim, essa característica aponta que a
DUDH não outorga um maior valor a determinados conjuntos de normativas em
detrimento a outros, todas a pautas atreladas a DUDH possuem um mesmo valor.

SAIBA MAIS

A ONU atua em vários países, promovendo ações humanitárias e, inclusive,


buscando atuar nas agendas governamentais, intervir em conflitos e por em
prática aquilo trabalhado na DUDH. Para conhecer mais sobre a ONU e sua
atuação no Brasil, acesse o link: http://gg.gg/fyz8n.
102 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Figura 3.6 – Símbolo da Organização das Nações Unidas.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

Diante daquilo defendido pela DUDH, a prática de atuação da ONU, atualmente,


tem sido em prol da manutenção da crença de que toda a vida possui uma igual
importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa.

Ainda que tenhamos um vasto conjunto de práticas governamentais que aflijam


e, em dada medida, simplesmente descartam a DUDH, a ONU, enquanto instituição
internacional, atenta em manter sua agenda de intervenção em prol da manutenção da
dignidade humana e do valor a vida, de maneira indistinta.

Figura 3.7 – Crianças lendo a DUDH – Arquivo da ONU.

Fonte: ONU (2019).

Próximo à máxima defendida pela ONU em sua DUDH, a teoria da posição


original, apresentada pelo filósofo contemporâneo John Rawls, nos lança uma luz frente
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 103

àquilo que corresponderia a uma utopia da justiça universal. Segundo a perspectiva


do autor, para concebermos um princípio universal para a justiça, seria necessário nos
despirmos de toda a construção social, a qual nos distingue, em um sentido valorativo.
(RAWLS, 2000).

Em outras palavras, para Rawls teríamos de ignorar aquilo que nos distingue
e nos atentar naquilo que nos une, invertendo o processo segregacionista que a tanto
marcou a história humana, tanto quanto o desenvolvimento das nações. Basicamente,
reconhecendo-nos enquanto humanos que almejam uma vida digna, passaríamos a
conceber, de maneira justa, uma sociedade que viesse a respeitar a todos de maneira
indiscriminada. (RAWLS, 2000).

VÍDEO

Para conhecer um pouco sobre a


filosofia de John Rawls, o canal
Filosofia Total resume, de maneira
clara, os principais pontos de sua
teoria. Confira em: http://gg.gg/fyz91.

Concebendo os indivíduos de maneira indiscriminada, os desafios de atuação


acabam por se desdobrar, visto que ainda são visíveis em um vasto conjunto de países
as questões de desigualdade econômica, inacessibilidade à educação de qualidade,
instabilidade na garantia da segurança e precariedade do acesso a saúde e a moradias
dignas e estruturadas. Questões que versam acerca de políticas preconceituosas que
inibem, para não dizer que ameaçam, a vida e a livre manifestação do direito de
todo cidadão em expressar sua sexualidade, suas crenças religiosas e seus valores
culturais. Políticas que teimam em distinguir pessoas por categorias fenotípicas, assim
como buscam desqualificar pessoas por possuírem uma origem, tanto cultural quanto
fisiológica, distinta daqueles que teimam em segregar. Tudo isso e mais constituem parte
dos desafios os quais a ONU visa atender desde sua constituição institucional na década
de 1940.

Frente a isso, cabe ressaltar os artigos constituintes da DUDH, em especial o


primeiro parágrafo do segundo artigo, que diz:
104 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades


estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer
outra condição. (ONU, 2009).

Tendo como premissa a indistinção e a busca por uma identidade global a qual
viesse respeitar a dignidade humana, os 30 artigos que compõem a DUDH versam sobre
as regras fundamentais e mínimas as quais os países que constituem a ONU, em tese,
estariam em acordo, sendo destes a responsabilidade de promover sua manutenção,
assim como sua promoção.

Transpondo valores cultivados por um vasto conjunto de países, preconceitos


tornados parte da práxis cotidiana, assim como a soberania das nações, a DUDH
instituiria premissas universais, as quais, em dada medida, qualificariam muitos
povos enquanto humanitários. Determinando um grande número de práticas, as quais
deveriam ser respeitadas e garantidas, em uma escala global, os países membros da
ONU passariam a ter de incorporar em suas agendas a manutenção e preservação da
DUDH, enquanto premissa básica de suas políticas nacionais – o que viria constituir um
desafio para muitos.

VÍDEO

Para conhecer mais sobre a DUDH


e os desafios que a ONU e cada
cidadão tem em tornar o mundo
um lugar melhor para se viver, em
um sentido humanitário, o vídeo
produzido pelo Instituto Coca-
Cola, em parceria com a ONU
Mulheres e o IBAM apontam
interessantes caminhos para a
reflexão: http://gg.gg/fyz9a.

Nos anos que se seguiram, as convenções da ONU atentaram em atingir grupos


minoritários entendidos como desamparados ou negligenciados socialmente, ao longo da
história. Assim, gradualmente a ONU passou a expandir a DUDH, atendendo direitos
voltados às crianças – como a busca por garantir o acesso à educação fundamental e a
não exploração do trabalho infantil; aos portadores de necessidades especiais – como o
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 105

direito a acessibilidade; aos povos indígenas – como o respeito à pluralidade cultural e


aos grupos LGBTQ+ – como o direito de preservação da livre expressão sexual.

3.3.1 Diversidade de Gênero e Sexual


No ano de 1979, cláusulas específicas versando sobre a discriminação do gênero
feminino passaram a compor o documento da DUDH, buscando atender as pautas dos
movimento feministas e das garantias às liberdades da mulher, entendidas como agentes
de suas próprias decisões, sendo previsto, inclusive, o reconhecimento e o respeito a sua
independência, em um sentido universal.

A chamada Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação


contra as mulheres (CEDAW) foi ratificada por 188 países e entrou em vigor em 1981,
contemplando direitos que devem ser respeitados, protegidos, garantidos e promovidos
pelo Estado.

