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Capítulo 1: Darwin e a Moralidade

Darwin mudou dramaticamente nosso mundo, especialmente a visão de nosso lugar


nele, mais que quase qualquer outro homem na história à exceção de Jesus Cristo,
cujo efeito foi muito diferente do de Darwin. O problema é que, quando a evolução
darwiniana substituiu a religião pelo secularismo e por instituições seculares como a
psicologia,

Ela deixou muitos postos abertos. A ciência tem atualmente o prestígio que a
teologia uma vez teve como fonte de respostas autoritativas para perguntas
como “Quem somos nós?”, “Por que estamos aqui?” e outras cujas respostas
não são estritamente factuais ou mesmo numéricas.1

O dano moral que essa teoria causou foi reconhecido quase tão logo o livro de Darwin
sobre evolução ser publicado. O ex-professor de biologia de Darwin, Adam Sedgwick,
escreveu-lhe logo após a publicação do livro de evolução em 1859, afirmando que “Li
seu livro [A Origem das Espécies] com mais dor que prazer”.2 Sedgwick acrescentou
que estava zangado com certas partes do livro porque “sentia que Charles havia
ignorado a moralidade” e que “o argumento da criação pela seleção natural iria
‘afundar a raça humana num grau mais baixo de degradação que qualquer outro em
que já houvesse caído desde os seus registros escritos nos contarem sua história’.
Ele suplicou a Charles para aceitar a revelação de Deus” sobre a criação.3 Como
conclusão, disse:

Por fim, não gosto nada do capítulo final; não por ser um resumo — pois neste
sentido parece bom —, mas por causa do tom de confiança triunfante em que
você apela às próximas gerações (um tom que também condenei no autor de
Vestígios).4

O mundo para o qual Darwin nos levou foi detalhado no centenário da publicação de
A Origem das Espécies pelo principal paleontólogo do último século. O eminente
biólogo George Gaylord Simpson, “coarquiteto da síntese moderna da teoria
evolucionista”, escreveu um ensaio para a revista Science intitulado “O mundo para o
qual Darwin nos levou”. O ensaio examinava “como a revolução darwiniana mudou,
na íntegra e para sempre, conceitos de nós mesmos há muito apreciados”.5 O fato é

1 Brown, Darwin Wars, ix.


2 Adam Sedgwick, 24 de novembro de 1859, em The Correspondence of Charles Darwin (Cambridge:
Cambridge University Press, 1991), vol. 7, p. 397). Darwin Correspondence Project:
https://www.darwinproject.ac.uk/letter/?docId=letters/DCP-LETT-2548.xml;query=sedgwick;brand=default;
acessado em 15 de agosto de 2016.
3
Sedgwick, Correspondence of Charles Darwin.
4 Vestiges of the Natural History of Creation, obra publicada anonimamente em 1844, bastante

controversa na época por ser pouco ortodoxa [N. do T.].


5 Sean B. Carroll, Remarkable Creatures: Epic Adventures in the Search for the Origins of Species

(Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2009), p. 278.


que no século XX o prestígio da ciência, especificamente do darwinismo, foi usado
para justificar quase tudo, especialmente várias formas de totalitarismo.6
Darwin foi o principal iniciador dessa revolução moral. 7 A revolução darwiniana
desferiu três grandes golpes em nossas percepções anteriores de nosso lugar e
propósito no universo:
1. Afirmou que o mundo e o universo são em geral lugares hostis, não
pacíficos e ordenados como percebidos pelos antecessores de Darwin.
2. Além disso, a nova visão de Darwin de nossa “ancestralidade [evolutiva]
significava que os seres humanos não têm nenhum status especial” que não de uma
espécie animal distinta. Para Simpson, nosso parentesco com amebas, tênias, pulgas
e macacos representava “forçosamente uma intimidade e fraternidade além dos
sonhos mais loucos de redatores ou teólogos”.
3. “A luta pela vida torna extremamente improvável que qualquer coisa no
mundo exista especificamente para nosso benefício ou nosso mal… ‘Não é mais
verdade que as frutas, por exemplo, evoluíram para o deleite dos homens que os
homens evoluíram para o deleite dos tigres’”.8
A revolução iniciada por Darwin não terminou com sua morte. 9 Embora os
principais elementos dessa revolução filosófica estivessem claros para Simpson meio
século atrás, as “décadas seguintes abalaram até mesmo a visão sóbria de Simpson
sobre o mundo”. Um exemplo disso é a conclusão evolutiva de que o universo era até
“mais hostil e indiferente do que ele [Simpson] entendia”.
Por exemplo, Simpson interpretou o “registro geológico e fóssil como a
documentação de mudanças constantes, graduais e ordenadas”. 10 Pesquisas
posteriores encontraram evidências de “que a face da Terra foi remodelada e os
habitantes do planeta extintos por eventos cataclísmicos… Cenários catastróficos
foram há muito desdenhados pelos geólogos como não sendo modernos e científicos,
até Chicxulub”, onde teoricamente um asteroide ou cometa que atingiu o México
causou a extinção dos dinossauros.11
Esse fato foi interpretado por muitos darwinistas como apoiando a “visão
[evolutiva] de que a vida não evoluiu em direção a um objetivo. Acerca da contradição
entre a noção de vida evoluindo progressivamente e a onipresença da extinção,
Simpson observou: ‘Se este é um plano pré-determinado, é estranhamente
ineficaz’”.12 Simpson enfatiza em seu artigo que Darwin mudou o mundo ao ponto de
hoje o darwinismo colorir “toda a nossa atitude em relação à vida e em relação a nós
mesmos e, portanto, todo o nosso mundo perceptivo”, que inclui nossos princípios.13
Simpson conclui que “é uma característica deste mundo, para o qual Darwin
abriu a porta, que… o futuro da humanidade é obscuro, de fato — se é que existe

