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BACHARELADO EM AUDIOVISUAL – 5º SEMESTRE A

MATHAUS WOERLE, MARIANA LEÃO E JULIA STEIN

MOVIMENTOS ORDINÁRIOS​ – PROJETO DE DOCUMENTÁRIO

SÃO PAULO – SP

JUNHO, 2017
Sumário

1.0​ ​Título do projeto………………………………………………...03


2.0​ ​Equipe e funções………………………………………………...03
3.0​ ​Palavras-chave…………………………………………………...03
4.0​ ​Storyline……………………………………………………….....03
5.0​ ​Sinopse……………………………………………………….......03
6.0​ ​Apresentação e justificativa………………………………….......04
7.0​ ​Estratégia de abordagem………………………………………...08
8.0​ ​Referência fílmica e conceitual………...……………………..…13
9.0 ​Fotos escolhidas para representar a identidade visual do projeto​………....16
10.0 Vídeo promocional…………………………………………....18
11.0​ ​Produção………………………………………………….…...18
11.1 Pré-produção…………………………………………...19
11.2 Produção e filmagem………………………...………...19
11.3 Pós-produção…………………………………………...19
11.4​ ​Orçamento……………………………………………..20
11.5​ ​Cronograma geral……………………………………...21
12.0 Referências bibliográficas.………………………………....…21
13.0 Referências filmográficas………………………………….…21

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1.0​ ​Título do projeto
Movimentos Ordinários

2.0 Equipe e Funções


Mathaus Woerle – Direção
Júlia Stein - Direção de fotografia
Mariana Leão - Produção

3.0 Palavras-chaves
cotidiano; sujeito ordinário; espaço comum

4.0 Storyline
Através de uma forma de busca, o filme aborda os diferentes olhares sobre o cotidiano
de um espaço desconhecido.

5.0 Sinopse
Movimentos Ordinários pretende explorar a relação do indivíduo comum com o espaço
em que o cerca a partir de um dispositivo motivador de um deslocamento realizado pela
equipe, levando-os para um espaço desconhecido e que, por si só, carrega o ímpeto do
cotidiano.

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6.0 Apresentação e Justificativa

“(...) O filme se faz no fio de um desejo:


enlaçar-se à aventura de outrem e segui-la,
fazer dessa aliança precária – na qual não
se sabe até onde podemos ir e onde
devemos recuar – a força geradora do
filme. Assim fazendo, o filme poderia ser –
na esteira do cinema moderno –, quem
sabe, não o relato do acontecido, mas a
produção mesma do acontecimento."

(GUIMARÃES, 2007, p. 148)

O projeto Movimentos Ordinários propõe um deslocamento da cidade de São


Paulo rumo à região não metropolitana, ao interior, na busca de imprimir suas
experiências diante o sujeito ordinário1, observando-o e intrometendo-se em sua
trajetória, ao mesmo tempo expondo procedimentos fílmicos e tomadas de decisões dos
realizadores. Para isso, parte de um dispositivo: regras previamente estipuladas que nos
guiem e que conduzam nossa jornada. A primeira delas é o sorteio de uma cidade (no
raio mínimo de 100 km, máximo de 200 km); a segunda, buscar no local um indivíduo
sob uma condição: produzindo imagem (independente de sua natureza ou aparato
tecnológico); por último, oito diárias de filmagem que nos restringem temporalmente
(incluindo o dia de saída e o de retorno a São Paulo).
A partir do encontro e da relação criada entre câmera, realizador e o outro,
buscaremos propor ou acompanhar a movimentação do personagem. Dessa afinidade e
fluxo físico, torna-se essencial estar atento ao personagem em devir – o personagem que
passa a oferecer sua ​mise-en-scène – seja pela presença do aparato, seja como
consequência das proposições da equipe, mesclada com a subjetividade da mesma a
partir de digressões poéticas e conceituais inscritas em imagens e som. A obra não
promete o relato de acontecimento, mas sim a criação de acontecimentos, transitando
imagética e sonoramente entre o objetivo e o subjetivo, o natural e o plástico, a narrativa
e a poesia. Para tanto, manusear a maneira em que se busca o ordinário deve refletir o