Embora a temática ainda apresente diversas problemáticas na atualidade, não


pode-se desconsiderar os avanços na área a partir das últimas décadas. Como exemplo,
é possível mencionar o fato de o Prêmio Nobel da Paz de 2011 ter sido designado a um
trio de mulheres: Leymah Gbowee, que organizou o movimento de paz que deu fim à
Segunda Guerra Civil na Libéria; Ellen Johnson Sirleaf, primeira mulher a ser eleita
democraticamente em uma nação africana, também na Libéria; e Tawakkul Karman,
ativista dos direitos humanos e líder do grupo Mulheres Jornalistas Sem Correntes no
Iêmen.

Da mesma forma que as lutas pelos direitos da mulher, os movimentos que


promovem a diversidade sexual e de gênero foram, nas últimas décadas, ganhando
força e obtendo diversas conquistas no âmbito da proteção dos Direitos Humanos.
Baseados na DUDH, os Princípios de Yogyakarta são o documento internacional mais
importante sobre essa temática, tendo sido elaborados em 2006 - não por Estados, mas
por especialistas em direito internacional dos direitos humanos, de orientação sexual e
de identidade de gênero.

Conforme o documento (2006, p. 7):

O sistema internacional deu passos significativos na direção da


igualdade entre os gêneros e na proteção contra a violência na sociedade,
comunidade e família. Além disso, importantes mecanismos de direitos
106 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

humanos das Nações Unidas têm afirmado a obrigação dos Estados


de assegurar a todas as pessoas proteção eficaz contra discriminação
por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero. Entretanto,
a resposta internacional às violações de direitos humanos com base
na orientação sexual e identidade de gênero tem sido fragmentada e
inconsistente.

A partir dessa perspectiva, são apresentados preceitos destinados a aplicar os


padrões da lei internacional para combater o abuso de direitos humanos de lésbicas,
gays, bissexuais, transgêneros e pessoas intersexuais. Os Princípios de Yogyakarta foram
lançados como uma carta global no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas
em 2007, direcionando suas recomendações aos governos, instituições governamentais
regionais, sociedade civil e à própria ONU.

3.3.2 Diversidade Religiosa


A Declaração Universal dos Direitos Humanos trata especificamente da
Diversidade Religiosa dentro da perspectiva dos direitos humanos. O seu artigo 18 afirma
que todos possuem o direito de ter nossas próprias crenças, de não as ter ou mesmo de
mudar de religião ao longo da vida.

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e


religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença
e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em
público ou em particular. (ONU, 2009).

Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1981, a Declaração


para Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com Base em
Religião ou Convicção, estabeleceu, em seu artigo 2º, que

§1. Ninguém será objeto de discriminação por motivos de religião ou


convicções por parte de nenhum Estado, instituição, grupo de pessoas
ou particulares.

§2. Aos efeitos da presente declaração, entende-se por “ intolerância e


discriminação baseadas na religião ou nas convicções” toda a distinção,
exclusão, restrição ou preferência fundada na religião ou nas convicções
e cujo fim ou efeito seja a abolição ou o fim do reconhecimento, o
gozo e o exercício em igualdade dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais. (ONU, 1981).

Em 2000, a partir de chamado das Nações Unidas, centenas de representantes


das diversas religiões do planeta – católicos, evangélicos, budistas, judeus, muçulmanos,
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 107

hinduístas, entre outros - reuniram-se no Encontro da Cúpula Mundial de Líderes


Religiosos e Espirituais pela Paz Mundial, em Nova York. Afirmando seu compromisso
com a Paz Global, estes líderes assinaram uma declaração conjunta que, entre outras
considerações, afirmava que as religiões, ainda que contribuam para a paz no mundo,
também têm sido usadas para criar divisões e alimentar hostilidades.

A partir desse mesmo entendimento, Martini (1995, p. 35), afirma que o


dogmatismo religioso consiste em fazer com que “indivíduos e grupos se projetem
numa ilusória infinitude ao pretenderem realizar em si próprios a totalidade” a partir da
percepção que existe apenas uma única verdade – e que essa verdade pertence ao meu
grupo, jamais ao grupo do Outro. É por isso que a diversidade religiosa se estrutura
fundamentalmente no âmbito dos Direitos Humanos, que devem reconhecer os aspectos
de promoção da dignidade humana, defesa e valorização da vida presentes em todas as
religiões – e estas, por sua vez, devem ser capazes de considerar as possibilidades de
convivência com o diferente, independente das contradições que possam ser encontradas
entre as diversas crenças e valores.

3.3.3 A Questão das Migrações


Em 2018, mais de 3 mil pessoas “morreram ou desapareceram em rotas migratórias
em todo o mundo, a maioria no mar Mediterrâneo”, e “a migração está se tornando cada
vez mais difícil, especialmente no que se refere à Europa” (ONU, 2018). Muitos, fugindo
do seu país por conta da perseguição, guerra ou violência, tem negado o seu direito de
recomeçar as suas vidas em outro lugar. Conforme Marinucci, o imigrante é visto muitas
vezes a partir de estereótipos fundamentados na intolerância – inclusive reforçados por
discursos oficiais de órgãos estatais.

Determinadas ações de “contenção” da imigração são realizadas em


nome da “segurança nacional”, da “defesa da identidade cultural” ou
da “superação da crise econômica”; essas práticas, volens nolens,
acabam alimentando estereótipos e tipificações que dificultam
ou impedem o delicado processo integrativo dos estrangeiros.
(MARINUCCI, 2013, p. 1).

Da mesma forma, tais estereótipos são reforçados por discriminações que também
incluem o racismo (no caso de haitianos ou africanos, por exemplo) ou a intolerância
religiosa (especialmente no caso dos muçulmanos), como aponta Farah (2017, p. 14).
108 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Entretanto, conforme aponta a Declaração Universal dos Direitos Humanos


(ONU, 2009):

Artigo XIII:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro


das fronteiras de cada Estado.
2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o
próprio, e a este regressar.
Artigo XIV:
1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de
gozar asilo em outros países. [...]

