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Metodologia do Ensino de

CIÊNCIAS DA NATUREZA
Aline Beatriz Pacheco Carvalho
Eliane de Siqueira
Julia Giora
(Orgs.)
METODOLOGIA
DO ENSINO DE
CIÊNCIAS DA
NATUREZA
A line Beatriz Pacheco Carvalho
E liane de S iqueira
J ulia G iora
(O rgs .)

1ª E dição
A gos to | 2019
Gestão Universidade
Reitor Prof. Dr. Paulo Fossatti - Fsc
Vice-Reitor, Pró-Reitor de Pós-grad., Prof. Dr. Cledes Casagrande - Fsc
Pesq. e Extensão e Pró-Reitor de Graduação
Pró-Reitor de Administração Vitor Benites
Diretora de Graduação Profª. M.ª Cristiele Magalhães Ribeiro
Diretor da Educação a Distância Prof. Dr. Mario Augusto Pires Pool
Diretor de Extensão e Pós-Graduação Lato Sensu Prof. Me. Márcio Leandro Michel
Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu Profª. Dr.ª Patricia Kayser Vargas Mangan
Diretor Administrativo Patrick Ilan Schenkel Cantanhede
Diretor de Marketing e Relacionamento Cleiton Bierhals Decker
Procuradora Jurídica Michele Wesp Cardoso
Assessor de Assuntos Interinstitucionais e Internacionais Prof. Dr. José Alberto Miranda
Assessor de Inovação e Empreendedorismo Prof. Dr. Jefferson Marlon Monticelli
Chefe de Gabinete Prof. Dr. Renaldo Vieira de Souza

Gestão EaD
Diretor Prof. Dr. Mario Augusto Pires Pool
Coordenadora Pedagógica Michele de Mattos Kreme
Coordenador de Produção Prof. Dr. Jonas Rodrigues Saraiva

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Coordenador da Área de Educação e Cultura Prof. Dr. Renato Ferreira Machado
Coordenador da Área de Gestão e Negócios Prof. Me. Sílvio Denicol Júnior
Coordenador da Área de Direito e Política Prof. Dr. Daniel Silva Achutti
Coordenadora da Área de Inovação e Tecnologia Profª. Drª Ingridi Vargas Bortolaso
Coordenador dos Cursos de Adm., Processos Ger. e Logística Prof. Me. Carlos Eduardo dos Santos Sabrito
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Coordenador do Curso de Ciências Contábeis Prof. Me. Eduardo Bugallo de Araújo
Coordenador dos Cursos Gestão Com., Gestão Fin. e Marketing Prof. Dr. Paulo Roberto Ribeiro Vargas
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Coordenador do Curso de Análise e Desenv. de Sistemas Prof. Me. Mozart Lemos de Siqueira

Equipe de Produção EaD


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Arthur Menezes de Jesus Érika Konrath Toldo Guilherme P. Rovadoschi Patrícia Menna Barreto
Bruno Giordani Faccio Évelyn Rocha de Araujo Ingrid Rais da Silva Tiago Konrath Araujo
Daniela dos S. Cardoso Gabriel Esteves de Castro Jorge Fabiano Mendez

M593 Metodologia do ensino de ciências da natureza / Aline Beatriz Pacheco Carvalho, Julia Giora (orgs.).
– Canoas, RS : Universidade La Salle EAD, 2019.
94 p. : il. ; 30 cm. – (Educação e cultura)

Bibliografia.

1. Ciências naturais – Metodologia de ensino. 2. Educação básica. I. Carvalho, Aline Beatriz


Pacheco. II. Giora, Julia. III. Série.
CDU: 5:37

Bibliotecário Samarone Guedes Silveira - CRB 10/1418

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CEP: 92010-000 | 0800 541 8500 | ead@unilasalle.edu.br
APRESENTAÇÃO
Prezado estudante,

A equipe de gestão da EaD Unilasalle sente-se honrada em entregar a você este material
didático. Ele foi produzido com muito cuidado para que cada Unidade de estudos possa
contribuir com seu aprendizado da maneira mais adequada possível à modalidade que
você escolheu para estudar: a modalidade a distância. Temos certeza de que o conteúdo
apresentado será uma excelente base para o seu conhecimento e para sua formação. Por isso,
indicamos que, conforme as orientações de seus professores e tutores, você reserve tempo
semanalmente para realizar a leitura detalhada dos textos deste livro, buscando sempre
realizar as atividades com esmero a fim de alcançar o melhor resultado possível em seus
estudos. Destacamos também a importância de questionar, de participar de todas as atividades
propostas no ambiente virtual e de buscar, para além de todo o conteúdo aqui disponibilizado,
o conhecimento relacionado a esta disciplina que está disponível por meio de outras
bibliografias e por meio da navegação online.

Desejamos a você um excelente módulo e um produtivo ano letivo. Bons estudos!

Gestão de EaD Unilasalle


Metodologia do Ensino
de Ciências da Natureza
APRESENTANDO AS ORGANIZADORAS

Aline Beatriz Pacheco Carvalho


Bióloga, licenciada em Ciências Biológicas pelo Unilasalle (2005), Especialista em
Diversidade e Conservação de Fauna pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2007), Mestre em Conservação e Manejo de Ecossistemas e da Vida Silvestre pela
Universidade do Vale dos Sinos (2009), doutoranda e bolsista CAPES (Comissão de
Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior) do Programa de Memória Social e Bem
Cultural - Unilasalle (2015). Possui experiência docente no ensino superior, supervisão
de laboratórios de zoologia, botânica e histologia, coordenação e execução de projetos de
educação ambiental para o público do ensino básico e superior, elaboração de laudos de
fauna e análise de impactos ambientais a partir de organismos bioindicadores. Revisora
da Revista Ciências Ambientais. Desenvolve pesquisas na área de meio ambiente,
dedicando-se às temáticas do patrimônio natural, unidades de conservação, educação
ambiental, restauração de áreas degradadas e comunidade de macroinvertebrados
aquáticos. (Texto da autora para o Lattes).

Eliane de Siqueira
Possui graduação em Ciências Biológicas e Pedagogia pela Universidade Guarulhos
(1999), mestrado em Ciências pela Universidade de São Paulo (2006) e Doutorado na
mesma área concluído em 2012. Professora do ensino superior há 18 anos; 23 anos na
Educação Básica e professora do Ensino Fundamental I na Prefeitura Municipal de
Guarulhos. Atualmente, é Coordenadora de Programas Educacionais na Secretaria de
Educação do município, onde desenvolve cursos para a formação dos professores na
modalidade EaD. Realiza atividades de orientação em diversas áreas como Educação,
Geociências, Educação Ambiental, Prática de ensino, Análises ambientais, entre outras.
Nos últimos 12 anos, atua também na produção de materiais para EaD, banco de questões,
desafios profissionais, tutoria e coordenação externa de projetos para esta modalidade.
Júlia Giora
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (2001), mestrado em Biologia Animal pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2004) e doutorado em Biologia Animal pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul com estágio sanduíche realizado na George Washington University
(2008). Foi bolsista de Pós-Doutorado PNPD no Programa de Pós-Graduação em
Biologia Animal da UFRGS (2009-2014) atuando como pesquisadora e docente.
Atua principalmente nos seguintes temas: histologia animal, microscopia eletrônica
de varredura e de transmissão, zoologia, ictiologia, biologia reprodutiva e alimentar,
biologia comparada, peixes da Ordem Gymnotiformes. Atualmente é bolsista de Pós-
Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul atuando como docente colaboradora e pesquisadora responsável
pelo projeto “Análise da frequência de anomalias morfológicas, IGS e desenvolvimento
gonadal em peixes do lago Guaíba”, em um convênio entre o laboratório de ictiologia
da UFRGS e a empresa CMPC Celulose Riograndense. Atua também como docente
no curso de bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade La Salle Canoas,
sendo responsável pelas disciplinas de Histologia Animal, Anatomia Comparada de
Vertebrados e Embriologia.
APRESENTANDO A DISCIPLINA

Seja bem vindo à disciplina de Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza. Neste


livro iremos estudar conceitos e métodos de ensino de Ciências, atentando para a
importância da articulação entre teoria e prática e estimulando a construção de novas
dinâmicas de sala de aula.

No percurso dessa jornada, vamos conhecer os principais conceitos e teorias associados


ao ensino de Ciências da Natureza. Também abordaremos de que forma isso está
previsto no documento normativo que é referência obrigatória para todos os currículos
escolares do país - a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ainda, trataremos
da interdisciplinaridade e algumas dimensões com que o trabalho com Ciências da
Natureza pode ser desenvolvido, como a Educação para a Sustentabilidade, a Educação
para a Saúde e a Ciência, Tecnologia e Sociedade, além das relações de gênero e
sexualidade, sempre visando proporcionar uma aprendizagem significativa que tenha o
aluno como protagonista.

Com a conclusão dessa caminhada, você estará apto a desenvolver propostas, planos
de aula, projetos e outros materiais pedagógicos que envolvem os conhecimentos
pertinentes à Ciências da Natureza, de forma interdisciplinar e alinhada aos documentos
norteadores dessa prática.

Será um período de intenso aprendizado em você certamente irá conhecer muitas


coisas novas!

Bons estudos!
Sumário
UNIDADE 1
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza......................................................................................................9
Objetivo Geral .............................................................................................................................................................9
Objetivos Específicos .................................................................................................................................................9
Questões Contextuais..................................................................................................................................................9
1.1 Aprendizagem Significativa................................................................................................................................... 10
1.2 Alfabetização Científica......................................................................................................................................... 14
1.3 O Método Científico................................................................................................................................................ 17
1.4 Metodologia de Ensino de Ciências da Natureza.................................................................................................. 18
1.4.1 Método da Resolução de Problemas ........................................................................................................................21
Síntese da Unidade....................................................................................................................................................24
Referências................................................................................................................................................................25

UNIDADE 2
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade..............................................................................................................27
Objetivo Geral ...........................................................................................................................................................27
Objetivos Específicos ...............................................................................................................................................27
Questões Contextuais................................................................................................................................................28
2.1 O Ensino de Ciências da Natureza nos PCNs........................................................................................................ 29
2.2 A Base Nacional Comum Curricular...................................................................................................................... 32
2.3 Conteúdos de Ciências da Natureza e a Interdisciplinaridade............................................................................. 36
Síntese da Unidade....................................................................................................................................................46
Referências................................................................................................................................................................47
UNIDADE 3
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza...............................................................................................49
Objetivo Geral ...........................................................................................................................................................49
Objetivos Específicos ...............................................................................................................................................49
Questões Contextuais................................................................................................................................................50
Contextualizando.......................................................................................................................................................... 51
3.1 Educação e Sustentabilidade................................................................................................................................. 52
3.2 Ciência, Tecnologia e Sociedade........................................................................................................................... 58
3.3 Educação e Saúde.................................................................................................................................................. 63
3.4 Questões de Gênero, Sexualidade e o Ensino de Ciências da Natureza............................................................... 66
Síntese da Unidade....................................................................................................................................................69
Referências................................................................................................................................................................70

UNIDADE 4
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza.....................................................................................................73
Objetivo Geral ...........................................................................................................................................................73
Objetivos Específicos ...............................................................................................................................................73
Questões Contextuais................................................................................................................................................74
Contextualizando.......................................................................................................................................................... 75
4.1 Procedimentos e Propostas para o Ensino de Ciências da Natureza................................................................... 76
4.2 Estratégias para a Renovação do Ensino de Ciências da Natureza..................................................................... 83
4.3 Importância do Protagonismo do Aluno no Desenvolvimento das Propostas de Ensino de Ciências da
Natureza....................................................................................................................................................................... 89
Síntese da Unidade....................................................................................................................................................91
Referências................................................................................................................................................................92
unidade

1
Introdução aos Estudos de Ciências
da Natureza
Prezado(a) estudante.

Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram
organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo
completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e
tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos
propostos para essa disciplina.

OBJETIVO GERAL
Conhecer os principais conceitos e teorias associados ao ensino de Ciências da Natureza.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Apresentar os conceitos e métodos relacionados ao ensino de Ciências da Natureza;

• Conhecer as concepções teóricas que norteiam o ensino de Ciências da Natureza;

• Identificar a estrutura e organização das Metodologias do Ensino de Ciências.

QUESTÕES CONTEXTUAIS
1. Você consegue perceber quais aprendizados do ensino de ciências foram
significativos em sua vida?

2. De que maneira você aprendeu ciências? O que mais te marcou?

3. O que faz você lembrar de certos aprendizados mais do que de outros?

4. Como você pensa que se dão os avanços científicos e tecnológicos?

5. Como você escolhe o foco que será dado aos conteúdos a serem trabalhados
com seus alunos?
10 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

1.1 Aprendizagem Significativa


Para que possamos dar início ao estudo da disciplina, propomos, primeiramente,
a leitura da reflexão a seguir:

DESTAQUE

Das coisas boas da vida.

Olhar as nuvens misturadas no céu azul. Observar o vai e vem das ondas
no mar, hora tocando teus pés, hora fazendo-te correr. Olhar a natureza, as
estrelas brilhantes no céu escuro ou num dia claro, ver o Sol.

Acompanhar o crescimento de uma criança, no ventre da mulher e fora dela.


Olhos curiosos abertos pro mundo, ou não.

As diferentes formas de vida. Os questionamentos gerados a partir de nossas


observações do que nos cerca.

Tudo isso tem significado. Por trás de um simples olhar, um universo,


abundante por todos os lados, cheio de mistérios prestes a serem
desvendados e quem sabe.

As percepções, perspectivas que vão além do que se vê e que estão


relacionadas a eu e você.

(Ilka Marques Sant’Anna – professora da rede municipal de ensino de Guaíba, RS)

O que é? Qual é sua função? De onde vem? Onde começa? Onde termina? Essas
e tantas outras perguntas nos levam a caminhar, a sair do lugar e, de certa forma, a
desacomodar o corpo e a mente. As coisas que têm significado em nossas vidas, o que
realmente importa, para onde olhamos e como olhamos para o mundo e além dele: tudo
isso faz parte do ensino das Ciências Naturais. Perceba que estudar Ciências inclui
compreender a nossa própria vida e o quanto este ensino pode ser significativo na
vida do aluno.

Existem muitas concepções equivocadas entre os alunos e até professores sobre a


Ciência e sua aprendizagem. O destaque a seguir, elaborado a partir das ideias de Pozo e
Crespo (2009), apresenta exemplos disso:
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza | UNIDADE 1 11

DESTAQUE

Algumas atitudes e crenças inadequadas mantidas pelos alunos com respeito à


ciência e sua aprendizagem

• Aprender ciência consiste em repetir da melhor maneira possível aquilo que o


professor explica durante a aula;

• Para aprender ciência é melhor não tentar encontrar suas próprias respostas,
mas aceitar o que o professor e o livro didático dizem, porque isso está baseado
no conhecimento científico;

• O conhecimento científico é muito útil para trabalhar no laboratório, para


pesquisar e para inventar coisas novas, mas não serve praticamente para nada
na vida cotidiana;

• A ciência proporciona um conhecimento verdadeiro e aceito por todos;

• Quando sobre o mesmo fato há duas teorias, é porque uma delas é falsa: a
ciência vai acabar demonstrando qual delas é a verdadeira;

• O conhecimento científico é sempre neutro e objetivo;

• Os cientistas são pessoas muito inteligentes, mas um pouco estranhas, e


vivem trancados em seus laboratórios;

• O conhecimento científico está na origem de todos os descobrimentos


tecnológicos e vai acabar substituindo todas as outras formas do saber;

• O conhecimento científico sempre traz consigo uma melhora na forma de vida


das pessoas.

Tornar a aprendizagem significativa no ensino de Ciências e na educação em


geral deve ser a principal meta do professor. O conteúdo deve ter sentido ao aluno,
partindo de um significado contextual e emocional, do qual o aluno percebe que há
um sentido real e concreto daquilo que está sendo apresentado (SANTOS, 2008). Essa
necessidade é fruto de uma característica do cérebro humano, que é a totalização, em que o
cérebro percebe primeiro de modo abrangente o contexto total do objeto (SANTOS, 2008).

O entendimento da Ciência na educação apresentou modificações ao longo da


história, pois o mundo encontra-se em constante transformação, seja na economia, na
política, no uso dos recursos naturais ou na cultura. No Brasil, disciplina só se tornou
obrigatória em 1961, após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 4.061/61), e somente
nas séries finais do Ensino Fundamental. Foi só a partir de 1971 que as séries iniciais
foram contempladas (Lei 5.692/71). E essa valorização de disciplinas científicas estava
12 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

acompanhando o que na época acontecia no mundo: a Guerra Fria, a corrida tecnológica


espacial e um reconhecimento das ciências na sociedade. Com isso, a escola poderia formar
pessoas capazes de atuar no desenvolvimento das nações.

SAIBA MAIS

Para compreender melhor o cenário mundial na década de 1960 e o progresso


científico naquela conjuntura, recomendamos o filme Estrelas Além do
Tempo, do diretor Theodore Melfi, lançado em 2017, que foi indicado a vários
prêmios.

A revista Nova Escola fez uma matéria sobre este filme inserindo-o no
contexto da sala de aula. O artigo pode ser conferido a partir do link a seguir:
http://gg.gg/ezqtv.

Atualmente, as discussões científicas mais relevantes e urgentes referem-se aos


impactos que o homem tem causado no planeta por meio, por exemplo, da poluição e do uso
exagerado de agrotóxicos – o que compromete a saúde dos agricultores e da população em
geral –, além da ausência de políticas públicas para contornar, compensar e tentar reduzir
de todas as formas esses impactos. Com isso, novas temáticas são incluídas no currículo,
a exemplo da Educação Ambiental, inserida como tema transversal – destacamos que a
interdisciplinaridade será abordada na Unidade 2 desta disciplina.

No passado, sentir fome e saber o que, como e quando comer nos possibilitou
sobreviver. Entender sobre o ambiente que nos cerca foi e é fundamental para nossa
existência. Houve um tempo em que não havia livros, nem a escrita. Tudo era contado
em uma roda, em volta de uma fogueira. A linguagem era rudimentar e urgente. Como
sobreviver enquanto espécie em um mundo desconhecido? Tudo o que se sabe é fruto da
necessidade, da curiosidade, da admiração pelo desconhecido. Talvez tudo tenha se
iniciado assim, da observação e da imaginação na nossa busca por compreender o porquê
das coisas.

O modelo de aprendizagem que embasa as necessidades de nosso tempo não é mais


aquele modelo tradicional que acredita que o aluno deve receber informações prontas e ter,
como única tarefa, repeti-las na íntegra. Santos (2008) enfatiza aspectos importantes da
aprendizagem significativa:

A promoção da aprendizagem significativa se fundamenta num modelo


dinâmico, no qual o aluno é levado em conta, com todos os seus saberes
e interconexões mentais. A verdadeira aprendizagem se dá quando
o aluno (re)constrói o conhecimento e forma conceitos sólidos sobre
o mundo, o que vai possibilitar-lhe agir e reagir diante da realidade.
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza | UNIDADE 1 13

Cremos, com convicção e com o respaldo do mundo que nos cerca,


que não há mais espaço para a repetição automática, para a falta de
contextualização e para a aprendizagem que não seja significativa
(SANTOS, 2008, p. 73).

A busca pelo significado das coisas e da nossa própria existência nos impulsionou
e nos lança diariamente em busca de algo. Um questionamento frequenta nossas mentes.
Não seria nada estranho ouvir ou perceber essas mesmas questões nas mentes de crianças,
jovens, adultos, enfim, atores sociais de todas as idades que se mobilizam em busca do
conhecimento.

Quando o professor proporciona uma vivência direta e sensível aos alunos, a própria
natureza se encarrega de transformar espontaneamente a vida deles, de uma maneira
extraordinária (CORNELL, 1997). É necessário perceber o que realmente importa, o
imprescindível, o que é urgente nas escolhas dos conteúdos que serão compartilhados com
os estudantes - sem subestimá-los e sem nos subestimar também.

