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O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO EM TRINTA ANOS DE CONSTITUIÇÃO

FEDERAL – ANÃLISE DAS PRINCIPAIS DISCUSSÕES SOBRE PRINCÍPIOS DO


PROCESSO CIVIL.

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA ADVOGADO,


MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR
COORDENADOR NACIONAL DO CURSO DE
PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E
PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E
DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR
DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E
DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA
VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE,
PROFESSOR DE GRADUAÇÃO DA UNITÁ E DA
UNIP.

Quando se analisa o impacto do texto


constitucional atual sobre o processo civil brasileiro, a primeira observação
pertinente seria no sentido de que, muitos direitos processuais já estavam
assegurados pelo texto constitucional do regime militar (a Constituição de 1967 com
suas Emendas de 1969).

No entanto, o que se tem é que houve uma técnica


legislativa diferenciada de se criar texto normativo novo, situado acima do texto
constitucional e abaixo da norma hipotética fundamental de Kelsen (o “cumpra-se” o
abaixo determinado, nesta ordem) em sua Teoria Pura do Direito – tais textos
normativos foram os Atos Institucionais, sendo o mais conhecido o AI – 5, que
suprimia várias garantias processuais, como, por exemplo, o habeas corpus,
impedindo, até mesmo, o acesso de acusados ao Poder Judiciário (se justificável ou
injustificável, o que foi feito, os livros de história dirão – ambos os lados dão suas
razões e a teoria política analisará – sujeito a críticas, o presente texto busca análise
técnica da questão). Daí a preocupação com a inafastabilidade da jurisdição (artigo
5º, inciso XXXV CF).

Neste aspecto, a primeira preocupação do


Constituinte, que se preparava para criar um sistema social democrata de governo
(capitalismo como regime econômico nos termos do artigo 170, pela garantia da livre
iniciativa e da livre concorrência e modelo de solidariedade social, no artigo 3º CF
para temperar os excessos do sistema econômico evitando processos de
marginalização e exclusão social) seria no sentido de impedir novas iniciativas de
impedir o acesso a um devido processo legal.

Nessa medida, o texto constitucional que pecou


em muitos aspectos (poderia ter adotado o sistema do recall político – ideia que
deveria ser resgatada, eis que isso permitiria que um político registrasse suas
promessas em cartório, como condição de concorrer ao cargo, sujeitando-se à perda
do mandato caso fuja a essas promessas em suas posturas) buscou blindar o
acesso das pessoas a um Poder Judiciário para reclamar a respeito de violações ou
ameaças de violações a direitos – conferindo a essa garantia o status de cláusula
pétrea – ou seja, nem mesmo emenda constitucional poderia desconstituir essa
garantia (sistemas jurídicos como o da Common Law tem tal garantia do devido
processo legal, na mais alta conta – o que parece ter sido preocupação também do
legislador infraconstitucional notadamente porque o novo CPC parece ter adotado a
técnica de estabelecer certas garantias como estruturantes, como o apontam autores
como Canotilho).

E isso não colide com os meios alternativos de


solução de conflitos (como sabido, a par da jurisdição enquanto poder de resolver
conflitos e impor decisões, convivemos com meios alternativos como a mediação e a
arbitragem). Ora, na mediação, o mediador não tem poderes de resolver conflitos,
logo, não haveria que se falar em violação do acesso ao Poder Judiciário, não
haveria sentença ou outro dado impeditivo, caso não ocorra o acordo em um
incidente de mediação.

A dúvida maior remanesceria em torno da solução


arbitral, eis que o árbitro pode ser considerado um juiz de direito de investidura
temporária tendo poderes para resolver o conflito que lhe é posto, vindo daí a dúvida
no sentido de que isso poderia implicar em expediente inconstitucional diante da
negativa de acesso ao Poder Judiciário do direito que se alegar violado em um
procedimento arbitral.
No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal já
analisou esta questão e, de um modo até mesmo utilitarista (a solução arbitral
parece ser uma alternativa mais barata para o Estado que não tem tido como lidar
com o problema de um novo processo a cada cinco segundos no Brasil – dados do
CNJ de 2017), apontou no sentido da plena constitucionalidade do instituto da
arbitragem que, em verdade não confronta com o princípio da inafastabilidade da
jurisdição (isso se deu no ano de 2001, em análise da Lei de 9.307/96 no julgamento
de um processo de homologação de sentença estrangeira, ou seja, antes da EC nº
45/05 atribuir tal função ao STJ).