Artigo XV:
1.Todo homem tem direito a uma nacionalidade.

No ano em que a DUDH completou 70 anos, foi assinado por 164 países o
Pacto Global pela Migração, que trata-se de “um documento abrangente para melhor
gerenciar a migração internacional, enfrentar seus desafios e fortalecer os direitos dos
migrantes, contribuindo para o desenvolvimento sustentável” (ONU, 2018). O acordo
intergovernamental busca, dessa forma, combater a grave crise migratória atual à luz
dos Direitos Humanos acordados há tanto pela comunidade internacional.

3.3.4 A Questão Ambiental


No século XXI, além do grande conjunto de questões problemáticas inerentes ao
tratamento da pessoa humana, uma pauta tem se destacado dentre as demais: a maneira
como temos lidado com o meio ambiente.

Enquanto humanidade, estamos em um movimento contínuo de degradação de


nossas reservas naturais e políticas tradicionais teimam em manter a sua curva do
crescimento econômico, centrada na exploração desenfreada do meio ambiente. Quais
as consequências da poluição e da degradação das reservas naturais para a humanidade?
Essa questão tem sido abordada pela ONU desde o século XX e ainda encontra entraves
para que soluções viáveis se apresentem e atuem, de maneira efetiva, nos muitos países
até então existentes.
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 109

VÍDEO

No dia 28 de maio de 2019, Greta


Thunberg, uma jovem sueca, ativista
de apenas 16 anos discursou sobre
a crise climática global, durante a
realização da terceira edição da
Austrian World Summit. Assista em:
http://gg.gg/fyz9g.

Dentre as muitas agendas de atuação da ONU, a degradação do meio ambiente,


assim como a manutenção das reservas naturais, constitui pauta permanente, tendo
focos de atuação das forças da ONU em todo o território global. Entendendo o planeta
como a condição primária (e essencial) para a manutenção e a perpetuação da existência
humana, é de caráter emergencial questionar a atuação das muitas nações frente
à degradação ambiental, visto o fato de grande parte do processo de poluição global
advir de práticas por deveras criminosas de países que favorizam o lucro e o crescimento
econômico em detrimento da manutenção de um ambiente saudável para a já mencionada
manutenção e preservação da existência humana.

3.3.5 Considerações Finais


Quando expandimos o diálogo para a manutenção do ambiente favorável para o
convívio saudável entre os indivíduos, o preconceito étnico, sexual, de gênero, cultural e
econômico ainda se perpetua como parte de uma política perniciosa, manifestada tanto
de maneira diretiva – cultivada por agentes políticos de países membros constituintes
da ONU e, portanto, (teóricos) defensores da DUDH –, quanto de maneira indireta – por
sua vez, cultivada enquanto parte de políticas locais que se expressam nos costumes, os
quais se perpetuam, independente das políticas oficiais.
110 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Figura 3.8 – Nos Estados Unidos, homem usa bebedouro


“apenas para pessoas de cor” (1939).

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

Enquanto tendência sempre permanente, os governos flertam, quase que


constantemente, com ideias segregacionistas, buscando se isolar e estruturar políticas
nacionalistas perigosas, centradas na acusação, daqueles que se encontram fora de suas
fronteiras, de ameaçarem seus valores e tradições.

Diante da situação em que vivemos e dos muitos desafios que temos a enfrentar,
enquanto comunidade global, ainda persiste o questionamento: até quando vamos
estruturar as nossas relações em uma política do ódio, onde o outro sempre se
apresenta como uma ameaça?
Novas Agendas e Atribuições Globais | UNIDADE 3 111

SÍNTESE DA UNIDADE
A presente unidade buscou abordar os problemas relativos à política das relações
humanas, traçando um movimento histórico-filosófico para introduzir os desafios que a
humanidade tem a sua frente no século XXI. Para tanto buscamos apresentar os seguintes
temas para guiar nossas reflexões:

• Como a política da segregação se estrutura a partir do próprio entendimento do


humano em detrimento ao animal;

• Como a política do ódio estruturou a constituição das muitas nações, até os dias
atuais;

• Como a política segregacionista promoveu o distanciamento de aspectos


fundamentais inerentes ao humano;

• Como o pensar é uma característica inerente para se fazer o bem;

• Como a ONU e os Direitos Humanos nos possibilitam pensar no outro de maneira


indiscriminada;

• Como os problemas sociais ainda se apresentam vigentes, ainda que tenhamos


caminhos para transformar a vida em algo digno para todos.
112 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo:


Companhia das Letras, 2013.

ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edipro, 2012.

BARBOSA, A.F. O mundo globalizado: política, sociedade e economia. 2010.

DUARTE, A.M. Hannah Arendt. In. PECORARO, R. Os filósofos – clássicos da filosofia.


Petrópolis: Vozes, 2009.

FARAH, P.D. Combates à xenofobia, ao racismo e à intolerância. Revista USP, (114), 11-30, 2017.

GALLEGO, S.E. (Org.). O ódio como política. São Paulo: Boitempo, 2018.

GEARY, P. O mito das nações. São Paulo: Conrad, 2005.

MARINUCCI, R. (2013). A “globalização da indiferença” e a criminalização das


migrações. Centro Scalabriano de Estudos Migratórios. Disponível em: < http://gg.gg/gadoa>
acesso em 14 jan. 2020.

ONU. Declaração para eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação


com base em religião ou convicção. Assembleia Geral das Nações Unidas, Resolução 36/55,
25 nov. 1981.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. UNIC/Rio/005, Janeiro 2009. (DPI/876).

ORWELL, G. A revolução dos bichos. Paraná: UENP, 2015.

PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Princípios de Yogyakarta. Rio de Janeiro: CLAM, 2006.


