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All the lovers

Desde 2017, Felipe Ferreira de Almeida produz a série de fotografias Cotidiano - a partir de Wilma Martins, na
qual reproduz códigos e esquemas de composição apropriados do cinema, do documentário e da própria história
da arte, utilizando miniaturas e outros objetos - a maior parte de plástico - comprados em lojas populares. Além
dessa produção fotográfica, o artista tem trabalhado com os objetos diretamente, relacionando-os a questões
como os afetos, a natureza ou a religião e o modo codificado como são difundidas nos mais diversos campos da
cultura.

Um trabalho recente da série All The Lovers - título apropriado de uma música pop de Kylie Minogue (Austrália,
1968) - é formado por um balão metálico em forma de coração cheio de gás hélio ligado por um fio dourado a
outro balão preenchido com ar comum, que, pela diferença de peso, fica apoiado diretamente no chão. Em
outros trabalhos da mesma série, os balões são preenchidos e montados no espaço com diversas combinações
entre suas escalas, suas quantidades e o tipo de gás utilizado (hélio ou ar comum), conferindo algum caráter
“animado” aos objetos, como se fossem sujeitos em uma relação - uns equiparados aos outros, alguns em
desvantagem, outros maiores - sugerindo as contradições entre relações afetivas em geral e seus jogos de
poder.

Na história da arte recente no Brasil, Antonio Dias e Leonilson, cada a um a seu modo, também trabalharam
com a imagem codificada do coração - com ironia, violência e erotismo, no primeiro; mediado por uma
visualidade “pop” e carregada de afetos, no segundo. Ambos trabalhavam com formas esquemáticas: a imagem
simplificada, ainda que associada a fluidos corpóreos ou a uma iconografia religiosa, é apresentada tanto na
obra de Dias, quanto na de Leonilson, como um código facilmente reconhecível. A recorrência deste ícone - seja
na iconografia religiosa, na cultura de massa ou nos diversos gadgets que mediam a experiência de
comunicação pelas telas digitais, no entanto, leva a pensar em sua banalidade.

Em Sem título (peixe e aquário), dois aquários postos lado a lado mostram, duas imagens de peixes Betta nas
cores vermelho e azul, de modo que a mudança de ângulo do espectador revela a diferença entre os dois. As
pedrinhas no fundo de cada aquário respeitam as cores dos animais, respectivamente. A extrema domesticação
desse tipo de animal os coloca mais próximos de um objeto ornamental do que da natureza propriamente dita. O
uso da imagem de um animal que já é tratado como imagem, reforça a sensação de personificação, já que os
aquários são posicionados lado a lado, sugerindo a ideia de casal (a busca idealista do duplo que forma uma
unidade), e enfatiza tanto a artificialidade - do bicho, de sua imagem? – quanto o esquematismo das
representações das relações afetivas. E quais seriam as narrativas fora desses códigos?

Na produção de Felipe, a imagem extremamente codificada indica questões intrínsecas às associações que o
artista cria entre os materiais - balões metálicos, miniaturas de plástico, fundos falsos - e as experiências que a
obra articula - suas possíveis relações com as ideias de natureza, afetos (ou, ao menos, as convenções sobre
os afetos) e as diversas evocações religiosas dos títulos e das composições. Há alguma experiência
emancipadora que não apenas reitere os códigos estabelecidos, mas possa - justamente por reiterá-los -
estabelecer nuances em suas narrativas? O trabalho parece articular essa pergunta, deixando qualquer solução
em suspenso.

Leandro Muniz
Maio de 2018

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