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Direito
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Apesar dessas diferenças, diversos processos históricos, políticos e culturais têm ocasionado um
movimento de aproximação dos direitos nacionais, e na Contemporaneidade as fontes do direito
tendem a ser articuladas de maneira semelhante. Quando criadas pelo Estado, por meio de uma
assembleia com competência legislativa ou de uma autoridade com poder regulamentar, as normas
jurídicas são formalizadas em leis, decretos, regulamentos e outros documentos. Estados também
podem celebrar tratados entre si e com organizações com personalidade jurídica internacional, que
criam regras com efeitos em âmbito externo e interno. Por sua vez, indivíduos e organizações podem
celebrar contratos, que, subordinados às normas estabelecidas pelo Estado, criam regras
juridicamente vinculantes. As normas jurídicas privadas e públicas são aplicadas, no âmbito de um
processo, por tribunais e outros indivíduos com poder jurisdicional, normalmente com base em uma
série de métodos interpretativos e à luz da doutrina jurídica, dos costumes e de decisões judiciais que
formam a jurisprudência sobre o tema.
Além do binômio direito interno e direito internacional, historicamente o direito tem sido dividido
em dois domínios maiores, sobretudo nos países cujos ordenamentos pertencem à família romano-
germânica de direitos, e em ramos que agregam normas e teorias que compartilham um mesmo
objeto e outras características. Assim, enquanto o direito público diz respeito ao Estado e à sociedade,
incluindo ramos como o direito administrativo e o direito penal, o direito privado lida com a relação
entre indivíduos e organizações, em áreas como o direito civil e o direito agrário. Contudo, as
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transformações sociais produzidas desde a Modernidade têm tornado essa divisão crescentemente
incapaz de afiliar ramos do direito nascidos de novas necessidades sociais, sobretudo quanto a
interesses transindividuais, meta-individuais e coletivos.
Índice
Etimologia
História
Sociedades arcaicas
Direito romano
Idade Média
Modernidade e Contemporaneidade
Era das codificações
Globalização do direito
Inflação regulamentar
Juridicização e judicialização das relações sociais
Natureza
Tradição do direito natural
Tradição do positivismo jurídico
Coercitividade e normatividade
Estrutura
Direito público e privado
Direito interno e internacional
Ramos do direito
Classificação
Categorias dominantes
Família romano-germânica
Família da common law
Fontes
Fontes materiais
Fontes formais
Espécies
Articulação e hierarquia
Antinomias e lacunas aparentes
Interpretação
Métodos tradicionais
Ver também
Notas
Referências
Bibliografia
Etimologia
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As origens e o processo de adoção da palavra direito são conhecidos apenas parcialmente, embora
esteja claro que ambos estão conectados à Roma Antiga. Em latim clássico o termo usado para
designar um direito era ius,[nota 2] que daria origem a "jurídico" e "justiça", dentre outros.[3] Esse
termo se originou da raiz sânscrita yu (que indica unir ou juntar, e, por extensão, o vínculo contido
no direito) ou yoh (que indica algo sagrado), e, em sua origem, indicava algo vinculante ou
obrigatório e talvez possuidor de uma garantia divina.[3] Contudo, diferentemente do uso moderno
mais comum do termo direito, que designa um conjunto de regras e, portanto, salienta a sua
dimensão normativa, dentre os romanos o termo ius estava imediatamente associado à noção de
iustitia e era entendido como "a arte de realizar a justiça".[4] Assim, a despeito do caráter normativo
do direito romano, esse povo não utilizava o termo ius em referência a esse seu aspecto, mas sim
salientando a sua dimensão prática, isto é, a proclamação da justiça pelo juiz.[5][4]
O termo direito, por sua vez, pode ser traçado até directum[4] (latim medieval erudito) e
derectum[6][5] (latim vulgar), e sua forma adjetiva directus, que indica algo "dirigido" ou "guiado" em
linha direta, ou ainda "sem desvio".[7][8] Esse adjetivo é particípio passado do verbo dirigere
("endireitar", "ajustar", "desenhar em linha reta", "alinhar"), que se originou do verbo latino regere
("governar", "guiar", "liderar")[7][8] e, mais anteriormente, do adjetivo rectus ("reto", "direto").[9]
Essas palavras evoluíram do termo em língua protoindo-europeia reg-,[9] que indica o ato de
endireitar algo[10][11][12] e está na origem do termo proto-germânico rehtan, que mais tarde originou
o inglês right (por meio do inglês antigo riht) e o alemão recht (por meio do alto-alemão antigo reht);
do grego antigo orektos (estendido, ereto); dos termos em persa antigo rasta- ("reto", "direto") e
aršta- ("retidão"); do galês rhaith; e do bretão reiz ("justo", "sábio").[9]
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Dito de outro modo, o termo derectum teria surgido como consequência de a maior parte da
população romana apreender o direito por seu aspecto orientador das condutas, e não por seu
aspecto técnico (a arte de realização da justiça), expresso pelo termo ius.[19] Apesar de sua rejeição
pelas classes mais educadas, que o consideravam vulgar, o termo derectum difundiu-se dentre a
sociedade romana, e, provavelmente, coexistiu com o termo ius até os sécs. VII e VIII EC, quando os
conteúdos dos manuais de direito romano começaram a cair em desuso.[19] Por essa época o uso do
termo técnico ius foi suplantado pelo termo vulgar derectum, que então já era parte do vocabulário
comum, tanto na linguagem falada quanto na escrita.[19] O termo ius conheceria uma ressurgência
com o renascimento do direito romano,[19] iniciado com a redescoberta do Corpus Juris Civilis pelos
juristas italianos no séc. XII,[20] mas por essa época os termos directum e derectum já eram
amplamente utilizados para designar todo o conjunto ou uma norma jurídica específica.[21] Do latim,
eles evoluíram em português sucessivamente para directo (1277), dereyto (1292) e dereijto (1331), até
chegar à sua grafia atual, documentada pela primeira vez no século XIII.[22]
História
Sociedades arcaicas
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forma, há consenso que os direitos primitivos eram fortemente contaminados pela religião, de modo
que a autoridade das regras de direito estava fundada no sobrenatural: nas vontades das divindades,
nas crenças dos antepassados e nos rituais.[35][36] Assim sendo, naturalmente os sacerdotes
tornaram-se os primeiros reveladores e intérpretes das normas[37][31] e, na maior parte das
sociedades arcaicas, as figuras do líder religioso, do legislador e do rei se confundiam ou estavam
intimamente relacionadas.[38] Ao longo do tempo as vontades das divindades, as crenças dos
antepassados e os rituais tenderam a se fundir em uma coisa só, isto é, as normas de cunho religioso
transformaram-se em costumes e rituais, que, por sua vez, foram sendo substituídos por leis.[39] Por
esse motivo, considera-se que os direitos primitivos possuíram três estágios de desenvolvimento: o
direito oriundo dos deuses, o direito que toma a forma de costumes e o direito fundado nas leis.[39]
Direito romano
A Lei das Doze Tábuas era parte daquilo que os romanos entendiam como ius civile ou direito dos
cidadãos,[nota 8] e que era aplicável unicamente aos cidadãos romanos.[70] Conforme a república deu
lugar a um império, seus governantes enfrentaram o crescente desafio de governar uma população
cada vez mais diversa e decentralizada, e disputas entre os cidadãos romanos e os não-cidadãos, que
viviam ou viajavam por seus territórios, mostraram a exaustão do ius civile frente a muitos desses
casos.[61] Assim, gradualmente foi se desenvolvendo o chamado ius gentium ou direito dos povos,
constituído por leis aplicáveis a todas as pessoas livres, independente de sua nacionalidade, e que, na
visão dos romanos, era fundado nos princípios e valores compartilhados por toda a
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humanidade.[61][71] Mais tarde, com a sofisticação do direito romano, um outro desdobramento viu o
dia na forma do ius honorarium, constituído de precedentes e soluções adotados por magistrados,
particularmente o pretor, e que facilitava a aplicação das leis ao fornecer elementos para suprir suas
lacunas e mesmo corrigi-las.[72][nota 9]
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Idade Média
Em paralelo, no território antes controlado pelo Império Ocidental, inicialmente o direito romano, na
forma do Código de Teodósio, continuou a ser utilizado pelas populações de origem romana.[83] Não
obstante, com a ausência de um governo central e de uma classe de profissionais bem treinados para
compreender e operar esse direito, ao longo dos séculos ele incorreu em processos de fragmentação e
barbarização, ou seja, de fusão com os costumes dos povos germânicos que controlavam as diferentes
regiões anteriormente romanas e de diversificação por conta da crescente feudalização.[87] Pela época
do reino de Justiniano, no antigo território ocidental surgiram ao menos três codificações
empreendidas por povos germânicos, sendo a mais famosa a Lei Romana dos Visigodos (em latim:
Lex Romana Visigothorum), que consistiam de compilações pouco refinadas de fontes jurídicas
