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LEISHMANIOSE

Parasitologia
O termo Leishmaniose (ou Leishmaníase) engloba um grupo de
O termo Leishmaniose (ou Leishmaníase) engloba um grupo de antropozoono-
ses causadas por protozoários do gênero Leishmania. Seu nome deriva dos pes-
quisadores Leishman que descreveram o parasito em um caso na Índia no início
do século XX. Taxonomicamente, esses parasitos pertencem à ordem Kineto-
plastida e à família Trypanosomatidae e diversas espécies são descritas no Velho
(África, Ásia e Europa) e no Novo Mundo (Américas). Uma vez que os parasitos
são morfologicamente similares e geram manifestações clínicas distintas, optou-
se por dividir as Leishmanioses em subgêneros e complexos. O subgênero Vian-
nia engloba o complexo “Leishmania braziliensis”, que causa a Leishamaniose
Tegumentar Americana e é representado por espécies endêmicas das Américas,
como L. braziliensis, L. guyanensis, entre outras. O subgênero Leishmania, por
sua vez, inclui o complexo “Leishmania mexicana”, com diversos representantes
nas Américas, e o complexo “Leishmania donovani”, causador da Leishmaniose
Visceral ou Calazar.
A Leishmaniose possui ampla distribuição mundial e tem caráter endêmico nas
regiões tropicais e subtropicais. Sua presença está relacionada à existência de
hospedeiros invertebrados (Flebotomíneos, moscas do gêneroLutzomyia),hos-
pedeiros vertebrados (humanos e outros mamíferos, como cães e animais silves-
tres) e a situações de vulnerabilidade socioeconômica. No Brasil, a transmissão
ocorre em áreas urbanas e rurais, com predomínio nos estados do Norte e Nor-
deste. No território brasileiro, o vetor é popularmente conhecido como “canga-
lha”, “orelha de veado”, “asa-dura”, “mosquito-palha”, “birigui” e “tatuíra”. A
leishmaniose tegumentar é uma doença de alta incidência e pode apresentar alta
morbidade. A leishmaniose visceral, por outro lado, apresenta menor incidência,
porém alta letalidade, sobretudo quando em coinfecção com o HIV. Nas últimas
décadas, tem ocorrido aumento no número de casos e os principais fatores as-
sociados são: aumento do desflorestamento, expansão agrícola, represamento
hídrico, movimentos migratórios, urbanização inadequada e epidemia de HIVAs
mudanças ambientais alteram o habitat natural do artrópode, fazendo com que
ele alcance novos ambientes e tenha mais contato com humanos. No caso do
HIV, a coinfecção piora o prognóstico de ambas as doenças.
Nos hospedeiros vertebrados, os parasitos habitam os fagossomos dos macró-
fagos teciduais apresentando-se em forma amastigota (sem flagelo), que é in-
tracelular obrigatória. Nessa fase, seu citoplasma é achatado e ovoide, a célula
possui poucas estruturas internas e o flagelo é invaginado na membrana plas-
mática. Os parasitos crescem e se multiplicam no interior do macrófago por divi-
são binária, até que rompem a membrana da célula hospedeira e são liberados
no meio intercelular para serem fagocitados por outros macrófagos - dando con-
tinuidade a ciclo de destruição tecidual e replicação parasitária. É esta forma
amastigota a responsável pelas manifestações clínicas encontradas no indivíduo
infectado. Quando os flebotomíneos picam o humano ou animal parasitado, ab-
sorvem do sangue ou da linfa as leishmanias, que ao chegarem ao tubo digestivo
evoluem para a forma promastigota (flagelada). Esta é a forma infectante que
circula no sangue. Nessa fase, o citoplasma aumenta de dimensões e outras or-
ganelas, como núcleo, complexo de Golgi e retículo endoplasmático são mais
evidentes. Existe reprodução abundante nos intestinos do vetor, o que faz com
que os parasitos alcancem o estômago. No momento da picada de um novo ma-
mífero, esse conteúdo rico em parasitos é regurgitado, inoculando o novo hos-
pedeiro. Ao serem fagocitados por macrófagos teciduais, os parasitos retornam
à forma amastigota e dão início a um novo ciclo.