Disponível em: http://gg.gg/gadow Acesso em 14 01 2020.

RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

REALI, G; ANTISERI, D. História da filosofia 01 – filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2009A.

REALI, G; ANTISERI, D. História da filosofia 04 – de Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2009B.
unidade

4
As Intervenções Humanitárias e a
Relativização da Soberania Nacional
Prezado(a) estudante.

Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram
organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo
completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e
tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos
propostos para essa disciplina.

OBJETIVO GERAL
Analisar a instrumentalização de agendas globais para legitimar maior ingerência dos
organismos internacionais.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Analisar a relativização da soberania dos Estados Nacionais em face a compromissos
internacionais;
• Analisar o impacto das ferramentas de punição ou sanções internacionais aplicadas
a países que negam ao cumprimento de tais compromissos;
• Analisar a capacidade de resposta dos Estados frente a catástrofes humanitárias:
migração voluntária e involuntária, desastres ambientais, perseguição sócio-
política e étnico-religiosa.
• Analisar a instrumentalização dessas agendas globais como ferramentas de legitimar
o discurso de grandes potências econômicas e militares para maior ingerência em
assuntos internos de outros Estados soberanos.

QUESTÕES CONTEXTUAIS
1. Como as políticas de segregação dificultam a construção de uma identidade global?
2. Como a concepção de uma identidade global impulsionou o desenvolvimento de
uma justiça internacional?
3. Qual o poder de atuação da Corte Internacional de Justiça?
4. Qual a agenda da ONU para o novo milênio?

5. Qual a importância da adesão a ODS e as questões que circundam suas metas?


114 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

4.1 Rompendo com o Mito das Nações e


a Construção de uma Identidade Global
Muitos países ainda hoje guardam, em suas respectivas e longas histórias,
marcas por deveras profundas. Narrativas de trabalho, conquistas e poder que nem
sempre caminham em consonância com princípios éticos fundamentais que valorizam
a dignidade humana e a manutenção de um bem ao próximo, tal qual aquele almejado
para si.

No processo de construção de uma identidade que viesse representar as


singularidades de seus respectivos povos, muitos países se valeram da valorização
exagerada de uma raiz identitária pura e imaculada, que trouxesse uma unidade
nacional, e a segregação, isto é, a diferenciação entre os iguais e os diferentes acabaram
por sustentar essa dinâmica processual (GEARY, 2005).

Reconhecer que o processo de segregação alimentou a história das muitas


nações, sobretudo o mito da pureza étnica – sustentado por muitos grupos distintos até
a atualidade, em todo território global –, promove o despertar de reflexões profundas,
as quais atentam em resgatar alguns atos por deveras desconcertantes, que constituem
raiz das muitas nações ainda existentes. Reflexões que flertam com o reconhecimento
de que suas histórias são alimentadas por atos de crueldade e violência, justificadas,
em muito, pela manutenção de uma identidade mítica de nação soberana e imaculada.
(GEARY, 2005).

Longe de promover um movimento de punição às nações, que construíram suas


histórias sob os cadáveres de muitos, o resgate de tal memória nos auxilia compreender
a ética fomentada, a qual justificara, em dada medida, as políticas de segregação
e, igualmente, a edificação da soberania de muitos povos distintos. É a partir do
reconhecimento da ética sustentada e alimentada no âmbito prático de atuação das
políticas das muitas nações, em todo o território global, que nos é possível pensar acerca
de um futuro ideal. Para isso, nos é preciso entender a distinção entre dois conceitos
éticos fundamentais: a teleologia e a deontologia.
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 115

A ética deontológica é orientada pela crença na existência de um bem fundamental,


possível de ser alcançado através do reconhecimento do próximo como uma extensão dos
anseios particulares, isto é, se baseia na crença da existência de princípios fundacionais
comuns que orientariam as ações dos indivíduos. O estado deontológico, por sua vez,
seria responsável por garantir a manutenção e a educação dos cidadãos em conformidade
com tais valores, promovendo, no indivíduo, o reconhecimento do bem comum enquanto
raiz da sociedade. (ZILLES, 2006).

Diante dessa perspectiva, muitos filósofos argumentaram em prol da existência de


um princípio universal da bondade comum a todos os indivíduos, como Platão, Aristóteles,
Tomás de Aquino e Immanuel Kant. Apesar de esses pensadores viverem em tempos
distintos e terem justificativas igualmente distintas para suas teorias, a ideia universal de
um bem comum apela sempre à máxima que permeia os ditos populares: “não desejar ao
outro aquilo que não é desejado para si”. Enfim, em outras palavras, se não desejamos a
nossa própria morte, não é correto desejar a morte de outra pessoa; se não queremos ser
torturados, não devemos querer a tortura; se não queremos ser explorados, não devemos
explorar e assim por diante. Nesse sentido a ética deontológica se enraizaria nas culturas
enquanto reconhecimento do outro como uma extensão de si mesmo.

O problema da deontologia se dá no movimento de transição entre o campo da


teoria para a prática, onde o reconhecimento do próximo como uma extensão de nós
mesmos não corresponderia a prática fundacional da edificação do mito das nações.
Pelo contrário, é a segregação que fomenta a construção identitária de muitos povos,
portanto, sendo um (verdadeiro) desafio a possibilidade de uma prática deontológica.

Já a ética teleológica, em contraponto a deontologia, tem como raiz a palavra


grega Telos, que significa objetivo, meta ou alvo (ABBAGNANO, 2007). Sua base
fundacional se encontra sustentada no princípio utilitarista já manifesto pela filosofia
britânica do século XIX, em especial naquela sustentada por Jeremy Bentham e John
Stuart Mill. Para ambos, a ética de uma ação só poderia ser avaliada de acordo com
a quantidade de felicidade proporcionada pela ação. Isso significa que o bem e o mal
seriam relativos à ação. (ZILLES, 2006).