Saber sobre o que nos cerca, do que realmente fazemos parte e como devemos agir
diante da realidade atual vai depender dos nossos conhecimentos sobre tudo. Mais que
isso, o que já sabemos é fruto de um trabalho coletivo ao longo da nossa curta jornada na
história da Terra, pois somos recentes aqui.

Muito tempo se passou desde o surgimento dos primeiros hominídeos, nossos


ancestrais. Alguns eventos históricos trouxeram à tona a necessidade fundamental de se
compreender o ambiente: a vida como coletores e andarilhos, o aumento populacional,
o desenvolvimento da agricultura, nossa permanência em um lugar, o surgimento das
cidades, adaptações ao meio. Nada cresce ou se desenvolve sozinho. Por uma questão de
necessidade e sobrevivência, desenvolvemos maneiras de disseminar o que foi aprendido.

A maneira como compartilhamos irá influenciar diretamente nas lembranças e


significações que tudo isso possa implicar. Segundo Rogers (1988 apud SANTOS, 2008),
uma aprendizagem significativa ocorre a partir do momento que o aluno faz uma
relação do que aprende em aula com seus projetos pessoais, e o professor deve auxiliar
o aluno a encontrar e resolver problemas que sejam significativos em sua vida.

REFLETINDO

O conteúdo do ensino de Ciências da Natureza está presente em muitas


situações do nosso dia a dia. Por que muitas vezes os alunos não se
interessam em estudar Ciências?
14 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

1.2 Alfabetização Científica


É importante compreender o que é dito e escrito. Logo, entender a linguagem
científica e seus significados no mundo se faz necessário para que possamos decidir sobre
nossas vidas, interferir em decisões, opinar e perceber o real significado do que está se
debatendo no momento por uma visão que vá além de nós mesmos.

Já faz tempo que sabemos o quanto a falta de uma perspectiva mais ampla sobre
o mundo é capaz de gerar uma percepção limitada sobre situações complexas, o que nos
leva ao caos ambiental em que o planeta se encontra. Aprender essa linguagem para poder
interagir de forma consciente, presente, ativa e crítica pode, quem sabe, nos encaminhar
para um mundo melhor, mais harmônico, menos desigual.

Conforme Capra (1996, p. 23), nos dias de hoje a humanidade defronta-se “com
toda uma série de problemas globais que estão danificando a biosfera e a vida humana
de uma maneira alarmante, o que pode logo se tornar irreversível”. Dessa maneira, a
alfabetização científica poderá, no futuro, determinar os rumos da humanidade – isso
se continuarmos existindo enquanto espécie no planeta Terra. Além disso, se realmente
a nossa racionalidade é maior que a dos demais seres que compartilham conosco os
diferentes ambientes terrestres, cabe a nós uma grande responsabilidade, pois somos
aqueles que determinam se os demais organismos vivos seguirão existindo. Somos nós
que ponderamos ou não se uma árvore deverá viver ou se será derrubada, por exemplo.

Pense nesta situação: um dia desses, em uma breve caminhada pelo pátio da escola
foi possível observar várias formas de vida. Nos detemos em uma delas, uma árvore, e a
contemplamos com tempo. Muito mais que uma árvore, ela é morada para diferentes seres,
fonte de alimento, lugar de descanso e de relacionamentos entre aves, líquens, insetos e
tantos outros seres vivos. Uma árvore faz fotossíntese, ajudando de certa maneira todos
os organismos aeróbios. Quando se corta um ser deste, se vê que é muito mais que apenas
uma árvore.

Assim que um aluno começa a entender que uma árvore não está isolada de
outros seres e interações, este aluno está se alfabetizando cientificamente. Assim, ele terá
condições de ajudar na preservação das árvores da sua rua ou de um parque, entendendo
que ela é um ser com muitas interações importantes para a vida de todos.
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza | UNIDADE 1 15

GLOSSÁRIO

Fotossíntese é o processo biológico que ocorre nas plantas verdes mediado


pela clorofila, que, por meio da energia da luz solar, absorve água e dióxido de
carbono da atmosfera e transforma-os em energia química. Simultaneamente,
há liberação de oxigênio na atmosfera. É o processo mais importante na Terra,
pois é por meio dele que se obtém a energia essencial para a vida.

Aeróbio é o organismo que é capaz de utilizar oxigênio no seu metabolismo.

Assim, o conhecimento que temos sobre o ambiente que nos cerca, que inclui os
seres vivos, influencia diretamente na alfabetização científica de todos. Como é de interesse
da sociedade para uma formação cidadã, a alfabetização poderá usufruir da ciência para
instigar outras aprendizagens, como a inspiração para ler. Levar para os alunos atividades
que tratem sobre questões sociais e ambientais próximas da realidade cotidiana, alfabetiza
cientificamente e torna a aprendizagem significativa.

Sasseron e Carvalho (2008) ressaltam a importância de se iniciar este processo


desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, pois acreditam que isso permitirá que os
alunos atuem ativamente na construção do conhecimento e no debate de ideias presentes
na sua realidade. Entretanto, devemos reconhecer que a alfabetização científica pode
e deve ser instigada desde a Educação Infantil. Embora se pense que as crianças
menores necessitam de conceitos científicos para compreender processos, é nesta fase
que elas estão descobrindo o mundo e que fazem aquelas perguntas interessantes que
às vezes não sabemos responder e temos que pesquisar. O professor deve estar atento
a estas curiosidades e introduzir a alfabetização científica. Uma maneira de responder
as perguntas é fazer investigações com as crianças. Por exemplo, pense na pergunta de
um aluno: “professora, é verdade que as plantas precisam de água e luz para viver?”.
O professor pode dizer simplesmente que “sim, precisam”, mas também pode dizer que
“para descobrir, nós podemos fazer experimentos”. Nesse caso, pode-se preparar vários
vasinhos para colocar sementes a germinar em diferentes condições: alguns receberão
água, outros não. Alguns receberão luz solar, outros serão colocados no escuro (Figura
1.1). Depois de uma ou duas semanas, se observam os resultados. Dessa forma, as crianças
irão compreender o que as plantas precisam para sobreviver, vivenciando na prática. Como
consequência, levarão o aprendizado para seu cotidiano, pois ele se tornou significativo.
16 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

Figura 1.1 – Experimento para verificar se as plantas realmente precisam de água e luz para sobreviver. À esquerda,
crianças preparando os vasinhos para semear as sementes. À direita, resultado do experimento 15 dias depois.

Fonte: Fotos cedidas por: Camila Dellanhese Inácio, bióloga e executora de um projeto de educação
ambiental em uma escola municipal de educação infantil em Porto Alegre, RS.

É pensando nessa alfabetização científica significativa que trataremos, na seção a


seguir, do método científico.
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza | UNIDADE 1 17

1.3 O Método Científico


Muitos conhecimentos que temos hoje foram obtidos por meio do senso comum.
Por exemplo, um confeiteiro sabe quais ingredientes usar na elaboração de um bolo
doce, assim como as quantidades certas para que ele fique delicioso. Percebe-se que há
conhecimentos químicos, mas também do senso comum, visto que não há uma organização
específica da forma de aquisição deles – além de não serem suficientes para explicar o
porquê de ocorrer tal transformação e qual é a reação química envolvida no processo.

O ser humano utiliza diferentes métodos para tentar explicar os fatos que ocorrem
à sua volta. Com isso, o conhecimento vai sendo construído, por vezes desconstruído e
ainda pode ser reconstruído, conforme as demandas do desenvolvimento da ciência, da
tecnologia e da sociedade. Para explicar os fenômenos da natureza, surgiu a necessidade
de uma investigação mais precisa e objetiva, com a intenção de chegar ao que acreditavam
ser uma verdade. Assim, para realizar uma investigação científica, a ciência utiliza um
modo organizado de trabalho, denominado método científico, que é constituído por várias
etapas as quais descreveremos a seguir.

DESTAQUE

1ª Observação: É a etapa inicial, na qual se observa uma determinada matéria


ou fenômeno.

2ª Hipótese: afirmações prévias para explicar os fenômenos, que serão


verificadas na pesquisa a ser realizada.

3ª Experimentação: realiza-se experimentos e pesquisas bibliográficas com


base nas hipóteses formuladas.

4ª Generalização: é a conclusão a que se chega a partir da comparação dos


resultados obtidos e das análises desses resultados após a realização dos
experimentos.

5ª Teoria e modelo: uma hipótese testada por vários experimentos pode


produzir uma teoria ou modelo.

Entender esta sequência é importante para que estejamos conscientes de


como o conhecimento científico é gerado. Mesmo obtendo-se teorias ou modelos, não
necessariamente chega-se a uma verdade absoluta ou considera-se o resultado como
algo imutável. Novos estudos e experimentos podem ser realizados, obtendo-se novas
teorias que substituem as anteriores. A compreensão sobre as coisas do mundo são
dinâmicas, podendo sofrer mudanças com o passar do tempo.
18 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

1.4 Metodologia de Ensino de Ciências da Natureza


Para iniciar o estudo da metodologia no ensino de Ciências da Natureza, reflita
sobre a seguinte pergunta: O que você lembra das aulas de Ciências da escola? Para
ampliar a pesquisa, faça a pergunta a seus pais, a algum amigo ou a outro familiar. Pode
ser que alguns relatem que se empolgavam com o estudo dos planetas ou de animais que
eram diferentes. Muitos responderão não ter lembrança das aulas, ou ter recordação de
apenas copiar o conteúdo do quadro e realizar exercícios. Outros terão lembranças de aulas
que foram significativas, tanto por sua forma quanto pela matéria aprendida.

Dois tópicos fundamentais, portanto, podem aparecer nessas respostas: o conteúdo


e o método empregado pelo professor. O conteúdo será abordado na Unidade 2 dessa
disciplina, enquanto trataremos sobre o método a seguir.

Existem metodologias de ensino e aprendizagem em que o aluno é passivo na


recepção das informações e o professor atua como detentor do saber e o único responsável
pelo depósito destes conteúdos. Essa proposta “tradicional” revela uma concepção de
educação criada há muito tempo e que permanece em desenvolvimento em muitos espaços
escolares atualmente.

DESTAQUE

Metodologia x Método. Estes dois termos às vezes são usados sem distinção,
mas seu significado é diferente. Método é o caminho que se percorre para
chegar a um resultado, a fim de se cumprir um objetivo. Metodologia é o
estudo dos métodos, com bases filosóficas e epistemológicas. A metodologia
de ensino é o eixo da prática pedagógica da qual o professor se utiliza para
promover a aprendizagem do aluno, por meio dos métodos empregados.

Carvalho e Gil Pérez (2001) realizaram uma pesquisa e constataram que mais de
70% dos entrevistados não lembram o que estudaram no ensino de Ciências. Assim como
as respostas obtidas por nós, todas são o resultado de uma aprendizagem não significativa
– nesse caso, devido ao método tradicional empregado. Este método foca no conteúdo
que, em geral, está distante da realidade do aluno, que tem que decorá-lo para passar na
prova. Nele, o professor detém o conhecimento, o aluno é considerado uma “tábula rasa”
e absorve o conteúdo de forma passiva. Se o conteúdo não faz sentido para o aluno,
ele posteriormente o esquece. Uma sala de aula tradicional tem a uma organização que
impossibilita a interação, como mostrado na Figura 1.2.
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza | UNIDADE 1 19

Figura 1.2 – Disposição das classes numa sala de aula tradicional.

Fonte: Adaptadopor Universidade La Salle (2019).

A disposição das classes em duplas, grupos ou na forma de U (Figura 1.3) permite


uma maior interação entre alunos e professor e é adequada para diferentes métodos que
podem vir a substituir o tradicional, como o método da resolução de problemas, que iremos
tratar a seguir.

Figura 1.3 – Disposição das classes em meia lua ou “U” e em grupos.

Fonte: Adaptado por Universidade La Salle (2019).


20 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

O método tradicional é ainda muito presente nas escolas. Se desejamos que


nossos alunos tenham uma aprendizagem significativa, devemos analisar criticamente o
ensino habitual. Carvalho e Gil-Pérez (2011) nos chamam a atenção para observar alguns
aspectos deste ensino habitual, tais como: currículos enciclopédicos e, ao mesmo tempo,
reducionistas (deixam de lado aspectos históricos, sociais, etc.); a forma de introduzir
conhecimentos (esquece-se das concepções prévias dos alunos, tratamentos puramente
operativos); trabalhos práticos e problemas habitualmente propostos (como uma visão
deformada do trabalho científico e simples exercícios repetitivos); avaliações terminais
(não durante o processo) e limitadas a aspectos conceituais; além da organização escolar
que não favorece a um trabalho de pesquisa coletivo.

Considerando uma aula cuja temática era resíduos recicláveis e não recicláveis,
analise os seguintes exemplos: na primeira sala de aula, o professor pediu para os alunos
abrirem o livro didático e a turma leu em conjunto o texto proposto. Depois, os alunos
responderam as questões do livro e o professor corrigiu. Na segunda sala de aula, o
professor levou diversos resíduos, colocou no centro da sala e solicitou que os alunos, em
uma roda de conversa, discutissem o consumo, descarte e possibilidades de destinação mais
sustentável dos materiais. Surgiram diferentes colocações e pontos de vista. O professor
foi explorando cada um deles e lançou o desafio: “o que fazer para diminuir a quantidade
de resíduos sólidos e destiná-los corretamente?”. Essa atividade foi trabalhada por mais de
um dia de aula.

É possível reconhecer que o primeiro exemplo apresenta uma aula tradicional e o


segundo uma aula contextualizada, que leva o aluno a pensar e a perceber a complexidade
dos temas, que não podem ser respondidos de uma única maneira ou de apenas um ponto
de vista ou perspectiva. É preciso mobilizar saberes, considerar as experiências prévias e
problematizar o entorno para que o ensino de ciências possa fazer sentido na formação das
pessoas.

DESTAQUE

“No final, conservamos aquilo que amamos, amamos só o que entendemos e


entendemos apenas o que somos ensinados.” Baba Dioum – conservacionista
senegalês.
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza | UNIDADE 1 21

1.4.1 Método da Resolução de Problemas


Primeiramente, precisamos deixar claro em que sentido a palavra problema é usada
aqui. Ela pode nos remeter a aspectos ruins e desagradáveis, mas não é esse o sentido
utilizado. Emprega-se problemas para se referir a questões ou situações que necessitam ser
resolvidas por meio do pensar, para as quais não há um caminho direto que vá ao encontro
da solução.

É possível, com um exemplo prático e contextualizado, desenvolver uma


alfabetização científica por meio de uma aprendizagem significativa – mas nunca sem
observar as realidades e possibilidades de desenvolver um trabalho que vai além da
investigação sobre algum tema. É interessante fazer um acompanhamento dos materiais
que os alunos selecionam para a pesquisa, sempre ressaltando a importância de se utilizar
fontes consistentes e confiáveis. Trata-se do método de resolução de problemas, que
busca ensinar a partir de uma abordagem investigativa.

Além disso, o entendimento da língua portuguesa e a interpretação correta do que


se lê também é imprescindível. Para tanto, evidenciar dificuldades pode e deve ser um
dos fatores a ser observados e também trabalhados para um desenvolvimento pleno das
pessoas.

A primeira etapa neste método é fazer com que os alunos se engajem na


atividade. Para tanto, é necessário lançar uma situação-problema para despertar a atenção
do aluno. A aprendizagem por investigação é um método ativo, em que o aluno coloca à
prova os seus modelos e participa ativamente.

Carvalho (2017) aborda os estudos de Piaget em relação a aprendizagem e salienta


a importância de um problema para o início da construção do conhecimento. Além disso,
destaca a relevância de atividades de manipulação, pois estas se encaminham para a ação
intelectual no processo de ensino-aprendizagem, principalmente para jovens e crianças, e
também a importância da tomada de consciência nas atividades de resolução de problemas.

Essas afirmações da teoria de Piaget levam em conta a construção do conhecimento


de cada indivíduo, mas como na escola as turmas têm geralmente entre 20 a 30 alunos,
torna-se importante as considerações trazidas por Vigotsky sobre a construção social do
conhecimento. Segundo Carvalho (2017), uma das contribuições do autor neste processo
é de que a linguagem é um dos principais instrumentos culturais que fazem a mediação a
interação social, facilitando a interação entre professor e aluno. E aqui entram os trabalhos
em grupo, em que os alunos se entendem por meio de uma mesma linguagem, exigindo
que o professor esteja atento para dar orientações aos grupos na resolução dos problemas.
22 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

DESTAQUE

Quando pensamos em fazer diferente, pela beleza da originalidade, pensamos


em como tornar claro e possível trabalhar todos esses temas em uma
atividade que englobe muito mais do que as ciências e sua aplicabilidade.
É necessário gerar e nutrir idéias, possibilitar a reflexão sobre a nossa
presença no mundo e seus significados, dar sentido, perceber-se enquanto
indivíduos participantes de um coletivo que é o mundo.

EXEMPLO DE ATIVIDADE COM PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS:

Problema: Entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, no interior do


estado do Rio Grande do Sul, próximo a capital Porto Alegre, está prestes a ser instalada
uma usina de mineração de carvão. O que é preciso saber para entender o que é uma
usina de mineração?

Em um primeiro momento, podemos, juntamente com a turma, iniciar a observação


do problema. Para torná-lo mais claro, é possível pensar nas palavras que estão no
enunciado e que não se sabe o significado ou que se sabe um pouco. A problematização
pode seguir a partir de uma roda de conversa, abordando os benefícios e prejuízos da
instalação. Para que os alunos formulem hipóteses e encontrem estratégias que possam
resolver a questão, podemos, em sala de aula, tentar buscar informações utilizando os livros
da biblioteca ou pesquisando no celular, tablet ou computador, caso haja disponibilidade
por parte da escola.

Ainda, pode-se fazer um levantamento com a turma para saber quem tem acesso à
internet no cotidiano. Conforme for o resultado, é possível orientar os estudantes para que
complementem sua pesquisa em casa ou mesmo peçam auxílio para seus familiares, dessa
maneira dando continuidade à atividade proposta.

Com os resultados em mãos, poderemos perceber que teremos diversas respostas,


algumas possivelmente semelhantes, outras nem tanto. São, enfim, várias realidades
diferentes. Pode-se pensar como eram feitas as pesquisas há alguns anos atrás. Chegaremos à
conclusão que consultávamos exclusivamente os livros para resolvermos questões. Não havia
muitas das tecnologias que temos no presente. Ainda, talvez em decorrência da desigualdade
social e das diferentes realidades de um país tão extenso, muitos de nós não tenhamos
acesso a tais tecnologias de comunicação, ficando o aluno muitas vezes impossibilitado
de participar efetivamente de alguns avanços tecnológicos. Consequentemente, há um
distanciamento de algo que poderia ser utilizado e é muito estimulante no aprendizado de
ciências. Neste momento, não estaremos só pesquisando a mineração de carvão próximo
a nossa cidade: será possível observar que há uma desigualdade gerada com origem ainda
desconhecida. Estaremos constatando a desigualdade social existente por um abismo que
pode interferir na aprendizagem.
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza | UNIDADE 1 23

É possível perceber que, em uma única questão, há uma série de fatores


envolvidos, possibilitando ou não a resolução de uma atividade e que, além de influenciarem
na pesquisa, interferem diretamente nos resultados obtidos. Trata-se de um estímulo à
pesquisa, que levará a uma alfabetização científica por meio de uma aprendizagem
significativa – especialmente caso os alunos morem em municípios próximos à usina.

Após várias reflexões sobre o tema em questão, é possível ter uma série de
informações que possibilitem a formulação de conceitos que levem o estudante a perceber
a influência da mineração de carvão nas proximidades da sua cidade.

