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A Medida Socioeducativa de Internação Sob uma Lente Foucaultiana

The Socioeducational Measure of Detention Under the Foucaultian P


La medida socioeducativa de internación desde una lente foucaultiana

Jacqueline de Oliveira Moreira


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Roberta Carvalho Romagnoli
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Paula Melgaço
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Allana Fernanda Gonçalves Dias
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Gabriela Costa Freitas Bouzada
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Resumo
A partir de uma revisão bibliográfica, procura-se analisar as práticas da medida socioeducati-
va de internação pelos parâmetros do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tendo co-
mo suporte teórico as ideias foucaultianas, sobretudo aquelas ligadas à disciplinarização dos
corpos e às relações de poder. Nota-se que nas instituições responsáveis pela execução das
medidas, a produção de subjetividades é marcada pelas normas e disciplinas. Além disso, o
artigo aborda como as relações de poder nesse cenário reproduzem uma lógica punitiva e co-
ercitiva no tratamento do jovem. Aponta-se, portanto, as incoerências existentes na medida de
internação, que apesar de objetivar a proteção, ainda apresenta o caráter retributivo da pena.
De modo geral, a pesquisa possibilitou localizar as violações de direitos presentes na dinâmi-
ca dessas instituições e, sustentadas pelos discursos midiáticos, ao evidenciar a utilização de
verdades engessadas como forma de dominação.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); Medidas Socioeducativas;
Representações Sociais; Relações de Poder.

Abstract
The practices of socioeducational measure regarding detetion are analyzed from a biblio-
graphic review according to the parameters of The Child and Adolescent Statute. As theoreti-

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cal background, the foucaultian concepts are used, mostly those related to the disciplination of
the bodies and o h la on of ow . I ’s noticed that on the institutions responsible for the
execution of these measures the production of subjectivity is based on norms and disciplines.
Furthermore, the article relies its discussion on how the relations of power reproduce a coer-
cive and harmful logic to the youth ca . Th fo , ’ o n d ou h x ng n oh n
on the detention measure that, even though aims protection, it still shows the retributive side
of the penalty. Overall, this research localizes several right violations, as far as it is evidenced
marked contradictions between the law and the practice, as well as the utilization of plastered
truths as a form of domination.
Keywords: The Child and Adolescent Statute (ECA); Adolescence; Socio-Education
Measures; Social Representations; Power Relations.

Resumen
A partir de una revisión de la literatura, tratamos de analizar las prácticas de la medida socio-
educativa de detención por los parámetros del Estatuto del Niño y del Adolescente, con apoyo
teórico en Foucault, especialmente vinculado a la disciplina de los cuerpos y de las relaciones
de poder. Notamos que en las instituciones responsables por la aplicación de las medidas, la
producción de subjetividad está marcada por normas y disciplinas. Además, explicamos cómo
las relaciones de poder reproducen una lógica punitiva y co-ercitiva en el tratamiento de jóve-
nes. Se señala, por lo tanto, las inconsistencias en la medida, aunque teniendo como meta la
protección, todavía mantiene el carácter retributivo de la pena. En general, la investigación
permitió localizar violaciónes de los derechos presentes en la dinámica de estas instituciones
y, sostenidos por el discurso de los medios de comunicación, para mostrar el uso de las verda-
des como dominación.
Palabras Clave: Estatuto del Niño y del Adolescente (ECA); Medidas socioeducativas; Re-
presentaciones sociales; Relaciones de poder.

Introdução marco na história dos direitos das crianças


e adolescentes do Brasil, o ECA propôs
O Estatuto da Criança e Adolescen- mudanças e inovações fundamentais que
te (ECA), promulgado em 1990 pela Lei modificaram a concepção da legislação
8.069, comemora vinte e três anos de vi- vigente até então: o 2º Código de Menores
gência em 2013. Considerado como um de 1979.