romanas.[88] Como Roma havia construído o direito mais compreensivo e sofisticado até então,[77]
ele acabou adotado em grande medida pelos governos que a suscederam, embora de maneira pouco
analítica e marcadamente desigual nas diferentes regiões.[68][89] Assim, embora o direito romano
jamais tenha deixado de existir completamente nas regiões que anteriormente eram parte do Império
Ocidental, documentos do período mostram uma crescente quantidade de erros conceituais e
ausência de originalidade e competência nas interpretações doutrinárias a seu respeito.[90]
Ao longo dos séculos de declínio do direito romano, contudo, essas atividades se encarregaram de
manter vivas a memória e a admiração por sua qualidade,[90] e eventualmente permitiriam avanços
consideráveis nos direitos locais dos reinos europeus.[91] Pelo séc. XI a Europa emergia da idade das
trevas, e isso foi acompanhado de uma revalorização da cultura clássica, que levaria à criação das
universidades e ao Renascimento do século XII.[92][90] Como efeito mais imediato, esse movimento
encorajou uma renovação no estudo do direito romano, sobretudo no sul da França e no norte da
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Por um motivo ou por outro, o a partir do séc. XI o direito romano passou a permear todos os direitos
da Europa, embora em diferentes medidas e com suas próprias cronologias.[100] Em um movimento
que prenunciava o processo de formação dos Estados nacionais,[101][99] ele encontrou a simpatia dos
monarcas europeus, pois mostrou-se útil em seus esforços para impor seu poder real frente à nobreza
feudal.[102] Consequentemente, muitos reinos viram surgir codificações inspiradas no direito
romano, ao passo que muitos daqueles que detinham poder localmente protestaram em busca de
manter seus costumes locais e antigos privilégios.[103] Esse processo, contudo, foi apenas
parcialmente efetivo, pois nenhum reino da época possuía a força necessária para substituir
completamente os direitos locais por uma burocracia centralizada.[104] Assim, em primeiro lugar,
apenas os casos envolvendo a alta justiça passaram a ser julgados pela cortes reais, enquanto tudo o
mais permaneceu sob a jurisdição da nobreza local. Depois, o direito local continuou a ter preferência
em relação ao direito romano, e este passou a ser utilizado como fonte subsidiária.[104][nota 13]
Em última instância, em praticamente toda a Europa o ius commune (em português: direito comum)
europeu, uma combinação de direito romano, direito canônico[nota 14] e direito local (em latim: ius
proprium) continuou em uso até o final do séc. XVIII.[106][100][91] Elementos do Corpus
permaneceram uma fonte imediata do direito até tempos recentes, como na Alemanha, até em 1900,
e na Escócia, África do Sul e Sri Lanka, até pelo menos a segunda metade do séc. XX; além disso, a
técnica romana influenciou fortemente o processo das codificações nas Américas, na Europa e na
Ásia a partir do séc. XVIII.[107][108] Em grande medida por conta do Corpus, o direito romano
tornou-se a fundação da família romano-germânica de direitos e pode ser considerado "uma das mais
poderosas forças formativas no desenvolvimento da civilização ocidental".[107]
Uma situação semelhante, mas em última instância excepcional, diz respeito à Inglaterra. No séc. XII
a situação do direito desse país era essencialmente a mesma da Europa Continental: seu direito local
era fundado nos costumes; diferentes condados, e até mesmo em unidades administrativas menores,
possuíam diferentes direitos; o direito romano era estudado nas universidades e monastérios.[109]
Também como no continente, o direito romano penetrava o direito inglês por meio do direito
canônico e das cortes eclesiásticas, que julgavam temas como casamentos e divórcios.[110] Contudo, a
partir de Henrique II o reino foi construindo um sistema de justiça relativamente bem organizado, e
isso deu início a um processo de unificação do direito do país.[103] O direito romano continuou a ser
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ensinado nas universidades, e, no séc. XIII, havia uma marcada distinção entre o direito romano,
científico, e o direito dos tribunais ingleses, vernacular.[93] Como na Europa, por essa época o perfil
profissional desejado pela comunidade jurídica inglesa passou a compreender não apenas o direito
romano, mas também o direito dos tribunais.[91] O profissional ideal, portanto, passou a ser "mestre
de ambos os direitos" (em latim: utriusque iuris magister) e, nessa qualidade, a conhecer bem o
direito comum produzido pelos tribunais (em inglês: common law).[91] Essas bases do direito
inglês[nota 15] se definiriam mais claramente durante a Era Tudor, quando os Inns of Court se
impuseram às universidades quanto à formação dos juristas.[110]
Modernidade e Contemporaneidade
uma administração pública como algo mais amplo que a prestação da justiça e a gestão do
tesouro;[126] e com a gradual separação entre as funções de administração, prestação de justiça[126] e
legislativa.[127][nota 17] A partir de então, o Estado de direito veio a se consolidar como novo
paradigma em todo o mundo, "equilibrando os direitos e as garantias individuais baseados numa
concepção abstrata de indivíduo portador de direitos a serem salvaguardados pelo Estado e contra o
Estado".[123]
O Código Napoleônico de 1804 foi a conquista mais proeminente da era das codificações;
considerado um monumento à perfeição da razão, transpôs para o direito a articulação intelectual da
soberania nacional: a França, como Estado unificado, deveria ter um direito comum para todos os
cidadãos, baseado na razão e não nos costumes.[135][95] Sua influência iniciou-se com as Guerras
Napoleônicas, mas estendeu-se a outras partes da Europa (Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Itália,
Espanha, Portugal, Hungria, Romênia e Grécia), e à América Latina, Turquia, Egito, China, Japão e
Luisiana (Estados Unidos).[136]
Já o posterior o Código Civil Alemão de 1900, embora tenha tido influência considerável do direito
romano e seja um produto tardio do movimento de codificação,[95] teve uma origem fundada no
positivismo jurídico. O Código Napoleônico inspirou um movimento semelhante na Alemanha,
interessado em sistematizar e unificar as várias leis heterogêneas vigentes no país, mas que foi oposto
pela Escola Histórica do Direito, que defendia que um direito para todos os reinos alemães não
poderia ser identificado unicamente a partir da razão, porque o direito seria um produto da cultura e
dos hábitos de cada sociedade.[137] Seu membro mais ilustre, Friedrich Carl von Savigny, defendia
que povo tem uma história, um caráter e uma consciência próprios — um "espírito nacional" (em
alemão: Volksgeist) — que imprimem suas marcas no direito e nas instituições jurídicas.[138] Seu
discípulo Georg Friedrich Puchta daria continuidade a esse trabalho e, com base no método da
jurisprudência dos conceitos, deu passos importantes para o estabelecimento do direito como uma
ciência jurídica positiva, com uma existência independente dos aspectos éticos, políticos e
econômicos da vida social.[139] Nessa nova concepção, as regras de direito somente poderiam ser
extraídas de um sistema integrado de normas positivadas.[140] Embora no longo prazo tenha
prevalecido o interesse em unificar e codificar o direito civil alemão, o Código Civil Alemão, que
começou a ser elaborado algumas décadas depois, foi muito influenciado pela perspectiva da Escola
Histórica do Direito[141] e influenciaria o direito de numerosos países, notadamente Japão, Suíça,
Grécia, Rússia e os países escandinavos.[142]
Globalização do direito
Dito de outro modo, a globalização do direito constitui "a criação de um fundo comum de regras de
aplicação geral" que não se confunde com uma verdadeira "ordem jurídica transnacional" que supera
os direitos do Estado, mas sim que, normalmente, se difunde pela incorporação de regras comuns
pelos diferentes direitos nacionais.[144] A aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos
em 1948 é um exemplo disse tipo, que, embora seja um documento não vinculante, orientou,
voluntariamente, o desenvolvimento dos direitos nacionais rumo a objetivos comuns:[146] ela levou à
criação, negociação e aprovação de regras em direito internacional pelos Estados, que em seguida têm
sido incorporadas aos direitos nacionais.[147]
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Para alguns autores seria possível falar em um processo de globalização do direito dividido em três
fases que sobrepõem parcialmente.[151] A primeira delas, que vai da metade do séc. XIX até o
princípio da Primeira Guerra Mundial, teve como mecanismos de ação a imposição do direito das
metrópoles ocidentais ao mundo colonizado, a "abertura forçada" de nações não ocidentais que
escaparam ao colonialismo e "o prestígio da ciência jurídica alemã" no mundo ocidental.[152] A
segunda fase dessa globalização se estende do início do séc. XX a 1968, e foi alimentada
principalmente pelos movimentos reformistas de todas as faixas políticas no Ocidente desenvolvido,
pelos movimentos nacionalistas nos países periféricos e pelas elites dos países que se tornaram
independentes após o fim da Segunda Guerra Mundial.[152] A terceira fase, correspondente ao
período que vai do fim da Segunda Guerra Mundial até o princípio do séc. XXI, foi movida pela