Podemos, a partir daí, seguir para as próximas questões:

• Haverá algum impacto na vida das pessoas que residem próximas da mina?

• Por que minerar carvão?

• O que é carvão?

• Para que é usado?

• Relacione tudo que pesquisou e compartilhe com seus colegas e elaborem um texto
coletivo e divulguem na escola.

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre como uma mina de carvão em Eldorado do Sul ameaça
o Delta do Jacuí, leia em: http://gg.gg/ezqzh.

Ao adotar o método de resolução de problemas, o professor terá função de


incentivador, facilitador e mediador das idéias trazidas pelos alunos, de modo que estas
sejam produtivas, proporcionado aos alunos a prática do pensar e de conceber seus próprios
conhecimentos. Na execução da atividade é gerado um ambiente de cooperação, de busca e
de descoberta, ficando claro que o mais importante é o processo, e não o tempo gasto para
resolver o problema ou a resposta final do trabalho.

Atividades de resolução de problemas podem aproximar o aluno, mesmo que


de modo simplificado, ao método científico, iniciando pela observação do problema,
formulação de hipóteses, busca por estratégias e análise dos dados obtidos para resolvê-lo
(POZO; CRESPO, 2009). Além disso, facilitam a conexão da teoria e da prática e permitem
que o aluno perceba a aplicação do conhecimento na sua vida.
24 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

SÍNTESE DA UNIDADE
• Iniciamos a unidade com uma reflexão sobre a aprendizagem significativa, com
um olhar atento e crítico sobre a evolução das ciências ao longo dos anos, eventos
históricos importantes e relacionados com avanços tecnológicos que permitiram o
desenvolvimento da sociedade como a conhecemos atualmente.

• Abordamos o que é alfabetização científica e sua importância no ensino de Ciências


e na vida de cada um.

• Compreendemos como leis e teorias são postuladas a partir do método científico e


suas etapas de investigação.

• Algumas críticas sobre o ensino tradicional de Ciências foram colocadas para


reflexão.

• Constatamos que, utilizando o método investigativo de resolução de problemas, as


respostas a diferentes questões não precisam ser todas iguais.

• Enfatizamos a importância de conseguir pôr em prática ideias e problemas que


possam levar adiante aprendizagens e responsabilidades, permitindo o desenrolar
de um pensamento individual e coletivo que realmente tenha significado para quem
aprende e para quem ensina. Atentamos à preocupação para uma formação cidadã,
que nos leve a algum lugar onde a sociedade possa ser plena em qualidade de vida
de forma sustentável e mais igualitária.
Introdução aos Estudos de Ciências da Natureza | UNIDADE 1 25

REFERÊNCIAS
ANNUNCIATO, P; SEMIS, L. Qual é a melhor forma de organizar as carteiras na sala de
aula? NOVA ESCOLA, 28 de Março de 2018. Disponível em: http://gg.gg/ezr0o. Acesso em:
14 jul. 2019.

CAPRA, F. A Teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:
Editora Cultrix, 1996. 256p.

CARVALHO, A.M.P; GIL-PÉREZ, D. O Saber e Saber Fazer dos Professores. Em: CASTRO,
Amélia Domingues; CARVALHO, Anna Maria Pessoa (Eds.). Ensinar a Ensinar: Didática para
a escola fundamental e média. São Paulo: Editora Pioneira, 2001. p. 127-124.

CARVALHO, A.M.P. Um Ensino Fundamentado na Estrutura da Construção do Conhecimento


Científico. Revista Eletrônica de Psicologia e Epistemologia Genéticas. V. 9 (N° Especial),
p. 131-158, 2017. Disponível em: http://gg.gg/ezr0e. Acesso em: 20 jul 2019.

CARVALHO, A.M.P. GIL-PÉREZ, Daniel. Formação de Professores de Ciências: tendências e


inovações. 11ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. 127p.

CORNELL, J. A alegria de aprender com a natureza: atividades na natureza para todas as


idades. 1ª ed. São Paulo: 1997. 186 p.

POZO, J.I; CRESPO, M.A.G. A aprendizagem e o ensino de ciências: do conhecimento cotidiano


ao conhecimento científico. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 296p.

SANTOS, J.C.F. Aprendizagem significativa: modalidades de aprendizagem e o papel do


professor. 1ª ed. Porto Alegre: 2008. 96 p.

SASSERON, L.H; CARVALHO, A.M.P. Almejando a alfabetização científica no ensino


fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino
de Ciências, Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 333-352, 2008. Disponível em: http://gg.gg/ezr04.
Acesso em: 15 jul. 2019.
26 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

ANOTAÇÕES
unidade

2
Os PCNs, a BNCC e a
Interdisciplinaridade
Prezado(a) estudante.

Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram
organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo
completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e
tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos
propostos para essa disciplina.

OBJETIVO GERAL
Descrever os elementos estruturais do ensino de Ciências da Natureza e suas
possibilidades de trabalho interdisciplinar.

Contextualizar o ensino de Ciências nas competências gerais da BNCC para o Ensino


Fundamental.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Analisar as abordagens para o ensino de Ciências da Natureza presentes no PCNs;

• Desenvolver projeto interdisciplinar;

• Reconhecer as possibilidades das propostas interdisciplinares para o ensino de Ciências


da Natureza.
QUESTÕES CONTEXTUAIS
1. Como os PCNs e a BNCC organizam o ensino de Ciências?

2. Como instigar os alunos a serem investigativos, aprofundando saberes ao longo


dos anos?

3. Os conteúdos de Ciências são importantes para a vida do aluno? De que maneira?

4. A BNCC propõe o estudo da mesma temática nos diferentes anos da escola,


porém com progressiva complexidade. É possível e interessante esta organização
do ensino?

5. Como um mesmo assunto, por exemplo o uso de agrotóxicos, pode ser trabalhado
nas diferentes áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza
e humanas)?
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 29

2.1 O Ensino de Ciências da Natureza nos PCNs


Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Ciências da Natureza fornecem
diretrizes para normatização de alguns fatores fundamentais relativos ao ensino, no
caso específico, de Ciências da Natureza (BRASIL, 1997). É uma importante referência
para o educador, pois embora já se tenham passados 22 anos desde a sua elaboração, eles
trazem orientações sobre como ensinar Ciências e como avaliar a aprendizagem do aluno,
além de apontar para os conteúdos a serem trabalhados nos diferentes níveis de ensino.
Portanto, servem como um guia para que professores, coordenadores e diretores possam
elaborar suas propostas curriculares, podendo adaptá-las às especificidades locais.

Na época da escrita dos PCNs já era percebida a necessidade de se trabalhar


conteúdos que tenham significado na vida do aluno, tópico que foi estudado na Unidade
1 dessa disciplina. De acordo com os PCNs, uma das capacidades desejadas ao aluno e
que tem relação com a aprendizagem significativa é “formular questões, diagnosticar e
propor soluções para problemas reais a partir de elementos das Ciências da Natureza,
colocando em prática conceitos, procedimentos e atitudes desenvolvidos no aprendizado
escolar” (BRASIL, 1997, p. 31). Nesta capacidade também reconhece-se o uso do método
da resolução de problemas. Habilitado com esta capacidade, o aluno tem condições de
exercitar sua cidadania, consciente de questões do seu entorno que interferem diretamente
na sua vida pessoal. Isto também está relacionado com outra capacidade desejada:
“compreender a natureza como um todo dinâmico, sendo o ser humano parte integrante e
agente de transformações do mundo em que vive” (BRASIL, 1997, p. 31).

Para estimular estas capacidades, pode-se, por exemplo, problematizar com os


alunos a seguinte situação: Por que em determinadas partes da cidade há alagamentos
e enchentes quando chove? Conduza os alunos a pensarem nos caminhos da água, por
que ela não penetra no solo, se há obstáculos no caminho, onde as águas são acumuladas
naturalmente e se o local dos alagamentos e enchentes são áreas de acúmulo natural,
por exemplo. O professor pode solicitar trabalho em grupo, no qual os alunos apontem o
problema envolvido e as possíveis soluções. Irão aparecer ideias que envolvem atitudes
individuais, como, por exemplo, não descartar lixo em locais inapropriados como córregos
e bueiros, assim como outras que envolverão órgãos governamentais na construção de
galerias subterrâneas para escoamento da água, ou até mesmo o questionamento do porquê
impermeabilizar o solo, asfaltando em demasia.

Para dar suporte à constatação destas soluções, o professor deve desenvolver


atividades que abordem o ciclo da água, a permeabilidade do solo, a cobertura vegetal do solo
e o uso de asfalto nas cidades. Podem ser utilizados potes com diferentes substratos, onde
os alunos jogam água e observam o que ocorre, tirando conclusões sobre a permeabilidade
do solo em diferentes situações, por exemplo. Pode-se buscar notícias em jornais e na
30 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

internet (sempre primando pela confiabilidade e veracidade das fontes, instituições de


ensino e pesquisa) sobre este problema na cidade e verificar quais soluções estão sendo
propostas e se elas vão de encontro a aquelas sugeridas pela turma, procurando reconhecer
o que cada um pode fazer para minimizar o problema ou até mesmo solucioná-lo.

Observe que apenas o fato de trabalhar com a exploração da pergunta do problema


em si não é suficiente para que se atinja as capacidades desejadas. É necessário realizar
atividades diversificadas que abordem os conteúdos envolvidos na resolução do
problema. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que será melhor aprofundada no
próximo subcapítulo desta Unidade, traz de modo bem claro essa questão:

Nesse sentido, não basta que os conhecimentos científicos sejam


apresentados aos alunos. É preciso oferecer oportunidades para que eles,
de fato, envolvam-se em processos de aprendizagem nos quais possam
vivenciar momentos de investigação que lhes possibilitem exercitar e
ampliar sua curiosidade, aperfeiçoar sua capacidade de observação, de
raciocínio lógico e de criação, desenvolver posturas mais colaborativas
e sistematizar suas primeiras explicações sobre o mundo natural e
tecnológico, e sobre seu corpo, sua saúde e seu bem-estar, tendo como
referência os conhecimentos, as linguagens e os procedimentos próprios
das Ciências da Natureza (BRASIL, 2017, p. 331).

VÍDEO

Explorar o conteúdo por meio


de canções é um modo atraente,
que leva o tema ao aluno de
forma artística. Palavra Cantada
é o nome da dupla dos músicos
Sandra Peres e Paulo Tatit, que
criam melodias e letras que fazem
a música se aliar a brincadeiras
e educação ao mesmo tempo.
Ouçam duas canções que tratam do tema água: A Grande História da Água
http://gg.gg/ezrhj e de Gotinha em Gotinha http://gg.gg/ezrhs.

É pensando nessa necessidade em proporcionar uma educação significativa que


todas as partes envolvidas no ensino devem engajar-se. Conforme Carvalho (1998),
transformações na educação formal só acontecem se o professor participar ativamente, e
para isso ele deve ter vontade e aceitação na implementação de novas abordagens, mesmo
que isso exija mais do seu tempo e empenho. O professor engajado nessa proposta buscará
propiciar a conquista das competências sem estar preso a uma rotina escolar, mas atrelado
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 31

ao exercício da cidadania, tornando o aluno apto a participar ativamente na sociedade,


cumprindo seus deveres e garantindo seus direitos. O desenvolvimento da autonomia no
aluno também é abordado nos PCNs:

Se a intenção é que os alunos se apropriem do conhecimento científico


e desenvolvam uma autonomia no pensar e no agir, é importante
conceber a relação de ensino e aprendizagem como uma relação entre
sujeitos, em que cada um, a seu modo e com determinado papel, está
envolvido na construção de uma compreensão dos fenômenos naturais
e suas transformações, na formação de atitudes e valores humanos
(BRASIL, 1997, p. 28).

Ainda, é importante frisar que a educação é responsabilidade de todos, e não só


do professor - incluem-se nesse processo, portanto, as ações da família, diretores, vice-
diretores, orientadores, secretários, merendeiras, guardas escolares, pessoal da limpeza e
todas esferas políticas envolvidas.

SAIBA MAIS

Sobre o uso do método de resolução de problemas no ensino de Ciências


de acordo com orientações dos PCNs, Machado (2013) aborda diversos
aspectos do mesmo que precisam ser levados em conta para que se tenha
uma aprendizagem efetiva. Este artigo complementa o que estudamos na
Unidade 1. Acesse: http://gg.gg/ezri7.
32 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

2.2 A Base Nacional Comum Curricular


Buscando aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem, o MEC publicou a
Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017), com o intuito de definir o
que deve ser ensinado em cada ano escolar, independente da localidade, a fim de que se
diminuam as desigualdades no aprendizado nas diferentes regiões do Brasil. Pode surgir
a dúvida: qual a diferença da BNCC e dos PCNs? Guimarães e Semis (2017) respondem
esta e outras questões sobre o tema:

A BNCC foi elaborada à luz do que diz os PCNs [...]. No entanto,


a Base é mais específica, determinando com mais clareza os objetivos
de aprendizagem de cada ano escolar. Ela será obrigatória em todos os
currículos de todas as redes do país, públicas e particulares, ao contrário
dos documentos anteriores, que devem continuar existindo, mas apenas
como documentos orientadores não obrigatórios (GUIMARÃES e
SEMIS, 2017).

Por tratar-se de um documento atual, que já está homologado e norteia os


currículos que estão em vias de implementação por todo o país, vamos abordar aqui as
competências para o ensino de Ciências da Natureza e de que modo elas contemplam as
competências gerais para a Educação Básica, apresentadas no Quadro 2.1:

Quadro 2.1 – As Competências Gerais da Educação Básica.

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural
e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma
sociedade justa, democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação,
a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses,
formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das
diferentes áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também
participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual,
sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se
expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir
sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica,
significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar,
acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo
e autoria na vida pessoal e coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências
que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas
ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e
responsabilidade.
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 33

7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender
ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência
socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em
relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo- se na diversidade
humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e
promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de
indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos
de qualquer natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação,
tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Fonte: Brasil (2017, p. 9-10).

O documento ainda apresenta competências específicas para Ciências da Natureza


no Ensino Fundamental, que dialogam com as dez competências gerais expostas no Quadro
2.1. Conforme o documento, o ensino de Ciências deve ter como meta:

Compreender conceitos fundamentais e estruturas explicativas


das Ciências da Natureza, bem como dominar processos, práticas e
procedimentos da investigação científica, de modo a sentir segurança
no debate de questões científicas, tecnológicas, socioambientais e do
mundo do trabalho, continuar aprendendo e colaborar para a construção
de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

Analisar, compreender e explicar características, fenômenos e processos


relativos ao mundo natural, social e tecnológico (incluindo o digital),
como também as relações que se estabelecem entre eles, exercitando
a curiosidade para fazer perguntas, buscar respostas e criar soluções
(inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das Ciências da
Natureza (BRASIL, 2017, p. 324).

Tais metas relacionam-se aos dois primeiros itens das competências gerais da
Educação Básica. Quanto ao uso de diferentes linguagens e de tecnologias digitais (itens
4 e 5), o documento enfatiza a importância de “tecnologias digitais de informação e
comunicação para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos
e resolver problemas das Ciências da Natureza de forma crítica, significativa, reflexiva e
ética” (BRASIL, 2017, p. 324).

Em relação à valorização da diversidade de saberes e vivências culturais (tópico 6),


o ensino de Ciências inclui “avaliar aplicações e implicações políticas, socioambientais e
culturais da ciência e de suas tecnologias para propor alternativas aos desafios do mundo
contemporâneo, incluindo aqueles relativos ao mundo do trabalho” (BRASIL, 2017,
p. 324).
34 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

O uso de dados e informações confiáveis (tópico 7) também está salientado


nas competências do ensino de Ciências, em que deve-se promover “a consciência
socioambiental e o respeito a si próprio e ao outro, acolhendo e valorizando a diversidade
de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza” (BRASIL, 2017,
p. 324).

Quanto ao tópico 8, a respeito da saúde física e emocional, as Ciências também


apresentam item semelhante: “Conhecer, apreciar e cuidar de si, do seu corpo e bem-estar,
compreendendo- se na diversidade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro,
recorrendo aos conhecimentos das Ciências da Natureza e às suas tecnologias” (BRASIL,
2017, p. 324).

O ensino de Ciências, por fim, também aproxima-se, no documento, à última


competência mencionada, visto que destaca-se a importância de:

Agir pessoal e coletivamente com respeito, autonomia, responsabilidade,


flexibilidade, resiliência e determinação, recorrendo aos conhecimentos
das Ciências da Natureza para tomar decisões frente a questões
científico-tecnológicas e socioambientais e a respeito da saúde
individual e coletiva, com base em princípios éticos, democráticos,
sustentáveis e solidários (BRASIL, 2017, p. 324).

A partir desta comparação, observa-se que os conhecimentos específicos de


Ciências da Natureza são norteados por referências gerais que também servirão de norte
para o ensino de outras áreas, o que denota a integração entre os saberes.

Observa-se que as competências tratam de conhecimentos, habilidades e atitudes,


e espera-se que esse aprendizado contribua para estimular ações que façam a diferença na
vida particular e coletiva com base em princípios éticos e sustentáveis.

Partindo da compreensão da vida em suas diversas facetas, o aluno terá um melhor


entendimento de si próprio, de sua saúde física e mental, transpondo isso para o ser humano
em geral e suas relações com os outros e com o ambiente que o cerca. Tendo esta visão do
todo, permitimos o sentido de pertencimento a este planeta, desenvolvendo o respeito por
todos os seres vivos e ambiente.

Algumas competências, tanto gerais quanto específicas, também destacam a


importância de se refletir sobre os problemas socioambientais que estão à nossa volta.
Dessa forma, podemos pensar em desmatamento, poluição, uso de agrotóxicos, entre
outros. Isso mostra a importância do ensino de Ciências para estas questões urgentes que
refletem na nossa qualidade de vida.

Alguns aspectos já haviam sido mencionados nos PCNs, constatando-se que


a alfabetização científica (também referida como letramento científico) e o método
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 35

investigativo são novamente colocadas como base para uma aprendizagem significativa.
Para que estes conteúdos tragam uma aprendizagem significativa para o aluno, devemos
ter em mente a importância das estratégias que o professor escolhe para que se atinja este
objetivo.

Assim, o método de resolução de problemas, conforme abordado na Unidade 1,


partindo do conhecimento prévio dos alunos e trabalhando sempre que possível questões
de âmbito local, estará de acordo com as competências desejadas para o ensino de Ciências,
tanto nos PCNs quanto na BNCC, fazendo parte de um ambiente de aprendizagem ativo,
como apontados por Carvalho et al. (1998) e Pozo e Crespo (2009). Nesse sentido, de
acordo com a BNCC (2017, p. 322), o professor deve

organizar as situações de aprendizagem partindo de questões que


sejam desafiadoras e, reconhecendo a diversidade cultural, estimulem
o interesse e a curiosidade científica dos alunos e possibilitem definir
problemas, levantar, analisar e representar resultados; comunicar
conclusões e propor intervenções.
36 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

2.3 Conteúdos de Ciências da Natureza


e a Interdisciplinaridade
A BNCC traz os conteúdos de modo diferente que nos PCN’s, pois a mesma
unidade temática deve ser trabalhada em todos os anos, porém, com diferentes habilidades
a serem atingidas, aumentando a complexidade. Assim, por exemplo, tópicos de química
são abordados desde os anos iniciais e não apenas no 9° ano, como era incluído no currículo
anteriormente.

REFLETINDO

Pense de que forma será possível aplicar, na prática, esse aumento de


complexidade dos conteúdos ao longo dos anos, visto que geralmente o
professor não acompanha sua turma nos diferentes anos (principalmente
nos iniciais). Não seria necessário um planejamento em conjunto, em que se
leve em conta esta realidade?

