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Desliguei a televisão.
Respirei fundo, meneando a cabeça.
Mantenho a calma e penso no meu cliente que está aflito, olhando-me
com medo e receio.
Preparo um drink, acho que um uísque forte vai me ajudar engolir
essa história. O caso está nas mãos do Departamento de Homicídio que já
encontrou o grande suspeito por exames de DNA... Sérgio Diniz!
O proprietário de uma das grandes varejistas do País, é culpado pela
morte de uma jovem de dezoito anos. Ela foi estuprada e assassinada a
sangue-frio.
— Diga-me qual é o seu preço? — O homem indagou aflito. Ele
viajou até São Paulo só para contratar o meu serviço.
Bebi meu uísque de uma única vez, sinto o líquido queimar a minha
garganta.
Não será fácil ganhar, eu sabia que esse caso me causaria muita dor
de cabeça. Os exames de DNA já compravam o culpado, terei muito trabalho
para inocentar esse homem. Nos últimos anos já trabalhei para clientes
acusados de estupro, casos que foram ganhos porque não houve exames de
DNA, por exemplo. Era apenas uma única prova sustentando a condenação,
os relatos das vítimas que geralmente queriam se vingar dos empresários e
políticos que as dispensavam como um simples objeto que não valia nada.
Algumas “vítimas” calavam a boca com um belo e generoso suborno, eu só
precisava usar meu charme, inteligência e conhecimento para persuadi-las a
desistir do processo. Muitos políticos lutam para manter a imagem, usando os
advogados para limpar seus rastros. Os podres dificilmente são expostos pela
mídia, graças a nós.
Notícias de discussões entre partidos ou sobre os erros do novo
governo são adiáforos perto do político que mandou matar a sua amante, ou
do mafioso que está sendo acusado de tráfico humano. A cada dia recebo
propostas que surpreendem até mesmo o próprio Diabo, se ele realmente
existir. São crimes, atos e ações tão cruéis que desafiam qualquer lógica ou
ficção. Todos os dias recebo um psicopata no meu escritório, que me faz
desacreditar em qualquer bondade ou fé.
Sérgio Diniz é a prova que compaixão e remorso não existem, quando
olho para o homem sentado em minha poltrona de visita, não vejo
arrependimento de ter matado e estuprado uma jovem, apenas o medo da
condenação. É por esse motivo que ele está aqui, não é porque está
arrependido por um ato desumano e cruel, ele só não quer perder a sua
liberdade.
Eles nunca se arrependem. Nunca!
— Você está disposto a pagar meu preço?
O homem riu, mostrando vários dentes de ouro.
— Bruno Alcântara, sou milionário…
— Ótimo, quero dez milhões.
Sérgio arregalou os olhos.
— Você ficou louco!
Ergui os ombros, eu não vou discordar. Dizem que sou amigo do
próprio Diabo, só posso ser louco.
— Esse é o total do meu honorário. — Digo, caminhando até minha
cadeira e sento-me.
— É um absurdo.
O homem ficou vermelho, passando a mão sem parar no cabelo
repleto de gel fixador.
Mantenho a minha calma. É a minha serenidade e paciência que me
torna implacável, reconheço o grau elevadíssimo de cada processo,
desempenhando o meu papel com total responsabilidade e eficiência.
Esperei, prevendo a sua resposta.
O homem amaldiçoou o destino, xingando até um Deus que não
existe. Posso ser considerado o Advogado do Diabo, mas não acredito que
exista um inferno que é governado por um ser com chifres e um tridente
afiado, principalmente um céu governado por um Deus que conduz nosso
caminho, para mim são como historinhas para dormir. Uma grande
bobagem…
— Certo, quais são as minhas chances de ser inocentado?
Eu sorri, sabendo exatamente como inocentar Sérgio Diniz. É um
caminho complicado, mas não é impossível de alcançar.
— Você será absorvido, apenas confie no meu trabalho. — Falei com
convicção.
O homem assentiu. Eu vou defender os direitos do meu cliente, não
pretendo pensar no crime ou nos delitos que cometeu. Nunca penso nas
vítimas, elas não me importam, apenas a pessoa que contratou o meu serviço.
Sérgio Diniz deixou meu escritório com um sorriso presunçoso no
rosto, depois de ouvir minha estratégia de defesa.
Liguei a televisão novamente, captando cada informação dos
noticiários. Cristiane Almeida era uma típica garota rebelde que já fugiu de
casa, que tinha passagens em instituições para menores infratores. Amanhã
vou ter uma reunião com Sérgio Diniz, e com alguns representantes que
pretendem testemunhar ao seu favor.
Por e-mail passo todas as informações para os meus assistentes, eles
começam as suas investigações hoje. Quero tudo relacionado a Cristiane
Almeida em minha mesa quanto antes, eu quero nome de cada familiar,
amigos, tudo sobre a escolaridade da garota e principalmente os erros e
podres da “adolescente”.
— Senhor Alcântara; — Minha Secretária pessoal entrou no meu
escritório. — Você tem uma visita.
— Minha visita tem horário…
— Meu amigo, eu sempre vou ter um horário na sua agenda corrida;
— Thomas entrou, carregando um pequeno fichário. Meu velho amigo, que
esteve presente nos piores momentos da minha vida e mesmo com minha
indiferença, amargura e grosseria não se afastou. — Seu filho de uma puta, é
bom revê-lo.
Estendo a mão para um cumprimento formal, minha secretária pessoal
rapidamente deixou meu escritório quando notou nossa interação “amigável”.
— Thomas, há quanto tempo?
— Acho que são apenas seis meses; — ele riu. — A última vez que o
vi, você estava bebaço, vomitando até às tripas na despedida de solteiro do
Ruan.
— E o Ruan? — Perguntei.
Ruan, Thomas e Carlos, eram meus melhores amigos quando eu era
um moleque cheio de sonhos na faculdade.
Thomas sentou-se na poltrona à minha direita, apoiando as mãos em
cima do fichário.
— Viajando com a Esposa, estão na Grécia. Aproveitando a vida de
casados.
Ótimo, pelo menos um de nós se deu bem.
Thomas é divorciado, com apenas 36 anos já tem três divórcios nas
bagagens.
Ruan é recém-casado com a Olívia, ela era uma conhecida próxima
do nosso grupo que acabou conquistando o garanhão e também herdeiro de
um império agropecuário, Ruan Handley.
Carlos é um cara sem responsabilidades, que gosta de curtir as
acompanhantes de luxo. E quando tenho um tempo livre aproveitamos
algumas baladas e bares da cidade.
— E você, Bruno? Como tem passado? Ainda pensa na Sofía?
Meu corpo enrijeceu com as perguntas desnecessárias. Eu ainda
pensava na Sofía, porque simplesmente a odiava.
Sofía não era uma amante, não era uma mulher qualquer. Na verdade,
ela era minha irmã mais nova que morreu há dois anos graças a um câncer
agressivo. Minha família acabou se distanciando mais com a partida da
minha irmã, meus pais que já se odiavam o suficiente para começar uma
guerra, agora são inimigos mortais, dividindo o império Alcântara.
E você deve estar se perguntando: Por que odeio a minha irmã?
É simples; Sofía era luz que iluminava nossas vidas. Ela era nosso
alicerce, ela era o meu alicerce. A força que me fazia acreditar na
compaixão, na bondade e no amor. Quando Sofía morreu, simplesmente
levou o meu coração com ela. Eu a odeio por ter me deixado, por ter me
abandonado neste mundo de merda.
— Ela morreu, Thomas. As pessoas morrem a todo tempo, tenho
certeza que a sua vinda até meu escritório não foi para falar sobre minha
falecida irmã.
O homem pigarreou, abrindo o fichário com várias documentações.
— Estou sendo processado, Bruno.
Levei as mãos até as têmporas, tentando aliviar a dor incômoda que
surgiu na minha cabeça. Que porra, mais problemas.
— O que aconteceu?
— Uma funcionária medíocre está me acusando injustamente; —
Thomas levantou-se, ficando completamente exaltado. — Ela é louca, Bruno.
Doente Mental, doidinha da pedra. Tenho certeza que usa drogas
alucinógenas, a mulher não é fácil.
Thomas coloca o fichário em cima da minha mesa, concentro-me no
caso e começo a ler o processo. Foi impossível não rir, Thomas ficou louco?
— Intolerância religiosa e danos morais?
O homem voltou a sentar-se na poltrona, abrindo um sorriso.
— Essa será fácil, meu amigo. Tenho certeza que você vai ganhar,
prefiro pagar milhões para você e não pagar uma indenização mixuruca pra
essa vadia.
— Thomas…
Ele ergueu as mãos na defensiva, calando-me.
— Tudo bem, vou contar a história.
Relaxei na cadeira, esperando uma história convincente. Direito
trabalhista não é uma área que gosto de atuar, sou completamente apaixonado
pela minha profissão, mas sempre me senti atraído pelo “crime”, pelas
mentes perturbadas e doentes de alguns clientes. Não posso negar que fico
extasiado com um caso de homicídio quando chega em minhas mãos e por
ironia do destino sou chamado de “O Advogado do Diabo”, acredito que a
minha frieza deu um salto na minha carreira. Defender os maiores criminosos
do País sem manter nenhum escrúpulo coloca meu nome no ranking dos
melhores advogados do Brasil. E para ser honesto, prefiro me agarrar nas
almas doentias dos meus clientes, criar uma verdade que consegue reverter
qualquer situação nos tribunais superiores.
— Tudo começou com alguns boatos no hospital. — Disse Thomas,
franzindo o cenho. — Técnicos, enfermeiras e médicos estavam com medo
da nova recepcionista.
Thomas Fagundes é proprietário de um Hospital Privado na cidade,
um dos mais procurados pela elite do País. Além de ser referência em
tratamentos cardiológicos de média e alta complexidade, o hospital Santa
Luzia (que recebeu o nome da bisavó de Thomas) têm o selo da Joint
Commission International, que certifica um hospital de grande excelência.
Thomas é obcecado por seu trabalho, exigindo profissionais totalmente
capacitados para atuar no hospital que pertence a sua família há quatro
gerações.
— Os rumores sobre ela chegaram até meu escritório na zona central
da cidade. E piorou quando ela passou para recepção plantonista do hospital.
Bom, é melhor você ver com seus próprios olhos… — Thomas entrega-me o
seu celular. — São as filmagens das câmeras de segurança do hospital.
Eu balanço a cabeça em concordância, iniciando as filmagens. O
vídeo mostra uma jovem, que está sentada atrás do balcão da recepção, reparo
nitidamente que a jovem tem uma ótima postura e cabelos volumosos, com
cachos espessos e bonitos. Ela fica por longos minutos trabalhando em frente
ao computador. É uma funcionária qualquer, não tem nada de extraordinário.
— Thomas, é uma simples garota. Qual é o problema com ela?
— Assista às filmagens, Bruno.
Certo, vamos lá…
Continuei prestando atenção na funcionária que representa ser muito
competente, ela atendia as ligações com rapidez e também mantinha seus
olhos sempre presos na tela do computador, muito concentrada. Após 10
minutos de vídeo, algo estranho aconteceu nas gravações. A funcionária
imediatamente ficou de pé, ela pegou alguns papéis e começou a organizá-
los, enquanto falava e gesticulava. A jovem conversava alegremente, fazendo
gestos com as mãos e rindo sem parar. Tudo poderia ser normal, se ela não
estivesse completamente sozinha na recepção. Não havia ninguém dentro
daquela sala, apenas a garota. E com quem estava conversando?