No julgamento de tal processo de homologação


(SE 5.206) concluiu-se no sentido de que, como a arbitragem tem como objeto
direitos patrimoniais e disponíveis (em votação não unânime), a parte poderia
renunciar livremente ao direito de ação que asseguraria esses direitos (fio condutor
do voto do Ministro Carlos Veloso que divergiu do entendimento contrário dos
Ministros Sepúlveda Pertence e Moreira Alves).

Outra grande preocupação do Constituinte foi com


a proibição dos assim chamados juízos por encomenda do direito alemão – daí a
preocupação com a questão do Juiz Natural (ninguém poderá escolher o julgador,
isso se fará por aspectos de impessoalidade e distribuição sem possibilidade de
direcionamentos) mas buscou-se evitar Tribunais de Exceção ou situações como a
avocação de julgamentos de determinados processos, de inimigos do Estado, por
certos órgãos sem juízo previamente estabelecido.

Vale lembrar que o princípio do Juiz Natural nesta


acepção se afina com outros princípios infraconstitucionais que com ele se alinham,
como se dá com a regra da perpetuatio jurisdiciones em que ocorrerá uma
estabilização do juízo competente a partir da distribuição (e salvo alterações
contundentes como critérios de competência absoluta pelo legislador) a competência
não se alterará (tal regra já foi ponderada pelo STJ, no entanto, para atender
interesses de hipervulnerável, como se dá no caso dos menores em situação de
risco, em que restará autorizado o envio do processo, iniciado perante a Vara da
Infância de uma Comarca, para outra no interesse do menor, quando este mudar seu
domicílio – obviamente que aí não há escolha de julgador, mas a deliberação dar-se-
á por outros fatores como a necessidade de operabilidade para melhor atender o
aceso ao Judiciário por parte de menores em situação de risco).

Outro dado curioso sobre o tema, que muitas


vezes passa despercebido é o de que, nem sempre, o Juiz Natural será ligado ao
Poder Judiciário, tal qual se dá em relação ao julgamento da ação de impeachment
de Presidente da República, de Ministro do STF e de Autoridades das Forças
Armadas, que será feito pelo Senado Federal nos termos do artigo 52, incisos I e II
CF, clássica pegadinha de concurso.

Estabelecidas tais premissas, não se esqueça de


que a Carta Política preocupou-se muito com a imposição de limites em relação ao
que pode ou não o Estado fazer, não se pode esquecer da clássica orientação no
sentido de que o direito processual seria o limite em relação ao qual o que o Estado
poderia fazer com relação ao cidadão em caso de descumprimento da lei, não se
podendo esquecer que a orientação constitucional no que tange ao processo se
daria no sentido de que o Estado seria democrático e de direito.

Nosso texto constitucional preocupou-se, portanto,


com a instauração de um Estado de Direito, tal como consta do artigo 1º CF o que
faz com que sejamos submetidos a regras postas de modo justo e proporcional e
possamos reclamar para o Poder Judiciário em caso de violação de tais normas.
Sobre Estado de direito aponta Canotilho:

“O Estado de direito cumpria e cumpre bem as exigências que o


constitucionalismo salientou relativamente à  limitação do poder político. O
Estado constitucional é, assim, e em primeiro lugar, o Estado com uma
constituição lirnitadora do poder através do império do direito. As ideias do
“governo de leis e não de homens”, de “Estado submetido ao direito”,
de “constituição como vinculação jurídica do poder” 

Aliás, desde o advento da conhecida Magna


Charta Libertatum, da Inglaterra de 1.215, quando o Rei João Sem Terras teve que
conter uma revolta de barões em insurreição, abrindo mão do poder absoluto do
soberano (ainda que de modo incipiente, primeiramente em favor de barões e
membros da nobreza), passou a haver uma preocupação mais ou menos dirigida no
sentido da consecução de processos mais justos e menos despóticos para efeitos de
submeter alguém aos efeitos negativos de uma decisão judicial.

Daí, além da previsão de acesso ao Poder


Judiciário (artigo 5º, inciso XXXV CF), houve grande preocupação com a garantia de
um devido processo legal (como aponta José Rogério Cruz e Tucci, ideia que parte
do princípio de que as questões se resolvam por um processo enquanto instrumento
do direito de ação previsto constitucionalmente, sendo certo que essas regras devem
provir de um Poder Legislativo nos termos da Constituição Federal pela reserva legal
da questão, além de serem normas justas, o que foi preocupação da Comissão de
Juristas na confecção do atual CPC).