Nos PCNs, os conteúdos de Ciências estavam organizados em quatro blocos


temáticos: Ambiente; Ser humano e saúde; Recursos tecnológicos; e Terra e Universo. Os
primeiros três blocos estavam presentes em todo o ensino fundamental, porém o quarto
bloco, Terra e Universo, só aparecia no terceiro ciclo – o equivalente ao atual Fundamental 2.

Na BNCC, os conteúdos foram organizados em três unidade temáticas: Matéria


e energia; Terra e Universo; e Vida e Evolução. Estas três unidades temáticas estão
presentes em todos os anos do Ensino Fundamental 1 (anos iniciais, 1° ao 5° ano) e 2 (anos
finais, 6° ao 9° ano), e sobre elas trataremos a seguir.

A primeira unidade temática, Matéria e energia, aborda o “estudo de materiais e


suas transformações, fontes e tipos de energia utilizados na vida em geral, na perspectiva de
construir conhecimento sobre a natureza da matéria e os diferentes usos da energia” (BNCC,
2017, p. 325). Neste eixo são abordados a utilização e o processamento de recursos naturais
empregados na geração de energia e na produção de diferentes materiais. Além disso,
trabalha-se com uma visão histórica da utilização desses recursos e materiais, sua relação
com a sociedade e a tecnologia (BNCC, 2017). Esta temática traz elementos bem concretos
que os alunos poderão ver e tocar, pois trata de matéria. Os alunos poderão reconhecer de que
materiais são feitos os objetos, como plástico, vidro, madeira, papel, de onde se retiram estes
materiais, porque devemos utilizá-los com consciência, como eles podem ser transformados.
Estas são algumas das habilidades desejadas nesta temática.
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 37

Esta temática está muito próxima de nós, pois tudo o que existe, o que vemos e
até o que não vemos é formado por átomos e dentro deles há grande energia. Energia esta
que movimenta inclusive as nossas ideias. O entendimento desse mundo nos permitiu
mudar de lugar, sair da zona de conforto, mesmo antes de compreendermos todas as
forças envolvidas em nossa existência. Forças, muitas vezes tão complexas, que nos
levaram e levam como que ao despertar de uma semente que dorme, nos possibilitando o
desenvolvimento enquanto mundo e humanidade. Quando nossa espécie avistou o fogo, no
momento derradeiro do encontro de olhares e a sensibilidade e sentimento pelo semelhante
surgiram (possível de observar no filme “A Guerra do Fogo”), muitas coisas passaram a ter
um novo significado. Perceba que sem matéria e energia, nada haveria.

A segunda unidade temática, Vida e evolução, abrange os estudos dos seres vivos,
incluindo os seres humanos, todas características e necessidades, quais os elementos
necessários à sua manutenção e como ocorrem os processos evolutivos que dão origem à
diversidade de formas de vida no planeta. Também são abordados os ecossistemas, com
enfoque nos brasileiros, e todas as interações entre os seres vivos e com os fatores não
vivos do ambiente, além da importância de se preservar a biodiversidade (BNCC, 2017).
Nesta temática, está incluído conhecimentos sobre o corpo humano e saúde, no qual as
crianças identificam os

cuidados necessários para a manutenção da saúde e integridade do


organismo e desenvolvam atitudes de respeito e acolhimento pelas
diferenças individuais, tanto no que diz respeito à diversidade étnico-
cultural quanto em relação à inclusão de alunos da educação especial
(BNCC, 2017, p. 327).

Vida e evolução é outra temática na qual estamos inseridos, pois abrange a


compreensão da nossa própria vida. Difícil imaginar a beleza das cores das flores sem
insetos e aves a lhes rodear, a polinização, pois tudo está interligado. Sem inter-relação
nada existiria, nem eu nem você, muito menos alunos a quem ensinar. A compreensão
sobre determinados fenômenos nos trouxe até aqui, com uma expectativa de vida maior
por meio do desenvolvimento das ciências e do pensamento. Sim, vivemos mais, mas nem
sempre melhor. Em tudo há um contexto social e relações a serem feitas. Trabalhar com
os alunos sobre a biodiversidade local, do Brasil e do planeta fará com que sua visão de
mundo se amplie e que se perceba que pequenos atos podem contribuir para uma melhora
ou piora de determinado aspecto na sociedade e no ambiente.

Um exemplo de uma simples atividade dentro desta temática é “Reconhecendo


elementos da natureza” - areia, sementes, folhas e frutos, levando a turma para o pátio da
escola ou praça próxima. A atividade tem por intuito desenvolver a percepção do espaço
escolar por meio da observação e utilização do que é encontrado para fazer um desenho
temporário (Figura 2.1). O respeito ao meio ambiente próximo, escola, é conseguido por
38 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

meio de atividades que desenvolvam o olhar, o aprender a ver, despertando o instinto


investigador, a busca pelo conhecimento, curiosidade e instigando a criatividade coletiva e
individual, valorizando os saberes primevos.

Figura 2.1 – Avidade de reconhecimento de elementos da natureza com a criação de um desenho temporário,
desenvolvida com uma turma de 3° ano do ensino fundamental na disciplina de docência compartilhada.

Fonte: Fotos cedidas por: Ilka Marques Santanna, professora da Rede Municipal de Ensino de Guaíba, RS.

SAIBA MAIS

Semeando encanto: A companhia Semeando Encanto, criada em 2008, atua


com pesquisa e prática de atividades relacionadas a arte-educação, cultura
popular e meio ambiente. Por meio da realização de oficinas culturais,
apresentações e exposições artísticas e processos de aprendizagem
participativos para diversos setores e todos os públicos. Tem várias canções
que abordam temas socioambientais, como espécies do cerrado, incluindo
as ameaçadas de extinção (Tatu do Bem), sobre o uso de garrafa pet para
fazer brinquedos (Vai e vem). Conheça melhor esse trabalho acessando pelo
link: http://gg.gg/ezrlc.
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 39

A terceira unidade temática, Terra e Universo, aborda “as características da Terra,


do Sol, da Lua e de outros corpos celestes – suas dimensões, composição, localizações,
movimentos e forças que atuam entre eles” (BNCC, 2017, p. 328). Inclui-se aqui as
observações do céu, do planeta Terra, em especial das zonas habitadas pelo ser humano e
demais seres vivos, além da observação de fenômenos celestes. Também é valorizado os
saberes de diferentes povos da humanidade em relação a Terra e o céu, como os saberes
dos povos indígenas (BNCC, 2017).

É importante que as três unidades temáticas não se desenvolvam isoladamente,


devendo ser consideradas no panorama da continuidade das aprendizagens e da integração
com os conhecimentos durante todos os anos de escolarização. Um exemplo da evidência
desta integração é trazido na BNCC (BRASIL, 2017):

[…] temas importantes como a sustentabilidade socioambiental, o


ambiente, a saúde e a tecnologia são desenvolvidos nas três unidades
temáticas. Por exemplo, para que o estudante compreenda saúde de
forma abrangente, e não relacionada apenas ao seu próprio corpo, é
necessário que ele seja estimulado a pensar em saneamento básico,
geração de energia, impactos ambientais, além da ideia de que
medicamentos são substâncias sintéticas que atuam no funcionamento
do organismo (BRASIL, 2017, p. 329).

Há maneiras de trabalhar que podem nos levar a desenvolver a curiosidade,


o pensamento lógico e a percepção. O ensino de ciências deve acontecer de modo
contextualizado, inovador e interdisciplinar, para que o conhecimento científico esteja
presente na formação do aluno. Se ele relacionar os temas trabalhados em sala de aula com
o cotidiano, ele desenvolverá as habilidades e competências desejadas e poderá interpretar
e compreender os fatos naturais que ocorrem ao seu redor.

Há muita coisa escrita e pensada sobre educação, mas poucas descrevem como
fazer, como desenvolver estas habilidade em si e nos alunos. Há particularidades em cada
região e em cada escola e, dessa forma, cada professor deverá pensar em sua prática a
partir dessa perspectiva. Em outras palavras, nada está pronto. São peças jogadas na mesa
que devem ser montadas, pensadas e sentidas.

Pergunte-se o quanto a ciência é importante na sua vida, daí então, depois pergunte
aos alunos. Bem assim, contando uma história. Os alunos adoram histórias, imagine a
sua, nas vezes em que se surpreendeu com a natureza. Pode acreditar, a criançada vai
adorar saber sobre suas experiências nos ambientes naturais que tiveste oportunidade de
vivenciar e se sentirão mais à vontade para dialogar sobre o que pensam. Os educandos,
nessa simples proposta, aprenderão a perder a timidez, a se posicionar, argumentar, a
perceber e a valorizar a construção de seu pensamento e dos demais colegas.
40 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

Imagine que uma das formas de desenvolver esta atividade poderá ser por meio da
escrita de um texto, um desenho, uma pintura, movimentos corporais, linha de tempo.
Assim, é possível notar que as diferentes disciplinas se inter-relacionam. Aqui, estamos
falando de interdisciplinaridade escolar. Se você parar para refletir um pouco sobre
quaisquer conteúdos e suas inter-relações, como não utilizar as ligações existentes de
determinado saber de ciências com as demais áreas do conhecimento? Há integração de
diferentes áreas como a astronomia, biologia, física, química e geociências, com o objetivo
de compreender situações ao nosso redor. Já nesta integração, há a interdisciplinaridade
científica, que tem por finalidade a produção de novos conhecimentos (LENOIR, 1998).

A interdisciplinaridade escolar, que é nosso foco nesta unidade, tem por finalidade a
difusão do conhecimento, favorecendo a integração de aprendizagens e conhecimentos,
e a formação de atores (LENOIR, 1998). Para isso “coloca-se em prática as condições
mais apropriadas para suscitar e sustentar o desenvolvimento dos processos integradores
e a apropriação dos conhecimentos como produtos cognitivos com os alunos” (LENOIR,
1998, p. 52).

A fim de que a interdisciplinaridade exista realmente, deve haver uma organização


dos conhecimentos escolares sobre os planos curriculares, didáticos e pedagógicos. Nos
anos iniciais é muito mais fácil trabalhar de forma interdisciplinar, pois não há necessidade
de se nomear as disciplinas. Não é preciso o professor dizer “agora acabou a aula de
matemática, vamos começar a aula de ciências”. Esse é um ponto positivo para que o
conhecimento não seja fragmentado.

Um bom exemplo de atividade interdisciplinar é fazer uma horta na escola. A horta


permite a saída da sala de aula e se torna um laboratório vivo. Na horta se pode trabalhar
as necessidades dos vegetais, observar seu crescimento, reconhecer a importância do solo
e da água para as plantas e no momento da colheita e uso na alimentação. Podem ser
abordados os nutrientes que os vegetais nos fornecem e a importância para uma boa saúde.
Durante a observação, faz-se o registro por meio de desenhos ou produção textual - e aí
se está trabalhando o português. Na matemática, faz-se as medições do crescimento, ou
se calcula a quantidade de água necessária para regar o canteiro, depois verificando a
quantidade de sementes produzidas. Pode-se investigar desde quando tal planta é utilizada
como alimento, num contexto histórico. Enfim, fazer uma horta propicia a construção do
conhecimento de forma interdisciplinar, além de fazer a integração de diversos conteúdos
dentro da própria disciplina de ciências (intradisciplinar).

A BNCC elencou os temas contemporâneos transversais, que estão na Figura 2.2.


São temas relevantes no desenvolvimento do aluno como cidadão atuante na sociedade,
para que o ensino se dê de forma mais globalizada e próxima da realidade do educando.
Observe que em todos eles vemos pontos do ensino de Ciências da Natureza que estão
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 41

conectados, sendo que alguns até parecem que são próprios das Ciências da Natureza,
mas devem ser tratados de forma transversal devido à importância para todas as áreas.
Nesse sentido, o documento aponta: “[...] as propostas podem ser trabalhadas tanto em um
ou mais componentes de forma intradisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar, mas
sempre transversalmente às áreas de conhecimento” (BRASIL, 2019).

Figura 2.2 – Os seis temas contemporâneos transversais, elencados pela BNCC.

Meio Ambiente
Educação Ambiental
Educação para o consumo
Ciência e Tecnologia Economia
Ciência e Tecnologia Trabalho
Educação Financeira
Temas Contemporâneos Educação Fiscal

Multiculturalismo Transversais
Diversidade Cultural Saúde
BNCC
Educação para valorização Saúde
do multiculturalismo nas Educação Alimentar e
matrizes históricas e Nutricional
culturais brasileiras
Cidadania e Civismo
Vida Familiar e Social
Educação para o Trânsito
Educação em Direitos Humanos
Direitos da Criança e do Adolescente
Processo de envelhecimento,
respeito e valorização do Idoso

Fonte: Adaptado de MEC (2019).

SAIBA MAIS

Trabalhar com temas transversais na escola não é tarefa fácil. A pesquisa de


Santos e Santos (2016) traz informações da inserção da Educação Ambiental
na prática escolar. Acesse e baixe o artigo completo: http://gg.gg/ezrmi.

Um exemplo de tema interdisciplinar é a questão dos resíduos, que envolve Educação


Ambiental e Educação para o Consumo. Os resíduos podem ser trabalhados em Ciências
da Natureza, quando se verificam as características de diferentes materiais presentes em
objetos de uso cotidiano (vidro, madeira, metal, etc.), consumo consciente, descarte
adequado e materiais que se decompõem (Figura 2.3). Na Educação Artística, se pode
confeccionar objetos e brinquedos a partir de resíduos que seriam descartados. Na
Matemática, pode-se calcular as quantidades de resíduos que são produzidos diariamente
por uma pessoa ou por uma cidade. Em História, pode-se pesquisar como eram destinados
42 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

os resíduos no passado e como é a percepção dos resíduos em diferentes realidades no


mundo. Em Geografia, é possível buscar, por meio da origem dos resíduos, em que locais
os mesmos são produzidos e depositados - se são regionais, de outros estados do Brasil ou
de outros países. Em Português, faz-se a leitura dos rótulos, onde se identifica a constituição
de cada produto, além da composição e leitura de poemas, que é uma forma de expressão
diferente e que chama a atenção das crianças. Poesias podem ser instrumentos de qualquer
área/disciplina em que se queira incentivar a leitura e desenvolver o pensamento, gerando
autonomia e participação social. Um exemplo de poesia neste contexto é “O apanhador de
desperdícios”, de Manoel de Barros. Além de ser um tema interdisciplinar, faz parte dos
temas transversais.

REFLETINDO

Lixo X resíduo e reciclar X reutilizar. Você utiliza estas palavras como


sinônimos? Faça uma pesquisa e veja as diferenças.

Figura 2.3 – Experiência - qual tipo de lixo pode virar adubo (transformação da matéria). Imagem da esquerda no dia
em que foi enterrado cascas de frutas e um saco plástico e a imagem da direita é cerca de 45 dias depois.

Fonte: Fotos cedidas por: Camila Dellanhese Inácio, bióloga e executora de um projeto de educação
ambiental em uma escola municipal de educação infantil em Porto Alegre, RS.
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 43

DESTAQUE

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras fatigadas de informar.

Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão

tipo água pedra sapo.

Entendo o sotaque das águas

dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes

prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim um atraso de nascença.

Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:

Amo os restos

como as boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.

Porque eu não sou da informática:

Eu sou da invencionática

Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros

A respeito da política dos cinco erres (5 R’s - repensar, reduzir, recusar, reutilizar e
reciclar) e o consumo consciente, há diversas atividades que podem ser desenvolvidas em
sala de aula. Uma delas é descrita por Inácio et al. (2004). Os autores propõem uma
atividade lúdica que pode ser aplicada a diferentes faixas etárias partindo do recorte de
encartes de supermercados, onde primeiramente se separam os produtos que geram
44 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

resíduos secos e orgânicos, depois se subdivide os resíduos secos e verifica-se que um


mesmo produto pode ser embalado por diferentes materiais, dentre outros aspectos. Esta é
mais uma atividade que pode ser desenvolvida interdisciplinarmen te dentro da questão
dos resíduos a partir do tema transversal “meio ambiente”.

VÍDEO

“A história das coisas” (The story


of stuff) é um documentário de
autoria de Annie Leonard que
aborda o consumo exagerado de
bens materiais, mostrando todo o
processo que vai desde a extração
da matéria, confecção do produto,
venda, compra e falsa ideia de
necessidade, até o momento de
descarte e poluição.
O documentário de 20 minutos deu origem ao livro que está disponível para
baixar na internet e também para compra. Assista ao vídeo pelo link:
http://gg.gg/ezrpu.
Livro: LEONARD, A. A história das Coisas: da natureza, o que acontece com
o que consumimos. Nova Iorque: Jorge Zaar Editora: 2011, 264p.

REFLETINDO

Pensando na geração de resíduos… Enquanto professores, quando


escolhemos uma determinada atividade, estamos refletindo suficientemente
bem sobre os materiais que serão utilizados e sua relevância na aprendizagem
e nas futuras tomadas de decisões referentes ao meio ambiente como um
todo?
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 45

O ensino de Ciências é capaz de gerar atitudes nos alunos, subsidiado pelos


fundamentos científicos. Nos PCNs, há uma colocação que vem ao encontro deste exemplo
da questão dos resíduos (BRASIL, 1997):

Não basta ensinar, por exemplo, que não se deve jogar lixo nas ruas
ou que é necessário não desperdiçar materiais, como água, papel ou
plástico. Para que essas atitudes e valores se justifiquem, para não
serem dogmas vazios de significados, é necessário informar sobre
as implicações ambientais dessas ações. Nas cidades, lixo nas ruas
pode significar bueiros entupidos e água de chuva sem escoamento,
favorecendo as enchentes e a propagação de moscas, ratos ou
outros veículos de doenças. Por sua vez, o desperdício de materiais,
considerado no enfoque das relações entre os componentes do ambiente,
pode significar a intensificação de extração de recursos naturais, como
petróleo e vegetais que são matéria-prima para a produção de plásticos
e papel (BRASIL, 1997, p. 37).

Como pudemos observar na abordagem dos PCNs e BNCC, além da Unidade 1,


estudar ciências não está somente relacionado ao ensino de ciências, mas abrange
tudo que nos cerca no meio ao qual fazemos parte. É necessário e bastante importante
relacionar aprendizados para poder dar significado a eles e ir além da acumulação de
saberes. Se queremos um mundo que continue existindo, assim como nós e as demais
espécies e ambientes, é preciso buscar essa plenitude em um saber harmonioso em si,
interdisciplinar.

Ao buscar a compreensão sobre temas variados, buscamos a nós mesmos. Ao tentar


entender as cores do arcoíris, devemos ir além de suas cores. Um professor que pensa sobre
isso não estará preocupado apenas com o momento e possível aprovação de seu aluno:
ele irá além de si, e levará o aprendiz a perceber seu papel no mundo e ir além também.
Para que o educando aprenda a respeitar a natureza, antes se faz necessário que o próprio
professor a respeite, compreendendo a inter-relação de todas as coisas que nos rodeiam.

SAIBA MAIS

Leia a Carta do chefe indígena Seattle, escrita há mais de 150 anos. Ele
retrata o amor e respeito pela Terra, onde tudo está interligado.

“Isto sabemos: a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra.


Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma
família. Há uma ligação em tudo.”

Disponível em: http://gg.gg/ezrqp.


46 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

SÍNTESE DA UNIDADE
• Primeiramente abordamos o ensino de Ciências da Natureza como parte dos PCNs
e da BNCC, documentos que são balizadores para a construção das propostas
curriculares.

• Tanto os PCNs quanto a BNCC enfatizam a importância da aprendizagem


significativa, reforçam o uso do método de resolução de problemas, de caráter
investigativo, e a alfabetização científica, permitindo que os aprendizados
ultrapassem os muros da escola, promovendo mudanças e tornando os alunos
cidadãos ativos e comprometidos com o ambiente e a sociedade.

• As competências desejadas para o ensino de Ciências são bem representativas das


competências gerais da Educação Básica.