influência americana na sequência da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria, e uma "nova
consciência jurídica" dos Estados que, para poderem participar no mercado mundial, se vêem
compelidos a respeitar as "condições estabelecidas por empresas multinacionais e instituições
reguladoras internacionais".[153]
Inflação regulamentar
Ao longo dos sécs. XIX e XX o positivismo jurídico se firmou como tendência dominante, tanto nos
direitos romano-germânicos quanto nos da common law,[154] e o direito, apreendido como uma
ordem normativa pura ou carregado das aspirações éticas do humanismo, continua amplamente
ancorado no pensamento racionalista clássico e na premissa de que é "possível apreender
objetivamente a realidade, racionaliza-la de acordo com categorias jurídicas abstratas e atuar sobre
elas por meio de comandos escritos de valor geral, impessoal e permanente".[155]
Por fim, a Contemporaneidade tem sido marcado por uma crescente juridicização das relações
sociais — a tendência generalizada de que conflitos sociais sejam discutidos sob o ponto de vista
jurídico, que tem como uma de suas principais consequências a judicialização das relações sociais,
entendida como a tendência de que litígios sejam submetidos ao judiciário, em detrimento de outros
modos de solução de conflitos.[157]
As discussões sobre esses fenômenos foram iniciadas na Alemanha no início do séc. XX por Otto
Kirchheimer, no contexto da institucionalização dos conflitos de classes e da progressiva reorientação
de disputas sociais e políticas para formas jurídicas de resolução de conflitos, que ocorriam na
transição do Império Alemão para o modelo de Estado social que se iniciava com a República de
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Weimar.[158] Segundo Jürgen Habermas, essa foi uma etapa dos "surtos sucessivos de juridicização"
que se iniciaram com a formação do Estado burguês e depois continuaram com as suas transições
sucessivas para o Estado de Direito, o Estado de Direito democrático e o Estado de Direito social e
democrático no decorrer do séc. XX.[117]
Contudo, nesse contexto o Poder Judiciário assumiu gradualmente um papel mais pronunciado na
garantia e concretização de direitos encartados nas Constituições,[162] e foi se transformando em
depositário das esperanças individuais e coletivas "como um verdadeiro superórgão capaz de resolver
todas as diferenças existentes", em detrimento de meios alternativos de composição em conflitos.[163]
No longo prazo, isso acarretou uma "crise no Poder Judiciário",[164] que tem como efeitos mais
visíveis o abarrotamento dos tribunais,[165] que impede que atendam satisfatoriamente as demandas
que lhe são submetidas,[161] e também uma "cultura da litigância" que produz outras consequências
indesejadas.[166] No âmbito econômico, além da litigância em si ser custosa, ela leva à adoção de
estratégias “defensivas” nos negócios e reprime a inovação.[167] No âmbito do setor público, ela onera
o Estado e reprime programas e projetos,[167] e leva à multiplicação do número de órgãos
jurisdicionais e dos riscos de incerteza jurisdicional, que resultam em maior lentidão da
justiça[168][169] e, em última instância, na necessidade de reformas do aparato do Judiciário.[170] Por
fim, no âmbito das relações humanas, o direito de ação e o processo judicial por vezes passam a ser
instrumentos de vinganças pessoais, tornando o Poder Judiciário "palco de rixas pessoais, íntimas e
odiosas, quando não uma verdadeira loteria jurídica";[161] e expõem os limites do modelo judicial de
resolução de conflitos, na medida em que ele — adversarial e fundado na oposição de interesses — se
revela particularmente mal adaptado a conflitos envolvendo partes comprometidas em
relacionamentos contínuos ou comunitários, como as relações de vizinhança e família.[171]
Natureza
Numerosas definições do direito convivem no quotidiano da
comunidade jurídica, em geral salientando sua dimensão prática
— por exemplo, como "a ciência da justiça" — ou, “ Poucas questões
principalmente, sua dimensão normativa, isto é, a norma jurídica sobre a sociedade
como seu elemento-base.[173] Dentre as definições de direito humana têm sido
mais comumente aceitas, estão sua caracterização como um postas com tanta
corpo ou sistema de regras que busca "guiar o comportamento persistência e
humano" e "oferece razões para a ação",[174] ou ainda de "regras obtido respostas,
de ação ou conduta [...] com força legal vinculativa"[175] e "que por parte de
regulam o comportamento das pessoas [...] através do pensadores sérios,
estabelecimento de direitos e deveres".[176] tão numerosas,
variadas,
Apesar da utilidade dessas definições, aqueles que se debruçaram estranhas e até
mais longamente sobre essa questão têm sugerido que paradoxais, como
dificilmente o fenômeno jurídico poderá ter sua natureza a questão "o que é
expressa, satisfatoriamente, na forma de uma definição o direito?". Mesmo
concisa.[177][nota 20] Na realidade, a busca por uma caracterização se limitarmos a
precisa do direito tem desafiado desde longa data operadores do nossa atenção à
teoria jurídica dos
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Os principais esforços para definir o direito de maneira precisa e universal partem da constatação de
que o direito é um domínio normativo — tal qual outros domínios que buscam orientar o
comportamento humano, como a moral, a religião, as normas sociais e a etiqueta[174][186] — e buscam
explicar em quê ele difere desses outros tipos de domínios normativos, como se dá a sua relação com
eles e em que medida sua operação depende desses outros domínios, sobretudo o da moral.[174][187]
Nessa linha, muitos buscaram individualizar o caráter do direito por meio do seu conteúdo, alegando
que cada uma de suas normas “institui ao mesmo tempo um direito a um sujeito e um dever a um
outro” e, portanto, que a norma jurídica se distinguiria por sempre regular uma relação intersubjetiva
— diferentemente das normas morais, que são unilaterais.[188] Como já se colocou, contudo, embora
essa noção seja muito difundida por explicar a dimensão prática do direito, ela falha em diferenciar o
direito de outros domínios normativos intersubjetivos, como aquele das normas sociais.[189]
Outros, buscaram diferenciar o direito a partir de sua finalidade, alegando que ele regula relações
intersubjetivas diferentes daquelas reguladas pelas normas sociais, isto é, apenas as relações
intersubjetivas envolvendo ações necessárias à "conservação da sociedade".[189] Dito de outro modo,
nem toda ação humana é necessária à conservação da sociedade mas, aquelas que o são, ao longo da
história vão se distinguindo e passam a ser normatizadas, isto é, tornam-se direito.[189] Contudo,
também aqui se apresenta uma forte objeção, pelo fato de as normas jurídicas — aquelas que seriam
necessárias à conservação da sociedade — serem diferentes em cada sociedade e mudarem no curso
do tempo, e, por esse motivo, ser impossível "fixar de modo unívoco os caracteres que fazem de uma
norma uma regra essencial à conservação da sociedade.[190]
Enfim, o debate a respeito da natureza do direito tem como eixo maior as questões das condições de
validade e dos fundamentos da normatividade do direito.[174] Historicamente, duas tradições
filosóficas principais têm se concentrado sobre esse propósito, as chamadas correntes jusnaturalista e
juspositivista,[174][nota 23] que se desdobram em uma ampla variedade de concepções e teses e se opõe
frontalmente quanto a algumas delas.[194] Embora alguns autores apontem a diminuição da
importância dessa dicotomia na atualidade[195] e indiquem a emergência de rótulos, como direito
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A tradição do direito natural, também chamada jusnaturalista, é a mais antiga das duas principais
correntes filosóficas que buscam explicar a natureza do direito, e, em sua forma contemporânea,
remonta à Idade Média Tardia.[174] Embora suas bases possam ser traçadas até a Antiguidade, na
forma das concepções mítico-religiosas que as civilizações grega e romana atribuíam ao direito, e
algumas de suas concepções tenham sido objeto da atenção de filósofos cristãos iniciais, como
Agostinho de Hipona, ela viria a se desenvolver como uma tradição filosófica autônoma a partir da
Escolástica da Baixa Idade Média.[197][198] A Idade Moderna, por sua vez, viu surgirem novos vetores
de justificação do direito natural, desprendidos da religião e fundados em uma "natureza [humana]
racional e autônoma".[199]
Da mesma forma, em uma concepção jusnaturalista os conteúdos das normas positivadas devem ser
julgados em relação aos princípios morais derivados do direito natural, e só seriam normas jurídicas
as normas positivadas que são justas[205] — aquelas que se identificam com esses princípios morais
(a chamada "versão forte" da tese jusnaturalista) ou não os contradizem (a "versão fraca").[200] Para
os adeptos das teses jusnaturalistas, portanto, falar em "direito justo" é um pleonasmo e falar em
"direito injusto" constitui uma contradição.[200] Nos termos de um famoso ditado, atribuído a
Agostinho de Hipona, "lex iniusta non est lex" (em português: lei injusta não é lei).[174]
Ao longo de sua história, o jusnaturalismo angariou críticas contundentes por permitir justificar toda
sorte de valor moral[nota 24] e por fundar-se em "construções arbitrárias e subjetivas".[207] Mais