As Leishamanioses Tegumentares Americanas endêmicas no Brasil são causa-
das por Leishmania braziliensis e Leishmania guyanensis. A primeira mais comu-
mente encontrada e causando a Leishmaniose Mucocutânea, também conhecida
como espúndia ou “úlcera de Bauru”, ao passo que a segunda é restrita à região
amazônica e causa uma forma de leishmaniose cutânea benigna que não metas-
tatiza para mucosas. As lesões causadas por Leishmania braziliensis ocorrem
pela resposta imune ao parasito inoculado na pele pelo flebotomíneo. A nível
histológico, observam-se hiperplasia histiocitária (proliferação de macrófagos te-
ciduais no tegumento), edema e infiltração celular, bem como hiperplasia do epi-
télio com hiperceratose. Macroscopicamente, surge inicialmente uma lesão no-
dular, que pode evoluir para regressão, necrose com ulceração superficial ou até
ulceração profunda com bordas elevados e bem delimitadas, enduradas e de
fundo granuloso e limpo, podendo haver aumento de linfonodos regionais. A
evolução das úlceras é variável mesmo sem tratamento, podendo regredir
espontaneamente ou cronificar, levando meses a anos para regredirem. Nas úl-
ceras crônicas, há número reduzido de parasitos. Independente da evolução das
lesões cutâneas, a L. braziliensis apresenta tendência a formar metástases nas
mucosas, sobretudo nasal, por via hematogênica ou por contiguidade. As úlceras
mucosas podem evoluir com aumento de extensão e profundidade, acometendo
tecidos moles, cartilagem e até ossos de septo nasal, lábios, região palatina, ma-
ciço facial, faringe e laringe. As lesões podem ser mutilantes, fétidas, dolorosas,
apresentar infecção bacteriana secundária, comprometer funções como olfato,
fala e paladar, representando elevado grau de morbidade e estigma social. O di-
agnóstico é suspeitado por critério clínico-epidemiológico, porém precisa de
comprovação por exames laboratoriais imunológicos, parasitológicos ou histoló-
gicos. O exame imunológico de escolha é a intradermorreação de Montenegro,
que consiste na injeção de promastigotas de L. braziliensis mortas na pele e ava-
liação da reação local (nodulação). Em indivíduos infectados, a sensibilidade
pode chegar a 90%. No entanto, o teste pode permanecer positivo por anos
mesmo após o tratamento, o que dificulta seu uso para avaliar reinfecção. O iso-
lamento do parasita pode ser feito por meio de raspagem ou biópsia das lesões
cutâneas. É preferível coletar material das bordas e evitar as mucosas (pouca
quantidade de parasitas). O material pode ser corado pelo método Giemsa para
visualização direta, mas esse exame possui baixa sensibilidade. Alternativas são
cultura em meio específico ou Reação em Cadeia de Polimerase (PCR). No exame
histopatológico, os achados típicos são dermatite granulomatosa difusa ulce-
rada, com regiões de necrose e granulomas malformados constituídos de agre-
gados pouco delimitados de macrófagos ativados (clareiras de Montenegro). En-
tretanto, achados similares podem ocorrer em outras doenças granulomatosas,
como: tuberculose cutânea, hanseníase Virchowiana, paracoccidioidomicose, es-
porotricose, sífilis secundária, entre outras.