Tendo como premissa a ética teleológica, toda a decisão tomada por uma pessoa
deveria levar em consideração a quantidade de pessoas atingidas por essa ação, a
quantidade de felicidade e sofrimento que a ação poderia causar e a qualidade (social e
espiritual) proporcionada por tal felicidade. Em síntese, esse tipo ético permite entender
116 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

a relatividade inerente a cada decisão, sendo possível relativizar questões como a vida
e a morte, o bem e o mal, assim como o certo e o errado. De acordo com a situação,
podemos decidir sacrificar uma vida em vias de garantir a salvação de um maior número
de pessoas e assim por diante (ZILLES, 2006).

Por mais que a ética teleológica tenha sua teorização fundada na era moderna,
sua prática já se encontra presente na dinâmica histórica de povos distintos. Ainda que
a teorização ideal da deontologia almejasse uma regulação ética da conduta humana,
em um sentido universal, a prática teleológica possibilita a relativização da ação, nos
permitindo questionar a utilidade (final) de um ato, sendo assim, dando a uma pessoa
ou a um grupo, o direito de discernir acerca do bem e o do mal, tendo como base de seu
julgamento, valores igualmente relativos, como aquelas que fundamentam identidades
de grupo ou o mito da nações.

Assim, por mais que possamos almejar ou desejar a atuação de uma ética
deontológica, a prática teleológica parece trazer maiores benefícios as políticas nacionais
vigentes e é diante desse dilema que a ONU e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) buscam atuar.

Indiretamente, as ações promovidas pela ONU, ao longo do século XX e XXI,


tem almejado uma espécie de superação do imperativo teleológico e apelado para valores
universais deontológicos. Com isso, aos poucos seus movimentos têm resgatado uma
espécie de identidade comum a todos os povos, apelando para o reconhecimento do
próximo como uma extensão de si mesmo, gradualmente, desconstruindo a raiz do mito
fundacional das muitas nações: a segregação.

Atuando em prol da desconstrução do mito das nações, o qual alimenta a existência


de povos e culturas autóctones e a existência de uma pureza não-miscigenada dos corpos,
a ONU iniciou, no ano de 2015, um movimento intitulado de Década Internacional de
Afrodescendentes.

SAIBA MAIS

Desde o ano de 2015, estamos vivendo a campanha da Década Internacional


de Afrodescendentes. Para saber mais sobre esse movimento, acesse o site:
http://gg.gg/fyzbk.
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 117

Figura 4.1 – Símbolo da Década Internacional de Afrodescendentes.

Fonte: ONU (2019).

As ações promovidas como parte da Década Internacional de Afrodescendentes


nos instiga a pensar na possibilidade de construirmos uma (verdadeira) identidade
global. Como práticas afirmativas bem definidas, a década propõe pautas que versem
acerca do reconhecimento dos povos nativos do continente africano como pertencentes
a comunidade global, resgatando e expondo a história de migrações e influências desses
em povos e culturas dos demais continentes para além do período da escravidão.

Pensar no próximo como uma extensão de nós mesmos transcendente a


ética teleológica: necessita um olhar de reconhecimento que rompa as barreiras
construídas por séculos de segregação identitária. Para tanto, a Década Internacional
de Afrodescendentes nos propõe repensar os mitos que alimentamos enquanto nação
fomentados pela segregação e nos instiga a refletir sobre aquilo o que nos une e que a
DUDH já nos exige desde a década de 1940: um olhar que possibilite nos reconhecer
enquanto humanos.

Por mais que a agenda da Década Internacional de Afrodescendentes promova


o resgate de uma memória maculada de muitos povos como Inglaterra, Estados Unidos
da América e Brasil, o princípio orientador de tais ações versa com a promoção de uma
necessária revisão histórica das nações e seus muitos feitos, de maneira clara, sem uma
118 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

prévia justificativa ou valorização de seus atos. Reconhecer que os povos construíram


grande parte de suas identidades sob a lógica da segregação (violenta) nos instiga repensar
a conduta alimentada até então e qual identidade queremos cultivar para o futuro.

VÍDEO

O vídeo Rota do escravo: uma visão


global, produzido pela UNESCO,
elucida a intenção de se resgatar a
história de nossa afrodescenência, a
fim de promover o reconhecimento
de uma identidade global, assim a
origem e as justificativas dos muitos
dos processos segregacionistas que
ainda vivemos atualmente. Assista
em: http://gg.gg/fyzbq.

Um ponto a ser ressaltado frente ao movimento de construção de uma identidade


global é a resistência por parte de civilizações tradicionais, muito por perceberem sua
soberania ameaçada, isto é, perceberem que o mito de nação, por séculos sustentado,
passou a ser desconstruído. Assim, como um jogo de poder, muitas nações passam a
competir com ações não-governamentais, como as propostas pela ONU e defendidas
pela DUDH, a fim de garantir a sua soberania, como que afirmando para todos: quem
decide a agenda da nação e cuida dos interesses do povo é o seu governante.

Ainda que existam muitos países que apoiem as agendas propostas pela ONU
e adotam como meta o cumprimento da DUDH, muitos se recusam a romper com
políticas belicistas de soberania nacional, se eximindo, muitas vezes, de apoiarem
metas universais, romperem com políticas segregacionistas e aderirem à políticas de
construção de uma identidade global.
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 119

4.2 Atribuições da ONU e seu Poder de Intervenção


Ao longo do século XX, a política internacional se desenvolvera juntamente com
a ideia de mundo globalizado. Com os avanços das tecnologias e da rapidez do fluxo de
dados, as informações se tornaram mais dinâmicas, assim como mais diretivas, sofrendo
menos interferências na sua circulação. Frente a isso, a dinâmica do diálogo passou,
gradualmente, a substituir a dinâmica da guerra e a figura do diplomata passou a ter um
caráter de essencialidade na mediação de divergências ocasionais.