Engulo em seco, encarando meu amigo que também mantinha uma
expressão estupefata.
— Ela é louca; — iniciou, meneando a cabeça. — Não quero uma
funcionária doente mental no meu hospital.
— É um caso de esquizofrenia, Thomas. É notório que a mulher não
tem uma saúde mental adequada para trabalhar em um hospital de alto nível.
— Pode me ajudar? — Thomas demonstrou certa esperança na voz.
Não vou recusar, ele é um amigo de longa data. Posso e pretendo ajudá-lo.
— É claro!
ANJO CELESTIAL
02
O médico disse que foi apenas uma simples torção, nada exagerado.
Aconselhou a fazer uma compressa gelada e também a manter o pé erguido
para não forçar o músculo. Em poucos dias, estou cem por cento novamente,
meu único problema é o amigo do Diabo que fica me seguindo. Ele me levou
em um hospital particular, tudo pago por seus cartões de créditos com limites
altíssimos. Bruno Alcântara não conversou muito, as suas perguntas eram
formais: "Ainda está doendo?”, “Você está bem?”, “Precisa de ajuda?”.
Ficar ao lado dele era tedioso.
Quando um homem (extremamente sexy, bonito e gostoso) lhe
oferece ajuda depois de gritar e esbravejar, não é um bom sinal. Qual é a
dele?
Olhei de esguelha para Bruno Alcântara, ele dirigia com uma feição
tranquila.
— Sou uma Médium do Centro Espírita Caminho da Rosa Azul. —
As palavras voam da minha boca, como se tivessem vida própria. As suas
mãos seguram com mais força no volante, consigo ver os dedos
empalidecendo com a força que ele está depositando no pobre volante. Acho
que ele está imaginando o meu pescoço neste instante. — Eu descobri que era
diferente quando meus pais morreram, tinha apenas 13 anos…
— Você pode ficar calada?
— Eu não consigo, sou hiperativa. As palavras escapam da minha
boca como se tivessem asas. — Ele bufou, prestando atenção na estrada. —
Quantos anos você tem?
— Não interessa.
— Posso adivinhar?
— Não!
— Você tem 31 ou 33 anos. Estou certa? — Minha voz saiu mais
animada que o esperado.
— Minha idade não te interessa, nada da minha vida interessa a você.
Vou deixá-la em segurança na sua residência e nunca mais quero vê-la na
minha frente. — Diz sem disfarçar a grosseria.
— Que maravilhoso, esse sentimento é recíproco. — Bato palmas,
felicíssima só de imaginar que nunca mais vou encontrá-lo. — Também não
quero vê-lo na minha frente, mas como pretendo processá-lo por agressão
física, acho que vamos nos reencontrar novamente nos tribunais.
Ele riu, meneando a cabeça.
— Você é estranha.
Ele não é único que me falou isso. Estou até acostumada.
— Você está tentando me ofender? Porque não deu certo.
O homem me olhou por alguns segundos, devorando minhas pernas
nuas. Um pouco encabulada, puxo a barra da minha saia tubinho mais para
baixo, tentando esconder a minha coxa.
— Bom, gostaria de fazer um boletim de ocorrência? Posso deixa-lá
na delegacia se desejar.
Ele está falando sério ou está debochando? Viro-me para encará-lo e
pela expressão no seu rosto deduzi que ele está mesmo falando sério. Abro a
boca para dizer: Sim.
— Não! — Eu não estou dizendo? As minhas palavras tem vida
própria, não é possível. Eu penso uma coisa e de repente falo outra. — Só
quero um pouco de paz, descansar e esquecer meu dia humilhante.
— Compreendo.
Ele é um homem de pouca conversa, qualquer pessoa conversaria para
passar o tempo. Até mesmo pessoas que se odeiam mantém uma boa
educação quando estão no mesmo ambiente, conversam e interagem.
— Você é casado?
— Vamos falar de você, tudo bem? Já que você quer conversar e
insiste com essas perguntas irritantes.
Revirei os olhos, concordando com a cabeça.
— Quantos anos você tem?
— Eu tenho 26 anos, sou do signo de Áries. Faço aniversário dia 07
de Abril, é um pouco…
— Chega, já é o suficiente. — Respondeu altivo.
Após outro corte grosseiro, decidi ficar calada, foi uma luta aguentar
quase quarenta minutos dentro de um carro (graças ao trânsito), sem nenhum
assunto legal.
Bruno me deixou em frente a minha casa, como sempre a rua estava
tranquila. Moro em um bairro que geralmente é calmo, quando meus vizinhos
não estão brigando e quebrando o pau para que todos possam assistir. Eles até
foram parar no programa "Casos de Família", com um tema bastante
engraçado.
— Você quer ajuda para descer?
A pergunta acorda-me dos meus devaneios loucos.
— Oh não, estou bem; — abro a porta da picape. Bruno desceu de
imediato, correndo para me ajudar. — Não se preocupe…
— Só vou levá-la até o portão da casa; — ele observou a minha casa
modesta e simples, sem nada de extraordinário. Na verdade, era um sobrado
comum que eu amava com todo meu coração. Eu ajudei a minha tia a pagar
as parcelas da nossa casa, quando terminamos de pagar, dei entrada no meu
carro e…
— Aí não!
— Está sentindo dor?
Neguei com a cabeça, com meu rosto queimando de vergonha.
— Eu esqueci meu carro no estacionamento do Fórum.
Bruno olha-me com total descrença.
— O QUÊ? QUE TIPO DE PESSOA ESQUECE O PRÓPRIO
CARRO?
Será que a missão desse homem é me deixar surda? Por que grita
tanto?
— Eu, euzinha, eeeeeeu aqui. E se você estivesse no meu lugar tenho
certeza que esqueceria até a cabeça do pinto dentro do sanitário. — Altero a
minha voz, perdendo a compostura. Urgh! Eu tenho vontade de agredir esse
infeliz. E sou uma pessoa da paz, que é contra agressões físicas. Você
consegue compreender o quanto estou perdendo a minha paciência?
Bruno ficou visivelmente constrangido com a minha resposta. Acho
que ele não esperava uma mulher de 26 anos, formada em administração e
com um ótimo currículo profissional, esbravejando a palavra "pinto" com
total naturalidade.
— O que está acontecendo? — Minha tia surge na janela, com os
olhos arregalados e curiosos. — Angel?
— Não está acontecendo nada, tia. — Digo, abrindo o portão. —
Você pode ir embora, está tudo bem!
— Certo, eu vou.
No entanto, ficou parado, avaliando meu perfil com um semblante
sério.
— Acho que é melhor você ir embora antes que a minha tia…
A porta é escancarada com força, minha tia desceu correndo os
poucos degraus até o portão.
— Olá, seja bem-vindo. — Falou com um sorriso radiante. — Você é
amigo da minha sobrinha?
Bruno franziu o cenho.
— Não senhora…
— Que maravilha, você pode entrar. Eu acabei de assar um bolo de
cenoura, divino. É uma delícia, tenho certeza que você vai gostar.
— Tia, por favor. Não é o que você está pensando…
— Que besteira; — arruma o avental. — Eu não estou pensando nada.
A minha sobrinha querida, chegou acompanhada de um homem belíssimo,
que tem uma picape da Mercedes-Benz. — ela sorriu. — Não estou pensando
nada, eu juro.
Oh Deus, pode me levar agora.
— É muita gentileza da sua parte, mas eu só estava ajudando a sua
sobrinha que torceu o tornozelo.
Graças a você!
Minha tia abaixou o olhar, flagrando meu pé todo enfaixado.
— Oh Jesus, como isso aconteceu?
— É uma longa história… — Murmurei, ficando chateada quando me
recordo de tudo.
— Bom, vou deixar o meu cartão particular, Angélica; — ele tirou do
bolso um pequeno cartão de visita, clássico. Contendo somente um e-mail e
um número de celular. — Pode me ligar se precisar do meu trabalho.
É sério? Fiquei olhando para o cartão de visitas na minha mão. Tudo
que estou vivendo hoje não pode ser real. É um sonho, com certeza!
— Senhora; — Bruno estendeu a mão para um cumprimento formal.
— Eu agradeço pelo convite, fica para a próxima.
— É um prazer conhecê-lo, agora que sabe o caminho da nossa casa
pode voltar quando desejar. — Minha tia balança a mão freneticamente,
fazendo o braço do homem chacoalhar, igual um terremoto.
O Advogado do Diabo sorriu sem jeito, virando na minha direção
novamente.
— Angélica, tenha uma ótima recuperação!
— Tchau... — Digo, entrando para dentro da minha casa.
— Angel, você não vai agradecer o homem pela gentileza de trazê-la
até nossa casa?
Semicerrei os olhos.
— Ele não fez mais do que sua obrigação. — Continuei mancando
feito uma gansa desajeitada, ignorando os protestos da minha tia.
Bruno seguiu sua vida, espero nunca mais revê-lo, vou até esquecer a
ideia de processá-lo por agressão física, só para não me deparar com o infeliz
novamente. A Minha tia me serviu um pedaço de bolo e um café forte
enquanto ouvia atentamente a minha história. Eu contei tudo, principalmente
sobre "O Advogado do Diabo", ela ficou pasmada e também encantada com a
beleza e juventude do Bruno Alcântara. O nome do homem ficou conhecido
quando ele inocentou um político corrupto, seu nome foi transmitido por
todas as emissoras brasileiras. No entanto, não gosto de assistir televisão, eu
evito assistir jornais e noticiários. Sou muito sensitiva e qualquer notícia
trágica acaba me afetando. Eu sinto tudo, cada aflição e desespero dos amigos
próximos e familiares que perderam um ente querido. Então, por esse motivo
não tinha ciência da aparência do Bruno Alcântara. Minha tia é muito
esquecida, guardar os traços de outras pessoas é uma missão impossível para
ela.
— E depois… Ele não quis saber mais sobre a aparição da irmã?
Neguei com a cabeça.
O espírito da garota é outro detalhe que quero esquecer. Não pretendo
me envolver em nada relacionado com o sobrenome "Alcântara". Ela pode
estar sofrendo, alguns espíritos ficam presos à Terra, após a morte. Não
conseguindo desligar-se dos seus corpos físicos e da vida que levavam.
Ficam presos sentimentalmente a um familiar, também é muito comum que
uma alma recém desencarnada fique presa a um ente querido por conta do
amor e saudade que ele sente.
Meu coração ficou tão pequeno, quando percebo que o famoso Bruno
Alcântara ainda sofre a perda da irmã ao ponto de não deixá-la descansar, ao
ponto de prendê-la entre nós de uma maneira intensa.
— Bruno não acreditou. Me chamou de louca, resultando na minha
torção; — apontei para meu pé enfaixado. — Ele me empurrou, ficou
totalmente transtornado.
— Meu Deus, ele precisa se desapegar da irmã. Como a coitadinha
vai seguir para o plano espiritual?
Dou de ombros, exausta psicologicamente.
— No fim, acredito que ele se arrependeu. Enquanto ao espírito da
garota? Amanhã vou no Centro Espírita falar com meu mentor.
— Que bom, será uma ótima atitude.
— Vou descansar.