6 Brown, Darwin Wars, ix.


7 George Gaylord Simpson, “The world into which Darwin led us”, Science 131, Nº 3405 (1960), pp.
966–974.
8 Parafraseado de Carroll, Remarkable Creatures, pp. 277–278.
9 Um exemplo do contínuo debate nessa área está na edição especial do periódico Zygon. Veja Johan

De Tavernier, “Morality and nature: Evolutionary challenges to Christian ethics”, Zygon 49, Nº 1 (março de
2014), pp. 171–189.
10 Carroll, Remarkable Creatures, p. 278.
11 Ibid., pp. 278–279.
12 Ibid..
13 Simpson, “World into which Darwin led us”, p. 969.
algum futuro”.14 Se a maioria das pessoas entra pela porta que Darwin abriu, como
documenta este livro, o futuro da humanidade pode ser bem obscuro. Felizmente,
muitas pessoas concluem que o futuro da humanidade se iluminará se rejeitarmos o
darwinismo e principalmente suas implicações.
A cosmovisão de Simpson é que motiva a censura e a pressão social para se
conformar ao mundo da moral; e ela é documentada nos capítulos posteriores deste
livro. Como conclui Simpson, a “influência de Darwin, ou mais amplamente do
conceito de evolução, … literalmente nos levou a um mundo diferente”, ou seja, ao
monismo, a visão de que o mundo material é tudo o que existe e sempre existiu”.15 O
conhecido filósofo Harry A. Overstreet escreveu que esse materialismo tinha “suas
raízes na ciência do final do século XIX” e, especificamente,

começou com a publicação de A Origem das Espécies de Darwin. O


materialismo ou a crença de que a matéria… é o único tipo de existência no
universo… foi patrocinado por toda a ciência contemporânea do final do século
XIX. Seu principal apoio, no entanto, foi derivado das investigações indutivas
na biologia e psicologia.16

Ele opinou que para explicar o processo evolucionista

que levava da ameba para o homem, incluindo também o desenvolvimento da


inteligência no homem, eles acharam necessário não invocar nem a mente
nem o propósito, nem a força criativa nem a agência divina; eles confiavam
unicamente na operação das forças naturais. Darwin atribuía o
desenvolvimento a variações aleatórias, das quais sobreviviam as mais
aptas.17

A revolução moral foi expressa de forma eloquente pelo professor de psicologia


evolucionista Steve Stewart-Williams da Universidade Swansea, segundo quem

os seres humanos são únicos dentre os animais porque são capazes de


compreender a extrema falta de sentido da existência. O filósofo Herman
Tennesen [escreveu que a existência humana] “pode produzir as percepções
mais horripilantes, vertiginosamente perniciosas e insuportáveis da futilidade
insensata e do absurdo monstruoso da… existência humana”. 18

O problema humano é que os teístas

querem achar que existe algum propósito ou significado último por trás de sua
vida… Assim como a busca por Deus, a busca pelo significado da vida é uma
busca inútil. Darwin mostrou que não há razão para pensar que existe uma
explicação teleológica para a vida. Estamos aqui porque evoluímos, e a
evolução ocorreu sem nenhuma razão específica. Assim, de um ponto de vista

14 Ibid., p. 974.
15 Ibid., p. 966.
16
Harry Overstreet, “The philosophy of materialism”, em The Popular Educator Library, Vol. 5 (New York:
National Educational Alliance Incorporated, 1940), p. 2375.
17 Ibid.
18 Steve Stewart-Williams, Darwin, God and the Meaning of Life: How Evolutionary Theory Undermines

Everything You Thought You Knew (New York: Cambridge University Press, 2010), p. 197.
darwiniano, não apenas nossa espécie não é tão especial quanto havíamos
pensado, como também nossa vida é em última análise sem propósito ou
significado. A vida simplesmente flui sem rumo, uma sequência inútil e sinuosa
de eventos. Às vezes é agradável, às vezes não, mas carece de qualquer
propósito, objetivo ou destino geral.19

A evolução e a moral

Ex-diretor do Departamento de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital Johns Hopkins,


Ben Carson escreve que a oposição darwiniana

à moralidade tradicional é outra forma de religião, embora seus crentes jamais


admitam isso. Essa crença religiosa é a teoria da evolução. Nesse sistema de
crença, apenas os fortes sobrevivem e não há implicações morais associadas
às ações que são necessárias para sobreviver e prosperar. Como afirmei e
escrevi publicamente, descrever a base da moralidade pode ser algo mais
difícil para os evolucionistas do que para um criacionista.20