A ONU, após a década de sua criação, assumiu para si a responsabilidade de


promover o espaço necessário para que a diplomacia ocorra, evitando com a que a
guerra se torne o primeiro recurso em resposta as divergências internacionais. Ainda
que sanções e punições internacionais não ocorram de maneira arbitrária, isto é, em
respeito a determinações legais verticalizadas, divergências internacionais acabam por
serem resolvidas a partir de acordos firmados entre os países envolvidos em espaço de
neutralidade diplomática, objetivando, a partir da conversa, sanar todo possível mal-
estar entre os povos e promover a manutenção da paz (PEREIRA, 2019).

É diante desse cenário que a Declaração Universal dos Direitos Humanos acaba
por assumir um papel fundamental: de orientação para as mediações diplomáticas. Como
a DUDH visa pautar os princípios fundamentais do respeito à dignidade humana, ela
acaba por servir de guia para o desenrolar da política internacional. Ainda que os países
existentes em todo o território global não tenham a obrigatoriedade de se tornarem
membros da ONU, aqueles que se tornaram, assumiram defender e, igualmente, cumprir
com os deveres consequentes de pertencerem a essa comunidade global.

As punições e sanções outorgadas aos países que descumprem os acordos


firmados junto a ONU se encontram previstos pelo documento (firmado) de adesão ao
grupo, portanto, estando claro para os membros da ONU os compromissos assumidos,
assim como as sanções decorrentes de ações condenadas pelo mesmo. O problema é que
a legalidade das sanções se encontram em um oceano de navegação problemática, que
pode ser resumido na seguinte questão: quem tem o poder de intervir, cobrar e punir
uma nação, caso descumpra acordos internacionais? (PEREIRA, 2019).
120 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

A resposta para essa pergunta se desdobra, exigindo um aparato que implica o


repensar de um vasto conjunto de regras legais e particularidades culturais, econômicas,
políticas, sociais, ideológicas, históricas e geográficas que venham transcender a própria
hegemonia das nações. Quem irá julgar os casos de transgressões humanitárias? Um
tribunal internacional? Quem fará parte do tribunal internacional? Quais os critérios
utilizados para gerir o julgamento? Como ficam as culturas e legislações nacionais
frente a esse tribunal internacional? Onde atuará esse tribunal? Caso haja condenação,
como atuará a polícia internacional? Quais as punições previstas? Onde ocorrerá o
cumprimento da sentença? Enfim, todas essas, e mais, são questões problemáticas que
suscitam reflexões.

Mesmo que tais reflexões ainda se encontrem em debate, a humanidade se encontra


avançando, rumo a responder, de maneira satisfatória, a essas e mais questões, visando
criar uma comunidade global de manutenção de um estado de direito internacional.

O marco inicial de tal processo fora a formação do tribunal de Nuremberg,


mantido de novembro de 1945 à outubro de 1946, a fim de julgar membros do alto
escalão nazista. Ainda que o ato tenha causando grande controvérsia para a época, o
evento concatenava com o surgimento da ONU e a definição da DUDH, demonstrando
para o mundo que um tribunal internacional poderia vir a ter uma ação efetiva e,
igualmente, trazer um caráter legal e punitivo aos crimes contra a humanidade. O evento
é hoje uma referência para o direito internacional, decorrendo daí, o surgimento e a
permanência da Corte Internacional de Justiça (Tribunal de Haia), que tem como função
julgar as nações que cometem crimes contra a humanidade.

SAIBA MAIS

Para conhecer mais sobre o evento dos julgamentos de Nuremberg, acesse


o link: http://gg.gg/fyzc8.
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 121

Figura 4.2 – Julgamento de Nuremberg.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

Em meio à necessidade de existir um legislador internacional capaz de avaliar


casos polêmicos de crime contra a humanidade, a Conferência das Nações Unidas, em
1998, tratou do estabelecimento de uma casa dedicada ao julgamento de assuntos de
cunho internacional. Com uma grande adesão, o documento que instaurou a criação da
Corte Internacional de Justiça entrou em vigor em 01 de julho de 2002, atuando até a
contemporaneidade.

SAIBA MAIS

Para conhecer os processos que levaram a criação da Corte Internacional


de Justiça (ou Corte Penal Internacional) e seu campo de atuação em meio
a política internacional, acesse o link: http://gg.gg/fyzcg.

A Corte Internacional de Justiça atua, respectivamente, julgando Estados e,


inclusive, indivíduos que cometem ações contra a humanidade, assim como possui o poder
de orientar sanções punitivas aqueles que forem declarados culpados por tais ações.
122 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

São previstos pela Corte Internacional de Justiça o julgamento de crimes


relacionados ao genocídio, que confere o ato de exterminar, violentar, esterilizar,
transferir ou maltratar pessoas de um determinado grupo étnico ou social; agressão,
conferindo atos de repressão ou punições políticas a pessoas diversas; crimes de guerra,
que versa acerca dos atos cometidos em meio ao confronto bélico envolvendo civis; e os
crimes contra a humanidade, englobando o ato de homicídio, extermínio, deportação,
tortura, estupro, escravidão (inclusive sexual), prostituição forçada, perseguições
políticas, étnicas, culturais e religiosas.

Como a Corte Internacional de Justiça não possui um poder capaz de transpassar


as leis particulares de cada nação, a efetivação da condenação dos crimes supracitados
cabe à alçada de uma espécie de orientação condenatória, adotada e aplicada pelas
nações que compõem a ONU e que assinaram o tratado de adesão às determinações
legais outorgadas pela Corte Internacional de Justiça.