Minha tia me acompanhou até o quarto. Ela me deixou sozinha depois
de certificar se eu estava bem acomodada na minha cama. Aproveito o
momento particular para mexer no meu celular, ficando assustada com as
várias ligações da Joana. Imediatamente retornei, minha advogada não
demorou para atender a ligação.
— Alô, Angel.
— Oi, Joana. Eu sinto muito. — Digo chateada. — Não deveria sair
correndo da audiência feito uma problemática.
— Está tudo bem, eu consegui reverter a situação.
— Que bom!
— Angélica, você conhecia o Bruno Alcântara?
A pergunta me pegou desprevenida.
— Ah não, aconteceu um acidente no banheiro. Eu acabei entrando no
banheiro masculino por engano, escorreguei no piso molhado e torci meu pé.
— Não sei o porquê estou mentindo, mas não me sinto a vontade de contar
toda a verdade. — Bruno entrou no banheiro quando estava precisando de
ajuda, ele foi muito cortês.
— Agora está explicado, não entendi quando você saiu do fórum nos
braços do advogado do Diabo. Fiquei tão preocupada...
— Eu já cheguei em casa, está tudo certo.
— Ótimo, vou mandar minha Secretária te ligar para agendar uma
conversa no meu escritório. Precisamos debater algumas questões do
processo e mudar certas táticas de defesa, Bruno Alcântara não joga limpo.
— Vou ficar no aguardo.
— Tenha uma ótima tarde, Angélica.
— Obrigada, Joana!
Desliguei a chamada pensando no meu carro, vou esperar a dor
diminuir um pouco e pretendo buscar meu carrinho depois.
Fechei meus olhos por alguns segundos, mas meu dia estressante me
levou até um sono profundo, onde sonhei com uma garota de olhos
castanhos-dourados, ela cuidava de um bonito jardim, repleto de rosas-
amarelas. A cor amarela me transmitiu uma sensação alegre e quente.
O ADVOGADO DO DIABO
06
A minha irmã estava com uma febre que não cessava, mesmo a
medicando corretamente. Olhei no relógio, daqui a pouco começa uma nova
guerra para dar o antibiótico. Eu fazia de tudo para me manter calmo, cuidar
de uma garotinha de 2 aninhos não é fácil. A pediatra tentou me tranquilizar,
dizendo que a febre pode persistir alguns dias até o antibiótico começar a
eliminar a infecção.
Talvez um banho morno possa ajudar, vou preparar a banheira e
depois…
— VOCÊ QUER UM EXAME DE DNA? VOCÊ QUER?
Com cuidado cubro as orelhas da minha irmãzinha. Ela não merece
ouvir os escândalos da nossa mãe.
— Aquela menina não é minha filha. Eu me recuso tê-la dentro do
meu apartamento. Eu me recuso assumir uma traição. Você é uma vadia,
Valéria!
Por que eles precisam discutir no corredor, bem em frente ao quarto
da criança?
Eu já estou acostumado com as discussões. Os meus pais começaram
uma verdadeira guerra pela empresa da família quando eu tinha 12 anos. A
minha mãe é orgulhosa demais para assinar o divórcio. E meu pai, ele é
ambicioso demais para abdicar um terço do Estaleiro Âncoras. A nossa
família está há gerações na indústria marítima, somos responsáveis pelas
construções de barcos esportivos e iates. Não posso negar que a família
Alcântara é dona de um Império Bilionário, mas nunca me importei. Eu não
me importo com as contas bancárias recheadas da minha família, não me
importo com as viagens luxuosas ou com as grandes festas milionárias que
minha mãe sempre está organizando. Eu só me importo com a garotinha
dormindo dentro do berço, minha irmã é tão doce e amorosa, não merecia
nascer em uma família quebrada, desestruturada e principalmente maluca.
— Você está certo, Júlio. Ela não é sua filha, eu dormi com outro
homem mesmo e quer saber? Foi gostoso pra caralho…
— EU QUERO O DIVÓRCIO!
Puta que pariu!
Preciso interferir antes que acordem a minha irmã com esses berros
desnecessários.
Abro a porta do quarto.
— Vocês podem parar de discutir no corredor? Sofía está doente,
tenham um pouco de bom senso. — Digo, irritado.
— Que se foda. — Meu pai saiu batendo os pés. Respirei fundo, não
fico surpreso com o comportamento hostil do Senhor Alcântara, meu pai é
tão cruel que poderia fazer o próprio Lúcifer se apaixonar por ele.
— Ela está doente? E a babá?
— Mãe, é final de semana. A babá não trabalha no sábado e no
domingo.
Ela revirou os olhos, entrando no quarto. Minha mãe se aproximou do
berço, olhando para a bebê que dormia profundamente.
— Hmm, precisamos encontrar outra babá que tenha disponibilidade
de horário nos sábados e domingos.
— Você não pode estar falando sério. É brincadeira, né?
— Bruno, você é um rapaz jovem. Tem apenas 22 anos, não deveria
estar cuidando de uma bebê de 2 anos.
— Eu nunca vou conseguir entender, porque mulheres como você,
geram crianças para sofrer no mundo.
Minha mãe riu até os olhos lacrimejar.
— Meu filho, você é um comediante. Quem vai sofrer? Sofía nasceu
em berço de ouro, com apenas 2 anos já é dona de uma fortuna milionária.
Balanço a cabeça totalmente descrente. Com o passar do tempo eu
acabei aprendendo a me manter sozinho. Cresci rodeado de babás e de
educadoras, mas não conheci o amor de mãe ou de pai, e sinceramente? Só
gostaria que a minha irmãzinha conhecesse esse tipo de amor.
— Não quero outra babá, posso cuidar dela nos finais de semana.
— Certo, pretendo viajar na segunda-feira. Vou aproveitar as praias
do nordeste. Tenha uma ótima noite.
Ela saiu sem dar um único beijo de boa noite na criança. Eu queria
que tudo fosse diferente, minha família é bilionária, são repletos de riquezas.
Porém, a maior riqueza eles não possuem: riqueza de valores, honestidade e a
riqueza de um amor sincero.
Dizem que meu nome carrega a pureza dos anjos, eu sempre me achei
uma pessoa tranquila e do bem. Não gosto de pensar negativo e quando penso
faço de tudo para mudar o rumo dos meus pensamentos. Entretanto, quando
Bruno Alcântara domina qualquer pensamento dentro da minha cabeça, não
consigo imaginar nada legal ou fofo. Ele está mais para um íncubo sexual
pronto para atacar, um pecado nítido que pode consumir qualquer bondade
que existe no nosso coração.
— Angélica, você está me ouvindo? — Karen gritou, fazendo-me
pular na cadeira.
— Quê?
— Você vai querer outra rodada de tequila? — Ana Lúcia, ergueu a
mão tentando chamar o garçom. — Eu estou com fome, acho que vou
aproveitar e pedir uma porção de tilápia.
— Para mim, está ótimo.
— Tudo bem, uma porção de tilápia e outra rodada de tequila.
— Você não está dirigindo? — Karen ficou meio neurótica depois
que meus pais morreram no acidente de carro, que foi causado por
embriaguez no volante.
— Relaxa, eu vou embora de Uber. Não estou pretendendo esquecer
meu carro no estacionamento de novo.
Ambas riram do meu desastre.
— Angélica, você é surreal. Que tipo de pessoa esquece o próprio
carro?
— Esquecer o carro é normal, tem pessoas que esquecem os próprios
filhos. Uma mulher foi levada a delegacia semana passada, porque esqueceu
a filha dentro do carro e uma bebê de um ano e dez meses acabou morrendo.
— Uau, sem histórias tristes e dramáticas na mesa, por favor. É a
noite da bebedeira. — Protestou Karen, ela é uma hippie “good vibes” que
tem uma floricultura na cidade. E Ana Lúcia é uma policial que sonha um dia
ser delegada. Nós nos conhecemos no ensino médio e somos amigas
inseparáveis até hoje, mesmo com cada uma seguindo profissões e caminhos
diferentes.
— Tudo bem, vamos às novidades. Quem começa? — bato na mesa.
— Rufem os tambores… — Karen me acompanha, rindo feito uma
adolescente.
— Está bem. Está beeeeeem, eu começo. — Diz Lúcia. — Estou
pronta; — pigarreou. — Parei de tomar o anticoncepcional, Fábio acha que já
está na hora de um bebê chegar.
— AI MEU DEUS! — Gritei. Tenho uma paixão por bebês recém
nascidos. Eu amo crianças, mas bebês com aquele cheirinho maravilhoso de
leite materno é meu ponto fraco.
— Eu vou ser a madrinha, madrinha Karen paz e amor. — Ela faz o
sinal da paz com os dedos, arrancando-me uma gargalhada.
— Agora é a minha vez, adivinhem quem é mais nova contratada da
Lummertz Advocacia? — Jogo meus cachos, que estão lindos e perfeitos esta
noite.
— Ah não, jura?
— JURO!
Minhas amigas pularam, soltando gritinhos histéricos. É bom sentir
que somos amados, que a nossa felicidade também preenche a vida de outras
pessoas. Karen contou sobre um encontro com um rapaz oito anos mais novo.
Ana Lúcia começou a encher o saco chamando a Karen de “Papa anjo” e
“Mamãe Mucilon”. Eu nunca achei errado uma mulher mais velha se
relacionar com um homem mais novo, se ele for maior de idade, é claro.
Os homens estão sempre se relacionando com mulheres oito ou dez
anos mais jovem e nossa sociedade não condena esses homens. No entanto,
quando uma mulher de 27 anos começa a namorar um rapaz de 20 anos, ela é
duramente criticada. É claro, que Lúcia estava brincando e as doses de tequila
ajudaram um pouco com as piadinhas.
— Quem quer dançar?
— Eita! Você já está bêbada. — Retorquiu Karen, rindo do meu
pedido.
— Eu não estou bêbada.
— Angel, quando você bebe muito acaba incorporando um espírito da
ragatanga em você.
— Que engraçadinha; — Minhas amigas sabem que sou médium e
nunca foi um problema para elas. Ana Lúcia é católica, Karen é uma hippie,
meio Wiccana. — Eu vou me jogar na pista…
Somos três mulheres com sonhos, personalidade, pensamentos e
opiniões diferentes, mas nos respeitamos acima de tudo. Acho que é por este
motivo que nossa amizade continua sólida e inabalável. O respeito é o
verdadeiro alicerce de uma amizade.
As Minhas amigas me acompanharam até a pista de dança, a minha
noite estava perfeita. Eu poderia passar o restante da madrugada dançando
com minhas amigas, mas Ana Lúcia é casada e mesmo com um marido legal
e gente boa, ela não acha adequado passar a madrugada na balada. Karen
trabalha no sábado, então, nossa diversão vai acabar logo.
— Alguém quer água? — Gritou Karen. Eu e Lúcia aceitamos. —
Ótimo, não demoro!
Minha amiga se afastou no meio do aglomerado de pessoas.
— É quase meia noite; — disse Lúcia, observando a tela do celular.
— Daqui a pouco vou ligar para o Fábio me buscar, não estou… — Minha
amiga arregalou os olhos, ela ficou estática na minha frente.
— Ana Lúcia… — Eu não consegui terminar o questionamento,
porque neste instante sinto alguém deslizando a mão nos meus cachos.