Os efeitos morais do darwinismo têm sido explorados de forma mais ampla


especialmente em relação ao Holocausto, mas mesmo esse acontecimento tem sido
irresponsavelmente desafiado por vários darwinistas obstinados de primeiro escalão.
Uma das seções mais controversas do filme Expelled: No Intelligence Allowed
estrelado por Ben Stein21 era a parte que explicava a contribuição do darwinismo para
o Holocausto. Ironicamente, essa parte do filme era um dos eventos históricos mais
cuidadosamente documentados em todo o filme.
Não estou negando a influência adversa de outros fatores, como a mídia e a
pobreza, sobre a moralidade, mas este livro se concentra apenas na influência de
Darwin. A desmistificação do mundo natural e a noção de ciência positivista secular
têm raízes muito mais antigas que os escritos de Darwin: Lucrécio, Francis Bacon,
Thomas Hobbes, John Locke, David Hume, Adam Smith, os filósofos naturais da
Sociedade Real Inglesa, os enciclopedistas franceses, Jeremy Bentham, James e
John Stuart Mill, Thomas Paine, os filósofos nominalistas medievais, Maimônides,
Baruch Spinoza, Immanuel Kant e G. W. F. Hegel. Darwin escreveu ao mesmo tempo
em que Robert Chambers (1802–1871) publicou seu Vestígios da História Natural da
Criação (1844). Jean-Baptiste Lamarck (1744–1829) e Alfred Russel Wallace
(1823–1913) estavam em busca da mesma solução. A realização de Darwin foi
substancialmente aditiva e popularizadora, em vez de ser um novo avanço único no
pensamento. Foram os escritos de Darwin e seus seguidores que inspiraram os
eventos analisados neste livro, e não de Lamarck, Wallace ou Chambers.

Darwin e o assassinato

19
Ibid.
20 Ben Carson, One Nation: What We Can All Do To Save America’s Future (New York: Sentinel, 2014),
pp. 195–196.
21 Expelled: No Intelligence Allowed, 97 min., dirigido por Nathan Frankowski. Premise Media

Corporation/Rampant Films, 2008.


Está bem documentado que biólogos, cientistas, médicos, autoridades de saúde
pública e acadêmicos evolucionistas alemães desempenharam um papel crítico no
apoio e na implementação do programa nazista de eugenia racial que culminou no
Holocausto. Eugenia é o uso de vários meios de produzir o que os poderes
constituídos julgam ser uma raça superior. Um exemplo de forma extrema de eugenia
é assassinar aqueles considerados inferiores e incentivar aqueles considerados
superiores a ter famílias numerosas. Um problema que sempre existe é quem julga e
com que base julga que um grupo é superior.
Viktor Frankl, o famoso fundador da escola de psicologia denominada
logoterapia, esteve em quatro campos de concentração nazistas entre 1942 e 1945,
uma experiência horrenda. Sua família morreu, ele sofreu terrivelmente e passou
anos observando aqueles ao seu redor sofrendo e morrendo. Dr. Frankl astutamente
avaliou a influência de cientistas e acadêmicos modernos em ajudar a preparar o
caminho para as atrocidades nazistas, concluindo que

as câmaras de gás de Auschwitz foram a consequência final da teoria de que


o homem não passa de um produto da hereditariedade e do ambiente — ou,
como os nazistas gostavam de dizer, do “sangue e solo”. Estou absolutamente
convencido de que as câmaras de gás de Auschwitz, Treblinka e Majdanek
não foram em última análise preparadas em algum Ministério… em Berlim,
mas nas escrivaninhas e salas de palestras de cientistas e filósofos niilistas. 22

Dr. Frankl resumiu com precisão o argumento contra a academia e os cientistas na


Alemanha.
Uma exibição intitulada “Medicina Mortal” ocorrida de 22 de abril de 2004 a 16
de outubro de 2005, no Museu Memorial Norte-Americano do Holocausto em
Washington, D.C., documentou de forma eloquente esse fato. Desde então, a
exposição tem viajado para museus de todo o mundo, inclusive o Museu Nacional da
Segunda Guerra Mundial em Nova Orleans, Louisiana.
Uma compilação baseada na exibição inclui ensaios bem escritos de muitas
autoridades internacionalmente reconhecidas em nazismo que documentam que a
elite científica foi crucial no planejamento e na execução do Holocausto. Essa
compilação lindamente reproduzida e prodigamente ilustrada com muitas fotografias
nunca antes publicadas fornece uma documentação visual convincente das origens
eugênicas darwinianas do Holocausto.
De 1933 a 1945, o regime nazista tentou atingir seu objetivo de uma
população biologicamente “saudável” e etnicamente homogênea por meio de
programas sociais darwinistas projetados para limpar a sociedade alemã das pessoas
que os cientistas eugênicos perceberam ser ameaçadoras para a saúde eugênica do
povo alemão.
O mito de que a eugenia darwiniana não era central no Holocausto serve para
proteger a convicção profundamente arraigada, mas errônea, de que o darwinismo
não teve uma influência deletéria na Alemanha nazista ou na moral como um todo. Na
verdade, embora a eugenia alemã e sua contraparte britânica tenham se
desenvolvido independentemente,