A Leishmaniose Visceral ou Calazar é causada por parasitos do complexo “Leish-
mania donovani”. No Brasil, inicialmente atribuíam-se os casos ao parasito de-
nominado Leishmania chagasi. Todavia, estudos genéticos demonstraram que
essa leishamania brasileira não é uma espécie diferente, e sim um tipo de Leisha-
mania infantum, originária da Velho Mundo. As regiões mais afetadas são o Nor-
deste e a porção Norte de Minas Gerais. Uma característica marcante desse
complexo é a capacidade de sobreviver a temperaturas próximas a 37°C, permi-
tindo infecções invasivas e sistêmicas após inoculação na pele. Nesse caso, apre-
senta tropismo importante pelo sistema reticuloendotelial com acometimenyo de
órgãos linfoides (fígado, baço, medula óssea vermelha e linfonodos), todos ricos
em macrófagos teciduais, podendo acometer também rins, glândulas adrenais,
intestinos, pulmões e pele, ocasionalmente. Diferentemente da Leishmaniose Te-
gumentar, podem-se isolar parasitos dos monócitos circulando no sangue do pa-
ciente.. Após a picada, parasitos inoculados no homem pelo vetor, são fagocita-
dos por macrófagos e um nódulo de base dura é gerado no local. Em muitos
casos, os nódulos regridem espontaneamente e não ocorre evolução visceral,
porém em uma parcela de indivíduos pode iniciar adinamia, perda de apetite,
palidez, febre irregular e eosinofilia. A esses achados, seguem-se aumento mar-
cante do baço e moderado do fígado (hepatoesplenomegalia), secundário à hi-
perproliferação de macrófagos que passam a obstruir a drenagem venosa des-
ses órgãos e gerar congestão. Na medula óssea vermelha, a intensidade da pro-
liferação de macrófagos passa a substituir outras linhagens celulares, gerando
anemia, leucopenia com monocitose e plaquetopenia (pancitopenia). Nessa fase,
o paciente fica suscetível a infecções oportunistas e a sangramentos. A evolução
clínica pode ser rápida com caráter fulminante ou pode cronificar gerando des-
nutrição e fibrose dos órgãos acometidos. O diagnóstico pode ser feito por meio
das sorologias (IgM e IgG) para leishamiose no sangue e Imunofluorescência In-
direta, porém a sensibilidade não é boa e pode haver reações cruzadas. Diferen-
temente da Leishmaniose Tegumentar, a reação de Montenegro é negativa na
atividade de doença visceral. Dentre os métodos de pesquisa direta do parasita,
pode-se fazer punção do baço (sensível) e hepática, aspirado de medula óssea –
Padrão ouro e teste rápido Rk39 (exame sorológico para antígenos da L. chagasi,
com boa sensibilidade e especificidade). Outros métodos, são:culturaem meio
NNN (mas demora muito e não é uma opção diagnóstica), pesquisa direta de
formas parasitárias no sangue periféricocorado com Giemsa e PCR. A mortali-
dade Leishmaniose Visceral pode alcançar 95% se não tratada e no contexto de
epidemia de HIV, a coinfecção tem como consequência maior suscepitibilidade e
infecções mais graves.
A Leishmaniose é considerada pela Organização Mundial de Saúde como uma
Doença Tropical Negligenciada. Isso por estar relacionada a condições socioeco-
nômicas precárias e pouco investimento científico ou da indústria para desen-
volvimento de medicações que tratem de maneira eficiente essa enfermidade.
Por isso, as recomendações sobre tratamento não mudaram de maneira tão mar-
cante nos últimos anos e ainda são utilizadas medicações com toxicidade ele-
vada. O tratamento depende do agente e da gravidade da doença. Na Leishma-
niose Tegumentar, umas das primeiras opções de medicação recomendada pelo
Ministério da Saúde é o Antimoniato de Meglumina (Glucantime®), por via intra-
venosa ou intramuscular, sendo que em lesões menores do que 3 cm, pode-se
optar por tratamento com essa medicação intralesional. O mecanismo de ação
dos antimoniais ainda não está completamente descrito, mas sabe-se que atuam
inibindo a atividade glicolítica e a vida oxidativa de ácidos graxos do parasito. Em
caso de efeitos adversos intoleráveis ou contraindicações a essa classe, opta-se
pela Anfotericina B. A Anfotericina B também entra como primeira opção e é um
antimicrobiano poliênico, cuja atuação é se ligar ao ergosterol (precursor do co-
lesterol), impedindo a formação adequada da membrana celular e levando à
morte do parasito. Outras opções secundárias são o Isetionato de Pentamidina e
Pentoxifilina. No caso da Leishmaniose Visceral, as drogas de escolha são seme-
lhantes, sendo que a primeira opção é o Antimoniato de Meglumina (Glucan-
time®) e a segunda a Anfotericina B (casos graves).

A prevenção e controle da doença podem ser alcançados por meio de medidas


que combatam sua transmissão, como combate ao vetor com uso de inseticidas,
repelentes pessoais e telas de malha fina. Além disso, deve-se evitar construções
residenciais próximas a regiões de mata. O controle dos reservatórios animais é
medida importante. Animais domésticos com leishmaniose cutânea devem ser
tratados e para aqueles com calazar, deve-se avaliar a necessidade de interrup-
ção da vida. Por fim, o tratamento dos seres humanos acometidos é imprescin-
dível também para a diminuição da circulação do parasito na região.

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