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Regido pela Doutrina da Situação como objetivo a responsabilização do ado-
Irregular, o 2º Código de Menores previa lescente, bem como sua integração social,
punição tanto para as crianças e adolescen- a garantia de seus direitos individuais e
tes privados das condições essenciais à sua sociais, além da desaprovação da conduta
subsistência ou que sofriam maus tratos da infracional.
família, como aos adolescentes que come- João Batista Saraiva (2009) divide
teram um ato infracional. A sanção previs- o Estatuto em três sistemas de garantias. O
ta para todos os casos considerados como Sistema Primário é responsável pelas Polí-
“ gula ” a a n nação na FEBEM ticas Públicas de Atendimento a crianças e
(Fundação Estadual do Bem-Estar do Me- adolescentes, logo, trata-se de um sistema
nor). Assim, nota-se que era dado o mesmo universal. Já o Sistema Secundário, está
tratamento para aqueles que tinham seus relacionado com as Medidas Protetivas
direitos violados e para os que se envolvi- dispostas no artigo 101 do ECA, aplicadas
am com a criminalidade. quando a criança ou o adolescente são ví-
Nesse sentido, o ECA é inovador timas de algum tipo de violência.
na medida em que abandona a doutrina da Por fim, o Sistema Terciário, tema
situação irregular e coloca a criança e o do presente trabalho, é composto pelas
adolescente como sujeitos de direito em Medidas Socioeducativas, que são descri-
condição peculiar de desenvolvimento. tas pelo artigo 112¹.
Assim, ao assumir a doutrina de proteção
Os avanços promovidos pelo ECA
integral, o ECA prevê um tratamento dife-
são inegáveis, todavia, para que de fato
renciado para crianças e adolescentes víti-
seus preceitos garantam os direitos das
mas de violência que passam a ter seus
crianças e dos adolescentes, é necessário
direitos garantidos, tais como o acesso pri-
que sejam construídos mais estudos e de-
oritário à educação, à saúde, além do direi-
bates que promovam reflexões e atualiza-
to à liberdade, ao respeito e à convivência
ções sobre o tema, tanto no que concerne à
comunitária e familiar. Além disso, o esta-
macropolítica, essencial para que as con-
tuto também propõe mudanças nas sanções
quistas e lutas se efetuem, quanto à micro-
aplicadas aos adolescentes infratores que
política com o intuito de produzir críticas e
passam a ter um caráter socioeducativo e
deslocamentos no que está instituído para
não mais meramente punitivo como ocorria
que as políticas avancem e se desloquem.
com as internações na FEBEM. Surgem,
Assim, o presente trabalho pretende fazer
então, as medidas socioeducativas que têm
uma análise crítica da aplicação do ECA e

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da execução e aplicação da medida socioe- familiar. Na dimensão da escolarização,
ducativa de internação sob uma lente fou- observa-se a oferta de um sistema público
caultiana. educacional precário e falho em seu enla-
çamento com os adolescentes, que muitas
O motivo da escolha pela medida
vezes trabalham ao invés de irem à escola
de interação encontra-se no art.121 do
- escolha imposta pela extrema pobreza
ECA, que diz que a medida de internação
vivenciada por estes sujeitos. Além disso,
priva o adolescente da liberdade e deve ser
verifica-se a ocupação de funções mecâni-
regida pelos princípios de brevidade, ex-
cas em detrimento de funções intelectuais
cepcionalidade, além de respeitar a condi-
nos cargos trabalhistas.
ção peculiar de pessoa em desenvolvimen-
to. No entanto, a execução da medida pode A situação de extrema pobreza pri-
produzir efeitos de “docilização” dos cor- va estes sujeitos do acesso à escolarização,
pos e mortificação dos sujeitos. operando um duplo crime jurídico, que é a
privação à educação e a prática do trabalho
O Estatuto da Criança e do Adoles-
infantil. Os trabalhos executados pelos
cente se materializa nas políticas públicas
jovens são desqualificados e não contribu-
criadas pelo Estado para atender as de-
em para a sua formação política e subjeti-
mandas da sociedade. Contudo, há uma
va, reduzindo a criança e o adolescente à
vertente de pesquisadores que insiste na
mão-de-obra barata e desqualificada. Desse
crítica a essa concepção, sustentada na
modo, a não escolarização encontra-se
análise do significado dessas políticas no
intimamente relacionada à manutenção da
espaço social, operando apenas como sus-
pobreza e à necessidade do trabalho como
tentáculos do Estado capitalista, como
fator complicador ao acesso à escolaridade.
afirma Ana Monteiro et al. (2006).
Sylvia Mello (1999) marca ainda a
Ao analisar a perspectiva do Estado
estigmatização econômica e racial, que
capitalista, Sylvia Mello (1999), já no final
frequentemente associa tais fatores à situa-
da década de 90, apontava o desrespeito ao
ção de delinquência e criminalidade. Ela
direito garantido pelo ECA, à tríade Famí-
expõe a tolerância do Estado na manuten-
lia-Educação-Trabalho. Ela denunciou o
ção da situação de miséria e aponta a se-
trabalho infantil, a predominância da não
gregação que o discurso midiático sustenta
escolarização inerente aos sujeitos em situ-
ao reproduzir as representações carregadas
ação de extrema pobreza e das condições
de estigmas e estereótipos discriminatórios
precárias de habitação, bem como o impac-
presentes no imaginário popular. Efetuar
to da miséria na estruturação e dinâmica