22 Victor Frankl, The Doctor and the Soul: From Psychotherapy to Logotherapy, 3ª ed. (New York:
Vintage Books, 1986), xxxii.
ambas foram fortemente influenciadas pelos princípios de evolução de Charles
Darwin. Na Alemanha, o zoólogo Ernst Haeckel popularizou o darwinismo
social — a extensão da teoria de Darwin da sobrevivência do mais apto
(seleção natural) à competição na sociedade humana. Os escritos de Haeckel
fundamentavam os temores de uma queda na taxa de natalidade entre os
elementos “melhores” (ou “produtivos”) da sociedade e apontavam
ameaçadoramente a uma crescente “degeneração” hereditária — a
transmissão de características física e mentalmente prejudiciais — da espécie
humana.23

Além disso,

o biólogo alemão August Weisman deu um suporte científico adicional à


conclusão de que a seleção natural não operava com mais eficácia na
sociedade contemporânea porque a medicina moderna e o bem-estar social
permitiram aos inaptos sobreviver e reproduzir seu próprio tipo “geneticamente
defeituoso”.24

As ideias de Haeckel e Weisman ecoam de maneira clara as de Darwin, em seu livro


de 1871 The Descent of Man [A Origem do Homem], que defende a evolução da
humanidade a partir de formas inferiores de vida. Neste livro, Darwin tornou cristalinas
as implicações da evolução para a eugenia. Darwin observa que a civilização faz

o melhor que [pode] para frear o processo de eliminação; construímos asilos


para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para os pobres; e
nossos médicos exercem sua maior habilidade para salvar a vida de cada um
até o último instante. Há razões para acreditar que a vacinação preservou a
vida de milhares que, tendo uma constituição fraca, teriam no passado
sucumbido à varíola. Assim, os membros fracos das sociedades civilizadas
propagam sua espécie. Ninguém que já tenha observado a reprodução de
animais domésticos terá dúvidas de que isso deve ser altamente prejudicial à
raça humana. É surpreendente em quão pouco tempo uma falta de cuidados,
ou cuidados mal direcionados, leva à degeneração de uma raça doméstica;
mas, exceto no caso do próprio homem, dificilmente alguém é tão ignorante a
ponto de permitir que seus piores animais se reproduzam. 25

A solução nazista, em harmonia com a advertência de Darwin, era esterilizar e depois


assassinar aquelas pessoas que os especialistas em eugenia, principalmente
acadêmicos, julgassem evolutivamente menos adequados. O fato é que “o trabalho
de Darwin despertou grande interesse no determinismo biológico e na aplicação do
princípio da seleção natural à sociedade humana”. 26 O primo de Darwin, Francis
Galton, o homem que cunhou a palavra “eugenia” e um dos fundadores do movimento
eugenista, foi “inspirado pela afirmação de Darwin de que no estado natural vários

23 Dieter Kuntz e Susan Bachrach, ed., Deadly Medicine: Creating the Master Race (Chapel Hill:
University of North Carolina Press, 2006), p. 17.
24 Ibid.
25 Charles Darwin, The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex (London: John Murray, 1871), p.

168 [ed. port.: A Origem do Homem e a Seleção Sexual (São Paulo: Hemus, 2002)].
26 Kuntz e Bachrach, ed., Deadly Medicine, p. 44.
animais aumentavam em número”. 27 Quatro dos filhos de Darwin e uma de suas
netas eram lideranças no movimento eugenista.
Outro mito sobre a eugenia no Terceiro Reich é a crença de que apenas
médicos marginais em situações extremas participaram de crimes contra a
humanidade e que a medicina tradicional alemã não foi corrompida pelo turbilhão ao
redor. Os professores Robert Lifton, Robert N. Proctor, Michael H. Kater e Henry
Friedlander, dentre outros, fizeram muitos trabalhos acadêmicos para documentar a
falsidade desses mitos.
Todavia, outra afirmação usada para distanciar a comunidade científica de seu
passado eugenista é a afirmação de que o movimento eugenista não era ciência, mas
pseudociência. O professor Müller-Hill desmascarou esse mito da seguinte forma:

Será que a ciência pode salvar sua honra alegando que o que foi praticado na
Alemanha nazista não era ciência real, mas apenas pseudociência? … ciência
[é] … o que a maioria dos cientistas que trabalham na área chamam de ciência
no momento em que está sendo feita. Julgadores decidem o que pode ser
publicado e o que deve ser financiado — logo, o que é publicado em revistas
científicas e financiado por agências de fomento deve ser considerado ciência.
Sob essa definição, os cientistas — especificamente os geneticistas alemães
médicos ou humanos — estiveram nas décadas de 1930 e 1940
profundamente envolvidos nos crimes do governo nazista.28