Preocupou-se, igualmente, o Constituinte pátrio


com a ideia de necessidade de garantia do contraditório que geralmente se acha
associado à ampla defesa, embora os dois conceitos não se confundam ( basta ver
que apenas o réu se defende, enquanto que o contraditório resta devido em favor de
ambas as partes). Em tradução literal, contraditório expressa a realidade de se poder
falar contra (contra dicere) o que expressa a ideia básica por trás da ideia. Há uma
garantia de que aquele que esteja sendo submetido a um processo (autor, réu ou
mesmo o terceiro, parcial ou imparcial – como no caso do MP como custus legis), em
sendo esse processo obrigatoriamente justo (fair hearing), tem que ter o seu direito
de manifestação a respeito dos atos e fatos do processo, assegurado. Tal garantia
que implica em liberdade pública assegurada pelo artigo 5º, inciso LIV CF passou a
ser garantida também pelo CPC (artigos 7º, 9º e 10º, por exemplo).

Como decorrência primeira desta previsão, tem-se


que, o que antes apenas embasava propositura de recurso extraordinário, agora
resta passível de interposição de recurso especial. Mais ainda, a lei foi clara no
sentido de que o respeito deve se dar em relação ao contraditório pleno (não
meramente um simulacro processual).
Deve-se garantir à parte o direito, não apenas de
se manifestar, mas igualmente, tal direito gera expectativas justas – verdadeiros
direitos públicos subjetivos dos jurisdicionados, no sentido de que tais manifestações
sejam valoradas pelos magistrados. Daí o dever que se atribui aos mesmos, não de
falar sobre tudo que se aduz nos autos, mas daquilo que pode levar à prolação de
decisão em sentido diverso do decidido (os antigos fundamentos suficientes ou obter
dicta).

Assim, para sucesso em embargos de declaração


sobre a questão, deve-se demonstrar, por exemplo, que o argumento que não se
analisou seria apto a permitir a prolação de decisão em sentido contrário, para que
se tenha violação ao contraditório efetivo (artigo 489, par.1º, inciso IV CPC). Aliás, a
falta de motivação, muitos parecem disso se esquecer, seria vício vedado de modo
expresso pelo texto constitucional que exige a motivação de todos os atos do Poder
Judiciário (não só os provimentos ou atos decisórios) como se pode observar em
leitura atenta do artigo 93, incisos IX e X CF.

Não basta menção à omissão, deve-se demonstrar


que a omissão ocasionou prejuízo processual efetivo e concreto, afinal de contas,
como aduz o vetusto porém pragmático adágio de direito franco pas de nulitèe sans
grief,  o qual, em tradução literal e livre implica na ideia de acordo com a qual não há
nulidade sem prejuízos processuais efetivos e concretos – princípio da
instrumentalidade que deve ser superado para que se invoque, com sucesso, uma
violação ao contraditório efetivo.

Afinal, num ambiente de primazia de soluções de


mérito e tempestividade da jurisdição, com busca de sua efetividade, somente o que
for plausível ou relevante há que ser considerado – daí a importância de se
demonstrar o prejuízo efetivo, do modo mais didático possível para que se tenha
êxito na alegação de maceração de contraditório ou de contraditório não eficiente.

Mais ainda, como decorrência do contraditório


pleno deve-se assegurar o direito à plena produção as provas que forem
necessárias à demonstração da versão aduzida no processo – quanto a isso aduz a
melhor doutrina (a partir de trabalhos de Nicolò Troccker) aceita pelos Tribunais
Superiores como sendo um right of evidence – isso deve ser ajustado num ambiente
de saneamentos participativos e pode levar à suscitação de esclarecimentos em
cinco dias após a publicação desse tipo de decisão.

Ou seja, não obstante Joseph Goldschmidt nos


tenha legado a ideia de que ônus sejam imperativos do próprio interesse, ou seja,
processo é algo que envolve riscos e quanto mais ônus a parte se desincumbe maior
a chance de sucesso – e não obstante haja ônus em relação às provas, necessário
se faz apontar que a questão do ônus probatório não se confunde com o direito de
produzir provas, este em situação correlata com a discussão do contraditório pleno.

De igual sorte, portanto, de se demonstrar, caso a


caso, que a supressão da oportunidade ou a frustração das justas expectativas com
o direito à prova, com a pontuação a respeito de prejuízos processuais efetivos, do
contrário por incidência da mesma instrumentalidade das formas, não haverá
qualquer nulidade.