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essa leitura simplista da associação entre por processos que incidem sobre a subjeti-
delinquência e pobreza denota também o vidade, não apenas reprimindo, mas, sobre-
que Sarah Escorel (1999) assinala como tudo, produzindo realidades calcadas nos
um dos efeitos da permanência ao longo da discursos científicos. Dessa maneira, é
história da interdependência de desigual- preciso abordar as estratégias de poder, em
dade e pobreza: a estigmatização dessa cada situação, mesmo porque o exercício
condição, também revelada por Sylvia do poder é circunstancial, único e singular,
Mello (1999) em seu texto. tanto em seus procedimentos quanto em
seus objetivos e efeitos. Há ainda uma re-
lação de imanência entre poder e saber,
O ECA sob a lente foucaultiana
pois as práticas de poder não existem sepa-
radas da formação de saberes, articulando-
Associada a essa leitura do Estado
se em enunciados.
Capitalista, esses pesquisadores usualmen-
Na atualidade, o poder cada vez
te realizam uma análise foucaultiana na
mais se exerce por redes e somos vigiados
qual as relações de poder são imanentes e
pelo saber dos especialistas, pelas normas,
se materializam em práticas, técnicas e
pelas ideias construídas, pelas disciplinas
disciplinas, cujos efeitos operam no modo
às quais se concede o status de verdade.
de individualização contemporâneo, sendo
Esse processo estimula as pessoas a com-
este atravessado pelos saberes e pelas rela-
por e moldar sua existência, vigiadas por
ções de poder que também o promove.
modelos científicos, conforme (Foucault,
Michel Foucault acredita que os modos de
1999). Essa proposta corresponde a um
subjetivação estão intimamente ligados
olhar político, objetivando evidenciar as
com as relações de poder, sendo produzi-
relações de poder que, materializadas em
dos histórica e socialmente (Foucault,
verdades estanques veiculadas por meio de
1996). Dessa maneira, os indivíduos – no
práticas discursivas, produzem objeto de
caso, os adolescentes – vão se constituindo
saber/poder.
como resultado das relações de poder,
moldados pelas disciplinas. Essa postura Além dessas práticas discursivas, o
crítica pretende desvelar as formas de su- saber pode se aliar ao Estado, que garante e
jeição da subjetividade, em diferentes favorece ainda um bom funcionamento a
campos institucionais, nas estratégias e esse modo capitalista. Através dos movi-
práticas discursivas. Sua analítica de poder mentos sociais dos anos 70 e 80, que de-
insiste que este se constitui por relações, sembocaram na Constituição Federal de

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1988, forças coletivas lutavam por novas Mesmo com essas controvérsias e
formas de expressão, por reformas e pela capturas, certo é que esses movimentos
formulação e implementação das políticas sociais constituíram estratégias de resistên-
públicas no Brasil, na ilusão de que ocupar cias micropolíticas e conectivas e alcança-
o Estado pudesse mudar a situação de ram a dimensão macropolítica das políticas
opressão e de exclusão social. Contudo, públicas, que se tornaram instituídas. Os
atuar nessa esfera de mudança só faz com movimentos sociais de base – de bairros e
que a máquina estatal mantenha o mesmo comunidades eclesiais, as articulações polí-
modo de funcionamento e não garante, ticas no meio sindical e nos partidos, os
diretamente, os direitos da criança e do movimentos estudantis e docentes pelo
adolescente, como nos lembram Ana Mon- pluripartidarismo e pela redemocratização,
teiro et al. (2006). Nesse sentido, os direi- o feminismo, a anistia, sustentaram um
tos sociais garantidos pelo ECA encontram novo arranjo de forças políticas que se mo-
efeitos impensados no cotidiano. bilizaram em torno da futura constituição,
com a união de diversos setores da socie-
Na verdade, esses direitos são cons-
dade e deram sustentação ao ECA. É ine-
truídos na experiência concreta dos coleti-
quívoco que este se trata de um documento
vos de forças, sempre em movimento. Nes-
de grande relevância para o reordenamento
sa direção, Flávia Lemos (2009) critica o
jurídico na área da infância e da juventude
processo de criação de ECA como um pro-
e para a proteção dos direitos e garantias
cesso de apagamento da força instituinte
para esta população. Justamente por prever
dos movimentos sociais. Esse apagamento
medidas de proteção sem distinção de clas-
corresponde ainda à vitória de um ato natu-
se socioeconômica, raça ou etnia; e susten-
ralizante e populista. Ou seja, o governo
tar medidas especiais para aqueles cujos
apaga os processos de lutas políticas nas
direitos estão ameaçados ou violados em
conquistas de direitos, colocando os mes-
situações de infração ou vulnerabilidade
mos como concessão do Estado. Ao assinar
social. Todavia, a implementação do ECA
o referido estatuto, o presidente Fernando
não está assegurada e esse documento vive
Collor o fez como um símbolo da moder-
em um plano de forças, muitas vezes con-
nização da justiça brasileira, tornando-se
traditórias e coexistentes que geram efeitos
a m um “ al ado da an nha ”. P r-
no cotidiano de seus usuários. Contradi-
cebemos aqui um exemplo de apropriação
ções entre proteção e punição, direitos e
do ECA, em práticas de poder e saber, in-
violação, autonomia e assistencialismo,
corporadas por políticos populistas.
dentre outras.