Figura 4.3 – Corte Internacional de Justiça.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

SAIBA MAIS

Para conhecer sobre a Corte Internacional de Justiça, acesse o site oficial


através do link: http://gg.gg/fyzco.
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 123

Com sede na cidade de Haia, na Holanda, a Corte Penal Internacional conta,


atualmente, com a adesão de 110 países ao seu Estatuto. Ainda que o mesmo julgue
e condene indivíduos por crimes contra a humanidade e (indiretamente) nações por
aderirem a políticas perniciosas, a Corte não possui poder policial, portanto, não
cabendo a ela a formalização das punições outorgadas.
124 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

4.3 O Século XXI e a Pauta da Natureza


Com o mundo globalizado, as relações humanas passaram a ter um caráter
humanitário e a conscientização das nações de uma possível identidade global se
desdobrou em uma necessária conscientização de nosso papel enquanto cidadãos, não
somente de nossas respectivas nações, mas do mundo enquanto um todo. O sexto tópico
alertado por Edgar Morin em seu Sete saberes necessários à educação do futuro, já
apontava a necessidade do despertar de uma consciência global capaz de dar conta das
adversidades que a humanidade, enquanto espécie, viria a ter de enfrentar frente às
ocorrências decorrentes das transformações que o planeta sofrera frente à negligência
das muitas nações (MORIN, 2011).

O pensamento segregacionista e igualmente isolacionista das muitas nações


trouxe efeitos colaterais ao planeta, sem que a devida responsabilidade fosse outorgada
as nações responsáveis. Produção de lixo em demasia, desmatamento, emissão de gases
tóxicos, manutenção de políticas desiguais, dentre outras práticas perniciosas levaram
a emergência do desenvolvimento de uma consciência que versasse com aquilo o que
o autor alertou ser de extrema importância para o novo milênio: a consciência de uma
condição planetária. (MORIN, 2011).

Como pauta cada vez mais presente nos encontros da ONU, os últimos anos que
cercearam o término do século XX alavancaram reflexões consistentes acerca da ideia
de futuro que se almejava. O relatório Nosso futuro comum, de 1987, anunciava que um
desenvolvimento sustentável ideal seria aquele que viesse a satisfazer as necessidades
das gerações atuais, sem que com isso fosse preciso comprometer a capacidade das
gerações futuras de suprirem suas próprias necessidades.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,


ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 1992, buscou discutir como garantir às gerações
futuras o direito ao desenvolvimento. Como resultado da reunião, os países concordaram
com a promoção de um desenvolvimento sustentável, focando na valorização da vida
humana e na proteção do meio ambiente, gerando um documento conhecido como a
Agenda 21: a primeira carta de intenções para promover, em escala planetária, um novo
padrão de desenvolvimento para o século XXI, sendo esse um dos primeiros movimentos,
em escala global, em prol do desenvolvimento de uma concreta identidade global.
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 125

Como consequência da Agenda 21, metas foram traçadas para que o


desenvolvimento sustentável fosse viável e no ano 2000. Foram postulados os 8
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que incluíam as metas que podem
ser observadas na Figura 4.4.

Figura 4.4 – 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

1 2 3 4

Promover a igualdade
Erradicar a extrema Atingir o ensino de gênero e a autonomia Rezudir a
pobreza e a fome básico universal das mulheres mortalidade infantil

5 6 7 8

Combater o HIV/AIDS. Garantir a Estabelecer uma parceria


Melhorar a saude A malária e outras sustentabilidade mundial mundial para
materna doenças ambiental o desenvolvimento

Fonte: Adaptado de PNU (2019).

A ODM foi desenvolvida a partir de uma série de ações protagonizadas por


grupos diversos, em países igualmente diversos, ao longo da década de 1990. Os
encontros, apesar de (diretamente) desconectados, abordavam uma pauta comum que se
tornara crescente: os desafios que a humanidade estava prestes a confrontar no próximo
milênio. Abordando grande parte da herança que o século XX haveria de deixar para
o século seguinte, a conclusão apocalíptica alertava: se continuarmos com a mesma
dinâmica, a humanidade não sobreviverá ao milênio seguinte. Embasado em estudos
de pesquisadores de um vasto conjunto de países, a ODM fora desenvolvida e adotada
pelos países membros da ONU no ano de 2000, auxiliando muitas nações a enfrentarem
muitos dos desafios sociais vividos pela humanidade nos primeiros anos do século XXI.

Os oito objetivos firmados pela ONU serviram de base para uma política de ação
global, com o intuito de promover um movimento em prol da humanidade enquanto um
todo, assim como fomentaram o desenvolvimento de estudos e pesquisas que viessem
a contribuir com o entendimento de nossa condição, assim como a do planeta em que
vivemos.
126 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

No ano de 2010, a Cúpula das Nações Unidas sobre os Objetivos do Milênio


solicitou uma aceleração na implementação dos objetivos pautados pela ODM, visto que,
após uma década de ações globais, os resultados ainda eram pouco transformadores.
A atribuição de caráter de emergência no cumprimento da ODM levou, o até então
Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, liderar uma equipe especializada para repensar
a ODM e elaborar metas de caráter emergencial para o período pós-2015.

No ano de 2012, a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável,


ocorrida no Rio de Janeiro, apresentou os efeitos que a mentalidade econômica do século
XX havia deixado, enquanto herança, para os empreendedores do século XXI: uma total
negligência global. Em outras palavras, o alerta trazido apontava o quanto o mito das
nações ainda se encontrava enraizado nos empreendedores de diversos países, pensando
no impacto de suas ações até o limite de suas fronteiras e pouco ou nada se importando
com as consequências trazidas para o resto do planeta.

Frente a isso, em setembro de 2015, 193 países membros da ONU se reuniram em


Nova York e buscaram refletir acerca de políticas concretas, a fim de erradicar a extrema
pobreza em todo o globo, assim como promover um desenvolvimento sustentável e uma
vida digna para todos, sem exceção.

O repensar da ODM e os eventos consequentes exigiram uma nova visão global


que apelasse para a responsabilidade, não somente das políticas públicas nacionais,
mas de cada cidadão, frente aos problemas ainda vigentes relativos à vida humana e
manutenção do planeta.