Quando viro-me, fico cara a cara com o advogado do Diabo. Um calafrio
estranho percorreu minha espinha, não tinha como escapar. O homem estava
aqui, bem na minha frente, com poucos centímetros separando nossos corpos.
Ele esbanjava um sorriso presunçoso no rosto e uma beleza espetacular.
Bruno Alcântara é o cúmulo da pura beleza, esse homem não existe.
Ele está com o cabelo um pouco úmido, usando uma camiseta preta básica e
uma simples calça jeans. Uau… Esse vestuário casual combinou com ele. Os
belos bíceps estão a mostra, eu tenho um fetiche estranho por braços
masculinos. Algumas mulheres reparam na bunda, no volume em frente as
calças, nos detalhes do rosto, mas eu sou louca por braços fortes e bem
musculosos. Eu fico excitada só de imaginar um homem forte me prendendo
nos seus braços e me fazendo…
— Angélica Amaral, que surpresa inesperada.
Engulo em seco.
Deus, por que você criou Bruno Alcântara sem um único defeito? Por
que ele precisava ser tão gostoso e ter esse rosto perfeito?
O ADVOGADO DO DIABO
08
Fazer uma boa gestão do meu tempo não está sendo uma tarefa fácil.
Infelizmente, o dia a dia de um advogado é bem corrido, principalmente um
advogado que está inaugurando a sua primeira agência de advocacia. Eu
estou lutando para dividir meu tempo sem acabar exausto mentalmente.
Não é fácil atender os clientes, estudar os processos, participar das
audiências, comparecer nas reuniões, congressos, gerenciar mais dois
escritórios associados e ainda ser um bom marido e um bom pai. Amo minha
profissão, mas também amo minha família. Felizmente, não sou um cara que
esquece de datas comemorativas, amanhã estou completando nove anos com
minha esposa. Quando ouvi o tão esperado “sim” no altar, a minha vida
ganhou um novo sentido.
— Senhor Alcântara; — Minha Assistente adentrou no meu
escritório. — Jonas vai se atrasar para a reunião, infelizmente o voo está
atrasado.
— Certo, posso aguardá-lo. Só preciso ligar para minha esposa.
A minha assistente fechou o sorriso, mudando sua fisionomia alegre.
Há algum tempo tenho notado o interesse dela. É uma mulher belíssima, com
atrativos que chama atenção de qualquer homem. Principalmente os cachos,
sempre achei os cabelos cacheados exuberantes. A minha assistente tem uma
aparência que admiro. No entanto, sou bem casado. Francinny é uma esposa
incrível, nunca passou por minha cabeça traí-la com outras mulheres.
— Sim Senhor! — Ela saiu do meu escritório, cabisbaixa.
Minha assistente não é o tipo de mulher que esconde seus desejos,
suas paixões e sonhos. Ela é bastante transparente, é fácil desvendar uma
mulher com essa característica. Tenho certeza que logo vou precisar contratar
outra funcionária, ela não vai ficar trabalhando no meu escritório por muito
tempo, minha assistente está abalada emocionalmente. Penso que não é
adequado se apaixonar pelo próprio chefe ou por qualquer colega de trabalho,
mas tem certos sentimentos que não controlamos.
Disquei o número da minha esposa, a ligação é atendida de imediato.
— Bruno, meu amor. Eu estava pensando em você. — Disse um
pouco ofegante.
— Estava correndo na esteira?
Ela riu alegremente do outro lado da linha.
— É claro, sempre em forma.
— Fran, estou ligando para avisar que vou me atrasar um pouco.
Poderia buscar a Sofía na escola?
Ela fica em silêncio por alguns segundos.
— Amor, vou dar um jeitinho. Eu tenho um compromisso no
consultório daqui a pouco.
— Um compromisso?
— Lembra-se do garoto com transtornos, chamado Felipe?
Felipe era um dos pacientes da minha esposa. Era um rapaz jovem
com transtornos psiquiátricos. Francinny tem tratado dos sintomas
depressivos do rapaz, ajudando muito na sua melhora.
— Lembro sim, amor. Não se preocupe, está tudo bem. Eu dou um
jeito, posso buscá-la.
— Muito obrigada, você é o melhor marido do mundo. Eu te amo,
tchau.
— Eu te amo, estou com saudade. Amanhã…
Ela desligou a chamada ou acabou caindo a ligação. Fran está sempre
reclamando que o celular está travando. É isso… Talvez um celular novo vai
melhorar o nosso dia amanhã.
Vou fazer uma pesquisa na Internet e…
— Senhor Alcântara, uma ligação no ramal dois. É importante! —
Disse minha assistente com uma expressão aflita.
Sem questionar atendi a ligação.
— Alô, Bruno Alcântara.
— Senhor Bruno, aqui é a diretora da Escola Sagrado Coração. Sofía
teve um pequeno probleminha.
Imediatamente fiquei de pé, pegando a chave do meu carro e minha
carteira.
— O que aconteceu?
— Ela não quer…
— PELO AMOR DE DEUS. O QUE ACONTECEU COM A
MINHA IRMÃ?
Por favor, não faça “suspense” quando o assunto é minha irmã. Eu me
transformo em um predador para protegê-la.
— Sofía ficou mocinha, ela está menstruada e gostaria de ir embora.
Infelizmente, a sua calça jeans ficou manchada.
Meu coração diminuiu a pulsação, fiquei mais aliviado com a notícia.
A menstruação é uma coisa normal para todas as mulheres. Sofía tem 11
anos, já estava na hora de acontecer a primeira menstruação.
— Certo, chego em 20 minutos; — Desliguei a chamada. — Eduarda
pode remarcar minha reunião com o Jonas, surgiu um imprevisto.
A minha assistente concordou com a cabeça, pronta para exercer sua
função com perfeição, só para receber um elogio da minha parte e ser notada.
Quando você cria uma menina como se fosse sua própria filha, você
aprende a entender as mulheres. Consigo identificar um olhar ansioso, um
gesto inseguro e um comportamento diferente da Sofía. Eu sei até mesmo
quando uma gripe está prestes a chegar, é uma intuição que gradualmente fui
adquirindo.
Eu faço o possível para Sofía se sentir amada e segura, esqueço-me do
trabalho ou da minha própria vida só para ampará-la. Nossa relação é
amigável, mas a Sofía chegou naquela fase crítica da pré-adolescência. O seu
corpo está mudando, as mudanças estão a cada dia mais visíveis e são nesses
momentos que não sei como agir. A minha sorte chama-se "Francinny", ela
sempre estará ao meu lado, a minha esposa ama a Sofía com todo coração e
são ótimas amigas. É a mãe que minha irmã nunca teve, sou extremamente
grato por tudo que a Francinny fez e ainda faz por nós.
Meus dias estão nublados, recomeçar uma vida sem a minha esposa
não está sendo uma tarefa fácil. Francinny está marcada em cada cômodo do
meu apartamento, o perfume dela ainda está impregnado no nosso antigo
quarto. Não consigo mais dormir na cama que costumava ser nossa, não
consigo respirar direito dentro daquele apartamento.
É exatamente por esse motivo que estou visitando um imóvel em um
condomínio fechado no bairro da Praia da Lagoa. É uma mansão luxuosa,
com vista para cidade.
Sofía está me acompanhando, ela também tem sentindo a falta da
Francinny. Entretanto, é orgulhosa e teimosa como uma Alcântara, não negou
o sangue que corre nas suas veias. Francinny procurou Sofía três vezes nesta
mesma semana, querendo conversar. A minha irmãzinha recusou às três
tentativas de aproximação.
— Eu gosto do apartamento; — comentou. — Gosto do Senhor Davi.
— Eu também gosto, meu amor. É difícil, eu consigo compreender.
Mas precisamos recomeçar, tenho certeza que você vai gostar da Mansão. Ela
é linda, eu estava vendo as fotos no anúncio, a Mansão tem um jardim
enorme.
Minha irmã encolheu-se no banco.
— Eu gosto de rosas!
— Eu sei; — sorri, evito demonstrar o quanto meu divórcio tem me
abalado quando ela está por perto. — Você pode plantar as suas próprias
rosas, flores coloridas de várias espécies.
Sofía olha-me, ganhando um brilho vivido nas íris castanhas-
douradas.
— Jura? Meu próprio jardim? — Um sorriso largo nasceu no seu
rosto e meu coração se encheu de esperança.
— Nosso próprio jardim, posso ajudá-la?
— É lógico, eu vou adorar plantar rosas no nosso novo jardim.
Concordei, ficando animado com a felicidade da minha irmã. Sofía
ficou muito calada depois do episódio desastroso e traumático no meu
apartamento. É bom vê-la sorrindo novamente.
Quando chegamos na Mansão um agente imobiliário estava nos
aguardando. Sofía desceu primeiro do carro, animada para conhecer a
Mansão.
— Boa tarde, me chamo Gustavo — O agente cumprimentou. —
Prontos para conhecer a Mansão?
— Sim, muito! — Sofía respondeu, totalmente eufórica.
— Por favor, entrem…
O Agente imobiliário começou apresentar o imóvel luxuoso. A
Mansão tem quatro andares, com cômodos espaçosos e bem arejados.
— No piso térreo, vocês encontram a sala de estar com lareira, sala de
jantar, terraço, suítes para os hóspedes, cozinha e área para os funcionários e
também as escadarias… — mostrou duas escadas, uma que levava até os
andares superiores e outra que levava até o andar inferior. — No andar
inferior…
— Um porão? — Interrompeu Sofía, fascinada com os cômodos
gigantescos.
— Não é tecnicamente um porão; — corrigiu o agente imobiliário. —
É um salão de festas, contendo um bar completo, com uma belíssima adega
de vinhos e uma grande piscina térmica.
Minha irmã abriu a boca, completamente fascinada. Ela segurou na
minha mão puxando-me em direção do terraço. O jardim era amplo, como
minha irmã sempre sonhou. As árvores frutíferas e as flores de diversas
cores. É uma propriedade densamente arborizada.
— Uau. Podemos ter um buldogue agora?
— Bom, tenho certeza que um cachorro vai adorar correr nesse
jardim. — Acabei concordando, há meses ela tem me pedido um cachorrinho.
Sofía soluçou.
O choro chegou de repente, me aterrorizando. Até mesmo o agente
imobiliário acabou se assustando. A minha irmã estava sorridente e feliz,
agora esse choro abalado está me desequilibrando novamente.
— Sofía; — segurei no rostinho da minha irmã, limpando as lágrimas
dela. — Qual é o problema?
— Sinto muito, Bruno. Por tudo, você não merecia sofrer. Eu sei o
quanto você está lutando para se manter forte por minha causa, tudo que está
fazendo é por mim. Não é justo! — fungou.
Meu coração se apertou.
Ela é minha força.
Sem ela... Sem a minha menina nunca conseguiria seguir em frente.
— Sofía, você é a minha família. É minha única razão para continuar
em frente. Não se sinta culpada, meu amor. Adultos passam por momentos
difíceis, eu vou ficar bem.
Ela esfrega os olhinhos com as mãos.
— Com licença; — Interfere Gustavo. — A minha irmã está
vendendo filhotinhos de buldogue inglês.
— Ótimo, eu vou querer um filhotinho e também pretendo comprar a
Mansão. — Beijei a testa da minha irmã. — Vamos ficar bem, Sofía.
— Você me promete?
— Eu prometo. É palavra de irmão mais velho!