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Entendemos o termo ​ordinário como o comum, através dos conceitos de Giorgio Agamben, no livro ​A
comunidade que vem​. Assim, o ​ordinário é o ser qualquer e exemplar, é o ser que está por vir.
Compreendemos a conotação pejorativa que a palavra possui, porém, a sua desconstrução fortalece o
processo de olhar para o comum, para o ordinário.
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poético e o sensorial na forma fílmica.
Nossa preocupação não é temática, e sim com os diversos elementos do trivial,
com os movimentos cotidianos – cotidiano por constituírem a vida comum, marcado
pela singularidade qualquer. Assim, é um filme que se enrosca e capta as relações que
estão nos espaços comuns, nos indivíduos ali presentes relacionando-se entre si e
também com a câmera, com a equipe – são travessias pelo espaço, os gestos, o corpo em
movimento, o corpo que age; a captação dessa presença diante da câmera, da
mise-en-scène de quem se desloca. Neste lugar incerto, na procura por qualquer
movimento para se intrometer e acompanhar, o filme se compõe com base em
fragmentos que percorrem as temáticas que podem surgir (questões sociais, políticas,
econômicas, culturais, ambientais, religiosas etc., inclusive uma discussão sobre a
produção de imagens, por conta de nosso dispositivo). Entretanto, o mergulho nas
complexidades desses fragmentos não é o objetivo principal, já que a imersão e a
captação do insignificante, dos movimentos do ordinário, é o real foco.
A partir do nosso desejo que a relação, mesmo que precária ou artificial, de nós
com o outro seja exposta, a narrativa se desenrola entre a ação e reação de ambas as
partes (realizador e personagem). Na criação dos acontecimentos, o filme gera um ciclo
após a saída de São Paulo: há um primeiro deslocamento e encontro que repercute em
um ​acaso (uma nova situação). A partir disso, surge a reflexão de permanecer nesse
percurso ou alterá-lo – dependendo da decisão, o ciclo se repete continuamente.
Portanto, nessa relação com cotidiano, vem à tona o encontro ​realizador-personagem​,
os quais criam em conjunto. O que põe fim a esse ciclo é a limitação temporal inevitável
do documentário: oito diárias de filmagem.
A vontade de enlaçar-se com o ordinário nos motiva por duas razões. Primeiro,
um contraponto ao extraordinário: não se busca um passado, muito menos os grandes
feitos de um indivíduo; também não nos interessa os estereótipos pressupostos e
historicamente previstos do mesmo. Os heróis da história – principalmente os
construídos pela classe dominante – carregam uma memória coletiva, de um grupo, de
uma classe; a partir do homem anônimo, a memória do ​ser qualquer é o que motiva os
pensamentos originários desse universo, lidando, dessa forma, com o presente,
olhando-o como o que vai deixar de existir: é assim que nos deparamos com o real; é
tratá-lo como o pintor de Baudelaire. Foucault expõe essa heroificação do presente a

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partir da modernidade baudelairiana:
Para a atitude de modernidade, o alto valor do presente é indissociável da
obstinação de imaginar, imaginá-lo de modo diferente do que ele não é, e
transformá-lo não o destruindo, mas captando-o no que ele é. A modernidade
baudelairiana é um exercício em que a extrema atenção para com o real é
confrontada com a prática de uma liberdade que, simultaneamente, respeita
esse real e o viola. (FOUCAULT, 1984, p. 343)

A segunda razão é o contraponto em relação à superexposição midiática do


comum, do homem ordinário. Se em outros tempos apenas os heróis eram
representados, ao final do século XIX, a arte traz à tona a vida cotidiana, o que
transborda pelo século XX. A grande mídia – ao mesmo tempo que se consolida e toma
força – quando aparenta trazer o homem ordinário, na verdade, traz o homem mediano,
como se esse sujeito que é exposto pudesse ser todo mundo. Como afirma César
Guimarães, no texto ​O devir todo mundo do documentário​, em relação à exposição
midiática:
(...) é preciso ressaltar o quanto o “ser-qual” (contido no termo qualquer) que
anima a vida do Homem Ordinário permanece exterior ao limite tanto do
individual (inefável na sua diferença irredutível) quanto do universal (dono
de uma inteligibilidade que apaga toda diferença). (GUIMARÃES, 2007, p.
139)