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Esther Arantes (2009), ao discutir a jovem em cumprimento de medida sócio-
ideia de proteção integral a que têm direito educativa de internação. A partir das ideias
crianças e adolescentes, efetua uma crítica de Michel Foucault, os autores investigam
a essa premissa insistindo no reconheci- como as práticas gerenciam e moldam a
mento da capacidade de crianças e adoles- subjetividade no cotidiano das práticas
centes para o exercício dos seus direitos. A jurídicas. Essa modelagem conta com o
grande questão é como se usar a proteção apoio de especialistas, que atuam por meio
integral sem confundi-la com a proteção de normas com o intuito de disciplinar es-
dispensada pelo sistema tutelar menorista, ses corpos. As normas são ideias construí-
vigente no Brasil em quase todo o século das às quais se concede o status de verda-
XX. A proteção deve ser articulada com a de, que transitam por todos os eixos do
autonomia, processo no qual quem protege poder e em torno das quais as pessoas são
deve primeiramente buscar estabelecer estimuladas a moldar e a fabricar suas vi-
relações para que todos participem do que das:
seja proteger, em uma construção coletiva.
Assim, pensar os direitos humanos de cri- [...] o elemento que vai circular entre o
disciplinar e o regulamentador, que vai se
anças e adolescentes requer o reconheci-
aplicar, da mesma forma, ao corpo e à po-
mento de uma tensão, mas não necessaria-
pulação, que permite a um só tempo con-
mente de uma contradição, entre pessoa em trolar a ordem disciplinar do corpo e os
desenvolvimento e sujeito de direitos, entre acontecimentos aleatórios de uma multi-
proteção e autonomia, questão fundamen- plicidade biológica, esse elemento que cir-
cula entre um e outro é a «norma». A nor-
tal.
ma é o que pode tanto se aplicar a um cor-
Nessa tensão, os direitos das crian- po que se quer disciplinar quanto a uma
ças e adolescentes podem ser capturados população que se quer regulamentar. (Fou-

pela produção de subjetividades constituí- cault, 1999, p.302)

das pelas normas e pelas disciplinas, pro-


As normas entram no campo jurídi-
duto dos discursos e das práticas que os
co a partir da classificação da delinquência,
constituem. Nessa direção, Alyne Silva et
por meio de exames e de discursos acerca
al. (2011) investigam as práticas jurídico-
da sua periculosidade e do ato infracional.
legais e de disciplinarização direcionadas
No caso que os autores analisam, as nor-
aos jovens "autores de ato infracional" no
mas vêm responsabilizar o jovem e inter-
interior de um dispositivo jurídico, a partir
ná-lo. Assim, fica claro que a medida só-
de um processo judicial referente a um
cio-educativa ainda carrega o caráter retri-

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butivo da pena, sem garantir o direito de práticas com esses adolescentes, as quais
defesa aos adolescentes. Percebemos nesse se sustentam em leituras individualistas e
contexto, relações de força e tensionamen- normativas de controle social. Esse proces-
tos que denunciam a complexidade da prá- so se distancia sinistramente de práticas a
tica calcada no ECA. favor da vida.