Daí a importância, no momento do saneamento


participativo, de se indicar com clareza qual a prova e sua necessidade efetiva para
a elucidação de pontos controvertidos (tecnicamente questões). Se comprovada e
justificada a necessidade, demonstrando a controvérsia efetiva a prova deverá ser
produzida, sob pena de cerceamento.

Vale lembrar, desde há muito, não se pode admitir


decisões que fazem referência ao fato de não haver mais necessidade de produção
de provas, mas apresentar na motivação o argumento de que o autor ou o réu não
comprovou os fatos alegados - há preclusões lógicas em tais espécies de decisões e
se isso for demonstrado o cerceamento ao contraditório será dado inexorável.

Outro dado relevante. Como aponta Fredie Didier,


todo procedimento probatório (instrutório) é tetrafásico (postulação, admissibilidade,
produção e valoração). Assim, primeiro se postula (se pede) a produção da prova, o
Juiz a admite ou não. Se a admitir a mesma deve ser produzida, mas não é só, se
houve admissão o Juiz se encontra obrigado a valorá-la – analisa-la. Se o Juiz não
analisa prova que admitiu há manifesta preclusão lógica e isso pode gerar violação
do contraditório efetivo (cerceamento).

Outro dado relevante sobre o tema e que suscita


novas reflexões sobre o tema, que nada tem de batido. Há expressa previsão no
sentido de que não se admitirá a decisão surpresa (verdadeiros atos de tu quoque
processual e o tu quoque é cláusula doutrinária incompatível com a boa-fé objetiva
gerando ato com abuso na visão clássica), assim chamada terceira via, ou seja,
quando o autor apresenta a sua via de teses e fatos (primeira via), o réu traz a outra
(segunda via), não sendo admitido que o magistrado opte por situações
completamente novas em relação às quais não se permitiu manifestação prévia
anterior (terceira via).

Pelo óbvio, se o Magistrado surge com argumento


novo, sobre o qual as partes previamente não se manifestaram, surge violação ao
contraditório efetivo. Aliás, o CPC atual em sua busca salutar por um fair hearing
(ambiente de processos justos) que reforce a justified trust (confiança justificada que
as pessoas devam ter em relação às instituições e seu funcionamento – no caso
específico do CPC de 2015 se busca um resgate do Poder Judiciário no papel
carneluttiano de pacificação social), expressamente estabelece que se o Juiz for
aduzir algum argumento novo, por exemplo, uma matéria de ordem pública que
possa ser conhecida de ofício (e são muitas delas no direito processual civil, por
exemplo, as mencionadas no artigo 2.035, par. Único CC ou qualquer matéria de
nulidade com fundamento no CDC), deverá previamente avisar as partes a respeito
disso, colhendo-se manifestação prévia.

O mesmo intuito faz com que agora, quando se


observa a interposição de embargos de declaração, que podem sim, ter eficácia
infringente se isso for necessário à supressão de omissões, obscuridades ou
contradições, se colha previamente a manifestação da parte contrária antes da
análise do recurso (quando se é intimado para falar sobre embargos de declaração,
portanto, há que se ter redobrada cautela na elaboração da peça eis que isso é
indício de que o Magistrado se acha inclinado a prover tais embargos).

Mais, é importante que não se esqueça, por trás


de tudo isso, há um dever dos juízes em colaborarem com as partes na busca da
consecução de decisões judiciais satisfativas, dentro de um prazo razoável
(artigos 4º e 6º CPC com artigo 5º, LXXVIII CF).

Mas Justiça célere, como bem advertem Nelson


Nery Jr e Rosa Maria Andrade Nery, em conhecido Comentário ao CPC, não é
sinônimo de Justiça Fulminante. Assim, não se pode utilizar a celeridade como
bandeira para sacramentar violações ao contraditório e à ampla defesa – tudo
dependerá do manuseio adequado de técnicas de ponderação (concepção que nos
foi trazida por Norberto Bobbio, mas que pode ser encontrada em autores como
Celso Lafer com sua lógica do razoável a partir de postulados de Hannah Arendt),
demonstrando-se sempre prejuízos efetivos e se lembrando que as normas
processuais devem ser interpretadas com proporcionalidade e razoabilidade
(artigo 8º CPC).

Se as partes não cooperarem/colaborarem entre


si, há possibilidade de reconhecimento de litigância de má-fé (para atos intencionais
ou seja que evidenciem o dolo do improbus litigator) mas se juízes não
colaboram/cooperam com as partes, disso, em havendo prejuízo, pode haver
nulidade pelo cerceamento, eis que respeitar o contraditório é condição sine qua non
para que o processo produza resultados e efeitos concretos na realidade dos fatos.