Propaganda nazista, documentos médicos, instrumentos científicos, listas de


transportes e fotografias de lugares, perpetradores e vítimas — todos documentam
isso. Mais vívidos e mais importantes são as fotos das vítimas e o material
documental, incluindo gravuras, cartas pessoais e artefatos, que tornam horrivelmente
reais os horrores sofridos pelas vítimas em nome da eugenia darwiniana. Essa
documentação é essencial para se entender a relação entre a filosofia política
darwiniana nazista e a ciência médica.
Este livro afirma que o darwinismo estava no cerne do pensamento
social-nazista, e explicações “baseadas em genes e evolução se espalharam a ponto
de cobrir quase todas as áreas da ciência e da cultura popular nos últimos trinta
anos”,29 incluindo a moralidade, como será documentado neste volume. O objetivo
dos nazistas era produzir, pela aplicação de princípios evolutivos como a seleção
natural, uma sociedade racialmente pura e coesa que reverteria o que os cientistas
nazistas viram como uma degeneração racial.
Atribuiu-se à hereditariedade um papel central na melhoria da sociedade
alemã, levando a filosofia da biologia-é-o-destino ao seu extremo lógico. A crença na
desigualdade inata dos indivíduos e, por extensão, dos grupos raciais se tornou um
dogma. Assim, os “cientistas” nazistas usaram o darwinismo para avaliar suas vítimas
com base em seus traços físicos, culturais e genéticos. Esses cientistas se
concentravam no valor — ou na falta dele, como interpretado pelo movimento nazista
— das pessoas para a sociedade coletiva alemã.
Uma extensão lógica da atribuição de valores desiguais aos indivíduos era
seus direitos desiguais e a falta de valor como seres humanos. Assim como os

27 Ibid.
28 Ibid., p. 185.
29 Brown, Darwin Wars, ix–xx.
darwinistas de hoje, os nazistas se opunham fortemente ao ensino cristão de que
todos somos criados “à imagem de Deus”. Tanto a filosofia nazista quanto a filosofia
política moderna derivam sua origem da evolução e se voltam para a biologia na
explicação dos males sociais e na busca de soluções para seu objetivo de melhoria
da população através da aplicação de princípios darwinistas.
Uma conclusão importante deste trabalho é que os horrores nazistas e os
problemas morais abordados nos capítulos seguintes foram resultado de “uma longa
corrente de especialistas, todos médicos treinados, que promoveram um racismo
biológico ou científico que ajudou a tornar o Holocausto possível”. 30 Um papel
importante dos cientistas eram então buscar meios para se alcançar um diagnóstico
racial:

Muitas pesquisas científicas em ciências raciais, genética humana e sorologia


durante o Terceiro Reich lidavam com a descoberta de técnicas de diagnóstico
para se determinar a raça de uma pessoa. A pesquisa se concentrava em…
inúmeras características físicas e raciais — do formato das narinas até a
estrutura da íris do olho.31

Biólogos e antropólogos

conduziam a pesquisa em genética racial… Como os cientistas estavam


particularmente ávidos por encontrar marcadores sanguíneos para judeus e
ciganos, os testes sorológicos eram realizados nesses grupos nos campos de
concentração… A terceira área de pesquisa, a genética racial, estudava
características morfológicas como esqueleto, sistema muscular e formato da
cabeça e do rosto, incluindo pele, cabelo e cor dos olhos. A herança de cada
detalhe corporal era investigada — pálpebras, sobrancelhas, orelhas, formato
das narinas, cor do cabelo, coluna vertebral e assim por diante.32

Os principais cientistas biólogos alemães acreditavam que a esterilização e a


eutanásia involuntária deveriam ser aplicadas por atacado. Eles argumentaram que
esse era o mecanismo central necessário para reverter a degeneração genética
causada por se ignorar a evolução e a contrasseleção. Acreditavam que isso estava
acontecendo na Alemanha. E, naturalmente, alguns dos principais culpados eram
supostos alemães arianos que se casavam com não arianas e depois tinham famílias
numerosas.
Os médicos e outros especialistas em biologia com treinamento e autoridade
necessários para influenciar, formular e implementar a política nazista foram
essenciais para o sucesso desse programa de eugenia aplicada. Os nazistas usaram
propaganda extensiva para convencer o público de que os programas eugenistas
eram necessários para manter a saúde de seu país. O mesmo vale para os efeitos da
evolução sobre a moralidade, que são detalhados neste livro.33
Um grande problema que os nazistas tinham era determinar quem era judeu,
cigano ou outra raça “inferior”. Alguns nazistas argumentaram que uma pessoa com
três avôs/avós judeus era oficialmente judia. Outros especialistas concluíram que

30 Kuntz e Bachrach, ed., Deadly Medicine, p. 122.


31 Ibid., pp. 122–123.
32 Ibid.
33 Por exemplo, Kuntz e Bachrach, ed., Deadly Medicine, pp. 62–69.
pessoas com apenas um desses avôs/avós era judeu. Quando os cientistas apelaram
a Hitler para decidir, ele protelou a questão, dizendo-lhes que cabia aos cientistas
descobrir. Por fim se chegou a um acordo.

A solução final para a questão judaica e das vidas que não são dignas

O que resultou no fim das contas foi uma medicalização do assassinato em massa,
facilitada pelas inovações tecnológicas realizadas inicialmente nas instituições de
saúde alemãs e direcionadas para o que os cientistas consideravam a séria ameaça
genética representada pelos supostos membros improdutivos e impróprios da
sociedade alemã. O Holocausto demonstrou a disposição desses profissionais,
especialmente cientistas e médicos, de participar da solução final para a questão
judaica, que era o extermínio nos campos de concentração de todos os judeus da
Europa. Como escreve Benno Müller-Hill, o

envolvimento da ciência ou, especificamente, da genética nos crimes


abomináveis da Alemanha nazista é um dos eventos mais perturbadores que
os cientistas, e também o público em geral, podem contemplar. Ciência tem a
ver com conhecimento e verdade. Então, devemos nos perguntar: como os
cientistas alemães puderam apoiar o antissemitismo e as medidas raciais dos
nazistas?34