Por outro lado, analisando os dis-


Os impasses no cotidiano da medida cursos institucionais, Ângela Rosário
socioeducativa de internação: entre a (2004) examina a problemática do adoles-
exclusão e a docilização dos corpos cente infrator, como um produto do que
Michel Foucault chama de disciplina. As
Ainda examinando os discursos ci- práticas disciplinares contêm relações de
entíficos acerca desses adolescentes, Maria poder que moldam e gerenciam a subjeti-
Cristina Vicentin et al. (2010) pesquisam vidade, por sistemas de objetivação e sub-
sobre a construção de um novo estabeleci- jetivação. Ao moldar a subjetividade que
mento em São Paulo, que objetiva oferecer não é intrínseca, mas constituída através de
atendimentos para adolescentes infratores práticas, a objetivação produz o sujeito
durante o cumprimento de medida socioe- enquanto objeto dócil e útil e a subjetiva-
ducativa de internação em regime de con- ção produz o sujeito preso a uma identida-
tenção. Observam que esses usuários são de determinada. Nesse sentido, o adoles-
adolescentes moldados por discursos de cente é adestrado pelas práticas discursivas
psiquiatrização, uma vez que possuem di- baseadas em saberes e no que é dito acerca
agnósticos de transtorno de personalidade dele na própria instituição, correspondendo
e/ou de periculosidade. Atravessados pelo às expectativas institucionais e conquistan-
discurso científico, esses adolescentes são do, por intermédio dos juízes paralelos, a
produzidos pela noção de periculosidade tão esperada liberdade. Nesse processo, à
que gera efeitos não somente na sociedade
m d da qu ão “ad ado ”, om o obje-
e nas instituições que lidam com esse fe- tivo de manter a ordem institucional, cris-
nômeno, mas também no próprio ECA. talizam-se em um ponto comum: o ato in-
Isso porque esses discursos caminham na fracional, que os levou à internação. Na
direção contrária aos paradigmas desse objetivação, a marginalidade aparece como
documento, implicando a necessidade de sua única opção. Por outro lado, na subje-
questionamentos. A associação da pericu- tivação, o adolescente encontra-se preso à
losidade com a saúde mental gera efeitos identidade de “band do”, omo ma g nal,
de disciplinarização e age diretamente nas

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não conseguindo se posicionar de outra zando as tecnologias de observação como
forma. Assim, ocorre uma identificação meio de impor padrões de comportamen-
dos jovens com o mundo do crime e o ato to/pensamento. Assim, não é de se surpre-
infracional adquire uma dimensão de status ender que o discurso de punição, da família
perante os semelhantes. desestruturada, da psiquiatrização e da
pobreza, feito pela justiça brasileira acerca
Com certeza, para além dos direitos
do menor infrator, encontre eco na mídia.
sociais, a punição é um dos efeitos majori-
tários das práticas que são sustentadas pelo É essa mídia, sustentáculo de este-
ECA. Ao examinar as formas de imple- reótipos e estigmas discriminatórios, que
mentação do Estatuto da Criança e do Ado- se aproveita das brechas do ECA e promo-
lescente (ECA) e do Sistema Nacional de ve a discussão da diminuição da maiorida-
Atendimento Socioeducativo (SINASE) de penal. Nessa discussão, o fato de o ado-
em dois centros socioeducativos do país, lescente ser ainda uma pessoa em forma-
Clarissa Menicucci e Carla Carneiro ção é completamente deixado de lado pelo
2011) evidenciam a presença de duas lógi- discurso apresentado pelo senso comum:
cas na política voltada ao adolescente em “ l já ab o qu á faz ndo”. A noção
privação de liberdade: a coerção e a socia- de que esse adolescente é também um ser
lização. Embora haja diferenças entre essas de direitos – os quais o são reiteradamente
lógicas nas unidades, o risco de se centrar negados, no caso do adolescente de baixa
somente na punição é grande. renda – é abandonada em função da puni-
ção e este sujeito é visto como alguém
Não podemos deixar de mencionar
“fo a” da sociedade, que constitui uma
que é na lógica das formas dominantes de
ameaça a ela e deve, portanto, ser excluído.
tratar o adolescente infrator que se insere o
discurso midiático a favor da diminuição Essa visão se sustenta na ampla co-
da maioridade penal. A mídia e a imprensa, bertura da imprensa dos crimes cometidos
pensadas como elementos de circulação da por jovens, especialmente de baixa renda.
norma e como espaço de dominação e re- Nas reportagens, o infrator é sempre visto
produção do sistema vigente, são distribui- apenas na instância de sua periculosidade e
doras da cultura integrada ao modelo capi- nunca analisado em toda a sua subjetivida-
talista. Os meios de comunicação, em sua de. Assim, é fácil propor a prisão, a retira-
maioria, sob a tutela da classe dominante, da desses adolescentes do convívio social
têm papel fundamental na sociedade de como uma solução, ignorando o que isso
controle: internalizando o controle e utili- de fato representa: a entrada precoce des-