Sobre a questão aponta Humberto Theodoro Jr. no


sentido de que haveria, mesmo, um princípio de comparticipação que daí poderia ser
extraído (ou seja, cumprir-se o contraditório implica em respeito à participação que
se espera de todos os participantes do processo, inclusive juízes):

"O principal fundamento da comparticipação é o contraditório como


garantia de influência e não surpresa. [...] Nesse sentido, o princípio do
contraditório receberia uma nova significação, passando a ser entendido
como direito de participação na construção do provimento, sob a forma
de uma garantia processual de influência e não surpresa para a formação
das decisões. [...] Assim, diferentemente de mera condição para a
produção da sentença pelo juiz ou de aspecto formal do processo, a
garantia do contraditório, como veremos a seguir, é condição institucional
de realização de uma argumentação jurídica consistente e adequada e,
com isso, liga-se internamente à fundamentação da decisão jurisdicional
participada – exercício de poder participado “ In THEODORO JÚNIOR,
Humberto. et al.  Novo CPC: Fundamentos e sistematização. Rio de
Janeiro: Forense, 2015. P. 63-64.

Ainda haveria que se apontar que, nesses 30 anos


de vigência da Constituição, não se poderia deixar de consignar que a Emenda
Constitucional nº 45/04 tal como apontado linhas acima, introduziu nova garantia
constitucional processual, brevemente apontada linhas acima, que seria a do tempo
razoável de duração de um processo, ou, como querem alguns, princípio da
tempestividade processual.

Num primeiro momento isso pode parecer vazio,


aquilo que Fredie Didier aponta como sendo uma norma de efeito simbólico, ou seja,
para criar um “clima de agora vai”. Afinal, parece não haver se definido com clareza o
que seria o tempo razoável – e isso, se exporá linhas abaixo foi pensado, justamente,
para ser um conceito vago, de amplo espectro, com grande aplicação prática.

E preocupação com os fatores atinentes à questão


da morosidade da justiça, como assevera José Rogério Cruz e Tucci, é discutida
internacionalmente, desde há muito como se pode depreender do artigo 6º, 1, da
Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais, subscrita no dia 4 de Novembro de 1950, em Roma, que consigna,
de modo expresso:

Art. 6º, 1. Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada
eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal
independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus
direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação
em matéria penal contra ela dirigida. [1]

No entanto não parece que se deva, apenas e tão


somente repetir expressões vazias, eis que o texto (seja o adotado na Convenção
Européia, seja o adotado na Constituição Federal) alude a uma razoabilidade não
determinada o que faz com que o intérprete da norma deva se valer de recursos
interdisciplinares para a solução da questão posta em exame.

Como se tem tido a oportunidade de apontar em


outros artigos, não é desconhecido dos operadores do direito, o fenômeno do
esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de
um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas
como modo de pensar dogmaticamente o direito – o chamado paradigma do direito
natural) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes
da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um mundo que prima
pela celeridade decorrente de avanços tecnológicos, não podendo o ordenamento
jurídico permanecer alheio a essa realidade, ainda mais sob uma perspectiva de que
o direito seria uma técnica de controle social.

Tanto assim que autores como Celso Lafer


propugnam para a solução do hiato apontado, a adoção de um novo modelo
paradigmático[2] (o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do
direito, para permitir um “pensar” menos dogmático, mais aberto ao “perquerir”,
tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo, mas, ao contrário, como
um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio
Ferraz Jr., [3] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores
interdisciplinares).

Norberto Bobbio, por sua vez, aponta a


complexidade do mundo atual com enorme colidência ou tensão entre princípios
sensíveis, leva a situações de necessidade de prévia e salutar ponderação entre
princípios.

E isso se torna relevante na medida em que,


igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido
de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu conteúdo
intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito
Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a
C, cunhou-se a expressão segundo a qual “o justo é o que o faraó ama, e o mal é
aquilo que o faraó odeia”[4], não obstante a ponderação de que o justo e ético, para
esse povo se confundia com a emblemática noção de maat[5]), reforçando-se o
entendimento segundo o qual o direito implica, como apontado acima, numa evidente
técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio
Sampaio)[6].