especificamente, sua versão tradicional e mais difundida encontrou uma grande objeção com a
emergência daquele que se tornou o "fator determinante da desqualificação recente do direito
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Assim, a tradição do direito natural passou por reformulações consideráveis no séc. XX, notadamente
por meio do trabalho de Ronald Dworkin. Ao contrário de outros membros dessa tradição, Dworkin,
um jusnaturalista atípico, jamais sustentou que um conteúdo moralmente aceitável seria um pré-
requisito para a validade da norma jurídica, preferindo concentrar-se na distinção entre fatos e
valores (entre o que a lei é e o que deveria ser) e em argumentar que a relação entre essas duas
instâncias é muito mais confusa do que o positivismo jurídico gostaria de fazer ver. Para ele,
"determinar o que é o direito, em casos particulares, depende inevitavelmente de considerações
político-morais sobre o que deveria ser", e, além do mais, uma categoria específica de normas
jurídicas, os princípios, seria essencialmente moral em seu conteúdo.[174]
filosóficas juspositivistas e jusnaturalistas, visto que essa última Direito pode ser
sustenta que o conteúdo do direito positivado deve responder aos plenamente
preceitos do direito natural, isto é, à moralidade universal, sob entendida.[208] ”
pena de não constituir direito. Dito de outro modo, as correntes
jusnaturalistas — em oposição à tese social juspositivista — Hans Kelsen
sustentam que o conteúdo moral das normas, e não apenas suas
fundamentação em uma norma fundamental, também é
necessária à sua validade jurídica.[174]
Em seguida, a tese da separação é consequência da tese social e sustenta que há uma separação
fundamental entre o direito e a moralidade, ou seja, "entre o que o direito é e o que o direito deveria
ser". Essa tese, evidentemente, não implica a negação de que o direito possa, pela sua natureza ou
pelas funções essenciais que cumpre na sociedade, conter algo de bom que seja merecedor de
apreciação moral; ou ainda a negação de que muitas vezes as normas de direito apresentam uma
sobreposição considerável com a moralidade. O conteúdo dessa tese refere-se às condições de
validade jurídica, e, mais especificamente, à independência entre essas condições e os méritos morais
das normas em questão.[174] Como consequência, a vertente positivista do direito admite que se possa
identificar e descrever o direito de um povo sem que isso implique em julgamentos de valor a respeito
do seu conteúdo[223] e, semelhantemente, que regras jurídicas podem ser consideradas injustas, sem
que isso as torne menos jurídicas.[224]
Coercitividade e normatividade
Historicamente o direito tem sido percebido como uma instituição que impõe suas demandas
práticas por meio de ameaças e violência institucionalizadas; de fato, muitos filósofos positivistas
sustentaram que a normatividade do direito reside em sua coercitividade,[174] e essa permanece a
opinião mais comum dentre os juristas.[225] Essa questão, inclusive, tem levado parte da comunidade
jurídica a julgar que o direito internacional na realidade não seria parte do direito, visto que não
existe "um governo mundial capaz de legislar e fazer cumprir essas leis por meio de um sistema
supranacional de sanções, como uma força militar internacional independente".[226]
Essa posição é amplamente difundida dentre os adeptos da concepção positivista do direito, mas
também foi defendida pelos primeiros sociólogos do direito, como Max Weber, para quem a essência
do direito seria um poder de polícia ostensivo, isto é, "uma ordem será chamada de direito se for
externamente garantida pela probabilidade de que a coerção [...] será aplicada por uma equipe de
pessoas especialmente preparadas para esse fim".[227] Contudo, enquanto positivistas iniciais, como
Bentham, Austin e Kelsen adotaram uma posição reducionista a esse respeito, sustentando que a
coercitividade é a característica fundamental do direito, aquela que permite distingui-lo dos outros
domínios normativos e constitui sua principal função na sociedade,[nota 29] ao longo do séc. XX essa
questão tem conhecido uma revisão, inclusive devido a aportes mais recentes da sociologia
jurídica.[229]
Alguns autores, por exemplo, argumentaram que a coercitividade não é exclusiva ao direito, visto que
alguns tipos de punição — como multas, suspensões, processos disciplinares e demissão, mas não a
capacidade de prisão — existem em setores exteriores ao direito.[230] Outros, ainda, buscaram
demonstrar que, embora toda norma jurídica seja prescritiva, quer dizer, busque influenciar e
modificar o comportamento humano,[231] nem toda estabelece um comando ou imperativo, visto que
existem normas que permitem comportamentos e atribuem faculdades.[232]
Joseph Raz e Herbert Hart, ao tratarem desse tema, sustentaram que a coercitividade do direito é um
aspecto mais marginal do que seus antecessores presumiram, e que o direito desempenha outras
funções fundamentais na sociedade, para além de fornecer uma previsibilidade de reação hostil aos
infratores e, assim, incitar as pessoas a buscar evitar sanções.[174] Notadamente, Hart defendeu uma
concepção do direito como um fenômeno fornecedor de razões para a ação humana, e que, além de
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Estrutura
Historicamente, a estrutura do direito tem sido dividida em uma série de categorias. Embora por
vezes elas sejam difíceis de constatar e suas fronteiras possam se sobrepor, essa tradição de
qualificação do direito oferece vantagens evidentes em termos de sistematização e organização, e
também oferece ao jurista elementos adicionais que o permitem identificar o regime jurídico
adequado a cada situação de fato.[235][236][237] De uma maneira semelhante, essas categorias
orientam o jurista quanto a outras informações relevantes para a solução problemas concretos, e que
podem estar relacionadas a cada categoria: dados históricos, princípios filosóficos, elementos do
contexto social, dentre outras.[238]
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Assim, do ponto de vista formal, o direito público compreende não escritas, pelas
"todas as normas jurídicas relativas à existência, organização, quais se rege a
funcionamento e relações do Estado",[240] ao passo que o direito vida de um povo,
privado é constituído das "normas que disciplinam o exercício formam um
das atividades privadas",[236] ou seja, as normas "relativas à conjunto
existência, organização, funcionamento e relações das pessoas organizado de
privadas, dos indivíduos".[240] Enquanto ao primeiro cabe regras particulares
"disciplinar o sujeito que exerce a atividade pública", ao segundo de direito positivo,
compete fazer o mesmo em relação ao sujeito que exerce dependentes entre
atividade privada.[236][nota 31] si como partes
solidárias.[239] ”
A dicotomia direito público/direito privado se encontra
amplamente presente no quotidiano da comunidade jurídica, Amilcar de Castro
desde a organização das faculdades de direito até a divisão dos
tribunais.[236] Contudo, o seu interesse não é meramente uma
questão de organização e sistematização,[245] pois todo ato jurídico deve respeitar os princípios
jurídicos da esfera a que pertence.[236] Assim, essa divisão tem interesse prático porque parte dos
princípios aplicáveis ao direito público e ao direito direito privado são diferentes, isto é, os atos
praticados na esfera pública tendem a ser orientados pelos princípios da supremacia e da
indisponibilidade do interesse público e, na esfera privada, os atos respondem a princípios como o da
liberdade e da autonomia da vontade.[236] Assim, a análise da legalidade de um ato jurídico
frequentemente depende da identificação da esfera, pública ou privada, a que ele pertence.[236] A
identificação do direito aplicável a situações concretas, contudo, frequentemente é uma tarefa
complexa,[245] e diversos critérios têm sido propostos para que o intérprete do direito possa
diferenciar normas de direito público e de direito privado, notadamente o critério do interesse
(predominância do interesse público ou do interesse privado na relação jurídica em questão); o
critério do sujeito (natureza dos sujeitos envolvidos na relação jurídica em questão); e o critério da
subordinação (se o Estado age como ente soberano ou se age de igual para igual com os demais
sujeitos da relação jurídica, o que configuraria uma situação de direito privado).[236]
Apesar do seu interesse, essa dicotomia tem sido objeto de críticas devido ao seu caráter absoluto,
incapaz de "encarnar a verdade eterna e universal de todos os fenômenos jurídicos".[246] Como já se
colocou, enquanto no passado essa dicotomia podia compreender com mais precisão a realidade das
relações sociais e, portanto, do direito, a Modernidade e a Contemporaneidade viram transformações
radicais que diminuíram a nitidez da distinção entre as esferas publica e privada.[247] Além disso, a
Modernidade viu surgirem novas categorias de interesses transindividuais, meta-individuais e
coletivos, nas quais o interesse de grupos sociais e da sociedade como um todo não se confundem
com o do Estado, e que, portanto, trazem subjetividade à tarefa de identificação da esfera a que
pertencem os interesses a serem protegidos.[236]
Historicamente, a divisão entre direito interno e direito internacional tem como objeto a distinção