Os fatos refutam muitos mitos comuns sobre a medicina, ciência, evolução e


academia. O caminho para o Holocausto começou com a matança de crianças
grosseiramente deformadas em 1939. Isso rapidamente progrediu para o assassinato
de raças totalmente saudáveis consideradas “inferiores”, incluindo não apenas judeus,
mas também negros, eslavos e ciganos (Roma e Sinti), tudo com o firme respaldo dos
principais cientistas alemães.
À parte de Charles Darwin, outros cientistas influentes no desenvolvimento do
programa eugenista da Alemanha nazista incluíam o primo de Darwin, Francis Galton.
Galton era respeitado na Alemanha nazista não apenas pelos seus escritos, mas
também pelas ferramentas que desenvolveu para medir traços raciais, como o
tamanho do crânio.35 Desde cedo, os eugenistas alemães também trabalharam em
estreita colaboração com cientistas dos Estados Unidos e também de muitos países
europeus.36
Kuntz conclui dizendo que o nazismo começou com Charles Darwin e terminou
em 1945 com a vitória dos aliados. O resultado foi mais de 55 milhões de mortos,
direta e indiretamente, da guerra.37 Somente 23 médicos, cientistas e administradores
alemães foram processados por crimes de guerra no julgamento. Por que não mais?
Porque os aliados reconheceram que processar todos os envolvidos nessa trágica
década da história teria privado a Alemanha da maioria de seus principais médicos e
profissionais da área da saúde.

34 Benno Müller-Hill, “Reflections of a German Scientist”, Kuntz e Bachrach, ed., Deadly Medicine, p. 185.
35 Kuntz e Bachrach, ed., Deadly Medicine, pp. 42–43.
36 Ibid., pp. 55–59.
37 Ibid., pp. 200–204.
Os nativos do Quênia e o darwinismo

O racismo nazista darwiniano é o exemplo mais conhecido, mas nem de longe o


único. Até mesmo as Ilhas Britânicas estavam infectadas com o racismo darwiniano.
Um exemplo é o Quênia, no século XIX, onde os nativos eram vistos como inferiores
pelos seus governantes britânicos brancos. O resultado era um senso de direitos
individuais pelos britânicos que resultava de sua

percepção de uma profunda superioridade racial que infundia cada degrau da


escada socioeconômica branca da colônia. Em virtude da cor da pele, os
brancos de todas as classes eram a raça principal e merecedores, portanto, de
privilégios. Para os colonos, não havia nada de nobre no “selvagem” africano.
Muitos acreditavam que o africano era biologicamente inferior, com tamanhos
menores de cérebro, uma capacidade limitada de sentir dor ou emoção e até
necessidades nutricionais diferentes, exigindo apenas uma tigela de farinha de
milho, ou posho, para manter a saúde.38

Os britânicos também acreditavam que

Os homens africanos precisavam ser controlados; eram imprevisíveis e


sexualmente agressivos, ameaçando tanto as mulheres brancas e a
manutenção de sua castidade idealizada quanto a pureza racial da
comunidade europeia da colônia. A virulenta ideologia racista se tornava mais
intensa com o passar do tempo, à medida que o chamado nativo era movido
ao longo do espectro racista de estúpido, inferior, preguiçoso e infantil para
selvagem, bárbaro, atávico e animalesco.39

O resultado final foi um holocausto envolvendo 1,5 milhão de pessoas vivendo em


meio a fome, medo e morte por oito anos em aldeias cercadas por arame farpado.

As guerras darwinistas

O fato é que as disputas na ciência geralmente são

cáusticas. Os cientistas não são em geral mais gentis ou menos arrogantes do


que a média da humanidade. Mas as guerras darwinistas — as disputas sobre
o escopo e a importância das explicações evolutivas no mundo — foram mais
detestáveis do que a maioria das outras.40

No entanto, apesar da controvérsia sobre a evolução entre os darwinistas de hoje, a


evolução vem sendo empurrada sobre os estudantes como nunca antes na história;
contudo, muitos cientistas reconhecem que a cosmovisão darwiniana é seriamente
problemática. 41 Um exemplo de darwinista dogmático é o professor Richard Rorty,

38 Caroline Elkins, Imperial Reckoning: The Untold Story of Britain’s Gulag in Kenya (New York: Henry
Holt, 2005), p. 12
39 Ibid.
40 Brown, Darwin Wars, ix.
41 Michael Clough, “Diminish students’ resistance to biological evolution”, The American Biology Teacher

56, Nº 7 (1994): 409–415.


que é julgado por seus pares como “um dos filósofos mais originais e importantes que
escrevem hoje” e também um dos filósofos mais influentes fora dos limites da filosofia
acadêmica profissional. Suas opiniões que

o tornaram famoso como intelectual público decorrem de suas reflexões


especificamente filosóficas sobre tópicos que permanecem centrais na
tradição anglo-americana da filosofia analítica: a natureza e o significado da
realidade e verdade objetivas e de nosso conhecimento delas.42