Com isso, as 8 metas da ODM foram desdobradas em 17, compondo o que


conhecemos hoje por Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Eles podem ser
visualizados na Figura 4.5.
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 127

Figura 4.5 – 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Fonte: ONU (2019).

As metas estabelecidas no ano de 2015 geraram um documento conhecido como


Transformando o nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável,
no qual os países membros da ONU se comprometeram a adotar as medidas necessárias
para promover o desenvolvimento sustentável, gerando resultados satisfatórios para os
próximos 15 anos.

Os 17 ODS buscam atuar em três dimensões: econômica, social e ambiental


e servem como uma lista de metas a serem atingidas pelos distintos governos, pela
sociedade civil, o setor privado e todo o cidadão, em uma escala global.

Ainda que as metas tenham sido apontadas e um grande conjunto de países tenham
aderido a cumpri-las, na prática o não cumrpimento das mesmas não constitui crime -
isto é, não cabe nenhuma sanção legal aos países que simplesmente abandonarem
o projeto ou pouco se dedicarem ao cumprimento das pautas firmadas, e mesmo que
tenhamos a existência de uma Corte Internacional de Justiça, caberia o poder judiciário
internacional fiscalizar e cobrar o cumprimento dos acordos firmados?
128 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Claro que poderíamos arguir dizendo que não consta como campo e atuação da
Corte Internacional de Justiça julgar tais práticas. Mas, se cabe a ela jurisprudência acerca
de casos de crime contra a humanidade, temos uma linha tênue quando nos deparamos
com países (e governantes) que promovem, muitas vezes de maneira deliberada, a
manutenção de um estado desigual, onde a fome, a doença e a mortalidade se propagam.
Não caberia tais atos constituírem parte promotora da manutenção de um crime, visto
o próprio movimento da ONU em prol da ODS? E com relação ao meio ambiente? Se
deliberadamente algum país degrada o meio ambiente, promovendo, em decorrência,
a manutenção de um futuro indigno para as futuras gerações, essas nações estariam
cometendo um crime contra a humanidade que está por vir?

Quando nos deparamos com as exigências trazidas pela ONU e manifestadas


pela ODS, encontramos entraves econômicos que relevam, muitas vezes, as condições
particulares de muitas nações. Dito isso, podemos pensar sobre as medidas de, por
exemplo, impor políticas rígidas à indústria em relação à emissão de gás carbônico na
atmosfera. Países com um maior status econômico e, por consequência, que representam
centros de investimentos invejáveis, como Japão, Alemanha ou Estados Unidos da
América, poderiam impor punições severas à indústria sem perder, em larga escala,
grupos (relevantes) de investidores internacionais, tudo isso pelo fato destes países,
dentre outros, comporem grandes potências econômicas internacionais (invejáveis
para muitos). Agora, países com um poder econômico instável e, por consequência,
que não representam centros de investimentos internacionais, caso imponham políticas
rígidas, podem sofrer uma larga perda de investimentos, pondo em risco a estabilidade
financeira de suas nações. É claro que o debate levantado é de extrema relevância e
seria um absurdo concordar com a poluição enquanto medida de negociação viável,
mas não podemos negligenciar o fato de existir universos distantes entre nações e seus
particulares poderes de negociação.

Com isso, devemos refletir acerca da desigualdade econômica existente entre as


muitas nações, o que, muitas vezes impede com que, em determinados países, certas
medidas (necessárias em prol das ODS, por exemplo) sejam tomadas com o devido rigor
e que, para outras nações, seja decidido de maneira rápida e imediata. O problema aqui
levantado nos alerta acerca das possíveis sanções que podem ser direcionadas àqueles
que não atingirem as metas estabelecidas pelas ODS, como que o cumprimento ou não
de tais metas decorressem apenas da vontade dos representantes das muitas nações. Tais
medidas não preveem o compartilhamento de tecnologias ou qualquer medida de apoio
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 129

cooperativo dentre as nações para fim de atingir os objetivos do milênio, assim, em


certa medida, promovendo a manutenção das desigualdades, tanto quanto reforçando a
soberania de algumas nações em relação à outras.

Enfim, muitas questões caberiam erigir, sendo de nossa responsabilidade refletir


e promover, dentro do possível, a transformação necessária para que o futuro nos seja
próspero.
130 TEMAS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS | Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

SÍNTESE DA UNIDADE
A presente unidade buscou abordar os problemas relativos à manutenção de
identidades nacionais baseadas na segregação e o desafio de repensar tais práticas no
âmbito da política internacional. Para tanto buscamos apresentar os seguintes temas para
guiar nossas reflexões:

• Como a política da segregação funda nações individualistas e as consequências


disso;

• Como a política da ONU vem buscando construir uma identidade global necessária
para lidar com os problemas emergenciais globais;

• Qual o poder de atuação da política internacional e o papel da Corte Internacional


de Justiça;

• Quais são as pautas da ONU para o século XXI e como isso pauta as políticas
nacionais.
As Intervenções Humanitárias e a Relativização da Soberania Nacional | UNIDADE 4 131

REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

BARBOSA, F.F. O mundo globalizado: política, sociedade e economia. 2010.

GEARY, P. O mito das nações. São Paulo: Conrad, 2005.

MORIN, E. Sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2011.

PEREIRA, G.L. Direitos humanos e migrações forçadas: introdução ao direito migratório e


ao direito dos refugiados no Brasil e no mundo. EDIPUCRS, 2019.

ZILLES, U. O que é ética. São Leopoldo: EST, 2006.


CONTRIBUA COM A QUALIDADE DO SEU CURSO

Se você encontrar algum problema nesse material, entre em


contato pelo email eadproducao@unilasalle.edu.br. Descreva o
que você encontrou e indique a página.

Lembre-se: a boa educação se faz com a contribuição de todos!


Av. Victor Barreto, 2288
Canoas - RS
CEP: 92010-000 | 0800 541 8500
ead@unilasalle.edu.br

Você também pode gostar