• Os conteúdos estabelecidos para os anos iniciais do ensino fundamental estão


organizados em três temáticas: Matéria e Energia, Terra e Universo, e Vida
e Evolução. Ambos estão presentes em todos os anos, com diferentes graus de
complexidade.

• A interdisciplinaridade é uma das maneiras de tornar a aprendizagem significativa


e para o ensino de Ciências da Natureza é vista como algo indissociável.

• Exemplos de atividades são dados ao longo da Unidade.

• É preciso que o educador repense seus próprios hábitos para que ele possa levar
os alunos a refletir os seus. É fundamental uma reflexão e ressignificação da
compreensão da natureza para o educador de maneira que ele possa levar para a sala
de aula o que ele próprio vivenciou e experimentou verdadeiramente. Apaixonar-se
pelo conteúdo e a percepção da importância de tais conhecimentos é primordial
para uma educação relevante, atual e profunda.
Os PCNs, a BNCC e a Interdisciplinaridade | UNIDADE 2 47

REFERÊNCIAS
BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências da Natureza – 1º e 2º ciclos.
Brasília: MEC/SEF, 1997. 136p.

BRASIL. MEC. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://gg.gg/ezrr6. Acesso em: 19 jul. 2019.

BRASIL. MEC. Temas contemporâneos transversais na BNCC: proposta de práticas de


implementação. Brasília: MEC, 2019. Disponível em: http://gg.gg/ezrrd. Acesso em: 20 jul. 2019.

CARVALHO, A.M.P et al. Ciências no ensino fundamental: o conhecimento científico. São


Paulo: Scipione, 1998.

GUIMARÃES, C; SEMIS, L. 32 respostas sobre a Base Nacional Comum Curricular. Nova


Escola, 02 de Março de 2017. Disponível em: http://gg.gg/ezrrh. Acesso em: 21 jul. 2019.

INÁCIO, C.D. et al. O lixo nosso de cada dia: o que fazer? In: KINDEL, E.A.I; SILVA, F.W.;
SAMMARCO, Y.M. (Orgs.). Educação Ambiental: vários olhares e várias práticas. Porto Alegre:
Mediação, 2004. p. 85-88.

LENOIR, Y.. Didática e interdisciplinaridade: uma complementaridade necessária e incontornável.


In: FAZENDA, I.C.A. (org.). Didática e interdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 1998. p. 45-76.

POZO, J.I; CRESPO, M.A.G. A aprendizagem e o ensino de ciências: do conhecimento cotidiano


ao conhecimento científico. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 296p.
48 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Aline Beatriz Pacheco Carvalho

ANOTAÇÕES
unidade

3
Dimensões para o Estudo das
Ciências da Natureza
Prezado(a) estudante.

Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram
organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo
completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e
tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos
propostos para essa disciplina.

OBJETIVO GERAL
Conhecer algumas dimensões em que o trabalho com Ciências da Natureza pode ser
desenvolvido.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Identificar a relação entre Educação e Sustentabilidade;

• Reconhecer a relação entre Educação e Saúde;

• Conhecer a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade;

• Identificar a relação entre as questões de gênero, sexualidade e o ensino de Ciências da


Natureza.
QUESTÕES CONTEXTUAIS
1. Você consegue dar exemplos de ações sustentáveis em sua comunidade escolar?

2. Quais são exemplos práticos de riscos ambientais com estas características a


que a nossa sociedade está exposta?

3. No Brasil, que fatos históricos podem ser lembrados como origens dos atuais
problemas ambientais do país?

4. Você conhece a diferença entre os termos “ciência básica” e “ciência aplicada”?

5. Que outros tópicos você poderia sugerir para a discussão da temática Ciência,
Tecnologia e Sociedade?

6. Você já se perguntou como o meio em que vive afeta a sua saúde?

7. Você conhece o significado de equidade?

8. Você pode citar o nome de uma grande cientista e sua contribuição para o
conhecimento científico?
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 51

Contextualizando
Ciências da Natureza é um tema tão amplo quanto complexo, repleto de um
conhecimento específico detalhado, mas que está em contato com incontáveis outras
temáticas e outras linhas de conhecimento, fazendo desta uma ciência apaixonante e uma
incrível ferramenta para educadores em todas as etapas da formação escolar. As diferentes
dimensões do conhecimento das Ciências da Natureza permitem o engajamento em uma
perspectiva interdisciplinar que engloba, além da formação científica e biológica clássica,
todos os demais aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais emergentes em uma
sala de aula.
52 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

3.1 Educação e Sustentabilidade


No passado, o Homem enfrentou dificuldades para produzir seu sustento
e proteção. Com o progresso tecnológico, aperfeiçoou suas armas,
instrumentos e processos, “venceu” os obstáculos e “inimigos” que a
“Natureza” lhe opunha e anunciou o advento de um homem “civilizado”
e feliz. Mas a organização social e os estilos de vida impostos pela
“civilização” – agravados pelos aspectos predatórios do modo de
produção capitalista - geraram variadas formas de mal-estar moderno
ao manterem o princípio de exploração e violência dos dominadores
sobre os dominados. A injusta apropriação do saber e dos recursos pelos
primeiros explica o “fracasso da modernidade” – que não é “culpa” da
ciência, da razão, ou da “modernidade”, apontadas em certos discursos
como vilãs de todas as crises. Também, se pareceu “dominar” a natureza,
o homem civilizado recebeu, como “resposta” ou “revanche”, a ameaça
do esgotamento dos recursos ambientais indispensáveis à vida: a crise
ecológica, ou “questão ambiental”. A educação se insere na gênese do
problema, mas também nas esperanças de solução. Quanto aos anúncios
da “morte do Planeta” ou “extinção da vida”, são ameaças que se dirigem
tão só e diretamente à vida humana. Vida que (tanto!) nos interessa
preservar. (SANTOS, 2002, p. 259).

O termo sustentabilidade tem sido incansavelmente utilizado nos dias de hoje.


Entretanto, o mesmo segue, desde sua primeira citação até a atualidade, apresentando
diversas interpretações de acordo com os fins a que se destina.

Segundo Mikhailova (2004), em seu sentido lógico a sustentabilidade é a capacidade


de se sustentar, de se manter. E uma atividade sustentável é aquela que pode ser mantida
para sempre. Pensando na relação entre humanidade e meio ambiente, uma exploração de
um recurso natural exercida de forma sustentável é aquela feita de forma equilibrada e
consciente, permitindo que as próximas gerações também tenham o direito de usufruir do
mesmo recurso. Desta forma, uma sociedade sustentável seria aquela que não coloca
em risco os elementos do meio ambiente; desenvolvimento sustentável seria aquele que
melhora a qualidade da vida do ser humano na Terra ao mesmo tempo em que respeita a
capacidade de produção dos ecossistemas nos quais vivemos (MIKHAILOVA, 2004).

Essas informações estão em consonância com o que foi apresentado em 1987 pela
Organização das Nações Unidas (ONU). No relatório publicado pela Comissão Mundial
para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, o seguinte conceito foi apresentado:

DESTAQUE

“Desenvolvimento sustentável é aquele que busca as necessidades presentes


sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas
próprias necessidades.”
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 53

Esta definição, ainda que tenha ganhado notoriedade, passou a ser utilizada em
sentido demasiadamente amplo, atrelando todas as atividades à necessidade de reserva de
recursos para as futuras gerações, sem considerações temporais ou locais, por exemplo.
Este conceito, quando aplicado com rigor, excluía da sustentabilidade quase todas as
atividades humanas em longo prazo.

Em 2002, durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a ONU


divulga uma nova definição:

DESTAQUE

“O desenvolvimento sustentável procura a melhoria da qualidade de vida


de todos os habitantes do mundo sem aumentar o uso de recursos naturais
além da capacidade da Terra.”

Nestes novos parâmetros, fica clara a necessidade de ações distintas em cada região
do mundo para que se atinja um desenvolvimento sustentável, concentrando os esforços no
crescimento e equidade econômica (crescimento responsável de longa duração para todas
as nações), na conservação de recursos naturais e do meio ambiente, e no amplo e irrestrito
desenvolvimento social.

Assim, o conceito de sustentabilidade deve ser utilizado como o princípio de um


processo de desenvolvimento centrado nas pessoas e que pode se tornar o fator mobilizador
e motivador dos esforços da sociedade para transformar as instituições sociais, os padrões
de comportamento e os valores dominantes. Para Ratiner (1999), este conceito vai além do
exercício de explicar a realidade e exige o teste de coerência lógica em aplicações práticas,
quando o discurso é transformado em realidade concreta. Desta forma, percebemos a
importância de se abordar os alunos a respeito de sustentabilidade, desenvolvimento
sustentável, seus exemplos e aplicações práticas.

REFLETINDO

Você consegue dar exemplos de ações sustentáveis em sua comunidade


escolar?

Saindo da conceituação para a prática, o desenvolvimento sustentável se refere


a uma estratégia múltipla para a sociedade, que deve levar em conta tanto a viabilidade
econômica como a ecológica, implicando, portanto, uma inter-relação necessária entre
justiça social, qualidade de vida, equilíbrio ambiental e a ruptura com o padrão tradicional
de desenvolvimento (JACOBI, 2003).
54 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

A preocupação com o desenvolvimento sustentável representa a possibilidade de


se buscar mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais
que sustentam as comunidades. A degradação dos ecossistemas naturais e as sucessivas
ameaças a qualidade de vida em geral tornaram-se uma preocupação constante das
populações nos quatro cantos do planeta.

Beck (1992) define a complexidade desse processo de transformação do planeta


como “sociedade de risco”, quando riscos se caracterizam por ter consequências, em
geral de alta gravidade, desconhecidas em longo prazo e que não podem ser avaliadas com
precisão, como é o caso dos riscos ecológicos, químicos, nucleares e genéticos.

REFLETINDO

Quais são exemplos práticos de riscos ambientais com estas características


a que a nossa sociedade está exposta?

O conceito de sustentabilidade se opõe ao paradigma da “sociedade de risco”, o que


reforça a necessidade de se multiplicarem as práticas sociais baseadas no fortalecimento
do direito ao acesso à informação e à educação ambiental em uma perspectiva integradora.
Jacobi (2003) afirma que há uma demanda para que a sociedade esteja mais motivada e
mobilizada para assumir um papel mais propositivo, e que seja capaz de questionar, de
forma concreta, a falta de iniciativa do governo na implementação de políticas ditadas pela
sustentabilidade e pelo desenvolvimento num contexto em que a inclusão social torna-se
cada vez mais difícil.

Neste sentido, a educação surge como resposta para a formação desta


sociedade capaz de enfrentar os problemas da “sociedade de risco” tendo em vista os
preceitos da sustentabilidade atualmente considerados. A educação é o único processo
capaz de modificar atitudes, modificando conceitos e formando a consciência, pois é
na educação que se dá o desenvolvimento máximo das potencialidades de cada
indivíduo. A educação ambiental utiliza conteúdos de várias disciplinas e seu conteúdo
depende muito do público com que se está trabalhando, sendo importante que se origine
do levantamento das problemáticas ambientais locais, embora sem deixar de situar o
problema específico dentro do contexto global (TRIVELATO e SILVA, 2016). Assim,
o desenvolvimento de programas de educação ambiental em um contexto escolar se
faz mais do que interessante: é indispensável na tentativa de atingir as metas sociais
discutidas.

Os objetivos da educação ambiental foram definidos pela Organização das


Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 1975, no documento
conhecido como Carta de Belgrado, sendo estes:
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 55

• Tomada de consciência: Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a adquirir maior


sensibilidade e consciência do meio ambiente em geral e dos problemas.

• Conhecimentos: Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a adquirir uma compreensão


básica do meio ambiente em sua totalidade, dos problemas associados e da presença
e função da humanidade neles, o que necessita uma responsabilidade crítica.

• Atitudes: Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a adquirir valores sociais e um


profundo interesse pelo meio ambiente que os impulsione a participar ativamente
na sua proteção e melhoria.

• Aptidões: Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a adquirir as aptidões necessárias


para resolver os problemas ambientais.

• Capacidade de avaliação: Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a avaliar as


medidas e os programas de educação ambiental em função dos fatores ecológicos,
políticos, sociais, estéticos e educativos.

• Participação: Ajudar às pessoas e aos grupos sociais a desenvolver seu sentido de


responsabilidade e a tomar consciência da urgente necessidade de prestar atenção
aos problemas ambientais, para assegurar que sejam adotadas medidas adequadas.

SAIBA MAIS

Para fazer a leitura da Carta de Belgrado, acesse pelo link: http://gg.gg/f0smu.

Apoiada nestes objetivos, a educação ambiental se consolida como uma prática


educativa integrada, que pode ocorrer em diversos contextos e oferecer uma contribuição
muito grande ao processo educativo em geral e à formação de cidadãos mais conscientes
do seu papel na sociedade em relação aos outros e ao meio ambiente (TRIVELATO e
SILVA, 2016). A educação ambiental deve ser vista como um processo de permanente
aprendizagem que valoriza as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos com
consciência local e planetária.

Na perspectiva da ecologia integral, quando os astrônomos descobriram que a Terra


era um planeta e os navegadores deram a volta ao seu redor, iniciou-se a era na qual se
percebe que somos os minúsculos habitantes de um enorme sistema, que fazemos parte de
uma comunidade de bilhões de seres, e com isso ampliamos nossa consciência de ligação
entre todos os seres vivos e o planeta (MANSOLDO, 2012). A essa consciência, se dá o
nome de consciência planetária. A visão de mundo fragmentada vai sendo substituída
56 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

pelo conhecimento das interligações nos planos econômico, científico, cultural, político
e, obviamente, na natureza, apontando a responsabilidade de todos pelo futuro comum
da Terra (MANSOLDO, 2012). A consciência planetária, quando trabalhada dentro do
contexto da educação ambiental, favorece o exercício consciente e democrático dos nossos
direitos e deveres de cidadãos.

Deve-se sempre lembrar também que para entender com clareza qualquer situação
atual, é necessário que se analise e discuta fatos históricos. Isto também se aplica à questão
ambiental, e deve ser considerado durante o processo de ensino e de planejamento de ações
em termos de educação ambiental. Ao se analisar fatos políticos, econômicos ou sociais
envolvidos no processo de degradação ambiental, podemos encontrar a origem destes
problemas, buscando solucioná-los desde aí. Sem a visão histórica e análise crítica, os
resultados da discussão se tornam superficiais e incompletos.

REFLETINDO

Que fatos históricos da história brasileira podem ser lembrados como


origens dos atuais problemas ambientais do país?

SILVA (2007) classifica a educação ambiental em três diferentes concepções:


conservadora (oposição entre ser humano destruidor e natureza pura e harmônica),
pragmática (visão antropocêntrica, natureza vingativa) e crítica (ser humano
pertencendo a uma teia de relações naturais e culturais envolvendo a natureza) (Quadro
3.1). A educação ambiental em ambiente escolar deve primar pela concepção crítica, com
atividades interdisciplinares, que visem as discussões e resoluções de problemas gerados
a partir de temas locais.

Acima de tudo, para o educador ambiental nas escolas, cabe ressaltar que a
conscientização é um processo contínuo, que deve iniciar na primeira formação escolar,
perpassando todos os níveis de formação do aluno, acompanhando de forma transversal o
seu desenvolvimento educacional.

Considerando-se a concepção crítica da educação ambiental, os preceitos da


sustentabilidade, e os conteúdos que integram os currículos de ciências nos anos escolares,
percebe-se uma ligação direta e uma natural harmonia. Ensinar ciências exige sempre
o desenvolvimento das capacidades de observação, de análise que parte da minúcia e
da especificidade e se relaciona com o todo e com o sistêmico. É um estudo de causas e
consequências, baseado sempre em hipóteses e evidências construídas acima de quaisquer
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 57

verdades impostas sem uma visão crítica. O professor de ciências tem em suas mãos todas
as ferramentas necessárias para a melhor aplicação dos preceitos da educação ambiental,
visando a sustentabilidade no desenvolver de seus conteúdos obrigatórios. Assim, a este
professor cabe também a tarefa de facilitação da transversalidade do tema entre as demais
disciplinas escolares, sendo este talvez o seu maior desafio.

Quadro 3.1 – Concepções da Educação Ambiental.

Caracterização da Educação Ambiental


Dimensões de Análise
Concepção Conservadora Concepção Pragmática Concepção Crítica
• dicotomia ser humano-ambiente; • antropocentrismo; • complexidade da relação;
• ser humano como destruidor; • ser humano capaz de usar sem • ser humano pertence à teia de
• retorno à natureza primitiva destruir; relações naturais e culturais e
(arcaísmo ou idilismo); • perspectiva fatalista; vive em interação;
Relação ser humano/ • relação de harmonia homem/ • precisa proteger o ambiente para • relação historicamente
ambiente natureza; poder sobreviver; determinada;
• ser humano faz parte da natureza • ser humano como biológico e • ser humano como biopsico-
em sua dimensão biológica social; social, dotado de emoções.
(reducionismo biológico). • lei da ação e reação (natureza
vingativa).

• cientista/especialista como único • relação entre ciência e sociedade • conhecimento científico como
detentor do saber; de forma uticitária; produto da prática humana;
• base empirista; • conhecimento científico ocorre de • interdisciplinaridade na
• conhecimento como algo externo forma linear; produção do conhecimento;
ao cientista; • ênfase nos resultados; • processo de investigação
Ciência e tecnologia • ciência como portadora da • resolução dos problemas envolve rupturas e mudanças
verdade e da razão; ambientais pela ciência e tecnologia; de rumo;
• produção científica isolada da • supremacia do saber científico • ciência como uma das formas
sociedade. sobre o popular. de interpretação do mundo;
• cultura local como
conhecimento.

• questões que envolvem conflitos • conflito apresentado como um • questões controversas são
não abordadas; “falso consenso”; apresentadas na perspectiva de
• padrões de comportamento em • solução depende do que querer vários sujeitos sociais;
uma perspectiva maniqueísta; fazer; • questões de igualdade de
• todos são igualmente • ênfase nos comportamentos acessos aos recursos naturais e
Valores éticos
responsáveis pelos problemas e individuais-normativo; distribuição desiqual de riscos
pela qualidade ambiental. • relação direta entre informação e ambientais são discutidas;
mudança de comportamento. • incentivo à formação, valores
e atitudes direcionados pela
ética e justiça ambiental.

• não há uma contextualização • participação do Estado como • proposta de “cidadania ativa”;


política e social dos problemas projetos e normas; • responsabilidades das
ambientais; • oposição entre social e natural; diferentes instâncias (sociedade
• a dimensão da participação • cidadão é o consumidor; civil, governo, ONGs);
Política
política não aparece. • proposta de atuação individual. • fortalecimento da sociedade
civil;
• ênfase na participação
coletiva.

• atividade de contemplação; • atividades “técnicas/ • propostas de atividades


• datas comemorativas; instrumentais” sem propostas de interdisciplinares;
• atividades externas de “contato reflexão (ex. separar materiais para • resolução de problemas como
com a natureza” com fim em si reciclagem); temas geradores;
Atividades Propostas
mesma. • resolução de problemas • exploram-se potencialidades
ambientais como atividade fim; ambientais/locais/regionais;
• atividades que apresentem • estudo do meio;
resultados rápidos. • role play - tema controverso.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de Silva (2007).


58 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

3.2 Ciência, Tecnologia e Sociedade


Ciência, em uma visão generalista, é todo conhecimento adquirido por meio de
experimentos sistematizados. Já a tecnologia refere-se a aplicação de conhecimento
visando transformar ou controlar o meio em que vivemos, ou realizar tarefas
fisicamente impossíveis para a espécie humana. Neste sentido, a tecnologia está associada
diretamente ao conhecimento científico, de forma que hoje tecnologia e ciência são termos
quase indissociáveis, podendo levar a um erro de entendimento no qual a tecnologia acaba
reduzida à dimensão de ciência aplicada.