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ses jovens no sistema penal falido dos Nesse contexto, o sistema penal
adultos. guia-se pelos estereótipos de discrimina-
ção, crime e pobreza, sustentando uma
Assim, a mídia presta um duplo
ideologia da repressão e do controle. As-
desserviço à comunidade: influencia os
sim, o discurso da culpa coloca o adoles-
argumentos extrajurídicos e ideológicos
cente como, uma ameaça à sociedade, co-
usados na aplicação do ECA, bem como os
mo se não fizesse parte dela, fazendo com
legitima e exclui, ainda mais, adolescentes
que os adolescentes entrem mais cedo no
infratores que já se encontram à margem
sistema penal falido dos adultos. O uso de
da sociedade. O argumento da diminuição
modelos rígidos e punitivos para garantir e
da maioridade penal coloca o Estado Puni-
concretizar direitos reforça ainda a lógica
tivo em detrimento do Estado Social e se
da pena e as alternativas de resolução de
sustenta em ideologias falaciosas e segre-
conflitos são entendidas como inadequadas
gacionistas, reforçando a lógica da punição
e inoperantes. Certo é que a centralização
e o discurso determinista. A mídia, como
na pena e na punição denota o endureci-
reforçadora da lógica de punição, ainda
mento do Estado Penal em detrimento do
que não esteja literalmente sob o domínio
Estado Social. Por outro lado, essa atitude
do Estado, constitui um poder que se rela-
desmobiliza esforços na construção de ou-
ciona, necessariamente, com o sistema
tras políticas para lidar com os atos infra-
total e, portanto, legitima espaços de do-
cionais.
minação e exclusão dos adolescentes em
consonância com os operadores jurídico- Como podemos perceber, são vá-
sociais. Neste sentido, Alexsandra Sartorio rias as capturas dos discursos acerca dessa
e Edinete Rosa (2010) destacam que, nos realidade. Daniel Espíndula e Maria de
discursos de proteção dos operadores jurí- Fátima Santos (2004), ao estudarem as
dicos-sociais em processos de Varas da representações sociais dos assistentes de
Infância e da Juventude, a punição é mais desenvolvimento social sobre os adoles-
evidenciada do que a questão social. Essa centes em medidas socioeducativas de in-
análise é feita com base no direito da Cri- ternação, revelam um determinismo bioló-
ança e do Adolescente e discute como nas gico no modo como aqueles concebem a
causas infracionais, há a ausência de inves- adolescência, sobretudo o adolescente in-
tigação social na área da juventude, embo- frator. À medida que esses adolescentes
ra a estatística dos crimes aponte exata- não se encaixam no modelo ideal de ado-
mente para a desigualdade social. lescência, as prát a do ADS’ ba am-

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se em princípios corretivos e punitivos, parativa. A insistência na comparação pode
como pôr de castigo nas celas e proibi-los acarretar uma conotação normativa:
de exercer as atividades educativas, que
deveriam ser asseguradas, uma vez que Há um processo de produção de subjetivi-
fazem parte do cumprimento da pena em dades no sentido de naturalizar a instituci-

regime de internação. Nesse sentido, esses onalização de um modelo hegemônico de


família, que opera por meio da discrimina-
agentes demonstram uma descrença quanto
ção de outras relações familiares, como as
à recuperação dos jovens infratores, que
constituídas por mães solteiras, por paren-
são vistos como diferentes dos adolescen- tes que assumem a responsabilidade pelas
“no ma ”. E a d nça é ju f ada crianças, por casais separados, por pais que

a partir da ideia de uma família desestrutu- realizam atividades consideradas ilegais ou


imorais etc., embora todas elas sejam for-
rada, que estaria na base das interações
mas coesas de organização familiar, pro-
conflituosas que levam à infração.
duzidas historicamente. (Scheinvar, 2006,
Supõe-se que ocorre aqui uma pri- p. 51)

vatização dos atravessamentos sociais nes-


se contexto, tendo como vetor a família, Naturalizada em seu modelo hege-

como assinala Estela Scheinvar (2006). Ao mônico ou não, a função da família é es-

analisar a família em sua dimensão política sencial no ECA. No que se refere à impor-

e em articulação com o social, a autora tância da família, sem efetuar comparações

chama a atenção para o risco de se associar julgam n o , S qu a D ll’Agl o

este a um dispositivo de despolitização das (2011) destacam, dentre os direitos sociais

relações sociais e, mais ainda, de individu- estabelecidos pelo ECA, o direito à convi-