Em seguida, Guimarães cita Deleuze:

“Se é tão difícil ser como todo mundo, é porque há uma questão de devir.
Não é todo mundo que se torna como todo mundo, que faz de todo mundo
um devir.” (GUIMARÃES, 2007, p. 140)

Essas duas consonâncias se unem por estarmos atrás do comum que está no
incessante devir. O ​ser qualquer é o que está em devir, seja nos atos do seu dia-a-dia,
seja diante de uma câmera – não é o espetáculo criado a partir de suas qualidades,
caráter etc., e sim aquele que está a se expor a cada instante: “Eu não sou jamais ​isto ou
aquilo​, mas sempre ​tal​, ​assim​. ​Eccum sic absolutamente. Não possessão, mas limite;
não pressuposto, mas exposição”, trecho de Giorgio Agamben citado por Guimarães
(2007, p. 140).
Portanto, o projeto propõe um documentário comprometido com o mundo em
devir, contrário à superexposição e à espetacularização do cotidiano e do indivíduo.
Sobre isso, César Guimarães:
Acreditamos que o documentário, ao voltar-se para a figuração dos gestos e
para a duração dos discursos, dispõe de recursos expressivos para
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singularizar a vida ordinária. Ao enfrentar e resistir às estratégias
contemporâneas do poder, que toma como seu território tudo o que é
controlável, calculável, lugar por excelência do ​mathema (em contraposição
ao ​pathema​) o documentário instaura um pathos do ordinário.
(GUIMARÃES, 2007, p. 144)

É no acaso que vimos possibilidade e uma maneira distinta de, ao invés de


alcançar a massa (bloco unificado), atingir a multidão (conjunto de pluralidades), na
qual cada um é ser em devir – “nesse sentido, o filme documentário, então, tomou para
si a tarefa de singularizá-los” (GUIMARÃES, 2007, p. 144). Assim, nosso dispositivo é
elaborado para nos levar a esse ​um qualquer​, num lugar qualquer, impedindo-nos a
pesquisa prévia, para fortalecer que o que importa para a obra e seus procedimentos é o
que está por vir.
Dentro do pensamento das coisas e fluxos que estão em devir, a questão do
movimento ganha extrema força, seja o movimento gestual espontâneo ou o movimento
consciente deste corpo pelo espaço. São nesses movimentos que o sujeito se expõe, que
o personagem em devir apresenta sua ​mise-en-scène​.
Mas no retrato desse cotidiano que está por vir, acreditamos que não basta o
simples acompanhamento dos movimentos do outro; pensamos uma equipe consciente
de que, ao intrometer-se na vida do outro, também está em devir. Dessa forma, a
exposição de nossos procedimentos diante da multidão, assim como a inscrição
sensorial (a partir das imagens e sons), desempenha o papel de narrar o deslocamento de
um todo.

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7.0 Estratégia de abordagem

"No ímpeto experimentalista, buscando


novas formas; no rigor do recorte ou do
dispositivo, impondo-se limites; e numa
certa insurreição contra a “relevância”
temática, atendo-se ao insignificante e
miúdo de ambientes ordinários (…)."

(MESQUITA; LINS, 2008, p. 39)

O filme será essencialmente orientado por um ​dispositivo que guiará os demais


caminhos seguidos pela equipe. Esse dispositivo designa a junção de regras elaboradas
pelos realizadores e o desejo de seguir e intervir com o outro. A ideia funcional do
dispositivo é de que ele seja o gatilho para nos deslocar para um espaço aleatório, mas
que, a partir disso, os encontros e a perambulação sejam completamente espontâneos.
São três regras que nortearão o projeto e farão sua realização viável:

1 – Sortear uma cidade dentro do estado de São Paulo no perímetro mínimo de


100 km da capital e máximo de 200 km;
2 – Encontrar um indivíduo que esteja produzindo uma imagem, de qualquer
natureza;
3 – Limite temporal: oito dias de diária.