entre, respectivamente, as normas aplicáveis no interior de um Estado e as normas aplicáveis às
relações entre os Estados.[248] Embora no passado essa concepção do direito internacional, com base
unicamente nas relações entre Estados, tenha sido lugar-comum, muitos especialistas consideram-na
ultrapassada devido a um fenômeno recente de diversificação do direito internacional.[249] Assim,
concepções mais atuais do direito internacional podem tomar como base a noção de sujeito de direito
internacional, que compreende uma diversidade de entidades como Estados, a Santa Sé,
organizações internacionais, movimentos sociais com reconhecimento internacional, e, em algumas
situações específicas, até mesmo indivíduos e empresas privadas; o critério do objeto das normas,
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segundo o qual o direito internacional é aquele relativo a assuntos internacionais; ou ainda o critério
do processo de formação das normas, segundo o qual o direito internacional é aquele que emana de
certas fontes,[248] dentre as quais têm destaque os tratados.[250]
A relação entre o direito interno e o direito internacional é complexa e suscita uma série de
questionamentos, sobretudo a respeito da sua subordinação mútua.[251] Ao menos duas correntes
teóricas principais tentam explicar a relação entre eles, embora nenhum país siga à risca qualquer
uma delas, preferindo adapta-las para criar suas próprias maneiras de lidar com a relação entre as
regras do direito interno e do internacional.[251] Essas duas teorias são chamadas monista e
dualista.[252]
A corrente monista propõem a unidade das normas internas dos países e das aplicáveis
internacionalmente; a proeminência do direito internacional ou a proeminência do direito interno em
caso de conflito; e a aplicação direta das normas internacionais sem a necessidade de que elas sejam
convertidas em lei interna.[252] Dito em maior detalhe, as teorias monistas afirmam haver um
sistema único composto pelas normas internas e internacionais, e caracterizado por uma hierarquia,
que, dependendo da teoria em questão, pode ser encabeçada pelas regras internacionais (primado do
direito internacional) ou pelas normas internas (primado do direito interno).[253] As diferenças entre
o direito interno e o direito internacional seriam apenas uma questão do escopo de sua validade (o
direito interno válido somente para o território de um estado e para um período determinado e os
domínios de validade do direito internacional, em tese, ilimitados) e de centralização (a relativa
descentralização do direito internacional e a relativa centralização do direito interno).[254] Um
exemplo dessa concepção monista pode ser visto no direito dos Países Baixos, que, em caso de
violação aos direitos humanos, autoriza o juiz a aplicar os dispositivos da Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos mesmo quando as suas normas estiverem em desacordo com a lei
holandesa.[255]
A corrente dualista, por sua vez, prega a separação dos dois tipos de normas, a superioridade do
direito nacional em detrimento do internacional e a exigência de conversão da norma internacional
em nacional, normalmente por meio de uma lei ordinária.[256] Segundo as teorias dualistas, portanto,
existe uma cisão absoluta entre direito interno e internacional e, consequentemente, duas ordens
jurídicas, distintas a ponto de não ser possível conflito entre elas.[257] Outras implicações dessa
concepção da dicotomia entre direito interno e internacional incluem a possibilidade de normas
internas contrárias ao direito internacional; a impossibilidade de uma ordem jurídica determinar a
validade das normas da outra ordem; a inexistência de uma hierarquia, isto é, de superioridade de
uma ordem sobre outra; e, portanto, uma separação nítida entre o Estado e a ordem
internacional.[257]
Ramos do direito
Após sua divisão em interno e internacional e público e privado, o direito tem sido divido em ramos
distintos e autônomos[245] que, em alguns casos, têm sido identificados desde o direito romano.[260]
O número de ramos existentes é elevado, e inclui o direito civil, o direito administrativo, o direito
penal, o direito constitucional, o direito econômico, o direito do trabalho, o direito processual e o
direito comercial, dentre muitos outros.[261]
https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito 21/43
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Assim como as outras categorias identificadas na estrutura do direito, os ramos do direito são
construções teóricas que visam facilitar seu estudo e ensino,[239] mas que também apresentam
aplicação concreta pois constituem "uma forma de institucionalidade" que permite ao jurista
produzir, escolher, validar e preservar o conhecimento jurídico, além de definir métodos de trabalho
e estabelecer padrões para delimitar, gerir e resolver "problemas juridicamente relevantes".[261] Mais
especificamente, os ramos do direito são detentores "do poder de estabelecer seus próprios princípios
[jurídicos]" e, assim, desempenham um papel importante na qualidade do trabalho do jurista.[261]
Por outro lado, do ponto de vista da sociologia do direito a divisão do direito em ramos se deve
principalmente a fatores externos e seria sobretudo uma convenção útil para "dividir um campo de
trabalho".[261] Essa divisão do trabalho teria como consequências evidentes a especialização do
jurista, incluindo sua maior eficácia, e o estabelecimento de "barreiras de entrada que evitam a
interferência de estranhos", isto é, barreiras que protegem os interesses dos membros da comunidade
de cada disciplina e também comprometem os novos membros "com a preservação da disciplina ao
longo do tempo".[261]
Classificação
O estudo, caracterização e classificação dos direitos adotados por diferentes grupos culturais,
incluindo a identificação de suas semelhanças e diferenças e, portanto, daquilo que os distingue, é um
objeto proeminente da disciplina do direito comparado.[264][nota 32][266] Assim, desde o séc. XIX
comparatistas têm apresentado, baseados em diversos critérios, uma pluralidade de propostas de
agrupamento e classificação dos direitos praticados ao redor do planeta.[267] Além de sua
diversidade, algumas dessas propostas têm conhecido modificações devido às transformações
político-jurídicas ocorridas no período.[268] Assim, enquanto determinadas categorias continuam a
ser percebidas como dominantes,[nota 33] por sua difusão e por continuarem presentes em todo
sistema de classificação, outras, outrora prevalentes, têm perdido sua significância.[270]
Dentre as diversas tipologias que têm sido propostas, algumas se destacam pela difusão que
encontraram. Talvez o mais conhecido desses sistemas de classificação seja aquele aventado pelo
jurista francês René David no início dos anos 1950, e que mais tarde foi revisto em seu famoso "Os
Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo" (no original, em francês: Les grands systèmes de droit
contemporains), primeiro publicado em 1964.[271] Em sua obra, ele identificou três "famílias"
principais de direitos, todas de origem ocidental e consideradas as mais proeminentes ao redor do
mundo,[271][272] respectivamente a família romano-germânica de direitos, a família dos direitos
socialistas e a família da common law; além de outras famílias de direitos menos difundidos, no caso
os direitos muçulmanos, o direito da Índia, os direitos do Extremo Oriente e os direitos da África e de
Madagascar.[273] Os critérios considerados por David são duplos: ideológico e técnico —
respectivamente, a noção de justiça subjacente a cada direito e aspectos da técnica jurídica presentes
em cada um.[274]
Um segundo sistema de classificação considerado clássico nessa temática foi proposto pelos
comparatistas alemães Konrad Zweigert e Hein Kötz em sua obra "Introdução ao Direito Comparado
no Âmbito do Direito Privado" (no original, em alemão: Einführung in die Rechtsvergleichung auf
dem Gebiete des Privatrechts).[267] Nessa obra, os autores propõe a classificação dos direitos nas
famílias romanística, germânica, nórdica, anglo-americana, do Extremo Oriente e do direito religioso
https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito 22/43
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Categorias dominantes
Embora seja grande a diversidade de categorias propostas ao longo dos anos, um pequeno número de
categorias ou "famílias de direitos" se destaca por sua difusão e por estarem presentes em
praticamente todo levantamento realizado por especialistas: a família romano-germânica de direitos,
a família de direitos socialistas e a família da common law.[275] Contudo, mudanças no panorama
político-jurídico mundial têm se refletido sobre o assunto. Assim, enquanto ao longo do séc. XX era
universalmente identificada uma família de direitos socialistas, desde a dissolução da União Soviética
essa categoria tem perdido importância, visto que o número de países a adotarem direitos desse tipo
diminuiu consideravelmente.[268]
Família romano-germânica
A família romano-germânica de direitos, também chamada família do direito civil, é formada pelo
conjunto dos direitos nacionais ou, eventualmente, subnacionais, construídos sobre as bases do
direito romano e do seu intenso e contínuo estudo nas universidades européias a partir do séc.