Tal concepção não passou despercebida no ciclo


histórico, eis que, como apontado por Montesquieu[7], os romanos já tinham essa
idéia, qual seja a de que o maior poder dentro de um Estado seria o de dizer o que é
certo ou o que é errado, nada mais, portanto, do que o exercício do  júris dicere,  ou
poder de dizer o direito, sendo essa, no entanto, uma atividade politicamente
desgastante (como sabido, quem perde a demanda normalmente tem uma sensação
negativa em relação a isso, sentindo-se desconfortável em relação a quem proferiu a
decisão, para dizer o mínimo), vindo daí, a idéia de se atribuir a um burocrata
(enquanto técnico especializado) o peso de suportar este desgaste, o que não deixa
de evidenciar esse aspecto do exercício do direito enquanto técnica de controle
social (por qual outra razão imperadores abririam mão do poder de dizer o certo e o
errado, senão para se verem livres de tal desgaste?).

E esse abrir mão, obviamente, pode se tornar


simbólico na medida em que o imperador poderia nomear para a função quem
dissesse o certo e o errado de acordo com as suas convicções, vindo daí a tradição
histórica de nomeação de magistrados que nosso direito constitucional contempla
até nossos dias, ao menos para os órgãos de cúpula do Poder Judiciário.

Essas concepções ligando o Direito ao poder se


tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que
o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos globalizados,
se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão
colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico
como um todo.

Tal discussão se torna muito evidente e atual, num


mundo em que as informações e a tecnologia são difundidas de forma muito rápida,
por veículos como a internet e a própria mídia de um modo geral, observando-se
uma crise de efetividade, outro fator de complexidade a ser sopesado (e,
lamentavelmente, não se tem observado a preocupação das Faculdades de Direito
em enfocar tais situações) em primeiro lugar, do ordenamento jurídico enquanto tal
(como se pode entendê-lo como forma de controle social eis que o mesmo para ser
alterado exige uma série de atos e formas dos poderes normativos, que demandam
um tempo totalmente incompatível com as mudanças sociais, e, sobretudo,
econômicas?), o que vem acompanhado da crise instrumental (se o ordenamento
estabelece direitos, em caso de violações a esses direitos tem-se o direito de ação
para o devido restabelecimento da situação, o qual, como é cediço, repousa num
instrumental processual para que possa ser exercitado), o que nos conduz a um
terceiro evento, qual seja, o da crise do Poder Judiciário (ente institucional que tem
por função precípua o exercício da jurisdição, ou jurisdicere, poder de “dizer o
direito”, de forma imparcial).

E não se esqueça da lição de José Ignácio Botelho


de Mesquita no sentido de que, analisando-se o radical grego da palavra crise
(Krisis), de se concluir no sentido de que, malgrado originariamente ligada à noção
de juízo, ou decisão, no vernáculo o vocábulo alcançou a extensão de “conjuntura
cheia de incertezas, de aflições ou de perigos”[8].

E, ainda mais, não se pode deixar a margem,


aspectos evidenciadores de tal influência globalizante em países como o Brasil, que
tinham uma identidade jurídica que nitidamente o ligava ao ramo do sistema jurídico
romano canônico (ou da Civil Law), com marcante influência de ordenamentos
jurídicos latinos (Direito Romano, nas vertentes e derivações do  jus quiritum  e do jus
gentium, restaurado por glosadores medievais como Bártolo e Baldo, bem como o
direito português, a partir de fontes como o Breviário de Alarico e as Ordenações do
Reino de Portugal, e o direito francês, não sendo desconhecidas as influências do
Código Napoleônico de 1.804, sobre o direito das obrigações que esteve em vigência
por muitos anos no direito brasileiro[9]) e que, agora, passam a sofrer nítida
influência do sistema jurídico hegemônico e globalizante, que seria o sistema do
direito anglo-saxão (ou seja, o vigente a base do direito norte-americano), que seria
o direito do sistema jurídico da Common Law.

E isso se torna cada vez mais patente, na medida


em que se observa a ingerência de tratados como o Documento Técnico nº 319
firmado entre o Banco Mundial e os países da América Latina e do Caribe, a partir do
trabalho desenvolvido por Maria Dakollias, que, no ano de 1.996 foi ratificado pelo
Brasil, instituindo o compromisso de agilização jurisdicional com instrumentos como
o da arbitragem, não tradicional na nossa história jurídica, mas curial no sistema
da Common Law,  possibilitando sua imposição por agentes estrangeiros que
negociassem no Brasil, ou a grande influência de institutos comuns no direito anglo-
saxônico, no sistema jurídico pátrio, como se observa, por exemplo, com institutos
como o leasing,  o franchising,  a contempt of court,  o leading case,  etc..., cada vez
mais freqüente no ordenamento jurídico pátrio – o atual CPC com seu sistema de
precedentes inspirado no sistema do stare decisis, que o diga.