REFLETINDO

Você conhece a diferença entre os termos “ciência básica” e “ciência


aplicada”?

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia tem acarretado diversas transformações


na sociedade contemporânea, refletindo em mudanças nos níveis econômico, político e
social, resultando no senso comum de que ciência e tecnologia são os motores do progresso
e proporcionam não só desenvolvimento do saber humano, mas, também uma evolução
real para o homem (PINHEIRO et al., 2007). Segundo Auler (2007), nossa sociedade
costuma apresentar uma perspectiva salvacionista/redentora à ciência e à tecnologia
(CT), considerando que os problemas hoje existentes e os que vierem a surgir serão,
necessariamente, resolvidos com o desenvolvimento cada vez maior da CT, e que com
mais e mais CT teremos um final feliz para a humanidade. Contudo, o autor afirma que o
desenvolvimento científico-tecnológico não pode ser considerado um processo neutro,
que deixa intactas as estruturas sociais sobre as quais atua.

Nem ciência, nem tecnologia proporcionam mudanças que afetam sempre no


melhor sentido aquilo que transformam, e o progresso científico e tecnológico não
coincide necessariamente com o progresso social e moral (SACHS, 1996). Sendo assim,
precisamos de uma imagem de ciência e tecnologia que possa trazer à tona a dimensão
social do desenvolvimento científico-tecnológico, entendido como produto resultante de
fatores culturais, políticos e econômicos, analisando seu contexto histórico e considerando
uma realidade cultural que contribui de forma decisiva para mudanças sociais, cujas
manifestações se expressam na relação do ser humano consigo mesmo e os outros
(PINHEIRO et al., 2007).

Com o este entendimento de que o conhecimento científico e o desenvolvimento e


aplicação de tecnologias tem o poder de transformar o mundo em que vivemos em todas
as escalas, surge à necessidade de se discutir o papel da sociedade nesta relação. No meio
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 59

acadêmico, surge então o tema Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), especialmente


discutido em ambiente escolar nas disciplinas de ciências em geral e juntamente com os
tópicos desenvolvidos de forma multidisciplinar pela educação ambiental. A proposta
curricular de CTS corresponderia, portanto, a uma integração entre educação científica,
tecnológica e social, em que os conteúdos científicos e tecnológicos são estudados
juntamente com a discussão de seus aspectos históricos, éticos, políticos e socioeconômicos
(LÓPEZ e CEREZO, 1996).

Para Roberts (1991), os estudos de CTS apresentam uma concepção de: (i)
ciência, como atividade humana que tenta controlar o ambiente e a nós mesmos, estando
intimamente relacionada à tecnologia e às questões sociais; (ii) sociedade, como ente que
busca desenvolver no público em geral e também nos cientistas, uma visão operacional
sofisticada de como são tomadas decisões sobre problemas sociais relacionados à ciência e
tecnologia; (iii) aluno, como alguém que preparado para tomar decisões inteligentes e que
compreenda a base científica da tecnologia; e (iv) professor, como aquele que desenvolve
o conhecimento e o comprometimento com as inter-relações complexas entre ciência,
tecnologia e decisões a serem tomadas conjuntamente como sociedade.

Para Bybee (1987), a pesquisa e o desenvolvimento curricular que incluem CTS


devem contemplar, entre outros: (i) a apresentação de conhecimentos e habilidades
científicos e tecnológicos em um contexto pessoal e social; (ii) a inclusão de conhecimentos
e habilidades tecnológicos; (iii) a ampliação dos processos de investigação de modo a
incluir a tomada de decisão e (iv) a implementação de projetos de CTS no sistema escolar.

Em outros termos, o ensino de ciências deve também propiciar a compreensão por


parte do aluno do entorno da atividade científico-tecnológica, potencializando a participação
de mais segmentos da sociedade civil não apenas na avaliação dos impactos pós-produção,
mas, principalmente, na definição prévia de parâmetros a serem desenvolvidos e aplicados.
Assim, se busca mais uma vez respaldar o processo de formação dentro das escolas
construindo um conhecimento crítico da realidade, uma leitura crítica do mundo e do
papel do cidadão. Ao estudar as plantas e a fotossíntese, por que não enfocar a retirada
de carbono atmosférico promovido por estas durante o seu crescimento e o mito que se
criou nos anos 80 sobre a respiração vegetal e a purificação do ar atmosférico? E que
tal propor uma pesquisa sobre árvores de grande porte que apresentam maiores taxas de
crescimento e seriam, portanto, indicadas para programas de reflorestamento e créditos de
carbono? São infinitas possibilidades, que só dependem de rápida consideração prévia
e planejamento do professor.

Santos e Mortirmer (2002) destacam, entre os objetivos do estudo de CTS, o


desenvolvimento de valores vinculados aos interesses coletivos, como os de solidariedade,
de fraternidade, de consciência do compromisso social, de reciprocidade, de respeito ao
60 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

próximo e de generosidade. Como exemplos, os autores citam situações cotidianas em


que as pessoas lidam com dilemas como ter de decidir quais produtos químicos pretende
consumir e como irá fazê-lo dentre dezenas de opções disponíveis. Essa decisão deveria
ser tomada levando-se em conta não só a eficiência dos produtos para os fins que se
desejam, mas também os seus efeitos sobre a saúde, os seus efeitos ambientais, o seu
valor econômico, as questões éticas relacionadas à sua produção e comercialização – se
é usada mão-de-obra infantil na sua produção, ou se os trabalhadores são explorados de
maneira desumana; se o produto agride o ambiente em alguma fase entre a sua produção
até o descarte; se ele é objeto de contrabando ou de outra contravenção, etc. Certamente, o
cidadão não tem acesso a todas essas informações, mas refletir sobre tais questões significa
mudar a postura em relação ao consumo de mercadorias, considerando aspectos sociais,
ambientais e éticos.

Desta forma, os conteúdos abordados no desenvolvimento de CTS incluem


tanto aspectos relativos aos estudos políticos da ciência, os quais estão mais vinculados
às questões sociais e, portanto, externas à comunidade científica, quanto a aspectos
vinculados às questões internas à comunidade científica, relacionados à sua epistemologia
e filosofia (ROSENTHAL, 1989). Alguns dos aspectos listados por pelo autor são:

1. Filosófico – aspectos éticos do trabalho científico, o impacto das descobertas


científicas sobre a sociedade e a responsabilidade social dos cientistas no exercício
de suas atividades;

2. Sociológico – influências da CT sobre a sociedade, o progresso científico e


tecnológico, e as limitações e possibilidades de uso de CT na resolução problemas
sociais;

3. Histórico – influência da atividade científica e tecnológica na história da


humanidade, bem como os efeitos de eventos históricos no crescimento da CT;

4. Político – interações entre CT e os sistemas governamentais e legais, o uso político


da CT, e a CT como promotora de defesa nacional e de políticas globais;

5. Econômico – interações entre condições econômicas e a CT, contribuições dessas


atividades para o desenvolvimento econômico e industrial, tecnologia e indústria,
consumismo, emprego em CT;

6. Humanístico – aspectos estéticos, criativos e culturais da atividade científica, os


efeitos do desenvolvimento científico sobre a literatura e as artes, e a influência da
humanidade no desenvolvimento da CT.
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 61

Para discussões enfocando os princípios da CTS em instituições escolares, é possível


sugerir temáticas extremamente atuais e relevantes para os interesses da comunidade em
questão. Sobre a realidade brasileira contemporânea, alguns exemplos são:

• A exploração mineral e desenvolvimento científico, tecnológico e social: o minério


como matéria prima para produtos consumidos em escala crescente; a exploração
mineral por grandes conglomerados empresariais; os impactos ambientais e sociais
da mineração; as recentes catástrofes ocasionadas pela mineração no Brasil.

• A exploração de petróleo em alto mar: a descoberta do pré-sal em território


brasileiro; as tecnologias envolvidas nesta extração; os impactos econômicos,
sociais e políticos desta exploração.

• O uso de agrotóxicos nas plantações brasileiras: fatores considerados para a


liberação ou proibição de uso de determinados agrotóxicos no Brasil e diversos
países do mundo; o impacto ambiental da aplicação de agrotóxicos em curto, médio
e longo prazo; o impacto das monoculturas para a biodiversidade e para o solo; a
alternativa crescente de produção de alimentos orgânicos.

• O desenvolvimento da agroindústria e a distribuição de terras no meio


rural: o movimento dos trabalhadores sem terra; o custo econômico e social das
monoculturas; o impacto das monoculturas para a biodiversidade e para o solo.

• O processo de desenvolvimento industrial brasileiro: a dependência tecnológica


num mundo globalizado; o Brasil e os mercados internacionais; a dependência e a
concorrência com grandes produtores industriais como a China.

• O destino do lixo e o impacto sobre o ambiente: a crescente problemática do


lixo plástico e microplástico nos ambientes aquáticos; tecnologias de reciclagem;
políticas públicas de destinação de resíduos; populações carentes que fazer do lixo
seu meio de subsistência.

• As fontes energéticas no Brasil: as diferentes fontes energéticas hoje utilizadas,


suas tecnologias, seus efeitos ambientais e seus aspectos políticos.

• Políticas públicas para a preservação ambiental: as políticas voltadas ao


desmatamento, às unidades de conservação, à conservação de espécies ameaçadas
de extinção; a interface entre preservação ambiental e o agronegócio; comunidades
tradicionais e áreas de preservação.
62 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

Figura 3.1 – Rompimento da Barragem de rejeito de minérios Fundão, em Mariana, MG.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).

REFLETINDO

Que outros tópicos você poderia sugerir para a discussão da temática


Ciência, Tecnologia e Sociedade?
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 63

3.3 Educação e Saúde


A espécie humana vem avançando a passos largos para além dos mecanismos
ecológicos usuais de restrição e regeneração, e dentre os problemas ambientais resultantes
desta agressão ao meio natural, podemos incluir os problemas de saúde pública.

Os aspectos da economia ambiental que influenciam a saúde humana se apresentam


em diferentes escalas, pois dizem respeito desde a aspectos de higiene pessoal e alimentação
(de caráter individual, portanto) até àqueles referentes a questões globais, de saúde pública
e de conservação ambiental. Segundo Ricklefs (2010), a poluição, esgotamento dos
recursos naturais, a perda da biodiversidade e o aquecimento global se referem à emissão
desmedida de resíduos e o consumo e transformação excessivos dos recursos naturais - ou
seja, tem origem antrópica.

GLOSSÁRIO

Antrópico refere-se à ação do homem. Tudo o que é antrópico, portanto, é


resultante da ação do homem na natureza

A educação ambiental, por meio da Política Nacional de Educação Ambiental


(PNEA - BRASIL, 1999) em seu artigo primeiro rege:

Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais


o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do
meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade
de vida e sua sustentabilidade.

Assim, a educação ambiental pode ser um instrumento de alto poder orientador


sobre aspectos de saúde.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais orientam o Ensino Fundamental brasileiro


por meio de tópicos que também incluem a saúde (além da pluralidade cultural e orientação
sexual). Estes são temas considerados transversais, que emergem nas abordagens das áreas
de conhecimento e as permeiam constantemente (BRASIL, 1997).

A apresentação dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais


evoca a complementaridade dos aspectos de meio ambiente e saúde, como como se lê:

“...o ser humano faz parte do meio ambiente e as relações que são estabelecidas —
relações sociais, econômicas e culturais — também fazem parte desse meio e, portanto,
são objetos da área ambiental”.
64 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

“...é preciso refletir sobre como devem ser essas relações socioeconômicas e
ambientais, para se tomar decisões adequadas a cada passo, na direção das metas desejadas
por todos: o crescimento cultural, a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental”.

“Falar de saúde implica levar em conta, por exemplo, a qualidade do ar que se


respira, o consumismo desenfreado e a miséria, a degradação social e a desnutrição,
formas de inserção das diferentes parcelas da população no mundo do trabalho, estilos de
vida pessoal”.

REFLETINDO

Você já se perguntou como o meio em que vive afeta a sua saúde?

O ambiente escolar serve como um terreno extremamente fértil para que ocorra a
adesão e transformação dos conceitos de saúde e meio ambiente. Órgãos internacionais
como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a UNESCO (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) elencam a escola como pivô para o
desenvolvimento de ferramentas que estimulem e mantenham boas práticas em meio
ambiente e saúde. Segundo Costa et al. (2008), a escola congrega todos e dá espaço a
mudanças no pensar e edificar saúde no contexto social e temporal. Tendo-se em mente a
diversidade de esferas e a complexidade supracitadas, a escola certamente atua como um
agente catalisador para uma mudança conjunta e leva em conta elementos múltiplos
que não devem ser desvalorizados.

A busca por uma melhoria na qualidade de vida passa exatamente pela percepção
de questões ambientais e de saúde, além de cuidado com o corpo, e neste contexto as
constantes descobertas possibilitam a fixação de potencialidades e fragilidades, o que de
fato é um dos objetivos da aprendizagem.

A questão ambiental possui um caráter amplo e complexo, pois envolve diversos


campos do saber, exigindo uma abordagem menos fragmentada, utilizando métodos
interdisciplinares e com uma visão sistêmica (LEFF, 2001). Porém, ações educativas
eficazes podem ser alcançadas por meio do uso de estratégias pedagógicas e de criatividade
(OLIVEIRA, 2004).

Assim, a abordagem da relação entre saúde e meio ambiente deve se dar com
enfoque individualizado, considerando a bagagem histórica e o contexto social em que
o aluno está inserido. Segundo Ferreira et al. (2018), a influência das camadas cultural
e familiar em preferências e hábitos alimentares de alunos, por exemplo, é algo que vai
além da atmosfera escolar. A escolha de alimentos saudáveis, frutas regionais e alimentos
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 65

orgânicos elevam a questão de simplesmente saudáveis para sustentáveis, e desta forma é


muito importante que sejam inseridos o quanto antes no cardápio escolar. Ainda conforme
estes autores, direção e professores da escola podem delinear programas de médio e longo
prazo que fomentem e incorporem tanto a educação ambiental quanto a alimentar no
cotidiano dos alunos. Isso levará a resultados mais efetivos com a parceria dos demais
funcionários da escola, familiares e a comunidade em geral.

Apesar de haver uma sólida composição teórica sobre a relação ensino-aprendizagem


abrangendo educadores e educandos em um intercâmbio de experiências (DEWEY,
1979), existe uma grande resistência à adesão de conceitos e de transformação de ações
corriqueiras quando estes não fazem parte do cotidiano dos alunos.

No que tange ao estudo de biologia e saúde, as questões globais que envolvem


ações impactantes podem ser vistas como muito distantes da realidade observável.
Um exemplo disso são as consequências do uso exacerbado de materiais plásticos
descartáveis que são descartados indevidamente. Estes podem ser deslocados para longas
distâncias e sua decomposição em locais impróprios, sua queima ou até seu consumo
por espécies da fauna podem afetar a saúde de indivíduos ou populações que estão muito
distantes de quem os descartou.

As ações em saúde vindas do processo educativo têm efeitos não só no momento


presente, mas também além, pois a adesão de boas práticas ao cotidiano acaba por refletir
em ações de divulgação (SILVA, 2019). Uma atividade sempre interessante neste sentido
é a visita a estações de tratamento de lixo ou de água, onde o aluno pode vivenciar
alguns dos mais complicados resultados das nossas escolhas como sociedade, discutir de
forma prática os efeitos ambientais e de saúde pública dos mesmos, além de poder obter
informações acerca das tecnologias envolvidas, políticas públicas regionais e mundiais de
acordo com o nível dos alunos e interesse curricular do professor.

SAIBA MAIS

Link para o Centro de Informações Toxicológicas do RS: Ciência e cuidados


com a saúde pública e pessoal: http://gg.gg/f0tvt.
66 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

3.4 Questões de Gênero, Sexualidade e o Ensino de


Ciências da Natureza
O ensino de ciências por meio das ferramentas da educação ambiental promove
discussões de temas que enfocam o cuidado pelo todo, pelo coletivo, e também pelo
individual e pessoal. Segundo Jacobi (2003), o principal eixo de atuação da educação
ambiental deve buscar, acima de tudo, a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença
por meio de formas democráticas de atuação baseadas em práticas interativas e de diálogo.
Desta forma, os educandos são convidados a olhar para si mesmos e para os seus pares
com cuidado e respeito.

Assim como as questões de saúde coletiva e pessoal, as questões de sexualidade


também devem ser desenvolvidas dentro desta temática de primor pelo bem estar e pelo
respeito às singularidades. A educação ambiental sustenta o método de pensar localmente
para agir globalmente. Somente um indivíduo que sabe cuidar e respeitar a si próprio tem a
genuína capacidade de prezar pelo ambiente a sua volta e, nesta progressão de consciência,
pelo planeta como um todo.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais visam a conquista plena da cidadania pelos


jovens do país e versam sobre a necessidade de inclusão, tanto dos domínios do saber
tradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto das preocupações contemporâneas
com o meio ambiente, com a saúde, com a sexualidade e com as questões éticas relativas
à igualdade de direitos, à dignidade do ser humano e à solidariedade. Os mesmos afirmam
que é papel preponderante da escola propiciar o domínio dos recursos capazes de levar a
discussão sobre o cuidado com o próprio corpo e com a saúde, passando pela educação
sexual, e a preservação do meio ambiente e sua utilização crítica na perspectiva da
participação social e política.

A ciência também é crucial para a manutenção da diversidade em seu sentido mais


amplo, pois quando aplicada em diferentes identidades sociais, resulta em modelos de
desenvolvimento mais ricos, inclusivos e representativos (DASTE, 2019). Desta forma,
assumir a importância da diversidade humana também dentro do meio científico é
crucial, pois proporciona análises a partir de variados acessos e perspectivas, expandindo
as fronteiras do conhecimento.

Segundo estudo publicado na revista Science, em 2017, a partir dos seis anos
de idade as meninas passam a se achar menos inteligentes do que os seus colegas do
sexo masculino – até então elas se consideravam tão inteligentes quanto eles. Esse tipo
de percepção negativa em relação ao seu próprio gênero pode ser um fator de influência
no desempenho e nas escolhas das jovens ao longo da vida e, em relação às escolhas
profissionais, menos de cinco por cento das meninas expressam planejar seguir
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 67

carreira em cursos de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM – sigla


em inglês) (MORALES, 2019).

Daste (2019) afirma que os estereótipos de gênero associados a certas carreiras e a


falta de referências estimulam meninas que tem a possibilidade de receber uma formação
a avançar em carreiras mais ligadas ao cuidado, enquanto os meninos são encorajados
a se engajarem em atividades técnicas e científicas (DASTE, 2019). Portanto, visando a
construção desta almejada diversidade e equidade, o ambiente escolar como um todo, e
em especial o ensino escolar das ciências, deve visibilizar modelos que quebrem estes
estereótipos por meio do reconhecimento de grandes nomes, descobertas e conquistas
femininas nas ciências, além do estímulo à experimentação e à livre inspiração de crianças
de todos os gêneros.

Figura 3.2 – Marie Curie, pioneira nas pesquisas sobre radioatividade.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).


68 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

REFLETINDO

Você pode citar o nome de uma grande cientista e sua contribuição para o
conhecimento científico?

A questão feminina aqui levantada e sua relação com o ensino de ciências


exemplifica diversas outras questões de gênero atualmente presentes no dia-a-dia das
escolas e demais segmentos da sociedade. De forma muito similar, os mesmo desafios
são enfrentados: pouca representatividade, pouca diversidade, desconhecimento, falta
de empatia, preconceito. Desafios estes que se encontram contemplados nas visões de
sociedade sustentável e ambientalmente educada discutidos no decorrer da Unidade.

SAIBA MAIS

Mulheres na Ciência. Link para a revista Mulheres na Ciência do British


Council: http://gg.gg/f0txr.
Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 69

SÍNTESE DA UNIDADE
• O desenvolvimento sustentável procura a melhoria da qualidade de vida de todos os
habitantes do mundo sem aumentar o uso de recursos naturais além da capacidade
da Terra.