XII.[272] Seu nome é uma referência ao fato do seu desenvolvimento tardio ter ocorrido nas
universidades dos países latinos e germânicos, e, alternativamente, ao papel central desempenhado
pelo ramo do direito civil no seu desenvolvimento inicial.[282] De fato, uma das marcas dessa família
de direito é o fato de ter se desenvolvido, historicamente, com o intuito de regular as relações entre os
cidadãos; outros ramos do direito só foram desenvolvidos mais tarde, e a partir dos princípios já
consolidados desse "direito civil".[272]
Esse grupo de direitos foi fortemente influenciado pelo movimento de codificação que varreu o
mundo no séc. XIX, e, assim, a lei escrita permanece a fonte por excelência desses direitos.[283] De
fato, são comuns menções à "primazia da lei como critério de racionalidade do modelo
romanogermânico".[284] Nessa família, portanto, as outras fontes de normas jurídicas ocupam um
papel necessário mas complementar, fruto do reconhecimento que a lei escrita nem sempre é capaz
de prever a diversidade de situações concretas que se apresentam ao juiz[285] ou, ainda, de uma
https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito 23/43
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Como os direitos romano-germânicos, a common law se difundiu pelo mundo todo como resultado
da colonização e da recepção voluntária de estruturas jurídicas. Também como quanto aos direitos
romano-germânicos, a common law foi recebida com maior ou menor densidade em diferentes
países, inclusive dando origem a direitos híbridos.[290]
Fontes
O termo "fonte do direito" é polissêmico e designa, dentre outras coisas, as fontes materiais (também
chamadas "fontes reais"[292] e "fontes genéticas"[293]), que são a causa da produção da norma
jurídica ou, melhor dizendo, os fatos sociais que ensejaram a sua produção;[219] as fontes formais do
direito, também chamadas formas de leis,[294] que são os meios por meio dos quais as normas
jurídicas se exteriorizam ou tornam-se conhecidas; e as fontes de validade do direito, noção que
designa os fundamentos de validade de cada norma jurídica e esta está intimamente relacionada à
idéia de hierarquia do ordenamento jurídico.[293]
https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito 24/43
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Fontes materiais
As fontes materiais referem-se ao conteúdo axiológico das normas, isto é, os múltiplos fatores sociais
— históricos, religiosos, políticos, sociológicos, geográficos e econômicos, dentre outros — que
ensejam o conteúdo das normas jurídicas e, assim, condicionam o aparecimento e as transformações
do direito.[219][295] Noção que remete àquilo que Montesquieu chamou de "espírito das leis", elas são
muito diversificadas pois "decorrem das convicções, das ideologias e das necessidades de cada povo
em certa época", isto é, consistem de toda sorte de valor caro a uma sociedade.[296] Como já se disse,
embora os incontáveis valores caros ao ser humano não careçam necessariamente de normas para
serem vivenciados, não há norma que possa existir sem um valor que a anteceda.[297] Por conta das
fontes materiais, portanto, o direito apresenta-se como um instrumento essencial para a formalização
das escolhas de valores[298] e, consequentemente, como "um dos mais importantes repositórios e
expressão dos valores de qualquer sociedade".[299]
As fontes materiais antecedem o direito, e, portanto, não são normas ou podem ser invocadas por si
mesmas no âmbito judicial; são, antes, valores que, a partir de escolhas e atos de vontade,[300]
adentram o direito por meio das fontes formais[296] e, assim, adquirem uma presença tangível no
dia-a-dia da sociedade.[298] Kelsen, notadamente, distinguiu os valores que constituem as fontes
materiais dos valores jurídicos positivados nas normas. Para ele, esses são conceitos "correlativos" e,
enquanto os primeiros são subjetivos e relativos, visto que variam de pessoa para pessoa (inclusive
quanto à sua hierarquia, isto é, sobre quais são mais importantes que outros[301]), os segundos
podem ser identificados objetivamente nas fontes formais. Ao direito, caberia descrever os valores
contidos nas normas e realizar um julgamento a respeito das condutas reais em relação a eles
(condutas condizentes com a norma seriam positivas, e, ao contrário, condutas em desacordo com a
norma seriam valoradas negativamente), mas jamais realizar a crítica dos valores contidos nas
normas, até porque um tal julgamento dependeria necessariamente dos valores do intérprete.[302]
A coerência dos valores que servem como fontes materiais do direito tem ligação direta com a
efetividade do direito e sua capacidade de manter a legitimidade do poder político em uma
sociedade.[303] Embora com frequência essas fontes encarnem valores concorrentes e pertencentes a
grupos de interesse distintos, o que se traduz em um direito cujos objetivos são por vezes
contraditórios entre si,[304][305] a efetividade do direito depende em grande medida de valores e
propósitos compartilhados por todos os membros da sociedade,[305] visto que "a medida com que as
normas jurídicas impõem obediência depende do quanto elas expressam ou estão de acordo com os
valores sociais geralmente aceitos".[306][307] Assim, como na maior parte das sociedades modernas as
normas jurídicas constituem as principais regras de comportamento e penetram praticamente todas
as atividades sociais e individuais, a relativa coesão dos valores expressos pelas normas jurídicas
desempenha um papel crucial na manutenção do Estado democrático de direito.[308][nota 36]
Fontes formais
O direito é um sistema que tem a norma jurídica como elemento de base, e cada uma dessas normas
descola de uma ou mais fontes do direito por meio de um processo de interpretação. Essas fontes —
chamadas fontes formais do direito — podem ser entendidas como fontes de criação do direito, a
"maneira como as normas se manifestam ou exteriorizam",[310] ou como fontes de cognição do
direito,[311] isto é, "os meios empregados pelo jurista para conhecer o direito".[219] Não por acaso, em
grande medida a educação jurídica consiste em treinar estudantes para que encontrem informações
pertinentes e produzam argumentos a respeito das normas criadas our expressas pelas fontes do
direito.[312]
direito".[312] Mais especificamente, o problema das fontes tem Uma função muito
como objetivo "saber, de que modo, forma ou processo o direito diferente é
se constitui e manifesta como vinculante normatividade atribuída à lei, ao
vigente" — uma forma de normatividade vinculante ou costume, à
obrigatória, com fundamentos válidos e que efetivamente se jurisprudência, à
impõe à realidade social — e, portanto, está intimamente doutrina, à
relacionado à próprio natureza do direito.[314] Assim, cada eqüidade nos
concepção do direito determina uma teoria das fontes do direito, diferentes
e, e sentido inverso, cada teoria das fontes condiciona uma sistemas. [...] as
concepção distinta do direito, pois, evidentemente, um deve ser idéias no nosso
expressão do outro.[315] país, referentes às
relações que
existem entre estas
Espécies diferentes fontes
possíveis das
À parte dessa questão filosófica, do ponto de vista técnico e regras jurídicas,
preocupado imediatamente com a aplicação do direito[311] não são as mesmas
normalmente se reconhece a existência de quatro categorias de em todos os países
fontes formais do direito,[316] entendidas como meios aos quais e [...] os métodos
"os tribunais recorrem na decisão de controvérsias e advogados de raciocínio,
devem recorrer como fontes de informação quando chamados a aplicados pelos
oferecer seus conselhos".[294] Essas categorias são as juristas para a
seguintes:[316] descoberta das
regras de direito e
Legislação: também chamada "lei em sentido amplo", o desenvolvimento
compreende textos editados por órgãos estatais que têm do corpo do
competência para legislar.[317] Em geral, é composta por direito, podem ser,
documentos provenientes do Poder Legislativo e da por conseqüência,
administração pública (da qual alguns agentes possuem variados.[313]
”
poder regulamentar) e que são formulados por escrito e
segundo procedimentos específicos estabelecidos em outras René David
fontes do direito que lhe são superiores.[318] Incluem uma
diversidade de categorias que vão da constituição a
circulares e portarias, passando por leis ordinárias, decretos
e outras categorias próprias a cada ordenamento jurídico.[219] A legislação tende a ser a fonte
primária de normas jurídicas nos direitos da família romano-germânica.[319]
Costume jurídico: uma das mais antigas fontes do direito, que predominou até o advento da
escrita,[320] é composto por regras não escritas que se formam a partir de dois elementos
fundamentais: a convicção geral, no seio de uma sociedade, de que um comportamento é
obrigatório e necessário, e a repetição reiterada desse comportamento.[219]