alização, afirmando, assim, o caráter pri- vência familiar e comunitária. Nesse senti-

vado da sociedade moderna, mesmo em do, a política de assistência social estabele-

um contexto público. A culpabilização da ce a Proteção Social Especial (PSE), que

família é prática dominante na realidade corresponde a ações de atendimento socio-

desses adolescentes, evidenciando um pro- assistencial destinadas a indivíduos e famí-

cesso que nega as diferenças de modelos lias em situação de violação de direitos

familiares dentro da sociedade, uma vez (abandono, maus tratos físicos e/ou psico-

que não há uma definição exclusiva de lógicos, abuso sexual, substâncias psicoa-

família na forma de um modelo único. Ca- tivas, situação de rua, entre outros), inter-

da família é singular e deve ser abordada vindo em casos em que há situações de

na sua diferença e não de uma forma com- risco com ou sem rompimento dos víncu-
los familiares. A PSE atua para a defesa,

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garantia e promoção desse direito através cia, sua recorrente desqualificação no de-
de programas que visam à preservação e à bate público. As autoras constataram que a
reinserção familiar, embora as autoras medida de internação é sistematicamente
apontem que estes ainda são escassos. Elas imposta com baixa fundamentação legal, e
indicam ainda a necessidade e a importân- em muitos casos, sem a devida considera-
cia desses programas de que incluam tam- ção dos requisitos legais exigidos pelo
bém as famílias e que possam, de fato, ECA.
efetivar esse direito, ainda sustentado de Dentre as principais tendências ju-
forma precária na realidade desses adoles- risprudenciais apresentadas nas decisões
centes. analisadas, pode-se verificar: (1) negação
Além de rastrear as relações de po- da índole penal das medidas socioeducati-
der existentes nas práticas com os adoles- vas, e a proposital alusão à educação e pro-
centes infratores e a culpabilização da fa- teção como finalidades das medidas socio-
mília, outra questão importante para se educativas, o que favorece interpretações
refletir é acerca dos efeitos do ECA no demagógicas da legislação, contribuindo
cotidiano das sentenças jurídicas. Ao estu- para a compreensão distorcida do sistema e
darem sobre as medidas socioeducativas de reativando a discussão em torno da redu-
internação em conexão com o art. 122 do ção da maioridade penal; (2) imposição da
ECA, Maria Auxiliadora Minahim e medida baseada nas condições pessoais do
Karyna Sposato (2011) efetuam uma análi- adolescente, e não no ato infracional; (3)
se de como a lei vem sendo interpretada utilização de argumentos como: desajuste
nos Tribunais de Justiça. A partir da pers- social e moral, propensão à violência, ofer-
pectiva sociológica e criminológica e com ta de risco a terceiros, desvio de personali-
foco nas decisões judiciais, verificam a dade e inadaptação ao meio como justifica-
atuação do sistema de justiça na trama so- tiva de implementação da medida de inter-
cial, na reprodução de desigualdades, na nação, demonstrando uma visão estereoti-
retificação dos sujeitos envolvidos, na re- pada dos adolescentes acusados e sentenci-
novação de preconceitos e identificação ados; (4) flexibilização do princípio de
com o senso comum. Nesse percurso, loca- brevidade previsto na medida, sendo tal
lizam quais são as principais lacunas da extensão justificada como benéfica ao pró-
legislação que dão margem às arbitrarieda- prio adolescente e à sociedade; (5) aplica-
des, à utilização de argumentos extrajurídi- ção da medida de internação enquanto me-
cos na solução de casos e, em consequên- dida de punição por seu caráter privativo,