Assim, o dispositivo carrega limites temporais e espaciais, inicia e finaliza o


filme; é um elemento criativo enquanto impulsionador, gerador e limitador. Por termos
como proposta a exposição de nossos procedimentos, o dispositivo participa dessa
opacidade e, como elemento estrutural, devemos ser fiel a ele, fiel até com sua possível
precariedade ou funcionalidade – o que pode requerer da equipe decisões entorno de
suas dificuldades estruturais. Jean-Claude Bernardet, discutindo os filmes ​33 ​(Kiko
Goifman, 2002) e ​Passaporte Húngaro ​(Sandra Kogut, 2001), afirma a importância e
atuação dessas regras:
(...) E tudo no filme terá que respeitar essas regras previamente estabelecidas.
É um jogo de coerções propostas livremente pelo realizador a si próprio –
mas, uma vez que se propôs essas coerções, terá que obedecê-las até o final
da filmagem. (BERNARDET, 2005, p. 212)

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O conjunto de regras não estabelece como a narrativa fílmica será constituída, e
sim como os caminhos serão estabelecidos, construindo extremos consistentes para que
o filme não se perca em um “nada”, como se demarcasse a trilha a ser seguida na busca
do ordinário. As regras nos levam ao espaço e ao encontro; lá cabe a equipe lidar com
as situações, buscando os movimentos do comum, a partir de nossa base conceitual
sobre o "ordinário" e sensibilidade diante do acaso. Portanto, perceber a individualidade
de quem está observando – como um sujeito que se atenta e descobre as relações ao seu
redor – é primordial enquanto fio condutor do filme.
Em cada situação, se buscamos os movimentos do cotidiano, o tratamento
narrativo se dá pela reflexão e impressão pessoal diante dele. Assim, partimos de dentro
para fora na composição narrativa. No deslocamento da equipe, já são previstos três
espaços distintos, que envolvem diferentes relações: São Paulo (o lugar que nos
retiramos inicialmente), o automóvel (no trajeto à outra cidade) e a cidade que será
determinada pelo sorteio.
Do local que partimos, as indagações se dão ao questionar o olhar desatento ao
comum e o local de onde se olha. Vivemos num mundo de infinitas imagens, relances
de conceitos, onde olhar alguém ou alguma coisa se tornou extremamente complexo no
indistinguível que é a realidade a qual observamos. Seria então interessante observar
fora desse contexto? De cima? Afastado da sociedade, do coletivo? Michel de Certeau
discorre:
Aquele que sobe até lá no alto foge à massa que carrega e tritura em si
mesma toda identidade de autores ou de espectadores (...) A imensa
texturologia que se tem sob os olhos seria ela outra coisa senão uma
representação, um artefato ótico? É o análogo do fac-símile produzido,
graças a uma projeção que é o espaço, a urbanista ou o cartógrafo. A
cidade-panorama é um simulacro “teórico” (ou seja, visual), em suma um
quadro que tem como condição de possibilidade um esquecimento e um
desconhecimento das práticas. (CERTEAU, 1980, p. 171)

A reflexão que o autor propõe seria similar ao que se aproxima da maneira


formal do filme para manusear a busca pelo ordinário: envolver o poético e o sensorial.
É apresentar São Paulo, de forma sucinta, como uma cidade da representatividade, das
telas, onde a velocidade permite apenas a visualidade das superfícies, a rua sempre
como meio e não como fim. Nesse primeiro momento também ocorre o sorteio da
cidade, o qual será evidenciado pelo filme, expondo o dispositivo, encarando-o como

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elemento narrativo, assim como os demais procedimentos.
O ambiente que o carro proporciona é um dos espaços que estão em constante
movimento nas cidades e também por entre elas (como o ônibus, trem, avião etc.),
carregando dentro de si uma imobilidade ou até movimentos próprios - é bem limitado e
definido, como se fosse uma máscara. Estar geograficamente num mesmo lugar dentro
ou fora de um automóvel são coisas distintas. O espaço de fora não se confunde com o
de dentro. Assim, compreendendo essa distinção, abordaremos nessa perspectiva o
nosso trajeto entre uma cidade e outra. A reflexão e atenção partem do texto ​Naval e
Carcerário de Michel de Certeau, no qual discute o espaço interno do trem e o espaço
externo. Segue um trecho que desenvolve o conceito da ​experiência especulativa​:

O trem generaliza a ​Melancolia de Dührer, experiência especulativa do


mundo: estar fora dessas coisas que aí estão, destacadas, absolutas, e que nos
deixam sem se importar conosco; ser privado delas, surpreendido com sua
efêmera e tranquila estranheza. Encantamento no abandono. E no entanto
elas não se mexem. Elas não têm movimento a não ser aquele provocado
entre suas massas pelas modificações de perspectiva, momento após
momento; mutação que dão a impressão de realidade. Como eu, elas não
mudam de lugar, mas apenas a vista desfaz e refaz continuamente as relações
que entre si mantêm esses dois fixo.​ ​(CERTEAU, 1980, p. 194)

As abordagens nessas duas primeiras situações (São Paulo e automóvel) são


mais observacionais, já que consistem em apresentar um olhar diante desse mundo
veloz e de telas, diante do mundo imutável que está do outro lado da janela; o olhar
sobre o que não se alcança. Nessa movimentação de fora para dentro, ao chegar no
nosso destino, o que se busca é quebrar esse olhar distante.
Portanto, na cidade que chegaremos (o terceiro espaço) requer uma diferente
abordagem e reflexão - o transformação que queremos é deixar de olhar de fora e passar
a olhar de dentro, como se do ​voyeur fôssemos ao ​flâneur​; afinal, nossa busca é captar o
movimento ordinário. É aqui que entra nossa segunda regra do dispositivo, pois é ela
que nos leva a esse primeiro encontro. Desse modo, nossa questão subjetiva de olhar a
cidade deixa de ser em relação às fachadas, às estruturas arquitetônicas ou à multidão
como um bloco massivo, mas sim à multidão como abrangente e profunda, composta
por diversos sujeitos e seus vínculos entre espaço e indivíduo, entre os indivíduos e nós,
equipe.
A figura do ​flâneur nos é interessante por ser aquele que caminha maravilhado

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pela cidade, por considerar a rua como fim e não como meio. Esse indivíduo, que olha
do meio da multidão, que nela se intromete, caracteriza uma espécie de encantamento
ao comum, ao dia-a-dia. No trecho do livro ​A Alma Encantadora das Ruas​, João do Rio
apresenta esse sujeito perplexo com o mundo:

(...) [o ​flâneur​] acaba com a vaga ideia de que todo o espetáculo da cidade foi
feito especialmente para seu gozo próprio. O balão que sobe ao meio-dia no
Castelo, sobe para seu prazer; as bandas de música tocam nas praças para
alegrá-lo; se num beco perdido há uma serenata com violões chorosos, a
serenata e os violões chorosos estão ali para divertí-lo. E de tanto ver o que
os outros quase não vêm, o ​flâneur reflete. As observações foram guardadas
na placa sensível do cérebro; as frases, os ditos, as cenas vibram-lhe no
cortical [...]. E é então que haveis de pasmar da futilidade do mundo e da
inconcebível futilidade dos pedestres da poesia de observação. (RIO, 1910, p.
18)

Intrometer-se para olhar e então refletir, imprimindo nossas sensações e


experiências vividas nesse processo. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que estamos
atentos – ou até maravilhados – diante de ​um qualquer, ​há também a exposição do que
“vibrou no cortical", que carrega o sentido de manifestação da subjetividade da equipe
diante da vida comum.
São, portanto, duas abordagens que dialogam na construção da narrativa: uma
atenta ao movimento do outro e outra à equipe. Nessa primeira, como se busca o
movimento do ordinário, a ​mise-en-scène proposta pelo personagem deve ser respeitada
tanto no enquadramento quanto no tempo. Seja a performance verbal ou gestual de
maior insignificância, as condições temporais terão de ser levadas em conta para
apresentar esse movimento que rasga o espaço, para que fique evidente a relação ali
exposta. Contudo, sem compromisso de retratar a vida como ela é, partimos da
impossibilidade desse retrato total e neutro, buscando compor esse espaço por partes, as
quais alcançamos, construindo esse mundo em devir através das partes que passam por
nós; é uma honestidade da equipe diante do real, a qual é apresentada na exposição dos
procedimentos, e que não a faz neutra é a presença da nossa subjetividade . Como
apresenta César Guimarães:

O filme documentário sabe, de antemão, que o real não é de todo filmável,


não é plenamente representável, e é essa impossibilidade (elevada
paradoxalmente a uma potência de criação) que faz com que sua escritura
surja como fendida, rasurada, perfurada mesmo por aquilo que ele, o filme,
virá, de algum modo, a representar, como insiste tantas vezes Jean-Louis
11
Comolli. (GUIMARÃES, 2007, p. 145)

A segunda abordagem sobre o cotidiano surge como uma maneira de deixar


claro que esse espaço e movimentos são compostos de partes, assim como um
posicionamento é tomado, exposto na expressão de nossas sensações. Essa expressão se
dá por digressões sensitivas, sob uma forma mais plástica, com imagens capturadas a
partir de outro dispositivo tecnológico, mais ruidoso, e através da mixagem de som, que
explora o campo sensorial. O conceito sonoro do filme também deverá ser de grande
importância, por ser elemento fundamental na construção da atmosfera em que
pretendemos nos aproximar.

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8.0 Referência fílmica e conceitual

A pesquisa de filmes e conceitual visaram obras que tratassem do ordinário, seja


a discussão do olhar, no casos dos textos, ou como é representado nos filmes. Em
complemento, pesquisamos sobre dispositivos como parte da criação artística no
cinema, discussão acadêmica e filmes que se utilizam desses mecanismos.
Com as grandes cidades industriais que surgem no século XIX, o cotidiano
passou a ser tratado de forma distinta no campo das artes. Sem os heróis, os artistas
abordam as novas estruturas sociais que esses espaços urbanos oferecem – que estão
presentes no realismo, no impressionismo, nas andanças de Nietzsche por Turim, na
flânerie de Boudeleire etc. O cinema nasce contemporâneo a essas cidades – o olhar
sobre elas fica evidente nos filmes dos irmãos Lumière.

À esquerda, Gustave Courbet, ​Après diner à Ornans ​1848-49, óleo sobre tela, 195 x 217 cm. À direita,
Claude Monet, ​The Saint-Lazare Station​, 1877, Oil on canvas, 75 x 104 cm.

A Saída dos Operários da Fábrica​ (Lumière, 1895).

O olhar sobre o dia-a-dia atravessa o século XX até os dias de hoje,

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acompanhando as transformações incessantes do espaço urbano e as relações sociais
nele existente. Sob diferentes perspectivas, está exposto na escola russa e nas
vanguardas europeias, mais tarde nos filmes ensaios. Com o som direto e a
portabilidade dos equipamentos, as escolas do cinema Direto, Vivido e Verdade viram a
possibilidade de se aproximar ao máximo dos acontecimentos da vida, entrando em
confronto com as abordagens promovidas por esses novos dispositivos tecnológicos.
Interessa-nos a vertente de Pierre Perrault (Cinema Vivido), que trás um olhar poético
diante dos movimentos ordinários, com a fotografia de Michel Brault, dando tempo para
as ações verbais e gestuais.

À esquerda, Pour la Suite du Monde (Pierre Perrault, 1962). À direita, ​Homem-Peixe (Clarisse Alvarenga,
2017)

Em nossas referências filmográficas, além do olhar sobre o cotidiano, entram


também os documentários brasileiros contemporâneos, os filmes na linha de Cao
Guimarães, Lucas Bambozzi e Clarisse Alvarenga. São diretores que apresentam
enquadramentos poéticos diante do ordinário, contudo elaboram digressões a partir dele,
carregando uma plasticidade (a partir de grafismos, de diferentes dispositivos
tecnológicos ou mixagem sonora) na tentativa de imprimir sensações.

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À esquerda, ​A Alma dos Ossos (Cao Guimarães, 2004). À direita, ​Do Outro Lado do Rio ​(Lucas
Bambozzi, 2004).