ANJO CELESTIAL
18
“Estou com problemas, acho que vou dormir com meu novo
chefe”
“Angel, quando foi a última vez que viveu um amor sórdido com um
homem? Você não se arrisca, às vezes é necessário viver com intensidade
sem pensar nas consequências”
Eu estava exausta!
Bruno Alcântara é um homem avassalador.
Foram quatro rodadas de sexo selvagem, um sexo que não estava
acostumada. Eu era uma mulher mais tradicional, com certos limites. No
entanto, não controlei minha vontade, meu desejo e principalmente meus
sentimentos por ele.
Eu queria estar com ele.
Eu queria beijá-lo e sentir seus braços fortes ao meu redor,
protegendo-me.
A minha felicidade não pode ser expressa com palavras, a sensação
do seu toque ainda está na minha pele. Não consigo esquecer seu membro
duro, das suas mãos segurando os meus cachos com força e tesão.
Agora só preciso descansar e quem sabe… Repetir, sexo matinal é
maravilhoso.
Quando minha exaustão começou a me guiar para o reino dos sonhos,
sou balançada na cama.
— Angélica, acorde…
— Hmmm; — resmunguei, sonolenta. — Eu quero dormir, estou
cansada.
— Não, acorde…
— Bruno, por favor. Transamos quatro vezes, a minha vagina está
dolorida.
Ouço uma risada.
— Ótimo, como eu esperava. Queria você toda dolorida, mas não a
quero na minha cama.
O quê?
Viro-me para encará-lo.
Bruno estava com uma fisionomia fechada.
— Não estou entendendo; — Falei meio sem graça. — Acabamos de
transar. Como você não me quer na sua cama?
Ele passou a mão no cabelo desgrenhado por causa do sexo.
— Angel, você pode escolher um quarto na Mansão e descansar, mas
na minha cama… — Bruno cortou contato visual. — Você não dorme.
Levanto-me, completamente chocada.
— Ai meu Deus, eu sou muito burra; — comecei a procurar o meu
vestido, Bruno ficou observando a minha reação com uma expressão
indiferente. — Tudo bem, acabei entendendo, vou solicitar um Uber.
— Angélica, você não precisa ir embora. Só não quero dividir a
minha cama com você.
Comecei a rir, incrédula com que acabo de ouvir.
— Você não quer dividir a cama comigo? — balancei a cabeça. —
Bruno, acabamos de transar nesta cama.
Ele não respondeu.
Ficou me observando vestir o meu vestido, depois as minhas
sandálias. Não encontrei a minha calcinha, mas que se foda.
Peguei a minha bolsa caída no chão, procurando meu celular para
chamar um Uber.
São duas horas da manhã. Que maravilha!
— Angel, não é necessário um drama exagerado devido a uma
simples cama. Tem vários quartos nesta Mansão, escolha um que lhe agrada.
— Bruno caminhou na minha direção, mas rapidamente me afasto.
— Você nunca mais vai tocar no meu corpo.
— Eu não sou o tipo de homem que transa e fica trocando carinho
depois ou que fica abraçadinho na cama fazendo juras de amor. —
Esbravejou. — Meu Deus, somos adultos. É apenas sexo casual, nunca pensei
em relacionamentos.
Estou abalada demais para responder.
Sinto-me usada e humilhada.
Saio do quarto, decidida a ir embora. No entanto, não tenho uma
surpresa agradável no corredor.
A garota das rosas-amarelas estava impossibilitando a minha
passagem.
Ela sorriu. Linda e com uma luz resplandecente emergindo do seu
corpo.
O medo percorreu a minha espinha.
Os calafrios eriçam os pelos dos meus braços.
Imediatamente sinto meu corpo gelado e pesado. Não, por favor!
— Você aqui? — Disse sem reprimir o lindo sorriso. — Eu sabia…
Eu sempre soube!
Oh Deus…
Sinto alguém me balançando, mas estou muito assustada para reagir.
O medo está controlando minhas emoções.
— Fique, ele precisa de você!
— Não, você está errada. Ele não precisa de ninguém. É um homem
frio e calculista.
Bruno só pensa em si mesmo.
Ouço um grito:
— ANGÉLICA, QUE INFERNO!
Foi como acordar de um coma, o desespero golpeou meu coração.
As lágrimas transbordam dos meus olhos.
— Ei, shh… Angélica, está tudo bem.
Alguém me abraçou, um homem forte e acolhedor. Eu consigo sentir
o seu corpo quente, até mesmo as batidas do seu coração quando apoio a
minha cabeça no seu peito e choro sem parar.
— Meu Deus, mulher. O que aconteceu?
Levanto a minha cabeça para encarar aqueles olhos castanhos e
lindos.
— Bruno? — Funguei, despertando do medo que me tomou. — Eu
sinto muito…
— Calma, você precisa respirar. Você está pálida e muito gelada.
Bruno me levou novamente até o quarto. Ele me fez sentar na cama e
imediatamente começou a tirar o meu vestido, em seguida minhas sandálias.
No closet, Bruno pegou uma blusa de moletom que ficou enorme no
meu corpo.
— Merda, você está muito gelada; — ele mudou a temperatura do ar-
condicionado. — Os seus lábios estão roxos… — depois afasta os edredons.
— Deite na cama!
Faço o que me pede, encolhendo-me embaixo dos edredons.
Bruno deita-se ao meu lado, abraçando-me com força.
— Durma. Eu vou ficar aqui, com você.
O sono não demorou para chegar.
Eu estava exausta, mas o medo me conduziu para sonhos conturbados
de noite.
Meu almoço com o Bruno foi tenso, ele fazia questão de me irritar.
Usando a nossa transa para me chantagear e fazer piadinhas sem graça, como
estava de mau-humor não ousei falar sobre meu jantar com o Carlos.
E outra… Bruno Alcântara não merece nenhuma explicação ou
satisfação da minha parte.
Carlos chegou no horário marcado, aproveito a oportunidade para
devolver o blazer. Ele agradeceu com muita cordialidade, no caminho
falamos sobre a sua família e irmãos. Carlos nasceu no Paraná, passou a sua
infância em uma cidade de interior. A família decidiu se mudar para São
Paulo quando o negócio da mãe começou a render muito dinheiro. Ela é
proprietária de várias butiques no centro da cidade e também na cidade Natal
em que morou por longos anos.
Falei um pouco da minha vida, do acidente trágico dos meus pais.
Carlos sempre ouvia com atenção, sem questionamentos inapropriados.
Chegamos no restaurante um pouco atrasados, o trânsito de São Paulo
sempre prejudicando e também nos atrasamos porque o Carlos escolheu um
local distante, estamos no Terraço Itália. Demoramos quarenta minutos
cansativos no trânsito caótico que no fim valeram a pena. A mesa que o
Carlos escolheu era impecável, próxima das imensas paredes de vidros e a
vista… Céus, era de arrepiar!
O local tinha uma vista bonita e muito romântica.
— Você já esteve aqui? — Carlos perguntou com um sorriso amistoso
no rosto.
— Eu não, apenas uma amiga. Ela saiu reclamando dos preços.
Carlos riu.
Após nos acomodar, decidimos observar o menu.
— Eu adoro a gastronomia italiana. — Confessou, agora pegando a
carta de vinhos. — Um vinho suave tem uma harmonização perfeita com a
gastronomia italiana.
Carlos analisava a carta de vinho com atenção, enquanto meus
pensamentos viajam pela belíssima vista da cidade. Como seria um jantar
romântico com Bruno Alcântara?
Será que ele já amou intensamente uma mulher?
Acabei rindo dos meus próprios devaneios, Bruno não faz o tipo
romântico que manda flores ou que enche uma amante de elogios graciosos.
Ele só está preocupado com o sexo, em ultrapassar as preliminares e gozar.
Carlos faz nosso pedido, como não tenho conhecimento da
gastronomia italiana, acabo concordando com os pratos que o Carlos
escolheu.
— Você está muito pensativa, preocupada com o Bruno?
— O quê? — Mexo-me desconcertada. — É claro que não, eu só
estava pensando no meu trabalho.
— Uhun, sei… — Carlos apoia os antebraços na mesa, inclinando-se
para frente como se fosse contar um segredo. — Você almoçou com ele hoje?
Engulo em seco, não estou entendendo as interrogações. A onde
Carlos quer chegar com tantas perguntas?
— Carlos, nosso jantar não era profissional? Eu não estou
compreendendo o seu interesse no meu relacionamento com o Bruno.
Ele sorriu, alegre e animado.
— Eu sabia; — O homem só faltou pular de alegria. — Já estava na
hora.
— Permaneço confusa!
Carlos não está sendo específico e direto nesta conversa.
— Bruno não se envolve intensamente com uma mulher; — Explicou,
virando para admirar a vista. — Ele evita sentir qualquer afeto ou carinho
quando está se relacionando, mas com você é diferente.
Comecei a rir, se ele soubesse de toda a verdade.
— Eu não sou diferente, sou uma mulher comum. Bruno não está
interessado em relacionamentos, ele é um homem calculista e indiferente.
— Ele nem sempre foi assim. — Carlos mudou sua fisionomia,
ficando com uma expressão mais entristecida. — Bruno, já foi um homem
muito afetuoso, que colocava a família sempre em primeiro lugar. Ele
transbordava alegria e gratidão, um cara que amava a sua família. Tudo
mudou quando a Francinny seguiu um caminho errado e depois a irmã mais
nova faleceu, desmoronando a vida do meu amigo.
Calma, eu estou ciente do falecimento da irmã, porém…
— Desculpa, quem é a Francinny?
Carlos olha-me pasmado. Ele abre a boca, desacreditado e diz:
— Você não conhece a história da Francinny? Pensei que o Bruno
tivesse… — Carlos bufou, passando a mão no rosto. — Droga, falei demais,
sinto muito!
Agora não é o momento para sentir muito, Carlos acredita mesmo que
está rolando um relacionamento especial entre mim e o Bruno. Ele acredita
ao ponto de revelar um segredo íntimo do amigo. É muito difícil guardar
nossos próprios segredos, às vezes precisamos carregar cargas de pessoas que
gostamos e queremos bem. Entretanto, nem sempre conseguimos protegê-los.
Carlos acabou revelando um fato sobre a vida do Bruno que era sigiloso, um
fato que acredito que poucas pessoas conhecem.
Eu posso compreender o deslize do Carlos, ele só estava feliz pelo
amigo.
— Está tudo bem, Carlos. Eu não vou questionar o Bruno, não vou
exigir explicações. Sou apenas uma funcionária; — comentei meio sem
graça. — Tudo que rolou entre nós dois, foi passageiro. O Bruno não quer um
relacionamento. Ele já deixou claro as suas intenções, mas gostaria de saber
quem é a Francinny, porque a verdade pode mudar tudo.
Carlos aquiesceu, respirando aliviado.
— Sim, a verdade pode mudar tudo. — Concordou com meio sorriso.
— Angélica, pretendo contar quem é a Francinny. E você precisa me
prometer que não vai questionar o Bruno sobre ela.
— Eu prometo!
Não sou uma mulher inexperiente, estou ciente que o Bruno tem um
passado. Um passado que não foi fácil, uma história difícil que carrega uma
bagagem cheia de dor. No entanto, não estava com meu psicológico
preparado para conhecer a história da Francinny, e quando Carlos revelou a
verdade, não consegui evitar o gosto amargo da revolta.