senso de justiça.[219] Via de regra, as normas que compõem a jurisprudência sobre um tema
buscam suprir as lacunas deixadas pela legislação, e não podem se opor a ela.[219][321] Nos
direitos de tradição romano-germânica, a jurisprudência se torna mais persuasiva conforme a
sua aceitação se torna reiterada e se estabelece em tribunais superiores, que ocupam o alto da
hierarquia,[322] ao passo que nos direitos da common law a jurisprudência tende a ter um caráter
vinculante, isto é, obrigatório.[323] Essas normas são válidas enquanto não surge uma lei
tratando do assunto e enquanto os próprios juizes mantém o mesmo entendimento a seu
respeito.[219] Por serem criadas a partir de casos concretos e estarem em constante
transformação, essas normas veiculam interpretação atual das demais fontes jurídicas e
permitem ao direito manter-se atual.[219]
Existe um rico debate a respeito de outras possíveis categorias de fontes formais, como os contratos,
os tratados, os "escritos de sábios reverenciados", a analogia e formas de "normas supra-legislativas"
como os princípios gerais do direito e a religião.[324][325] Contudo, para boa parte dos especialistas
essas potenciais fontes, ou ao menos parte de seus valores, constituem espécies do costume, da
jurisprudência e, principalmente, da legislação e da doutrina, até porque normalmente elas
encontram previsão, se manifestam ou são identificadas por meio de uma delas.[219][326]
Articulação e hierarquia
Todo direito se articula por meio de uma hierarquia das fontes que reconhece, e que lhes permite
resolver os conflitos entre essas normas.[327] Como as hierarquias das fontes são específicas a cada
direito, elas são uma evidência da maior ou menor importância atribuída a cada fonte por cada
Estado,[328] e, assim, constituem um dos critérios centrais na distinção das feições de cada direito e
das famílias de direitos.[329] Com efeito, na teoria comparatista das famílias de direitos que
predominou desde a segunda metade do séc. XX, um dos principais critérios de diferenciação dos
direitos é justamente os tipos de fontes que cada direito reconhece e a maneira como ele as
articula.[329] Na Contemporaneidade, é comum que as legislações prevejam expressamente as
categorias e espécies de fontes adotadas pelos direitos de que são parte, seja na legislação infra-
constitucional ou na própria constituição nacional,[330] e que elas também esbocem a hierarquia das
fontes reconhecidas naquele direito.[330][327] Embora seja teoricamente possível um direito fundado
em apenas uma fonte, os direitos conhecidos ao longo da história são considerados complexos, no
sentido de reconhecerem mais de uma delas.[331] Naqueles que contam com legislação escrita,
incluindo os pertencentes à família da common law, normalmente essa legislação se impõe às demais
fontes do direito e, portanto, suas normas não podem ser modificadas ou revogadas por meio de
outras fontes.[332]
A hierarquia das fontes jurídicas se relaciona intimamente com a noção de ordenamento jurídico,
que, por sua vez, é um elemento-chave da concepção dominante do direito na Contemporaneidade, o
juspositivismo.[333] Mais especificamente, em sua formulação mais refinada, elaborada por Kelsen, a
teoria do ordenamento jurídico pressupõe o direito enquanto um sistema (quer dizer, mais do que
https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito 27/43
26/12/2020 Direito – Wikipédia, a enciclopédia livre
A coerência e a completude, por sua vez, são dimensões de uma mesma questão, e correspondem ao
que Savigny e Francesco Carnelutti chamaram, respectivamente, unidade negativa/unidade positiva
e ausência de vício por excesso/ausência de vício por falta.[339] Por um lado, a coerência consiste na
qualidade do ordenamento de "afastar as contradições" entre normas, na sua capacidade de não
apresentar normas incompatíveis entre si.[340] Em outras palavras, no ordenamento apenas existem
contradições aparentes entre duas normas, e ao jurista cabe "purgar" a norma excessiva do
ordenamento.[339] A completude, por outro lado, consiste na qualidade do ordenamento de não
apresentar brechas ou lacunas.[339] Atributo essencial à certeza do direito,[341] ela impõe que, em
caso de aparente lacuna, cabe ao jurista "integrar" o ordenamento por meio das normas disponíveis, a
fim de produzir uma norma aplicável ao caso.[340] Tanto a coerência quanto a completude são
atributos que dependem da solução de problemas aparentes que se apresentam na operação do
direito, nomeadamente a presença de antinomias e lacunas potencias.[342]
Em particular, a coerência do direito somente é possível por meio de certas normas que expressam
critérios de solução de antinomias — normas incompatíveis entre si — e permitem determinar a
norma cabível a cada caso e excluir outras normas potencialmente incompatíveis.[343] Geralmente
três critérios são encontrados nos direitos, para a solução de potenciais antinomias.[344] O primeiro
desses critérios é justamente o critério hierárquico, que estabelece que lei superior se impõe a lei
inferior (em latim: lex superior derogat inferiori).[345] Os outros dois possíveis critérios,
normalmente aplicáveis unicamente aos casos onde mais de uma fonte ocupa um mesmo nível da
hierarquia,[327] são o critério da especialidade, segundo o qual a norma mais específica (em relação
ao caso concreto) prevalece em relação à norma mais geral (em latim: lex specialis derogat
generali)[346] e, depois, o critério cronológico, segundo o qual a lei mais recente prevalece sobre a
mais antiga (em latim: lex posterior derogat priori).[347]
Como são possíveis antinomias mesmo com a aplicação desses critérios, é comum que cada direito
estabeleça uma relação hierárquica entre eles, isto é, que se imponha uma ordem de preferência que
permita resolver conflitos potenciais.[346] Nesse sentido, o mais comum é que o critério hierárquico
ou critério da especialidade seja prevalente, e que ambos se imponham ao critério cronológico.[348]
Persistindo a antinomia, é comum que se aplique um quarto critério, excepcional, que consiste em
eleger a norma mais favorável (em latim: lex favorabilis), nomeadamente aquela que estabelece uma
permissão, em detrimento de uma norma que estabelece um imperativo (em latim: lex odiosa);
continuando a haver uma antinomia, porque duas normas se enquadram exatamente nas mesmas
categorias em relação a esses quatro critérios, essas normas se anulam mutuamente.[349]
https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito 28/43
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Interpretação
A teoria do direito estabelece uma distinção entre as
interpretações das fontes do direito pelos "órgãos de aplicação do
direito” e as interpretações realizadas externamente ao âmbito “ A norma é
judicial, pelo cidadão comum e por outros juristas. A produzida, pelo
interpretação pelo juiz, denominadas “autêntica”, é indissociável intérprete, não
do processo de criação do direito, visto que suas decisões são apenas a partir de
vinculativas ou estabelecem precedentes, ao passo que a elementos colhidos
interpretação "não autêntica”, realizada por outros indivíduos, no texto normativo
é “desprovida de força normativa e diz respeito exclusivamente à (mundo do dever-
ordem do conhecimento”.[353] ser), mas também
a partir de
Por um lado, no âmbito da interpretação autêntica, a aplicação elementos do caso
das normas jurídicas visa pôr fim a conflitos e litígios, mas de ao qual ela será
maneira que sejam produzidas decisões judiciais ostensivamente aplicada, isto é, a
corretas e justas, isto é, decisões jamais arbitrárias, que inspiram partir de dados da
"aceitação e convencimento a respeito de sua correição e justeza" realidade (mundo
e podem impor-se e gerar obrigatoriedade.[354] Como do ser).[352]
”
pressuposto disso, a operação do direito é orientada por
princípios jurídicos como a isonomia — a igual aplicação da lei a Eros Grau
Métodos tradicionais
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Gramatical: corresponde àquilo que vulgarmente é descrito como “a letra da lei”, ou seja, é uma
interpretação literal do texto legal, produzida a partir de seu sentido lexical e, por vezes,
completada com sentidos especializados de termos técnicos. O limite do sentido atribuído ao
texto pelo idioma é também o limite da sua interpretação. Dado o dinamismo temporal,
geográfico e cultural da língua, os sentidos de certos termos tendem a ser cristalizados pela
doutrina e pela jurisprudência.[361]
Sistemático: é aquele em que visa preservar a integridade do ordenamento jurídico, e, portanto,
busca garantir a coerência da norma com o conjunto regulatório em que está imersa. Em outra,
ele reconhece que cada norma se relaciona com outras normas, da mesma lei e também de
outras leis que lhe são superiores e inferiores, e que o conteúdo destas pode ser determinante
para o estabelecimento do seu sentido.[362]
Histórico: tem como base a intenção do autor e o contexto histórico da elaboração da lei.