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retirando o adolescente da esfera social e um grau substantivo de liberdade, a polis-
ignorando o caráter pedagógico da medida; semia, as ambiguidades, as lacunas, e a
(6) comparação das medidas socioeducati- elasticidade da legislação, resultando na
vas com as medidas protetivas, negando o aplicação e utilização das medidas de in-
caráter penal e sancionatório das primeiras; ternação como intervenção psicossocial
(7) aplicação da medida de internação ao destinada a modificar o sujeito em franco
ato infracional, equiparado ao tráfico de alheamento às regras e princípios proces-
drogas, em decorrência das consequências suais penais de garantia. As medidas soci-
danosas à sociedade que o tráfico ilícito de oeducativas, aplicadas sem a observância
entorpecentes tem causado. O ato infracio- do devido processo legal, constituem uma
nal equiparado ao crime de tráfico de en- ferramenta de reforço da exclusão à qual a
torpecentes, embora, em geral, não com- maioria dos adolescentes está exposta.
porte violência nem ameaça grave à pes- A necessidade de punição, a psiqui-
soa, vem sendo reprimido com a imposição atrização, a família desestruturada e a po-
de medida de internação sob o argumento breza, tornam- “ dad ” qu amuflam
de tratar-se de crime hediondo, o qual afeta tanto a produção histórica e social quanto
o bem jurídico de toda a sociedade; (8) as relações de poder inerentes à sustenta-
princípio de convencimento do magistrado, ção de algo como natural. Nesse sentido, as
no qual a lei é interpretada de acordo com formas dominantes de tratar o adolescente
a consciência do juiz, influenciado, muitas infrator e as práticas discursivas que o en-
vezes, por valores morais e pela opinião laçam produzem subjetividades constituí-
pública. das pelas normas, pelas disciplinas, que se
Como se pode perceber, a partir da distanciam da proposta do ECA.
análise realizada neste artigo, o ECA, em
seus vinte anos de vigência, vem sendo
Considerações finais
interpretado de forma bastante homogênea
pela jurisdição de primeiro grau, por meio A proposta do Estatuto da Criança e
de entendimentos, em geral, contrários aos do Adolescente, regida pela Doutrina da
principais pleitos da defesa. Observa-se Proteção Integral, é inovadora e essencial
uma inquestionável tendência de negação para a mudança no curso da história brasi-
às suas teses na maioria dos Tribunais, e leira no que concerne aos direitos das cri-
uma cristalização de procedimentos irregu- anças e dos adolescentes e ao tratamento
lares se contrastados ao texto da Lei. O dado aos adolescentes envolvidos com a
fato é que os juízes podem explorar com

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criminalidade. Na medida em que rompe partir de diagnósticos de transtorno de per-
com os princípios do 2º Código de Meno- sonalidade e/ou periculosidade. Aqui há
res de 1979, o ECA abre espaço para que um paradoxo importante, pois terminado o
crianças e adolescentes ocupem um novo cumprimento da medida, o desfecho nem
lugar na sociedade como protagonistas de sempre aponta para a responsabilização
suas histórias, independente da classe soci- subjetiva idealizada, mas para uma prová-
al. Contudo, nota-se que ainda é preciso vel continuidade do lugar de transgressor
avançar muito para que estes sejam trata- no qual o adolescente foi aprisionado na
dos como sujeitos de direitos e respeitados sua passagem pelas instituições.
em sua singularidade. Assim, se por um lado, o ECA já
Apesar de nos dispositivos midiáti- carrega um caráter coercitivo, indicando
cos ser difundida a ideia de que o ECA é para a necessidade de sua revisão, por ou-
um estatuto com rigor insuficiente, capaz tro, os direitos que presumem garantir,
de acobertar as transgressões dos jovens, como o de defesa, trabalho, família e edu-
os motivos políticos por detrás de sua cria- cação, na maioria das vezes, permanecem
ção e a corrente teórica comportamentalista apenas como um discurso descolado da
que o constitui, revelam o caráter punitivo realidade ou utópico. Inclusive, a própria
de seus preceitos e aplicações. A discipli- ideologia corretiva incorporada no Estatu-
narização dos corpos, nos termos focaulti- to, aponta para contradições internas da lei
anos, a partir de normas generalistas das que devem ser consideradas. Uma vez que
Medidas Socioeducativas, que apagam a um dos modos de punição das medidas
singularidade e escancaram a estigmatiza- socioeducativas viola alguns dos direitos
ção do adolescente, é apenas um trecho mencionados.
deste cenário. Por fim, cabe destacar que a im-
Percebe-se que a atribuição de ver- plementação das sentenças de internação
dades estereotipadas aos jovens em cum- pela Justiça Especializada da Infância e
primento da medida socioeducativa de in- Juventude em todo o país demonstra uma
ternação, pode levar estes a se apropriar inequívoca carência de aprofundamento
dessas identificações advindas do campo doutrinário e a presença marcante de ar-
da alteridade. Além de haver uma univer- gumentos extrajurídicos e ideológicos.
salização de conceitos sobre a adolescên- Nesse sentido, defendemos a ideia de uma
cia, existe uma prevalência dos discursos ampla discussão sobre as reais condições
científicos, que nomeiam o indivíduo a de aplicação das medidas no cenário de um

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Jacqueline de Oliveira Moreira: Doutora


em Psicologia Clinica, Mestre em Filoso-
fia, Professora do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da PUC Minas.
Bolsita Produtividade PQ 2 CNPq.
E-mail: jacqdrawin@hotmail.com

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