• A educação ambiental trabalha de forma interdisciplinar, enfocando problemáticas


ambientais locais, situando ao mesmo tempo o problema em um contexto global.

• A preocupação com o desenvolvimento sustentável e sua discussão no contexto da


educação ambiental representa a possibilidade de se buscar mudanças sociopolíticas
que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais que sustentam as
comunidades.

• Ciência e tecnologia e o progresso científico e tecnológico não necessariamente


coincidem com o progresso social e moral.

• A proposta curricular de CTS é a integração entre educação científica, tecnológica


e social, em que estes conteúdos são estudados juntamente com a discussão de seus
aspectos históricos, éticos, políticos e socioeconômicos.

• A busca por uma melhoria na qualidade de vida passa pela percepção de questões
ambientais e de saúde, além de cuidado com o corpo, sendo a escola o pivô para
o desenvolvimento de ferramentas que estimulem e mantenham boas práticas em
meio ambiente e saúde.

• Assim como as questões de saúde coletiva e pessoal, as questões de sexualidade


também devem ser desenvolvidas dentro desta temática de primor pelo bem estar
visto de forma holística e pelo respeito às singularidades.

• Assumir a importância da diversidade humana e da equidade de gêneros também


dentro do meio científico é crucial, pois proporciona análises a partir de variados
acessos e perspectivas, expandindo as fronteiras do conhecimento.
70 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

REFERÊNCIAS
AULER. D. Enfoque ciência-tecnologia-sociedade: pressupostos para o contexto brasileiro.
Ciência e Ensino, vol. 1, 2007.

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Ética. Brasília: MEC/SEF, 1997.

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LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.

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In: GARCÍA, M. I. G., CEREZO, J. A. L., LÓPEZ, J. L. L. Ciencia, tecnología y sociedad: una
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MANSOLDO, A. Educação ambiental na perspectiva da ecologia integral: Como educar neste


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Dimensões para o Estudo das Ciências da Natureza | UNIDADE 3 71

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TRIVELATO, S. F., SILVA, R. L. F. Ensino de ciências. São Paulo: Cengage Learning, 2016.
72 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

ANOTAÇÕES
unidade

4
Metodologia do Ensino de
Ciências da Natureza
Prezado(a) estudante.

Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram
organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo
completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e
tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos
propostos para essa disciplina.

OBJETIVO GERAL
Apresentar as possibilidades de trabalho com Metodologia do Ensino de Ciências.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Conhecer os procedimentos e propostas para elaboração de materiais didáticos para o
ensino de Ciências da Natureza;

• Identificar estratégias para a renovação do ensino de Ciências da Natureza;

• Analisar a importância do protagonismo do aluno no desenvolvimento das propostas de


trabalho.
QUESTÕES CONTEXTUAIS
1. Você sabe identificar as diferenças entre as temáticas Ciência por Experimentação
e Ciência por Investigação?

2. Você tem contato com muitos livros didáticos de ciências? Qual a sua opinião
sobre eles?

3. Você consegue pensar em exemplos de assuntos concernentes à ciência que tem


ganhado grande destaque na mídia atualmente?

4. Você consegue pensar em outras proposições de investigações para serem


realizadas com observações simples do ambiente escolar?

5. Você já fez uso de tecnologia em sala de aula como aluno ou como professor?
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 75

Contextualizando
“É necessário perguntar, ser curioso, investigar, descobrir, criar..., é
necessário transformar o mundo! Ciência é realidade, imaginação,
perseverança, trabalho, criatividade. Ciência é ação. Os interesses dos
alunos estão centrados na ação, no diálogo, na confrontação de ideias,
no trabalho em equipe, na experimentação, na reflexão conjunta, na
busca de novos questionamentos. Portanto, as aulas de ciência devem
destacar o caráter de empresa vital, humana, fascinante, indagadora,
aberta, útil e criativa que tem a atividade científica.” (PAVÃO e
FREITAS, 2008, p.20).
76 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

4.1 Procedimentos e Propostas para o Ensino de


Ciências da Natureza
As modalidades práticas e didáticas empregadas no ensino das disciplinas científicas
dependem, fundamentalmente, da concepção de aprendizagem de ciência adotada e das
tendências curriculares em vigor. Assim, antes de mais nada, se faz necessário entender
como ocorreram as transformações nas tendências teóricas e metodológicas no ensino
de ciências no Brasil ao longo dos anos.

Os anos 1960 deixaram profundas marcas no ensino de ciências em nosso país, em


especial com a divulgação dos projetos curriculares internacionais e com a formulação
de projetos brasileiros para melhoria do ensino desta área pela comunidade científica
(KRASILCHIK, 1987). Os anos posteriores foram marcados pelo surgimento de novas
abordagens no ensino e pela consolidação de temáticas de pesquisas, influenciadas pelas
novas concepções de ciência que se estabelecem e pelas tendências pedagógicas que se
apresentam no campo da educação de forma mais ampla.

Krasilchik (2000) fez uma revisão histórica das propostas de reforma do ensino
de ciências ao longo dos anos, ilustrando alguns dos caminhos percorridos por vários
projetos desde a sua elaboração nos órgãos normativos como parte de políticas públicas até
o dia-a-dia das salas de aula (Quadro 4.1).

Quadro 4.1 – Evolução da situação mundial segundo as tendências no ensino entre 1950 e 2000.

Situação Mundial
Tendências no Ensino 1950 1970 1990 2000
Guerra Fria Guerra Tecnológica Globalização
• formar elite; • formar cidadão-trabalhador; • formar cidadão-trabalhador-
• programas rígidos. • propostas curriculares estaduais. estudante;
Objetivo do Ensino
•parâmetros curriculares
federais.

• atividade neutra. • evolução histórica; • atividade com implicações


Concepção da Ciência
• pensamento lógico-crítico. sociais.

Instituições Promotoras • projetos curriculares; • centros de ciências, universidades. • universidade e associações


de Reforma • associações profissionais. profissionais.

Modalidades Didáticas • aulas práticas. • projetos e discussões. • jogos: exercícios no


Recomendadas computador.

Fonte: Krasilchik, 2000.

Considerando estas informações, é possível perceber que as tendências que foram


sendo propostas em nossa história recente para o ensino de ciências têm origem tanto no
campo científico como no educacional, a partir de demandas muitas vezes influenciadas
por contextos sociais mais amplos. Na medida em que concepções de sociedade e de
ciência mudam, perspectivas de ensinar e aprender ciências também se alteram, tendo
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 77

como finalidade a formação de novos cidadãos (MARANDINO, 2003). Em estudo sobre o


desenvolvimento do ensino de ciências no Brasil, Marandino (1994) apontou as seguintes
tendências ou abordagens pedagógicas, comentando seus pontos positivos e críticas:

• Abordagem Cognitiva: Se apoia nas teorias cognitivistas que influenciaram a


pesquisa e a prática de ensino e aprendizagem de ciências especialmente a partir
dos anos de 1970. As teorias cognitivas de Jean Piaget e Lev Vigotsky são a base
que sustenta os pressupostos desta abordagem, propondo que o conhecimento é
construído individualmente e socialmente.

No ensino de ciências, essas perspectivas ganharam força a partir das pesquisas


sobre as ideias espontâneas dos alunos sobre conceitos científicos e se expandiram
a partir das investigações sobre a linguagem e os processos de argumentação. Essa
visão de aprendizagem é um modelo de ensino centrado na transformação das
concepções alternativas dos alunos em conceitos científicos (o que chama-se teoria
da Mudança Conceitual), em que a aprendizagem deve ser encarada como uma
“reorganização e desenvolvimento das concepções dos alunos”, e o ensino como um
processo que visa à promoção de tal mudança de ideias prévias dos alunos em favor
das concepções científicas (MOREIRA, 1997). Algumas críticas a essa abordagem
apontam que, se tratada de forma isolada de outras tendências, o favorecimento
de atividades centradas na aprendizagem de conceitos científicos acaba por não
promover a contextualização social e política da ciência.

Figura 4.1 – Jean Piaget, um dos principais responsáveis pela abordagem cognitiva da educação.

Fonte: Wikimedia Commons (2019).


78 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

• História e Filosofia da Ciência: Esta tendência aposta que o ensino de ciências


deve expressar uma ideia de produção de conhecimento fundamentada mais nos
processos do que nos produtos da ciência. Sustenta que o conhecimento científico
não é algo acabado pois, durante a produção da ciência, os fatos se encontram em
processo de elaboração e, muitas vezes, há questionamentos, posições contrárias,
hipóteses inacabadas, além de implicações éticas, econômicas, legais e sociais. Dessa
forma, sugere a necessidade da contextualização histórica e social da ciência e tem por
base as discussões advindas especialmente dos campos da história, da filosofia e da
epistemologia da ciência, promovendo uma visão crítica da ciência, de seus impactos
na sociedade, auxiliando no posicionamento dos indivíduos sobre seus efeitos.

São apontados como desafios ao desenvolvimento desta tendência o fato de que a


discussão histórica, filosófica e epistemológica da ciência esteja ausente na formação
de professores, além de seu uso na prática pedagógica ser dificultado pela falta de
materiais didáticos que auxiliem sua aplicação.

• Experimentação: Esta abordagem foi especialmente enfatizada nos anos de 1960


sob influência dos projetos curriculares americanos e ingleses que ressaltavam a
necessidade do desenvolvimento do ensino de ciências por meio de experimentos,
representando a ideia de ciência moderna e atual. Desde então, o tema da
experimentação vem sendo discutido e diferentes posições têm sido assumidas na
literatura, ora defendendo o papel crucial da experiência na aprendizagem de ciências,
ora criticando, a partir da perspectiva histórica, a ênfase empírica que dominou as
concepções de ciência e do seu ensino.

É fundamental analisar de forma crítica os pressupostos, as possibilidades e os limites


da experimentação nas aulas de ciências, provocando uma reflexão sobre as visões
ingênuas e extremamente crédulas na experimentação como solução dos problemas
de aprendizagem, relativizando o uso dos experimentos e discutindo seu papel e uso
no ensino, dando a ela o caráter de mais uma entre as diferentes estratégias de ensinar
ciências na escola.

• Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente: O tema Ciência, Tecnologia e


Sociedade (CTS) ou Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), conforme
apresentamos na Unidade 3, surge a partir da preocupação em formar cidadãos que se
coloquem criticamente diante das questões de ciência e tecnologia, envolvendo seus
aspectos políticos e sociais (AULER, 2002). Tal preocupação surge principalmente
durante as décadas de 1960 e 1970, quando os movimentos ambientalistas tiveram
início como uma reação a alguns acontecimentos marcantes como acidentes
nucleares, envenenamentos farmacêuticos, derramamento de petróleo, entre outros
(CEREZO, 1999).
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 79

Como visto na unidade anterior, os estudos CTS aplicados ao contexto escolar, tem
como bases relacionar a ciência com as aplicações tecnológicas e os fenômenos na
vida cotidiana; abordar o estudo daqueles fatos e aplicações científicas que tenham
uma maior relevância social; abordar as implicações sociais e éticas relacionadas
ao uso da ciência e do trabalho científico; e adquirir uma compreensão da natureza
da ciência e do trabalho científico. As críticas feitas a essa abordagem, refere-se
à ênfase na contextualização da ciência em detrimento da dimensão conceitual,
e ao pouco material didático de apoio para o professor em virtude de seu caráter
primordialmente interdisciplinar.

• Ciências por Investigação: Esta abordagem tem sido considerada por diversos
autores como a mais atualizada e adequada à realidade contemporânea. Nela, há
uma mudança de foco da mera transmissão de conteúdo para a construção interativa
do conhecimento. De acordo com a definição de Schnetzler e Aragão (1995, p.30):

No ensino de ciência por investigação o professor precisa saber identificar


as concepções prévias de seus alunos sobre o fenômeno ou conceito em
estudo e em função dessas concepções, precisa planejar desenvolver
e avaliar atividades e procedimentos de ensino que venham promover
a evolução conceitual nos alunos em direção às ideias cientificamente
aceitas, atuando como um professor-pesquisador.

A “resolução de problemas” neste processo de investigação permite que o professor,


ao ensinar, o faça de maneira participativa, dialogada, num processo no qual cada aluno
expõe as suas ideias, proporcionando um ambiente favorável à apropriação dos conceitos
e fenômenos. Forma-se um processo hipotético-dedutivo, com a presença de hipóteses
concorrentes, que servirá de ancoradouro para o processo de aquisição do objeto do
conhecimento. Wilsek e Tosin (2009) consideram tal debate um avanço na questão das
relações sociais no processo de aprendizagem, pois traz para a sala de aula a oportunidade
de um confronto entre as mais diferentes opiniões a respeito do objeto de ensino. Nesse
sentido, criam-se atividades investigativas para a construção de conceitos partindo de uma
situação problematizadora, que deve levar o aluno a refletir, discutir, explicar, relatar, até
que comece a produzir seu próprio conhecimento por meio da interação entre o pensar,
sentir e fazer.

Por fim, nesta abordagem investigativa, o professor deve utilizar as atividades


experimentais como um recurso para a formulação de questões sobre a realidade concreta,
desenvolvendo no aluno a capacidade de argumentação, uma postura crítica e investigativa,
para que o mesmo seja capaz de intervir no ambiente onde vive (WILSEK e TOSIN, 2009).
80 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

SAIBA MAIS

O ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO NO PROCESSO DE


ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DE ALUNOS DOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL. Link para o artigo científico: http://gg.gg/f0u3y.

REFLETINDO

Você identificou as diferenças entre as temáticas Ciência por Experimentação


e Ciência por Investigação?

Além destas abordagens apresentadas como tendências para o ensino de ciências,


diversos autores citam, adicionalmente, os espaços não formais de educação e divulgação
científica, e as tecnologias de informação e comunicação (MARANDINO, 1994, 2003,
2017, WARD et al., 2010), os quais definiremos a seguir:

• Espaços não formais de educação e divulgação científica: Atividades de visita a


diferentes locais com finalidade de ampliar as experiências educativas dos alunos,
e complementar aspectos dos conteúdos trabalhados em aula. Essas iniciativas vêm
sendo ampliadas nos últimos anos a partir da constatação de que atualmente existe
um número crescente de diferentes locais ou “ecossistemas educativos”, em que o
aluno pode vivenciar a produção da informação, do conhecimento e o reconhecimento
de identidades e práticas culturais e sociais (CANDAU, 2000). Algumas das críticas
a esta abordagem são a desvalorização da escola como local de aprendizagem, além
dos desafios relativos à falta de planejamento pelos professores para a realização
dessas atividades e a tensão entre a valorização da experiência de lazer em
detrimento daquela relativa a aprendizagem nos espaços de educação não formal.

SAIBA MAIS

Links para espaços não formais de educação – Fundação Zoobotânica do


RS, Jardim Botânico e Museu de Ciências Naturais: http://gg.gg/f0u4e e
Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul: http://gg.gg/f0u4g.
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 81

• Tecnologias de informação e comunicação: A ampliação do uso de tecnologias no


ensino de ciências vem ocorrendo intensamente nos últimos anos. As tecnologias
desenvolvidas no contexto da chamada Revolução Informacional, iniciada na
segunda metade da década de 1970, invadiram as salas de aula e têm se tornado uma
das mais importantes estratégias de ensino. Tais tecnologias associadas ao campo
da educação englobam desde computadores pessoais e os diversos equipamentos a
ele associados (câmeras digitais, tablets, telefones móveis...), mas também a TV nas
suas várias modalidades de acesso, as tecnologias digitais de captação e tratamento
de imagens e acesso remoto, a produção de softwares, de animações, de objetos
de aprendizagem, o uso da internet, os hipertextos, as plataformas de ensino a
distância, entre outros. Um dos desafios apontados refere-se ao fato de que seu
uso nem sempre se dá de forma articulada com o planejamento didático, além da
supervalorização do uso das tecnologias como salvação contra a falta de motivação
dos alunos. Aprofundaremos mais essa discussão ao longo desta unidade.

Em resumo, as tendências e abordagens de ensino de ciências apresentadas não


esgotam as possibilidades teóricas e metodológicas que podem ser desenvolvidas nas
práticas em sala de aula. Também não se referem à totalidade das temáticas que vêm sendo
investigadas nesse campo, mas representam algumas das possibilidades que devem ser
consideradas e experimentadas pelos professores no planejamento de suas ações concretas
de ensinar ciências, bem como na preparação de seu material didático cotidiano.

Outra questão que deve ser considerada inicialmente na preparação metodológica do


professor para o ensino de ciências diz respeito ao livro didático. Os professores utilizam
o livro como o instrumento principal que orienta o conteúdo a ser ministrado, a sequência
desses conteúdos, as atividades de aprendizagem e avaliação para o ensino das ciências, seu
uso, ao lado do currículo, dos programas e outros materiais, se constituindo historicamente
como um dos instrumentos para o ensino e aprendizagem (NÚÑEZ et al., 2003).

Soares (2001) afirma que o livro didático nasce com a própria escola, e está presente ao
longo da história, em todas as sociedades, em todos os tempos. Mesmo com a modernização
dos métodos de ensino e aprendizagem, livros serão sempre instrumentos indispensáveis
em escolas e nunca devem ser abandonados ou menosprezados. Adicionalmente, o hábito
de consulta aos livros, o manuseio dos mesmos, em um mundo quase na sua totalidade
digital, acaba por ser uma atividade diferente, inovadora e instigante para os alunos de
hoje. Em um mundo em que a informação está a um “click” de distância, mais importante
do que obter informação é ser capaz de avaliar a qualidade da mesma. É nesta busca
por senso crítico, especialmente sobre as informações associadas aos conhecimentos das
ciências, que o livro se faz ainda mais indispensável. O livro didático é talvez o primeiro
contato do aluno com a literatura científica, com publicações de conteúdo acadêmico,
mostrando mais uma vez o seu valor tanto de educação formal quanto de formação social.
82 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

O livro didático é um suporte de conhecimentos e de métodos para o ensino,


e serve como orientação para as atividades de produção e reprodução de conhecimento,
mas não podemos nos transformar em reféns do livro, imaginando encontrar ali todo
o saber verdadeiro e a narrativa ideal. A seleção dos livros didáticos para o ensino de
ciências constitui uma responsabilidade de natureza social e política, e a quantidade de
livros didáticos que circulam no mercado, faz da seleção dos mesmos uma tarefa ainda
mais complexa e exigente profissionalmente (NÚÑEZ et al., 2003).

O livro se constitui no representante da comunidade científica no contexto escolar e


é nele que as ciências devem dialogar com outros tipos de saberes, como uma obra aberta,
problematizadora da realidade, que dialoga com a razão para o pensamento criativo.
Segundo Nuñez et al. (2003), o livro didático é produzido para uma criança genérica,
que não existe, o que exige do professor no momento da seleção do livro, pensar em seus
alunos reais, nas necessidades e possibilidades que lhe são características e no contexto
real de suas vidas. Assim, a seleção dos livros didáticos a serem utilizados constitui uma
tarefa de importância vital para um bom processo de ensino e aprendizagem.