Além de referências estéticas, são orientações artísticas relacionadas à criação de


acontecimentos (não apenas o seu relato), partindo de um dispositivo; e em alguns casos
o dispositivo que traz a criação em conjunto realizador-personagem. Exemplos: ​Le
Règne du Jour (Pierre Perrault, 1967), ​Homem-Peixe (Clarisse Alvarenga, 2017), ​Do
Outro Lado do Rio ​(Lucas Bambozzi, 2004), ​Acidente ​(Cao Guimarães e Pablo Lobato,
2006), ​Crônicas de um Verão​ (Jean Rouch e Edgar Morin, 1961).
Quanto ao campo conceitual sobre o olhar atento à cidade, o corpo que transita
pelas ruas a observa e carrega consigo as sensações, o ser em devir, a vida em devir,
percorremos os autores: João do Rio, Charles Baudelaire, Nietzsche, Michel de Certeau,
Gilles Deleuze, Giorgio Agamben (a partir dos textos de César Guimarães e Jean-Louis
Comolli), Nicolas Bourriaud, Nelson Brissac, Michel Foucault. Em relação aos
dispositivos fílmicos, partimos das perspectivas cinematográficas de Jean-Claude
Bernardet, Consuelo Lins e Claudia Mesquita.

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9.0 Fotos escolhidas para representar a identidade visual do projeto

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10.0 Vídeo promocional

O vídeo promocional foi montado a partir de imagens capturadas durante uma


viagem a Piracicaba (SP), a qual foi proposta como exercício para este projeto. O vídeo
propõe a intenção de ressaltar o deslocamento: o da equipe, de São Paulo para outra
cidade; o do olhar que busca, indo de fora para dentro.

Link Youtube: ​https://youtu.be/afoaDjFRb7I

11.0 Produção
Considerando que nosso projeto se concentra na consciência de um mínimo de
controle do dispositivo e na incerteza em relação aos acontecimentos na realização,
buscamos estipular valores simbólicos que representam nossos gastos em afinidade com
as situações previstas. Os valores para cada integrante do grupo difere dependendo de
suas respectivas funções – esses valores foram acessados através do site da Sindcine.

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11.1 Pré-produção
As reuniões de discussão do filme provocaram deslocamentos por parte da
equipe para que acontecessem, efetivamente. Por isso, descrevemos os valores de
transporte público (levando em conta o valor de R$3,80 da passagem de ônibus e metrô)
e de gasolina. Já as pesquisas de campo (que serão realizadas durante a fase de
pré-produção do projeto), usadas como artifício de experiência prática e também como
elemento essencial para o entendimento da imersão proposta pela equipe, necessitarão
de transporte através do carro Tracker 2009, que roda 11km por litro. Ponderando a
distância de 100km (ida e volta) que pretendemos nos deslocar, inicialmente, a conta
resultaria em, em média, R$50,00 gastos em combustível. Além disso, considerando o
gasto com pedágios, fizemos uma média tomando como referência os valores
resultantes de possíveis viagens para Itapetininga, Águas de São Pedro, Serra Negra,
Santos e Aparecida. Como resultado, obtemos o valor de R$42,40, ida e volta. Essa
mesma pesquisa prática também será feita na pré-produção, em julho de 2017.

11.2 Produção e filmagem


Para a estadia na filmagem, houve uma pesquisa prévia de cidades que se
encaixam no raio de distância proposto (100 km a 200 km) e de hotéis ou pousadas em
que poderíamos nos hospedar, com o objetivo de estipular uma média de valores para os
mesmos e prever os custos. Levamos em conta as cidades de Bertioga, Peruíbe,
Miracatu e Paraibuna. O resultado foi de, em média, 50 reais/noite por pessoa. Nessa
mesma linha de estipulação, calculamos valores possíveis de alimentação, considerando
café da manhã, almoço e janta e a presença de 5 pessoas na equipe, que foram descritos
na tabela de orçamento.
Os eventos, descritos também na tabela, representam os possíveis encontros,
locais com custo de entrada ou espaços que o(s) personagem(s) nos levaria. É
importante perceber a possibilidade de gastos relevantes nesses deslocamentos.

11.3 Pós-produção
Já no período posterior à filmagem, procuramos estipular os valores reais que os
profissionais de montagem, finalização de cor e mixagem ganhariam. Além disso,
consideramos a compra de mídias de DVDs virgens para o momento em que o filme

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estiver pronto.