Richard Rorty é um exemplo de ideólogo darwinista irrestrito que personifica os


zelotes que ensinam nas “universidades públicas criminalizando a liberdade religiosa
e institucionalizando a religião secular”, o que reflete a convicção motriz de estudiosos
pós-modernos influentes. 43 Especificamente, o professor Rorty escreveu que ele,
como a maioria dos professores que

ensinam humanidades ou ciências sociais em faculdades e universidades…


tenta arranjar as coisas para que os estudantes que ingressem como
fundamentalistas religiosos fanáticos e homofóbicos deixem a faculdade com
visões mais parecidas com as nossas… Os pais fundamentalistas de nossos
alunos fundamentalistas acham que todo o “sistema esquerdista
norte-americano” está engajado numa conspiração. Os pais têm razão…
Vamos continuar tentando desacreditar vocês aos olhos dos filhos, tentando
despojar sua comunidade religiosa fundamentalista da dignidade, tentando
fazer suas opiniões parecerem tolas em vez de dignas de discussão. Não
somos tão exclusivistas a ponto de tolerar intolerâncias como as suas… Acho
que esses estudantes têm sorte de estar sob… pessoas como eu e de terem
escapado das garras de seus pais assustadores, cruéis e perigosos. Quando
se trata de reformular valores, as universidades esquerdistas sabem
exatamente o que estão fazendo. E a realidade é que cerca de quatro em cada
cinco estudantes abandonam sua fé cristã quando chegam aos vinte anos. 44

Por outro lado, ironicamente, o ateu mais conhecido da atualidade, Richard Dawkins,
percebeu que a guerra contra os cristãos empreendida por ele e muitos acadêmicos
pode no final ser um enorme erro, pois

Até onde sei, não há cristãos explodindo edifícios. Não estou ciente de
nenhum homem-bomba cristão. Não estou ciente de nenhuma denominação
cristã importante que acredite que a pena para a apostasia seja a morte.
Tenho sentimentos mistos sobre o declínio do cristianismo, na medida em que
o cristianismo pode ser um baluarte contra algo pior. 45

Em harmonia com as conclusões acima, Dawkins fez a seguinte declaração em 2000,


durante uma entrevista da Australian Broadcasting Corporation:

42
Robert B. Brandon, ed., Rorty and His Critics (Oxford: Blackwell, 2000), ix.
43 Richard Rorty, “Universality and Truth”, Brandon, ed., Rorty and His Critics, pp. 21–22.
44 Ibid.
45 Ruth Gledhill, “Scandal and schism leave Christians praying for a ‘new Reformation’”, The Times (UK)

(2 de abril de 2010).
No passado houve tentativas de se basear uma moralidade na evolução. Não
quero nenhum vínculo com isso. O tipo de mundo que um darwinista, voltando
à sobrevivência dos mais aptos, agora, e à natureza rubra em dentes e garras
[impiedosa], acho que a natureza realmente seja rubra em dentes e garras.
Penso que se você observar como é a natureza selvagem, lá no mato, na
pradaria, ela é extremamente implacável, extremamente desagradável,
exatamente o tipo de mundo em que eu não gostaria de viver. E assim,
qualquer tipo de política baseada no darwinismo será para mim uma política
ruim, será imoral. Em outras palavras, sou um darwinista apaixonado quando
se trata de ciência, quando se trata de explicar o mundo, mas sou um
antidarwinista apaixonado quando se trata de moralidade e política. 46

Da lei baseada no cristianismo à lei baseada no humanismo secular

Um estudo de dez anos de 15 mil documentos políticos produzidos pelos 55 autores


da Constituição dos Estados Unidos foi concluído pelo professor de ciências políticas
da Universidade de Houston Donald Lutz e pelo Dr. Charles Hyneman. 47 O jurista
inglês William Blackstone era o terceiro na lista de fontes mais citadas. Só a Bíblia
(34% das fontes citadas) e o filósofo político Charles de Montesquieu (8,3%) o
superavam. Das possíveis fontes das quais os fundadores extraíram suas ideias,
perspectivas, valores e noções sobre liberdade e responsabilidade, a que dominava
era a Bíblia.
O fato é que a edição original em quatro volumes de 1773 da obra-prima
clássica de Sir William Blackstone Comentários às Leis da Inglaterra “formava o
núcleo da jurisprudência norte-americana antes e depois da ratificação da
Constituição dos EUA”. 48 A introdução da nova reimpressão concluiu: “Os
Comentários às Leis da Inglaterra de Sir William Blackstone de 1765–69 são o tratado
jurídico mais importante já escrito em língua inglesa”. 49 Um fator central em como
esse fundamento da lei norte-americana foi derrubado foi a rejeição de Blackstone e a
aceitação do darwinismo. Após a Guerra Civil, vários dos principais “indivíduos
influentes abraçaram uma nova ideia: a evolução darwiniana. A Origem das Espécies,
publicada por Charles Darwin em 1859, teve um enorme impacto sobre as pessoas
influentes que não viam espaço na jurisprudência norte-americana para a visão de
Blackstone da natureza baseada em Deus”.50
Assim, a rejeição da obra de Blackstone começou com o escrito de Darwin
concluído há 150 anos. Em suma, a obra de Blackstone foi rejeitada porque suas

46 Richard Dawkins, “The Descent of Man (Episode 1: The Moral Animal)”. Uma série de programas de
rádio transmitidos em janeiro e fevereiro de 2000 pela Australian Broadcasting Corporation, produzida por
Tom Morton; http://www.abc.net.au/science/descent/trans1.htm; acessado em 16 de agosto de 2016.
47 Donald Lutz e Charles Hyneman, “Toward a theory of constitutional amendment”, American Political

Science Review 88 (1994): 355–370.