Não se pretende negar que o Poder Judiciário, ao


menos nos Estados que adotam o sistema da tripartição, como é o caso brasileiro,
seja um dos Poderes Constitucionais, o que o torna um participante de um jogo
político e institucional, e, em face destes fatores, passe a ser alvo de
questionamentos de natureza política, por certos segmentos sociais, o que é, aliás,
natural num Estado Democrático de Direito, não podendo os julgadores
permanecerem alheios a essas situações e complexidades do mundo atual.

Tal questão, no entanto, é puramente ideológica,


tendo sido apoiada por setores do empresariado nacional, como verbi gratia,  Antônio
Ermírio de Moraes[10], sendo, de um modo geral, repudiada por segmentos do
Poder Judiciário, como destacado pelo Magistrado Osmar Pedroso, do Tribunal
Regional do Trabalho da 10ª Região Federal.[11]

E esse fenômeno não tem sido despercebido, eis


que autores como Fábio Ulhôa Coelho, em seu conhecido Manual de Direito
Comercial, Ed. Saraiva, apontam a situação de um processo de unificação do direito
mundial, em torno de diretrizes comuns, para facilitar o fomento comercial
propiciado, justamente, pela globalização econômica e formação de Mercados
Comuns, o que faz com o que o Poder Judiciário tenha que estar cada vez mais
preparado para enfrentar questões novas, de forma cada vez mais rápida e célere.

Tudo isso sem que se mencione que, de forma


cada vez mais freqüente, passamos a ser influenciados por um  case system,  ou
o stare decisis,  do direito anglo-saxônico, eis que costumeiramente nos deparamos
com um sistema de precedentes jurisdicionais, ditado, às mais das vezes, por uma
jurisprudência dinâmica como a do E. Superior Tribunal de Justiça, por suas
súmulas, ou com o mecanismo da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal e,
agora, com o sistema de julgamento de recursos repetitivos que veio para ficar como
se observa por seu aprimoramento no novo Código de Processo Civil, com sua
política de precedentes, mantendo julgamento de recursos repetitivos e propiciando
a antecipação de tais desates, de modo mais tempestivo por institutos como o
incidente de resolução de demandas repetitivas e o incidente de assunção de
competência.

Tais situações implicam em dizer que o


ordenamento jurídico não mais pode ser visto, como o era, há vinte ou trinta anos
atrás, com a necessidade, cada vez mais premente de se alcançar prelados de
efetividade num mundo globalizado, vindo daí, com todas as nuances e variantes
desta situação, a necessidade de se perceber a amplitude do tempo razoável de
duração do processo, com a necessidade de uma mudança de posturas na forma
como o processo, enquanto instrumento, deva ser visto pelos operadores do direito.

Como é de conhecimento geral, a partir da


divulgação pelos meios de comunicação de massa de notícias a respeito de alguma
alteração normativa, um grande contingente de ações similares (tem sido cada vez
mais freqüentes ações aos milhares unidas por relações jurídicas base) tem sido
suscitado perante Fóruns de todo o país (veja-se, por exemplo, a questão da
cobrança de diferenças de índices de correção de cadernetas de poupança em
Planos Econômicos, as ações versando sobre cobrança de assinaturas de telefonia,
etc...), fazendo com que o exame de algumas questões comuns passe a ser de
grande relevância prática e acadêmica, situação que, para que não leve ao
esgotamento massivo do sistema judiciário, deve ser enfrentada com racionalidade e
maximização.

É a questão da chamada demanda isomórfica, ou


de massas, em que há um grupo de questões de fato e de direito comuns que, uma
vez superadas por um precedente jurisprudencial, podem todas ser julgadas em
bloco – o meio de não ser tragado pelo bloco encontra-se relacionado à existência
de algum fator diferencial (distinguishing ou fator de discrimen adequado como
aponta Celso Antônio Bandeira de Mello em seu magistral O Conteúdo Jurídico do
Princípio da Igualdade), ou quando surge a necessidade de superação do
entendimento (overruling), talvez com algum tipo de modulação (overruling
prospective), como se deu, recentemente, com o caso da inconstitucionalidade da
disparidade de tratamento entre casados e conviventes em união estável
(superando-se jurisprudência anterior estável em sentido contrário), ou quando
ocorre alguma situação de absurda injustiça (a chamada teratologia judiciária).
A questão passa, obviamente, pelo exame da
necessidade de se conferir, não só uma eficácia formal aos atos processuais, mas,
em verdade, o que se passa a buscar é algo mais amplo, ou seja, uma efetividade de
tais atos processuais – o processo não é pode mais ser visto como um fim em si
mesmo, devendo-se buscar a sua utilização como instrumento de consecução de
algo maior, qual seja, o direito de ação, liberdade pública ou fundamental
right,  previsto na norma contida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, e,
ainda mais importante, se conferir efetividade aos direitos materiais previstos pelo
ordenamento jurídico pátrio e instrumentalizados por este direito de ação.