De acordo com Ramalho e Núñez (2000), a seleção dos livros didáticos não deve
excluir os professores, os quais têm domínio de saberes diversos a serem mobilizados
para assumir a responsabilidade ética de selecionar os livros didáticos, além de avaliar
as possibilidades e limitações dos livros recomendados pelo MEC. Os autores também
afirmam que os professores precisam utilizar as suas competências para superar as
limitações muitas vezes encontradas nos livros didáticos, entendendo que estes têm um
caráter genérico, não atendendo a necessidades específicas e problemas locais. Além
disto, os professores devem estar preparados não só para selecionar os livros de uma lista
previamente organizada por especialistas, mas também para saber lidar com os erros
presentes nos livros e outros meios de informação cada vez mais ao alcance de seus alunos.
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 83

4.2 Estratégias para a Renovação do Ensino de


Ciências da Natureza
Segundo Borges e Lima (2007), as demandas da sociedade contemporânea
requerem que a escola revise as práticas pedagógicas que vinham sendo replicadas, e tal
revisão passa pela reorganização dos conteúdos trabalhados, abandonando aqueles sem
significação e elegendo um conjunto de temas que sejam relevantes para o aluno, no sentido
de contribuir para o aumento da sua qualidade de vida e para ampliar as possibilidades
dele interferir positivamente na comunidade da qual faz parte. Esta revisão exige também
que se repense as estratégias metodológicas visando a superação da aula majoritariamente
expositiva e verbalística, substituindo-a por práticas pedagógicas capazes de auxiliar a
formação de um sujeito competente, apto a reconstruir conhecimentos e utilizá-los para
qualificar a sua vida.

Wilsek e Tosin (2009) também afirmam que a educação no Brasil vive uma época de
grandes desafios e inovações, em que, no meio escolar, a fragmentação do conhecimento
em disciplinas e o volume de informações dos currículos distanciam a experiência e o
pensamento crítico das práticas escolares. Os autores citam a necessidade de revisão da
questão “tempo” no sistema de ensino: tempo necessário para pesquisa e para formação
continuada do professor e ainda o tempo para compreender e vivenciar uma informação,
pois ela é rapidamente substituída por outra. No ensino de Ciências, estas questões podem
ser percebidas pela dificuldade do aluno em relacionar a teoria desenvolvida em sala com
a realidade a sua volta, não reconhecendo o conhecimento científico em situações do seu
cotidiano.

Para Pavão e Freitas (2008), o rápido crescimento da ciência nos últimos 100
anos foi acompanhado por uma educação formal, focada cada vez mais na memorização,
sendo necessário romper com esse método e familiarizar o estudante com a pesquisa,
destacando o prazer e a utilidade da descoberta, formando cidadãos capazes de responder
às necessidades do mundo atual.

Os professores de biologia, por exemplo, são frequentemente questionados sobre


assuntos como a possibilidade de clonagem de seres humanos, as maravilhas das células-
tronco, ou outras inovações tecnológicas que ganham espaço na mídia. Na maioria
das vezes, essas perguntas pegam o professor de surpresa pelo fato de não terem sido
contempladas nos planejamentos de aula. Tais questionamentos têm trazido uma reflexão
sobre a seleção dos conteúdos para o ensino de ciências e a relevância social, cultural e
política do mesmo (NASCIMENTO e ALVETTI, 2006).
84 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

No mundo contemporâneo, esses conhecimentos, quando contextualizados


socialmente, tornam-se importantes tanto para a inserção do cidadão no mercado de
trabalho quanto para uma melhor compreensão dos fenômenos da natureza bem como dos
artefatos tecnológicos que estão à sua volta, podendo também se acrescentar o fato de que
a ciência está presente em decisões socialmente significativas, demonstrando o quão
imprescindíveis são os conhecimentos científicos modernos e contemporâneos não podem
ficar de fora do escopo escolar. (NASCIMENTO e ALVETTI, 2006).

REFLETINDO

Você consegue pensar em exemplos de assuntos referentes à ciência que


têm ganhado grande destaque na mídia atualmente?

Aliado a estas questões tem-se o grande desafio de tornar o ensino de ciências


prazeroso, instigante, mais interativo, dialógico e baseado em atividades capazes de
persuadir os alunos a admitirem as explicações científicas para além dos discursos
autoritários, prescritivos e dogmáticos (WILSEK e TOSIN, 2009). É fato que no ensino de
ciências há a necessidade de um pluralismo metodológico que considere a diversidade de
recursos pedagógico-tecnológicos disponíveis e a amplitude de conhecimentos científicos
a serem abordados na escola. Entretanto, conforme Pavão e Freitas (2008), este ensino
pode ser simples, aproveitando aquilo que já é natural nos alunos: o desejo de conhecer,
de agir, de dialogar, de interagir, de experimentar e também de teorizar. Trata-se de uma
concepção de que ensinar ciências é fazer ciência, este fazer ciência na escola não sendo
necessariamente descobrir uma nova lei, desenvolver uma nova teoria, propor um novo
modelo ou testar uma nova fórmula, mas sim utilizar procedimentos próprios da ciência
como observar, formular hipóteses, experimentar, registrar, sistematizar, analisar, criar... e
transformar o mundo (PAVÃO e FREITAS, 2008).

Para Pavão e Freitas (2008), não é a falta de recursos de um laboratório ou de


qualquer outra infra-estrutura física que deve impedir o desenvolvimento de um programa
de iniciação científica na escola. O autor aponta que qualquer objeto pode ser explorado
cientificamente e sugere questões e observações simples que podem ser replicadas em todo
ambiente escolar: Que escola não tem formigas? E quantas pernas tem uma formiga? O que
elas comem? Existem outros animais na escola? E os que vivem fora da escola? Há mamíferos
entre eles? E ainda há o sol, as plantas, o vento, as pedras do pátio... Para ele, mesmo simples,
estas são perguntas que podem levar à aplicação em sala de aula de a uma prática científica
básica, que exercita a observação, medidas, registros, aspectos fundamentais na pesquisa e
no desenvolvimento do método científico, a observação de tudo que nos cerca sendo sempre
um bom começo e algo que tem um começo, mas não tem um fim.
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 85

REFLETINDO

Você consegue pensar em outras proposições de investigações para serem


realizadas com observações simples do ambiente escolar?

Entretanto, assim como partir de perguntas cotidianas não exime o professor da


apresentação do conteúdo tradicional que embasa cada uma destas, o uso de materiais
facilmente disponíveis em ambiente escolar não significa dispensar o laboratório e os
equipamentos mais elaborados de pesquisa científica. Caso existam no espaço escolar,
estes podem oferecer uma complementação na preparação do aluno.

No sentido de reestruturação e atualização dos métodos de ensino de ciências,


devemos estar cientes de que, além dos livros didáticos existe um constante e enorme
volume de publicações científica em periódicos científicos especializados, com tópicos
científicos atuais e que têm sido introduzidas no ensino formal de ciências em maior ou
menor proporção (EL-HANI e VIDEIRA, 2000). Esta iniciativa pode satisfazer algumas
necessidades práticas dos professores de ciências, entre elas se manter atualizado sobre as
novas hipóteses e descobertas científicas, que não conseguem ser sempre contempladas
nos livros didáticos, e dar conta da demanda trazida pelos próprios estudantes que estão
em contato com as novidades e inovações científicas por meio dos meios de comunicação.
Além disso, estudos mostram que também os textos de divulgação científica podem cumprir
diferentes funções nas aulas de ciências, tais como: motivação e estímulo à participação
dos estudantes, complementação de materiais didáticos, desenvolvimento de habilidades
e práticas de leitura, estabelecimento de relações entre a linguagem do estudante e a
linguagem científica, contato com valores sócio-culturais implícitos ou explícitos nas
informações presentes em reportagens sobre ciência e tecnologia, possibilidades de se
explorar relações entre ciência, tecnologia e sociedade, formação de espírito crítico e
reflexivo (RIBEIRO e KAWAMURA, 2006).

Nascimento e Alvetti (2006) demonstram que o processo de transformação de um


texto de divulgação científica em um recurso didático pode envolver diversas etapas como
seleção de textos mediante diversos critérios, reestruturação do texto a ser utilizado (pode
ser encurtado, complementado, reordenado), e introdução em sala de aula como elemento
motivador, como atividade principal da aula, ou mesmo compondo a avaliação. Assim,
com estas atividades o professor exerce papel fundamental e determinante já que são seus
objetivos educacionais mais amplos e a forma como ele encara o ensino de sua disciplina
que determinarão as funções que os textos de divulgação científica assumirão nas aulas
(NASCIMENTO e ALVETTI, 2006).
86 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

No entanto, não devemos esquecer que existe uma grande diferença entre as
publicações científicas em periódicos científicos especializados, e os textos de divulgação
científica, sendo que estes últimos são produzidos por jornalistas e/ou cientistas que não
têm como foco o ensino formal de ciências uma vez que seu principal objetivo é veicular
informações científicas para um público de não especialistas, portanto não apresentando
originalmente um caráter didático inerente à prática escolar, tornando indispensável o
papel do professor na aferição deste conteúdo, evitando que se propague informações
imprecisas ou deturpadas.

Outro aspecto da renovação e atualização do ensino de ciências é o uso da tecnologia


no ambiente escolar como parte do processo de ensino e aprendizagem. Hoje se reconhece
que a tecnologia da informação e da comunicação (TIC) tem um enorme potencial de
contribuição à aprendizagem de ciências, mas, por razões diversas, muitas vezes ela
ainda não é usada de maneira efetiva. Alguns dos principais e mais comuns problemas
ocorrem quando os professores não estão familiarizados com os programas existentes, ou
desconhecem as oportunidades de aprendizado que seu uso pode proporcionar, podendo
ter dificuldade no uso, na preparação, ou no manejo do equipamento para a aprendizagem
(WARD et al., 2010).

De acordo com Ward et al. (2010), se classificam três regras básicas para o uso
de TIC em ciências:

1. O uso da TIC deve estar alinhado à boa prática no ensino de ciências: A boa
ciência leva os alunos a pensar, a ser curiosos, a observar, a fazer medições, a olhar
padrões e tendências, a identificar questões e comunicar suas descobertas e a uma
variedade de outras habilidades. Se a aula apenas permite que os alunos assistam
algo em um quadro branco interativo, passivamente, e não promove ou possibilita
que façam suas próprias perguntas ou criem suas próprias ideias, essa não é “boa
ciência” ou mesmo boa aprendizagem. Outro aspecto da boa ciência seria ajudar
a desenvolver atitudes científicas de cooperação, de tolerância à incerteza e de
respeito pelas evidências, bem como habilidades de observação, de mensuração e
de comunicação. Quando usada de forma efetiva, a tecnologia pode promover em
todos os alunos as características da “boa ciência”.

2. Ela deve possibilitar que os alunos satisfaçam a meta de aprendizagem: Não se


espera que os alunos aprendam a usar o hardware e o software dentro do período
de aula de ciências, o foco desta sendo firmemente enraizado nas ciências. As aulas
de ciências não devem se concentrar em como usar um programa de planilhas para
inserir os dados coletados, mas devem proporcionar a oportunidade de usar e de
aplicar habilidades relevantes aprendidas nas aulas de TIC para avançar com a
aprendizagem de ciências.
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 87

3. Ela deve fazer algo que não possa ser alcançado sem o seu uso ou propiciar
que este algo seja alcançado de maneira mais efetiva: Esse é o princípio mais
importante relacionado ao uso da TIC. Se um livro tradicional for a forma mais
rápida e eficiente de encontrar as informações necessárias, ou se o uso de imagens
em uma tela não aumentar a aprendizagem, a opção da informática não deve ser
usada. Se apenas um aluno for tocar a tela interativa, enquanto o resto da classe
assiste passivamente o que está acontecendo, é improvável que a informática
promova a aprendizagem. Se os alunos puderem anotar suas ideias em notas
enquanto trabalham, ao invés de terem que digitar o trabalho depois, a anotação
manual sempre vencerá. No estágio de planejamento, deve-se constantemente fazer
perguntas relacionadas ao “como”, “porquê” e “quando” do uso da TIC, para que
ela não seja usada em ciências para reforçar habilidades já existentes ou somente
para passar o tempo.

Alguns instrumentos da TIC atualmente utilizados em ambiente escolar, além


dos computadores e da internet, é claro, são as telas interativas, as máquinas fotográficas
digitais, os smartphones, os óculos de realidade virtual, os microscópios digitais, entre
outros.

Figura 4.2 – Uso de TIC na educação.

Fonte: Catho Educação (2019).


88 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

REFLETINDO

Você já fez uso de tecnologia em sala de aula como aluno ou como professor?
Avalie se estas experiências seguiriam os princípio sugeridos por WARD et
al. (2010).

SAIBA MAIS

Link para Digital Education Resource Archive (DERA) – informações em


recursos para educação digital: http://gg.gg/f0u6h.
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 89

4.3 Importância do Protagonismo do Aluno no


Desenvolvimento das Propostas de Ensino
de Ciências da Natureza
O ensino de ciências, principalmente o ensino de ciências por investigação, deve
valorizar o aluno, suas experiências, a realidade em que vive e seu conhecimento
prévio. Segundo Borges e Lima (2007), a utilização de estratégias didáticas que enfatizem
o diálogo entre teoria e prática, incentivando o aluno a ser protagonista de sua aprendizagem
e exigindo dele autoria de textos e ideias, apresenta-se distante das formulações tecnicistas
dos anos 60 e 70 e das formulações de cunho predominantemente político dos anos 80 e
90, sendo capazes de auxiliar na qualificação da vida individual e coletiva. Essa quebra de
paradigma tem grande conexão com a preocupação crescente dos professores brasileiros
com a promoção de aprendizagens que contribuam para uma transformação positiva nas
formas de relacionamento do ser humano com o ambiente (BORGES e LIMA, 2007).

As demandas da sociedade contemporânea, que mobilizam a escola para uma


revisão de suas práticas pedagógicas, passam também pela reorganização dos conteúdos
trabalhados, elegendo um conjunto de temas que sejam mais relevantes para o aluno,
no sentido de contribuir para o aumento da sua qualidade de vida e para ampliar as
possibilidades dele interferir positivamente na comunidade da qual faz parte. Pavão e
Freitas (2008) afirmam que o professor das disciplinas de ciências tem a seu favor o fato
de que os estudantes, especialmente as crianças, são bons pesquisadores: eles são
curiosos, criativos e trabalhadores. Assim, ao se tornar consciente dessas características
e valorizá-las, o professor passa a valorizar os alunos e começa também a ser envolvido
pelas demandas e questionamentos propostos em aula, tornando a educação em ciências
empolgante, dinâmica e estimulante para todas as partes.

À medida que o tempo passa, os alunos, que deveriam estar cada vez mais
envolvidos no processo de aprendizado, estão cada vez mais distantes. Para Leite (2018),
a solução deste problema passa por centrar a aprendizagem no aluno, sendo que por
décadas a educação foi centrada no que o professor transmitia para este em um ambiente
de aprendizagem passivo. Dewey (1950) já destacava a importância do aluno ativo na
construção de seu conhecimento e da necessidade em superar a tradicional aula expositiva,
cuja finalidade é a reprodução e a memorização do conteúdo de ensino. Esse protagonismo
do aluno é também descrito nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e corrobora a
consolidação dos quatro pilares essenciais da educação: o aprender a aprender, o aprender
a fazer, o aprender a viver e a conviver e o aprender a ser (BRASIL, 2002).
90 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

Na aprendizagem ativa, em oposição à aprendizagem passiva baseada na


transmissão de informação, o aluno assume uma postura mais atuante, na qual ele
resolve problemas, desenvolve projetos e, com isto, cria oportunidades para a construção
de conhecimento (Leite, 2018). Segundo Barbosa e Moura (2013), a aprendizagem ativa
ocorre quando o aluno interage com o assunto em estudo - ouvindo, falando, perguntando,
discutindo, fazendo e ensinando - sendo estimulado a construir o conhecimento ao invés
de recebê-lo de forma passiva do professor. As metodologias ativas geram interações
entre docentes e estudantes nas atividades acadêmicas, de modo que não haja um único
detentor pleno e absoluto do conhecimento, estando alicerçadas em um princípio teórico
significativo: a autonomia (MITRE et al., 2008).

Como benefícios das metodologias ativas de ensino-aprendizagem, podem ser


listados: o desenvolvimento da autonomia do aluno, o rompimento com o modelo tradicional,
o trabalho em equipe, a integração entre teoria e prática, o desenvolvimento de uma visão
crítica da realidade e o favorecimento de uma avaliação formativa (Sanare, 2016).

São exemplos de metodologias ativas:

• O ensino híbrido: que mistura atividades realizadas online, em modalidade de


ensino à distância, e atividades realizadas em ambiente escolar.

• A aprendizagem baseada em problemas: construção do conhecimento a partir da


discussão em grupo de um problema, em que o aluno estuda individualmente sobre
determinado assunto antes da aula, anota suas dúvidas ou dificuldades, e discute
em sala de aula sobre os problemas apresentados em conjunto com os colegas.

• A gamificação: utilização de elementos de ”games” em situações não relacionadas


a jogos, como por exemplo nos estudo das ligações químicas, gerando um maior
engajamento dos alunos para a aprendizagem e resolução de forma criativa e
relacionada aos seus interesses.

Levantamos a importância do alcance efetivo dos objetivos da educação ambiental


(desde a tomada de consciência até a possibilidade de participação), o desenvolvimento
dos temas de CTS (formando um indivíduo crítico ao ambiente social, ambiental,
econômico e político em que vive, capaz de se engajar, opinar e propor resoluções de
problemas), de saúde pessoal e pública, de inclusão e equidade (de condições, de raça,
de gênero). Todos os temas aqui discutidos só podem encontrar resultados efetivos em
termos de aprendizagem quando o aluno é valorizado, ouvido e considerado não somente
como parte integrante do processo, mas como a principal alavanca para a conquista
das metas propostas.
Metodologia do Ensino de Ciências da Natureza | UNIDADE 4 91

SÍNTESE DA UNIDADE
• As modalidades práticas e didáticas empregadas no ensino das disciplinas científicas
dependem, fundamentalmente, da concepção de aprendizagem de ciência adotada
e das tendências curriculares em vigor.

• Algumas das tendências ou abordagens pedagógicas mais estudadas são: Abordagem


Cognitiva, História e Filosofia da Ciência, Experimentação, Ciência, Tecnologia,
Sociedade e Ambiente, e, a mais atual dentre estas, Ciências por Investigação.

• Na Ciências por Investigação há uma mudança de foco da mera transmissão de


conteúdo para a construção interativa do conhecimento e o processo de ensino e
aprendizagem se dá por meio de resolução de problemas por meio da elaboração e
teste de hipóteses.

• Como tendências pra o ensino de ciências, diversos autores citam adicionalmente


espaços não formais de educação e divulgação científica, e as tecnologias de
informação e comunicação.

• O livro didático tem papel muito importante na metodologia de ensino como um


suporte de conhecimentos e de métodos, além de servir como orientação para as
atividades de produção e reprodução de conhecimento, mas não podemos nos
transformar em reféns do livro, imaginando encontrar ali todo o saber verdadeiro
e a narrativa ideal.

• As demandas da sociedade contemporânea requerem que a escola revise as práticas


pedagógicas que vinham sendo replicadas e esta revisão exige que se repense as
estratégias metodológicas visando à superação da aula majoritariamente expositiva
e verbalística, substituindo-a por práticas pedagógicas capazes de auxiliar a
formação de um sujeito competente, apto a reconstruir conhecimentos e utilizá-los
para qualificar a sua vida.

• Trata-se de uma concepção de que ensinar ciências é fazer ciência, este fazer
ciência na escola fazendo o aluno utilizar procedimentos próprios da ciência como
observar, formular hipóteses, experimentar, registrar, sistematizar, analisar e criar.

• Textos de divulgação científica e publicações de resultados científicos em periódicos


especializados também tem possibilitado a atualização dos professores frente a
tantas novidades na área.

• Outro aspecto da renovação e atualização do ensino de ciências é o uso da tecnologia


no ambiente escolar como parte do processo de ensino e aprendizagem.

• O ensino de ciências, principalmente o ensino de ciências por investigação, deve


valorizar o aluno, suas experiências, a realidade em que vive e seu conhecimento
prévio, enfatizando o protagonismo deste aluno.
92 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

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WILSEK, M.; TOSIN, J. Ensinar e aprender ciências no ensino fundamental com atividades
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94 METODOLOGIA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA | Julia Giora

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