ANJO CELESTIAL
23
A minha vida não está doce ou suave como antes, tenho andado
distraído nas últimas semanas. Mesmo com as audiências e os prazos que
castigam a minha desatenção. Não é profissional, mas não consigo concentrar
os meus pensamentos no trabalho.
Sofía não está bem, há dias tem reclamado de dores no estômago. É
claro que já procuramos um médico que receitou apenas omeprazol todos os
dias pela manhã e principalmente em jejum. E para piorar totalmente a nossa
situação, Francinny não desistiu. Ela insiste no nosso casamento, a mulher
descobriu meu novo endereço, infernizando a minha vida incansavelmente.
Estou esgotado… Esgotado emocionalmente e fisicamente, preciso de
um pouco de paz. Um único segundo de paz!
— Senhor Alcântara; — Minha assistente entrou no escritório com
um semblante aflito. — Você tem uma visita.
— Tem hora marcada? — Minha cabeça estava doendo, não tenho
dormido bem de noite, causando-me dores irritantes próximo das têmporas.
— Acredito que não será…
A porta é aberta com agressividade, minha ex-esposa adentrou.
Francinny estava acabada, com seu rosto sem vida e pálido. Ela usava apenas
um conjunto de moletom e um tênis surrado. O cabelo preso e desgrenhado, e
os olhos marejados por lágrimas.
— QUEM É ELA? — Gritou Francinny, fazendo minha assistente
sobressaltar. — Você tem outra mulher, eu sei.
Para não perder completamente a minha razão, respirei fundo várias
vezes. Controlando a revolta que fez morada dentro do meu peito. Francinny
me traiu, dormiu com outro homem na nossa própria cama e agora está
exigindo explicações? Ela não tem um pingo de vergonha na cara ou bom
senso, qualquer pessoa aprenderia com seus erros e seguiria em frente.
— Eduarda pode chamar os seguranças? — A minha assistente saiu
praticamente correndo do escritório. Ela está com medo da minha ex-esposa
desde que Francinny tentou agredi-la no estacionamento do escritório. Ela
colocou na cabeça que Eduarda era minha amante, ficou dias perseguindo a
minha assistente. Precisei aconselhá-la a registrar um boletim de ocorrência,
só assim Francinny parou com a perseguição.
— Não ouse, Bruno. — Ela aponta para mim com as mãos trêmulas.
— Você destruiu a minha vida, olhe o meu estado… — fungou, desabando
em lágrimas.
Eu estou olhando para ela… Olhando enojado e com raiva do amor
que senti por essa mulher. Ela não valorizou a nossa família, o nosso
casamento e a vida que construímos juntos.
— Estou me humilhando há meses, fico me rastejando por você.
Bruno, todas as pessoas merecem segundas chances!
Sim, todas as pessoas estão destinadas a errar, elas podem cometer
deslizes ou caminhar por linhas tortas, mas quando seus erros acabam
machucando ou ferindo alguém, você precisa repensar as suas atitudes e não
exigir uma segunda chance.
— Francinny, eu não vou perdoá-la. Você me traiu, por favor, apenas
pare… O nosso casamento acabou.
Ela soluçou, levando a mão até a boca. Neste momento minha
assistente entrou novamente no escritório com certo receio.
— Senhor, ligação da escola Sagrado Coração no ramal dois.
Eu assenti com a cabeça, atendendo a ligação.
— Alô, Bruno Alcântara…
“Senhor Bruno, aqui é diretora do Colégio Sagrado Coração.
Infelizmente não tenho uma boa notícia, a Sofía acabou desmaiando no
corredor…”
— Meu Deus, ela está bem?
“Sim, ela já está recuperando a consciência. Mas está reclamando de
dores intensas no estômago”
Droga, perdi a noção do tempo. Eu só pensava na minha irmã, não sei
em qual momento desliguei a ligação, saí do escritório às pressas. Eu só
queria saber como estava a minha filha, os meus pensamentos ficaram
totalmente nublados.
— Bruno o que está acontecendo? — Francinny correu atrás de mim
até o elevador. — Por favor; — suplicou, segurando no braço. — Aconteceu
alguma coisa com a Sofía?
Percebi a preocupação da minha ex-esposa, ela me encarava assustada
e um pouco perturbada.
— Ela não está bem, há dias tem reclamado de dores no estômago…
— Você a levou no médico? — corta-me, estalando os dedos
completamente agoniada.
— É claro que a levei em um médico, ele receitou omeprazol, ela está
tomando todos os dias em jejum.
— Se ela está doente, você nem deveria mandá-la para escola. —
Francinny passou as mãos trêmulas no rosto. Eu conheço minha ex-mulher,
ela está se controlando para não me xingar de irresponsável. Era sempre
assim quando Sofía ficava doente, Francinny me culpava por qualquer
resfriado.
— Sofía me garantiu que estava melhor e as dores tinham parado, por
esse motivo foi para a Escola; — Expliquei, apertando o botão do elevador.
— Ela está em época de provas, não pode faltar em muitas matérias.
A porta do elevador abriu… Três seguranças saíram, prontos para
arrastar a Francinny para fora do meu escritório.
— Esperem; — Eu só posso estar louco, porque estou parando os
seguranças. Francinny está desequilibrada, mas não quero enfrentar os
hospitais e os médicos sozinho. — Não será necessário!
Os três homens concordam, abrindo espaço para entrarmos no
elevador.
Minha ex-mulher ganhou um brilho diferente no rosto, como se
estivesse sentindo esperança. Pretendo evitar qualquer tipo de expectativa,
não vamos reatar nosso casamento. No entanto, preciso de ajuda…
A dor continuava.
Os pesadelos horripilantes não me deixavam dormir à noite. E todos
os dias estava no cemitério, deixando uma rosa amarela que ela tanto amava.
Eu buscava um sinal, uma razão para continuar em frente.
Três semanas após o falecimento da Sofía, encontrei uma mulher
próximo do túmulo da minha irmã. Ela depositou um belíssimo buquê de
rosas em cima do túmulo, quando me aproximei notei que era minha ex-
mulher. Francinny chorava baixinho, sussurrando palavras de perdão.
Ela não apareceu no velório ou no enterro. Minha ex não suportou
presenciar o sofrimento da Sofía e quando minha irmã estava definhando no
hospital, ela simplesmente sumiu.
— Fran?
A mulher sobressaltou, virando para me encarar. Seu rosto estava
vermelho e seus olhos repletos de lágrimas.
— Bruno… Meu Deus; — ela me abraçou, chorando intensamente.
— Sinto muito!
— Eu também!
Ficamos por longos minutos abraçados.
Eu não sei se um dia vou conseguir perdoar a traição da minha ex-
esposa, mas não consigo odiá-la. Ela ficou do meu lado quando Sofía
começou o tratamento, infelizmente não aguentou ficar até o final. Era muita
dor e sofrimento, ninguém suportaria.
— Obrigado por tudo, Fran. Por ficar do meu lado em um momento
tão delicado.
Ela fungou, afastando-se para limpar as lágrimas.
— Tudo bem; — respirou fundo. — Eu amava muito ela.
Eu sei!
Sofía era uma luz que conquistava o coração de qualquer pessoa que
se aproximava dela.
— Você vai ficar bem? — Perguntei.
— Eu vou superar. É necessário seguir em frente, apesar de tudo… —
olha para o túmulo. — E você vai ficar bem?
Neguei com a cabeça.
— Nunca! Eu sinto a falta dela a todo momento. É um vazio que nada
ou ninguém pode preencher. Eu estou sentindo ódio da vida, uma revolta
inexplicável. Eu sinto raiva do mundo, odeio passar por um grupo de pessoas
sorridentes e felizes. Odeio saber que existem pessoas alegres, enquanto
minha irmã está dentro de um caixão. — Desabafo até perder o fôlego.
— Bruno, ninguém tem culpa.
— Eu tenho… Não pretendo abrir meu coração novamente, qualquer
tipo de amor é destruidor.
A dor fez morada dentro do meu coração.
O luto me acompanhará por toda a minha vida e nunca vou
conseguir seguir em frente sem sentir medo do sofrimento, sem lembrar da
minha irmã sem vida dentro de um caixão.
O ADVOGADO DO DIABO
30
Acordei no sofá da sala com uma manta cobrindo meu corpo. Bruno
estava dormindo ao meu lado, abraçando-me com seus braços fortes e
quentes.
Olhei no relógio eram quase oito horas da manhã, com cuidado afastei
os braços do Bruno para conseguir levantar.
Ainda sonolenta procurei um banheiro e acabei encontrando algo sutil
na área dos funcionários. Após minha higiene matinal, vesti a camisa do
Bruno novamente e corri até a cozinha preparar um café da manhã reforçado.
Bruno tinha um verdadeiro arsenal dentro dos armários, comida que
não acabava mais… Até temperos e embalagens com idiomas estrangeiros.
Que tipo de pessoa compra comida importada?
Do tipo milionária, Angélica.
Acabei rindo da minha própria resposta. Às vezes me esqueço que o
homem é podre de rico.
Arrumei a mesa, com tudo que tinha direito. Estava faminta…
— O que você está fazendo na minha cozinha?
Quase derrubei o cesto de pães no chão.
Jesus Cristo, que susto.
— Bruno, você ficou doido? Quer me matar do coração?
— Você é muito assustada para uma mulher que vê espíritos vagando
entre nós. — Zombou, observando a mesa repleta de comida. — Meu Deus,
vamos receber visita para o café da manhã?
— Ver espíritos não é sinônimo de coragem, eu ainda sinto um medo
inexplicável. E respondendo a sua pergunta; — coloquei o cesto de pães em
cima da mesa. — Não vamos receber visitas, só quero deixar a mesa
bonitinha.
— Bonitinha? — riu, meneando a cabeça. — Você é estranha,
Angélica Amaral.
— Que elogio gratificante! — ironizei.
— Pode acreditar… Eu estou elogiando. Você é uma mulher difícil de
encontrar, quase um diamante raro. Posso me considerar um homem
imensamente sortudo.
Minhas bochechas esquentam.
Mordi meu lábio inferior, um pouco constrangida. Eu não sei lidar
com o Bruno carinhoso, mas pretendo amar cada detalhe dele. Até mesmo as
características que estou conhecendo há pouco tempo.
— Me fale um pouco sobre a sua família…
— Minha família? — riu com desdém, ficando com um olhar
sombrio. — A minha única família morreu há dois anos.
Suspirei pesadamente, observando o homem que amo se sentar na
cadeira para aproveitar o café da manhã, mas com uma carranca mal-
humorada.
— Desculpa, não queria bancar a intrometida! — evitei encará-lo,
puxando uma cadeira para me sentar.
— A minha família é proprietária do Estaleiro Âncoras; — Fiquei
petrificada na cadeira. Bruno é herdeiro de um império. As notícias do
Estaleiro Âncoras ganham destaque nos portais de empreendedorismo. —
Meu pai é Júlio Alcântara e minha mãe a socialite brasileira Valéria
Alcântara.
Eu sabia que o nome Alcântara tinha um peso na elite da grande São
Paulo, mas nunca imaginei que Bruno fazia parte de uma família com
tamanho prestígio.
— Bruno, você é bilionário? — Perguntei, completamente chocada.
Não bastava os honorários milionários, agora ele é herdeiro de uma fortuna
imensurável.