11.4 Orçamento

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11.5 Cronograma geral

12.0 Referências bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. ​O que é um dispositivo?​ 2005.


BERNARDET, Jean-Claude. ​“33” traz novos horizontes aos documentários​. Folha de São Paulo, 2004.
COMOLLI, Jean-Louis. ​Ver e Poder, a Inocência Perdida: Cinema, Televisão, Ficção,
Documentário​. UFMG, Belo Horizonte, 2008.
DE CERTEAU, Michel. ​A invenção do cotidiano​. 1980.
DELEUZE, Gilles. ​O que é um dispositivo?​ Barcelona, 1990.
RIO, João do. ​A alma encantadora das ruas.​ Rio de Janeiro, 1910.
FOUCAULT, Michel. ​O que são as luzes?​ Paris, 1984.
GUIMARÃES, César. ​O devir todo mundo do documentário.​ 2007.
HALL, Stuart. ​A identidade cultural na pós-modernidade.​ 10ª edição, DP&A. Rio de Janeiro, 1980.
LINS, Consuelo. ​Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. 1ª edição, Zahar.
2008.
MASSAGLI, Sérgio Roberto. ​Homem da multidão e o flâneur no conto “O homem da multidão” de
Edgar Allan Poe​. UNESP, São Paulo, 2008.
NIETZSCHE, Friedrich. ​Os pensadores​. Victor Civita, 1983.
NOVAES, Adauto. ​O olhar. ​Companhia das Letras, 2006.
NOVAES, Aline da Silva. ​O espaço urbano narrado pelo olhar cinematográfico: o cinema como
mediação da experiência na cidade​. PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2008.
POE, Edgar Allan. ​O Homem da Multidão​. Londres, 1840.
PRYSTHON, Angela. ​Travelogue como crítica, paisagem como método: Os filmes de Patrick
Keiller​. UFPA, Pará, 2014.
RIBEIRO, Cláudia Gonçalves. ​A memória através do olhar do flâneur​. UERJ, Rio de Janeiro.

13.0 Referências filmográficas

33​. Direção: Kiko Goifman. Escrito por Kiko Goifman e Claudia Priscilla. 2002, P&B, 75 min.
A Alma do Osso​. Direção: Cao Guimarães. Escrito por Cao Guimarães. 2004, color, 74 min.
A Propósito de Nice​. Direção: Boris Kaufman e Jean Vigo. Escrito por Jean Vigo. 1930, P&B, 22 min

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(edição do DVD).
ACIDENTE​. Direção: Cao Guimarães e Pablo Lobato. Escrito por Cao Guimarães e Pablo Lobato. 2007,
color, 72 min.
BALSA​. Direção: Marcelo Pedroso. Escrito por Marcelo Pedroso. 2009, color, 48 min.
CARTAS da Sibéria​. Direção: Chris Marker Escrito por Chris Marker. 1958, mono, 62 min.
DO Outro Lado do Rio​. Direção: Lucas Bambozzi. Escrito por Lucas Bambozzi e Daniela Capelato.
2004, color, 91 min.
GATOS Empoleirados​. Direção: Chris Marker Escrito por Chris Marker. 2004, color, 59 min.
HOMEM-Peixe​. Direção: Clarisse Alvarenga. 2017, color, 70 min.
LE Régne Du Jour​. Direção: Pierre Perrault. 1967, P&B, 118 min.
NA Cidade de Sylvia​. Direção: José Luis Guerin. 2007, color, 84 min.
PACIFIC​. Direção: Marcelo Pedroso. Escrito por Marcelo Pedroso. 2009, color, 73 min.
PROJETO Sumir​. Direção: Samir Abujamra. Globo Produções. 2011.
REGEN​. Direção: Joris Ivens. 1929, P&B, 14 min.
SÁBADO à Noite​. Direção: Ivo Lopes Araújo. 2007, P&B, 62 min.
TOKYO-Ga​. Direção: Wim Wenders. Escrito por Wim Wenders. 1985, color, 92 min.
UM Passaporte Húngaro​. Direção: Sangra Kogut. Escrito por Sangra Kogut. 2001, color, 74 min.

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