Normalmente se funda em justificativas retiradas de documentos legislativos que possam
esclarecer os sentidos atribuídos aos termos da lei, as finalidades pretendidas e outros
elementos. Também pode buscar contextualizar o texto em função da “situação social, política e
econômica no momento da aprovação da lei”.[363]
Teleológico: toma como norte a finalidade pretendida com a norma, ou seja, o objetivo almejado
pelo legislador. A finalidade atribuída à norma carece justificativa razoável pelo intérprete, isto é,
“exige um convencimento argumentativo sobre o juridicamente correto”. É o mais elástico dos
métodos interpretativos clássicos, e, por isso, é possivelmente “o preferido na prática da
interpretação”.[364]
Ao longo do séc. XX esse processo interpretativo tradicional, que contempla uma diversidade de
métodos que são empregados com base na conveniência, tem sido objeto de uma série de críticas no
âmbito da hermenêutica jurídica, ciência cuja problemática é comumente ilustrada por meio da
metáfora que seu nome carrega: Hermes era o mensageiro dos deuses olímpicos e o responsável por
transmitir e esclarecer seus desejos à humanidade; ao Homem jamais era possível conhecer
diretamente o conteúdo dos desejos dos deuses, sendo-lhe dado conhecer apenas aquilo que Hermes
dizia a respeito da vontade divina.[365] Como já se colocou, "as disposições, os enunciados, os textos,
nada dizem: eles dizem o que os intérpretes dizem que eles dizem", e esse é o problema central sobre
o qual se debruça a hermenêutica do direito.[366]
Ao tratar das práticas interpretativas, Kelsen demonstrou que todos os métodos de interpretação
"conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um resultado que seja o único correto”,
isto é, como diversos métodos são possíveis, possíveis resultados válidos também o são.[355] Assim,
há quem afirme que a "retórica da vinculação estrita entre o texto da lei e o resultado de sua aplicação
pelo agente público" no fundo consiste em uma ficção,[355] embora seja legitimamente um dos
elementos considerados na aplicação do direito aos casos concretos, juntamente com a busca por
correição.[367] Depois, com base nos trabalhos de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer[368]
outros sustentam que a interpretação e aplicação do direito constituem uma única operação, pois o
ato interpretativo implica interpretar não apenas as fontes do direito, mas também os fatos relativos
ao caso concreto.[369] Como interpretar a norma implica interpretar os fatos, a maneira como esses
fatos são apresentados — operação que passa pela linguagem e envolve valoração pelo intérprete — é
determinante na produção das normas que lhe são aplicáveis.[369] Mais detalhadamente, a
diversidade de sentidos que cada sujeito pode atribuir ao mundo ao seu redor é limitada por sua
própria compreensão do mundo;[370] essa crítica considera que a atividade interpretativa é
condicionada pela "faticidade e historicidade do intérprete" e que, como consequência, há uma
diferença entre o texto e o sentido desse texto,[369] isto é, "entre texto e norma não há uma
equivalência e tampouco uma total autonomização".[370] Por isso, seria impossível ao intérprete
"'retirar' do texto 'algo que o texto possui-em-si-mesmo'",[358] tal qual se tornou prática corriqueira
da comunidade jurídica desde que o juspositivismo se tornou dominante.[371] Isso não significa uma
separação absoluta entre texto e norma, que permitiria atribuir sentidos arbitrários aos textos
jurídicos, ou tampouco autoriza o intérprete a escolher o sentido que mais lhe é mais
conveniente.[371] Ela implica afastar "todas as formas de decisionismo e discricionariedade"[371] que
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dão lugar a múltiplas e variadas respostas a um mesmo problema jurídico,[372] por meio do
reconhecimento de que interpretar consiste unicamente em "explicitar o compreendido",[373] isto é,
que "uma interpretação é correta quando desaparece, ou seja, quando fica 'objetivada' através dos
'existenciais positivos', em que não mais nos perguntamos sobre como compreendemos algo ou por
que interpretamos dessa maneira e não de outra: simplesmente, o sentido se deu".[374]
Ver também
Ciências jurídicas
Dogmática jurídica
Filosofia do direito
Sociologia do direito
Teoria geral do direito
Direito subjetivo
Direitos humanos
Advocacia
Solicitadoria
Notas
julgar as almas dos comunicação a prática de
1. O termo direito é mortos.[13] "revestir de um corpo físico
polissêmico e, como tal, a pura luz das noções
remete a diversos conceitos. 5. A simbologia do direito tem
raízes na própria intelectuais que, sem esse
O sistema de regras que cuidado, cegariam com seu
regula condutas, tratado constituição desse
fenômeno, isto é, remonta a brilho forte os olhos débeis
neste artigo, é referido no
tempos imemoriais, e surgiu [do Homem]".[31] De fato,
meio jurídico como o direito assim como a origem do
objetivo. Para outros da necessidade de
manifestar noções jurídicas direito está intrinsecamente
significados, consulte Direito
e a obrigatoriedade de relacionada à religião, a
(desambiguação).
certos comportamentos por simbologia religiosa é com
2. O significado inicial desse frequência o ponto de
meio de algum tipo de
termo dentre os romanos partida da simbologia do
linguagem perene, em
indicava aquilo que a teoria tempos anteriores ao direito, embora essas duas
moderna do direito define ordens de símbolos tenham
como direito subjetivo. Seu advento da escrita.[25] Como
já se observou, as mesmas vida própria e reportem-se a
uso para indicar o conjunto fenômenos e sirvam a
causas que deram origem
de regras relativas a esses objetivos distintos.[32]
direitos subjetivos, isto é, o aos símbolos religiosos
direito objetivo, é muito também produziram os 6. A questão da relação entre o
símbolos jurídicos; enquanto conhecimento da escrita e a
posterior.[2]
primeiros reveladores e complexidade e efetividade
3. Essa influente teoria foi aplicadores do direito, os desses direitos "arcaicos" ou
proposta pelo jurista e sacerdotes, "testemunhas "primitivos" é objeto de um
religioso português da utilização dos signos debate em andamento, mas
Sebastião Cruz, e foi simbólicos nas práticas em geral reconhece-se que
comunicada em uma habituais da vida civil, mesmo algumas das
palestra na Universidade de impressionados com a sociedades que não
Santiago de Compostela, na simpatia do povo por essas conheciam a escrita
Espanha, em maio de práticas e convencidos da apresentaram práticas de
1968.[13] impotência de qualquer regulação social
4. Na cultura Egípcia do manifestação lógica para se relativamente complexas e
período, o deus Osíris comunicar com o gênero desenvolvidas. Isso tem sido
utilizava uma balança para humano ainda na infância", constatado não apenas
tomaram como meio de através de investigações
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