— Eu não sou bilionário, meus pais são. Não quero ter relação com o
Império Alcântara. Tenho a minha carreira, corri atrás de tudo que conquistei,
meus pais são insignificantes.
Engulo em seco, ciente que deveria encerrar nossa conversa, mas
acabei perguntando:
— Como era a relação da Sofía com eles?
O homem mudou sua postura, olhando-me com certa raiva.
— Angel, não quero falar dos meus pais, por favor!
— Mas…
— Minha família sempre ignorou a existência da Sofía. Tenho razões
e motivos válidos para desprezar meus pais.
Compreendo o rancor do Bruno, com certeza a família não era
estruturada, tinham falhas que beneficiaram na mudança do Bruno, qualquer
pessoa manteria distância de uma família tóxica.
— Eu entendo; — Digo, esticando a minha mão para segurar na sua.
— Eu amo você e sempre vou estar aqui.
A expressão severa que modificou o seu belo rosto aos poucos foi
suavizando.
— Obrigado! — sorriu de leve.
— Bom Dia; — Aurora entrou na cozinha, ela parou para analisar a
mesa por alguns segundos. — Vamos receber visitas?
Bruno gargalhou, recuperando o bom humor.
— Angélica queria deixar a mesa bonitinha.
Mostrei a língua, irritada com o deboche descarado.
— Bom, a mesa realmente está… — Ela prendeu o riso. —
Caprichada!
— É claro que está; — peguei um pedaço de bolo. — Não podemos
desperdiçar uma comida tão gostosa.
Ficamos conversando na mesa, Aurora estava mais solta e animada
com minha presença. Ela fez muitas perguntas sobre o centro espírita que
frequento. As outras funcionárias foram chegando, usando seus uniformes
costumeiros. A única que não usava um uniforme era a Aurora, ela tinha uma
aparência mais aristocrática.
Quando estávamos deixando a mesa, uma das funcionárias do Bruno
entrou correndo na cozinha com um semblante um pouco assustado.
— Patrão; — falou aflita. — O senhor tem visitas.
Bruno franziu o cenho.
Seguimos até a sala de estar, eu quase tenho uma parada cardíaca
quando flagrei quem estava aguardando o Bruno... Thomas Fagundes e a
Paula Crisóstomo!
Thomas mudou de cor, atingindo um nível de vermelho assustador. O
homem estava soltando fogo pelas ventas.
— Eu não queria acreditar; — Esbravejou. — Quando Paula me
contou; — riu com escárnio. — Você perdeu o juízo, Bruno? Essa mulher é
doente, tem problemas mentais.
Droga, meu corpo começou a tremer instantaneamente. Eu queria sair
correndo, ficar longe desse homem desprezível.
— Thomas podemos conversar no meu escritório? — Bruno mantinha
uma calma letal que só aumentou meu nervosismo. — É um assunto que
devemos tratar em particular; — encarou Paula. — E você está demitida…
— O quê?
Bruno não respondeu, ele apenas seguiu até o escritório com Thomas
no seu encalço, deixando-me sozinha com a cobra mentirosa. Felizmente,
Aurora ficou ao meu lado, avaliando a situação com uma sabedoria que
encontramos em poucas pessoas.
— Satisfeita? — Comentou Paula, aproximando-se como uma raposa
traiçoeira. — Você conquistou tudo que queria; — gesticulou ao redor. —
Uma mansão, um homem bonito e rico.
Meu coração estava tão disparado que mal conseguia falar.
— Eu acho que você deveria ir embora…
— Calada, empregada doméstica. — Gritou, interrompendo Aurora.
— Estou conversando com a oportunista.
— Paula, você está perdendo a razão. Por favor, eu não quero discutir
com ninguém. — Um nó começou a se formar na minha garganta. Eu
realmente não gosto de discussões desnecessárias. Paula está procurando uma
inimiga no lugar e na pessoa errada.
— Não estou perdendo a razão; — Debochou. — Acredito que você
não foi informada sobre os planos do Bruno Alcântara. Querida, você está
dormindo com o inimigo, a única que perdeu completamente a noção foi
você!
— Já chega! — Aurora entra na minha defesa. — Saia
imediatamente...
Paula apenas riu, mantendo o ar debochado e cínico.
— Você sabia que as testemunhas que foram depor contra você no dia
da audiência receberam um suborno do advogado do Diabo? — As lágrimas
já estavam escorrendo no meu rosto. — Ele forjou provas alegando sua
incapacidade mental.
Agora está fazendo sentido.
Quando pedi ajuda aos meus colegas de trabalho todos negaram, não
aceitando depor ao meu favor mesmo sabendo que sofri uma injustiça e
ataques cruéis do Thomas.
— Não, ele não fez tal coisa; — Digo entre os soluços. — Bruno é um
homem bom, ele nunca me prejudicaria.
Paula gargalhou até perder o fôlego.
— Céus, que burra… — Paula analisou a camisa do bruno que cobria
meu corpo. — Você acredita que o Bruno conquistou fama entre criminosos e
políticos corruptos jogando limpo?
— Basta, Paula. Você conseguiu o que queria. — Aurora disparou
altiva, ela apontou para a porta. — Agora saia…
Eu não queria acreditar na Paula, mas havia uma vozinha dentro da
minha cabeça que estava gritando: você é uma mulher manipulável e ingênua.
Paula Crisóstomo saiu da Mansão vitoriosa, ela praticamente esfregou
na minha cara que o amor da minha vida é uma grande mentira.
Ainda atordoada, caminhei até o escritório. Queria tirar esta história a
limpo, quando me aproximei da porta ouço os gritos exaltados do Thomas:
— Você ficou louco, Angélica Amaral é doente. Ela tem problemas
psiquiátricos, já não basta o que você passou ao lado da Francinny, agora
quer manter um relacionamento com uma esquizofrênica?
— Tudo bem, Thomas. Você tem razão… Eu só posso estar louco,
agora saia do meu escritório. — Vociferou.
Ouço os palavrões e os xingamentos de ambos, Bruno mandou o
amigo de longa data tomar naquele lugar e depois a porta é aberta.
Thomas ficou parado na minha frente, encarando-me com uma raiva
mortal.
— Saia da minha frente!
Dou vários passos para trás, o homem passou bufando feito um touro
enraivecido.
Entrei no escritório, Bruno estava sentado na poltrona, com as
bochechas vermelhas por causa da raiva que obviamente está sentindo.
Ele me olhou por alguns segundos, balançando a cabeça.
— Isso não vai dar certo! — Abro a boca tentando responder, mas as
lágrimas não permitiram. — Sinto muito, Angélica.
Funguei, passando o dorso da mão no rosto.
— Eu te amo, Bruno… — Solucei. — Amo muito mesmo!
— Amor não é o suficiente, eu sou um cara fodido emocionalmente.
Não vou conseguir manter um relacionamento com você.
Eu balanço a cabeça, descrente.
— Já que estamos jogando limpo agora, eu quero saber… Você forjou
provas contra mim? — Bruno empalideceu. — É verdade que subornou as
testemunhas para alegar a minha incapacidade mental?
— Angélica, eu não me importo com os questionamentos morais. A
minha função é assegurar a defesa do meu cliente. — Diz seco.
— Ótimo, vou acordar a Valentina; — quando estava saindo do
escritório, viro-me para encará-lo, sentindo meu coração se quebrando aos
poucos. — Esqueça tudo que vivemos nos últimos dias, você é o único
doente aqui.
Saí do escritório, juntando os meus cacos no chão. Eu queria ser
inquebrável, não queria sentir um amor tão assustador por ele, não queria
chorar até perder o fôlego e fingir que não estou completamente destruída.
ANJO CELESTIAL
33
No dia seguinte fui até a casa da Angélica às seis horas da tarde para
ser mais exato. Fani me recebeu com uma carranca mal-humorada, ontem ela
passou vinte minutos me xingando. Não respondi, não estava em condições
de retruca-la ou me defender.
— Bruno… — Valentina correu para me abraçar. — Eu estava com
saudade, como está o Edgar?
— Ele está ótimo, com saudades também.
— Eu posso fazer uma visita? Quero muito revê-lo. — Diz com
empolgação.
— Você pode visitá-lo quando desejar, será sempre bem-vinda.
— Valentina; — Angélica surgiu no topo da escada. — Não fique
importunando o Bruno, ele está aqui para falar sobre a minha gestação.
— Ela não está me importunando; — faço um cafuné no cabelo
escuro da garotinha. — Valentina é especial.
Igual à prima!
— Podemos conversar no meu quarto? — Pediu Angélica.
Concordei, pedindo licença a Valentina que estava agarrada nas
minhas pernas. A garotinha ficou chateada com o pedido da prima, mas
entendeu no final.
O quarto era exatamente como me lembrava, não esqueci um único
detalhe.
— Quero falar um pouco sobre minha gravidez; — Angélica
comentou seca, sentando-se na beirada da cama. — Acabei engravidando
porque esqueci de tomar o anticoncepcional quando estava me recuperando
na Mansão, os antibióticos também cortaram o efeito do contraceptivo.
Afirmei com a cabeça, estou ciente que o antibiótico pode diminuir a
eficácia da pílula anticoncepcional. Eu sempre fui cuidadoso quando
mantinha relações sexuais com outras mulheres, mas com a Angélica meu
envolvimento foi muito intenso. Ela mexeu com a minha cabeça, não
conseguia pensar direito com a minha Anja de cabelos cacheados dormindo
ao meu lado. Eu só pensava em estar dentro dela e fodendo...
— Bruno?
Meu coração deu um solavanco.
A voz dela…
A pele…
Os cachos…
Os olhos verdes-claros…
Meu Deus, sempre tão linda, até mesmo usando um pijama de flanela.
— Oi? Desculpe, fiquei um pouco distraído.
Ela semicerrou os olhos, aquiescendo.
— Eu tenho algumas condições para uma convivência amigável; —
ela se levantou, pegou um caderno na estante de livros e me entregou. —
Leia com atenção…
Peguei o caderno e comecei a ler a lista. Eram termos absurdos, como
visitá-la apenas uma vez na semana, ficar longe das consultas e do pré-natal,
ajuda financeira só quando for realmente necessário.
— Angélica, gostaria de participar do pré-natal, tenho que tirar as
minhas dúvidas com o médico. E sobre ajuda financeira…
— Não quero o seu dinheiro; — corta-me ríspida. — Eu trabalho, sou
independente e tenho meu próprio dinheiro.
Droga, isso vai ser mais difícil do que pensei.
— Anja, eu estou ciente que você trabalha e tem seu próprio dinheiro,
mas criar uma criança não é uma tarefa tão simples. Eu quero ajudar!
— As minhas condições estão escritas no caderno, se você quiser
conhecer a Carolaine.
— Carolaine? O nome dela será Carolaine?
Angélica apenas assentiu, mantendo um olhar afiado.
— É um nome muito bonito; — Digo num tom suave. — Gostei,
acredito que tenha um significado forte, vou pesquisar quando chegar em
casa.
— Era o nome da minha mãe. Significa “aquela que é doce e forte” —
um sorriso singelo nasceu no seu rosto, acertando precisamente o meu
coração. — Tenho certeza que a nossa filha será uma mulher forte.
— Igualzinha à mãe!