48 Ed Vitagliano, “Sir William Blackstone and the long war against law”, Afa Journal (Janeiro de 2015);

http://www.afajournal.org/past-issues/2015/january/sir-william-blackstone-and-the-long-war-against-law/;
acessado em 16 de agosto de 2016.
49 William Blackstone, Commentaries on the Laws of England: A Facsimile of the First Edition of

1765–1769 (Chicago: The University of Chicago Press, 2002).


50 Vitagliano, “Sir William Blackstone”, p. 15.
ideias estavam enraizadas em uma visão de mundo judaico-cristã. Deus
projetou o mundo para expressar certas ideias e operar sob certas leis — e
essa teoria é chamada de “Lei Natural”. A influência de Blackstone e de outros
pensadores de veia similar levou a sentimentos familiares fundadores como a
menção de “As Leis da Natureza e o Deus da Natureza” na Declaração de
Independência.51

A base da lei era, como declarado pelo juiz da Suprema Corte do Alabama Tom
Parker, que quando Deus “criou o homem e o imbuiu de livre-arbítrio para conduzir-se
em todas as partes da vida, estabeleceu certas leis imutáveis da natureza humana”. 52
E

ao criar a humanidade, Deus “lha deu também a faculdade da razão para


descobrir o propósito ou significado dessas leis”. As leis humanas, portanto,
devem ser produto de pessoas que compreendem os propósitos de Deus e
definem seus próprios regulamentos de conduta humana para que reflitam a
vontade divina.53

Depois de Darwin, essa posição legal mudou radicalmente. Um fator envolveu o


presidente da Universidade de Harvard Charles Eliot trabalhando para “introduzir a
evolução no ensino das leis”, ao contratar Christopher Langdell para ser o novo reitor
da Faculdade de Direito de Harvard. O reitor Langdell serviu de 1870 a 1895 e,
durante esse período, mudou a base curricular dos Comentários de Blackstone para a
chamada abordagem de jurisprudência, o que significava basear as decisões dos
tribunais nos escritos de outros juízes. Assim começou a revolução na jurisprudência
norte-americana, um processo que acabou conseguindo, como observa o juiz Parker,
mudar “o foco do Deus que deu princípios imutáveis… para o juiz — o homem — que
estava escrevendo a lei”.54
Estudando decisões de casos passados, os juízes eram capazes de fazer a lei
evoluir de cristocêntrica para antropocêntrica. Além disso, “um maior avanço do
impulso darwiniano na lei ocorreu com a influência do falecido juiz da Suprema Corte
dos EUA Oliver Wendell Holmes”, que atuou na corte por 30 anos, de 1902 a 1932.
Esse longo prazo permitiu que Holmes tivesse um grande impacto no direito
norte-americano, movendo-o de uma base judaico-cristã para uma base humanista
secular.
Holmes é mais conhecido hoje por um artigo da Harvard Law Review
publicado em 1897. Nesse artigo, Holmes opinou que “toda palavra de significado
moral” deveria ser “banida” da lei, devendo ser adotadas outras ideias que
“transmitam ideias legais não coloridas por nada que exista fora da lei”, como a
teologia, especialmente a moralidade cristã.55 O resultado dos esforços de Holmes
logrou “uma ruptura completa de Blackstone e do passado” e instituiu uma fonte
radicalmente nova de autoridade legal, o humanismo secular.56 Como resultado, “A
moralidade foi separada da jurisprudência; a perícia e a razão humanas foram

51 Ibid., p. 14.
52
Ibid.
53 Ibid., p. 15.
54 Tom Parker, citado em Vitagliano, “Sir William Blackstone”: 15.
55 Oliver Wendell Holmes, Jr., “The path of the law”, Harvard Law Review 10 (1897): 457.
56 Vitagliano, “Sir William Blackstone”: 15.
divorciadas do… ‘Deus da natureza’; a verdade absoluta foi negada; e a
responsabilidade de se determinar a verdade foi colocada firmemente nas mãos dos
juízes”.57
O que poderia mudar esse problema, opinou o juiz Parker, é o grande número
de ações judiciais hoje em defesa da liberdade religiosa. Um fator que opera contra
isso, sustenta o juiz Parker, é que “Embora muitos cristãos tenham percebido a
necessidade de um retorno aos princípios fundadores da lei, ainda há uma grande
porcentagem da comunidade cristã que evita se envolver na política e na cultura”.58
Infelizmente, como observa o juiz Parker, ele e muitos outros estão bastante
frustrados com aqueles cristãos

que tentam enterrar a cabeça na areia e não veem seu papel na disputa ou batalha
pela verdade… Sendo inexistente seu envolvimento, essas tendências [secularistas]
irão derrubar seus filhos, assim como vemos os sinais delas derrubando nossa
sociedade agora mesmo.59

57 Parker, citado em Vitagliano, “Sir William Blackstone”: 15.


58 Vitagliano, “Sir William Blackstone”: 15.
59 Parker, citado em Vitagliano, “Sir William Blackstone”: 15.

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