Ela me encarou com seus olhos-verdes cintilantes. Por um momento
pensei que ela cederia, mas Angélica ergueu novamente as suas barreiras.
— Você concorda com minhas exigências?
— As suas exigências são absurdas; — Respondi sem conter minha
sinceridade. — Eu quero participar do pré-natal, visitá-la três vezes na
semana para acompanhar a sua gestação. E ajudar no que for necessário, com
o enxoval, fraldas e remédios. Se quiser, compro até mesmo um berço ou um
guarda-roupa…
— Não quero, eu consigo comprar. — Voltou a interromper.
Meu Deus, que mulher teimosa!
— Angel, eu tenho total responsabilidade. Conheço os meus direitos
como pai, você não pode me excluir em um momento tão importante das
nossas vidas, porque ela também faz parte da minha vida, ela também é
minha filha; — Estava deixando a emoção me dominar, não quero e não
posso ficar longe da Carolaine. — Eu sei que errei com você, mas não vou
falhar com a nossa filha!
Angélica ficou pensativa por alguns minutos.
— Por favor, você pode me odiar. Só me deixe participar do pré-natal.
— Continuei insistindo, vê-la apenas uma vez na semana é loucura. Não
quero perder o vínculo com a Angélica, podemos estar separados, ela pode
me odiar e não suportar viver ao meu lado. No entanto, uma relação amigável
será fundamental para o desenvolvimento da Carolaine no futuro. — Eu não
vou interferir na sua vida, mas quero participar das consultas.
— Por que? Eu não consigo compreender, Bruno. Você desistiu de
tudo, desistiu de nós. E por que não pode desistir dela?
— Porque estou feliz, porque amo a ideia de ser pai, amo tudo
relacionado a essa criança. E você não pode impedir esse tipo de amor,
Angélica. Sinto muito, não posso ficar longe de vocês!
Angélica desabou na minha frente. A mulher começou a chorar
incansavelmente, fiquei desesperado, não sabia como reagir. A minha única
saída foi pedir ajuda a Dona Fani que subiu as escadas me xingando de
cretino miserável.
— Muitas mulheres não conseguem controlar as suas emoções na
gravidez; — Disse Fani, acalmando a sobrinha. — Angélica virou uma
manteiga derretida. Respire fundo, querida…
— Eu… — soluçou, — Não consigo; — voltou a chorar sem parar.
— Eu quero ficar sozinha; — soluçou novamente, fungando de uma maneira
exagerada. — Preciso pensar…
Fani me encarou com raiva, sinto a minha alma sair do corpo e voltar
novamente. Merda, vou ter que ouvir mais uma série de xingos.
— Bruno, vamos descer até a cozinha. Precisamos conversar.
Acabei concordando, não queria deixar a Angélica sozinha, mas ela
precisa se acalmar.
Na cozinha Fani me serviu um pedaço de torta salgada, eu mal
consegui comer.
— O que você falou para ela? — Interpelou altiva.
— Nada, não fui grosseiro. Eu só quero participar da gestação, falei
como estava me sentindo!
A mulher arqueou uma sobrancelha toda desconfiada.
— E como você está se sentindo?
— Meu Deus, eu estou feliz. A mulher que amo está grávida de uma
menina, você tem noção do quanto estou eufórico com a notícia?
Fani balançou a cabeça, percebi um lampejo de ternura ganhar o seu
olhar.
— Não está sendo fácil, Bruno. Angélica amava você e agora está
carregando uma filha do homem que ela mais amou. Você não pode chegar
aqui dizendo que a ama, dizendo palavras amorosas e depois abandoná-la
novamente.
— Não vai acontecer de novo, é uma promessa.
— Vou acreditar em você com uma condição… — Ela apoiou às duas
mãos na mesa, inclinando-se para frente. — Vai participar do Centro Espírita
e vai acompanhar a Angélica todas as sextas-feiras.
— Ótimo, eu gostei das palestras. — Confesso, as palestras espíritas
são gratificantes. Uma lição para pessoas que carregam um pouco de rancor
no coração, devo admitir que saí do Centro Espírita mais leve e revigorado.
— E não se preocupe, não vou machucá-la.
— Desculpa atrapalhar a conversa; — Angélica entrou na cozinha
com os olhos vermelhos e o rosto inchado por causa do choro. — Eu tomei
uma decisão!
Eu fiquei em pé, sentindo meu corpo inteiro tremer de nervosismo.
— Você pode me acompanhar no pré-natal ou em qualquer consulta
médica; — Graças a Deus, ela pensou com sabedoria. — Vamos dividir as
despesas, vou escrever outra lista e você vai comprar o que está apenas
listado nela. Tudo bem?
— Perfeito, enquanto as visitas?
— Apenas nos finais de semana, trabalho durante a semana e quando
chego em casa, só quero descansar.
— Maravilhoso; — A minha voz saiu tão animada que até a própria
Fani soltou uma risada. — Posso pegar a lista amanhã?
— Pode; — Angélica forçou um sorriso. — Obrigada por… —
Hesitou, mordendo o lábio inferior.
— Angélica, pode terminar a frase? — Indaguei rindo, parecendo um
garotinho apaixonado.
— Obrigada por me procurar quando soube a verdade.
Não será fácil conquistá-la novamente. Angélica ainda está magoada,
mas não pretendo seguir minha vida sem a mulher que amo. O tempo será
meu amigo, vou confiar e acreditar na força do amor que sinto por ela.
ANJO CELESTIAL
37
FINAL.
EXTRA
(ANGÉLICA ALCÂNTARA)
(BRUNO ALCÂNTARA)
A minha filha tem uma paixão por estrelas, a grandeza das estrelas ou
a imensidão do universo, nunca intimidou a minha menina. Carolaine era
encantadora, um pouco teimosa como qualquer criança de apenas 6 anos. E
com uma sede de conhecimento insaciável, Carolaine começou a demonstrar
o seu interesse por estrelas aos 4 anos. Ela fazia perguntas impressionantes,
até mesmo a Valentina que tem um fascínio pelo desconhecido e acreditava
em vida em outros planetas, ficava chocada com as perguntas da Carolaine.
Certa vez ela me perguntou:
— Papai, você gosta da solidão das estrelas?
Eu passei horas explicando a ela que as estrelas eram corpos celestes
que produziam luz própria. A minha filha continuou a retrucar, dizendo que
muitas estrelas vivem sozinhas e sem companhia, igual ao nosso vizinho que
sempre passeava com um pinscher. Ele era um senhor de idade, viúvo e que
acabará de perder uma irmã querida.
Às vezes Deus usa algumas pessoas para mostrar que ele existe, que o
bem permanece no mundo e que estamos nesta vida para evoluir. Carolaine
ficou dias comparando a solidão das estrelas com nosso vizinho.
Certa noite quando estava no terraço admirando as estrelas com
minha família, veio uma recordação alegre da minha falecida irmã, Sofía
tinha um gesto admirável de criar caixinhas de amor para pessoas que ela
amava. A ideia chegou de repente, iluminando a minha noite. Expliquei os
meus planos para a minha esposa e como sempre muito alegre e radiante,
topou no mesmo instante. No outro dia, falei para a Carolaine como
poderíamos ajudar o nosso vizinho. Ela ficou eufórica, amou a minha ideia e
colocamos em prática no final da tarde. Minha filha foi até a casa do nosso
vizinho solitário, apertou o interfone e falou que tinha um presente especial
para entregar a ele. Após alguns minutos um senhor com uma expressão
entristecida, saiu para nos atender. Carolaine foi muito educada, entregou a
caixa para o senhor, dizendo:
— Moramos naquela casa! — ela apontou com o dedinho.
O senhor ficou um pouco confuso, eu precisei explicar o acontecido a
ele. E depois de uma longa conversa fiquei sabendo que o seu nome era
Antônio, ele tinha 75 anos e muita história para contar. O senhor Antônio
faleceu há seis meses, infelizmente. Ele participou dos últimos aniversários
da Carolaine e tenho certeza que tornamos o final da sua vida mais feliz.
A minha filha tem um dom único com as pessoas, ela tem as mesmas
qualidades da mãe e a cor dos olhos também. Apenas uma característica dela
que me deixa extremamente intrigado. Carolaine nasceu com uma marquinha
na perna, próxima do tornozelo. Era idêntica a da minha irmã, uma marca de
nascença que segundo a pediatra, é herança genética.
Por um bom tempo pensei em reencarnação, eu estou participando do
Centro Espírita. A minha visão sobre a fé e as crenças, mudou muito nos
últimos anos. Sou um homem que não deixa de agradecer a Deus um único
dia, tenho uma família perfeita e um pouco barulhenta. Afinal, quando Dona
Fani e a Valentina chegam para passar os finais de semana conosco, é uma
verdadeira festa.
Os médiuns do Centro Espírita me garantiram que não era uma
reencarnação, para um espírito voltar é muito complexo.
Angélica também não gostava da comparação, eu consigo
compreender a minha mulher. E com tempo parei com minhas suposições,
agora curto cada segundo com minha família. Uma família feliz que vai
aumentar em agosto, Angélica está grávida de novo e para minha alegria é
outra menina.
— Você está muito pensativo? — Angélica indagou, surpreendendo-
me na sala de estar.
— Eu estava pensando na Carolaine!
— Você sempre está pensando nela. — Ela sorriu, sentando-se ao
meu lado.
— Eu também penso em você, na Ágata… — acariciei a barriga da
minha mulher. — Você está bem?
— Com sono; — bocejou. — Podemos descansar agora que a
Carolaine…
— Mamãe… — Angélica sobressaltou, a nossa filha descia os
degraus da escada, segurando o seu ursinho. — Você prometeu que ficaria
comigo.
Angélica fez menção de se levantar, mas segurei no seu braço.
— Agora é a minha vez, pode se preparar para dormir; — beijo seus
lábios com carinho. — Não vou demorar, eu te amo.
— Eu também te amo.
Corri até às escadas, pegando a Carolaine no colo.
— É hora de dormir, mocinha.
Ela riu.
Levei Carolaine até o quarto, a coloquei na cama, certificando se ela
estava bem coberta. A noite está muito fria, não quero a minha menina
resfriada.
— É hora de dormir… — Reforço, ajeitando o seu ursinho no
traseiro.
— Papai, você acredita em anjos?
Beijei sua testa com carinho.
— É claro que acredito em anjos.
— Você já conheceu um?
Fiquei pensativo por alguns segundos, lembrando da felicidade que
conquistei, da família abençoada que iluminou a minha vida.
— Sim, eu conheci uma anja uma vez.
— É sério? E como ela era?
— Ela era linda e muito bondosa.
— Uau. Ela tinha asas? — seus olhinhos verdes cintilavam.
— Sim, ela tinha asas lindas, os cabelos cacheados e macios, iguais às
nuvens de algodão.
— O Papai do céu ouviu as suas orações e enviou ela para te ajudar.
Um nó formou-se na minha garganta.
— Realmente… Ela me salvou, dissipou a minha angústia e a dor.
Tornou a minha vida mais completa.
— E agora você tem a mamãe, eu e a Ágata.
Voltei a beijar seu rostinho lindo.
— Chega de conversa, durma. Eu vou ficar aqui até você dormir.
— Você promete?
— Prometo, meu amor.
Eu sempre vou estar presente na sua vida, na vida da minha família. A
razão dos meus dias mais felizes são vocês!
RECADO DA ESCRITORA