Ora, de nada adianta que o texto legal permita ou


coíba tal ou qual conduta no âmbito do direito material se a sociedade não puder ser
pacificada pela jurisdição, principal forma de heterocomposição do sistema jurídico
pátrio. Assim, processo e constituição devem estar intimamente ligados para a
consecução de fins comuns no que tange a uma pacificação efetiva da sociedade.
No mesmo sentido, de se destacar que Cândido Rangel Dinamarco, ao discorrer a
respeito do tema em questão:

A idéia-síntese que está à base dessa moderna visão metodológica


consiste na preocupação pelos valores consagrados constitucionalmente,
especialmente a liberdade e a igualdade, que afinal são manifestações de
algo dotado de maior espectro e significação transcendente: o valor
justiça. O conceito significado e dimensões desses e de outros valores
fundamentais são, em última análise, aqueles que resultam da ordem
constitucional e da maneira como a sociedade contemporânea ao texto
supremo interpreta as suas palavras – sendo natural, portanto, a intensa
infiltração dessa carga axiológica no sistema do processo (o que, como
foi dito, é justificado pela instrumentalidade).[12]

Prossegue o mesmo autor no sentido de que a


tutela constitucional do processo tem a finalidade de resguardar os institutos do
direito processual com base em princípios suscitados pela ordem constitucional, o
que, obviamente, será raciocínio aplicável ao princípio da tempestividade da
jurisdição. Neste sentido, inclusive, destaca o trecho que se pede vênia para
transcrever:
O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como
instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir
as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim
dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-Direito, com as
conotações de liberdade, igualdade e participação (contraditório), em
clima de legalidade e responsabilidade.[13]

Tudo isso, para bom entendedor pode se


relacionar com a questão da busca pelo acesso à ordem jurídica justa, que, dentre
outras coisas, propugna o acesso à ordem jurídica, acesso esse que deve ser
garantido de modo célere e eficaz. Nesse sentido, pertinente o asseverado por Luiz
Guilherme Marinoni:

Acesso à justiça quer dizer acesso a um processo justo, à garantia de


acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação
efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que
também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as
diferentes posições sociais e as específicas situações de direito
substancial. Acesso à justiça significa, ainda, acesso à informação e à
orientação jurídicas e a todos os meios alternativos de composição de
conflitos. O acesso à ordem jurídica justa é, antes de tudo, uma questão
de cidadania”.[14]

E a morosidade da prestação jurisdicional afeta tal


questão, posto que, se a apreciação, pelo Poder Judiciário, do direito ameaçado ou
lesado for morosa, logicamente, poderá vir a se tornar não efetiva e imprestável a
tutela pretendida ao próprio jurisdicionado, o que se revela como deletério à própria
imagem do Poder Judiciário. Em um país como o Brasil, onde a maioria da
população enquadra-se nas camadas de baixa renda, para a parcela da população
menos favorecida economicamente outro obstáculo intransponível diz respeito à
questão da educação do jurisdicionado.
E, como é sabido, as normas jurídicas, às mais
das vezes promulgadas por influência de uma minoria economicamente estruturada,
não traduzem as necessidades da população pobre, afastando-se da própria
realidade social que deveriam normatizar, de forma abstrata e impessoal. Assim, ao
vislumbrar-se o problema cultural que agrava a crise de acesso ao Poder Judiciário
(bem como a própria crise do processo), é comum observar, também, nessas
camadas de baixa renda, a descrença em relação ao aludido Poder (fenômeno da
visão externa do ordenamento jurídico).

Desse modo, grande parte dos institutos do


ordenamento jurídico pátrio são ignorados ou desacreditados pelos próprios
jurisdicionados, que não compreendem, e, por vezes, temem utilizar dos meios
oferecidos para a tutela de direitos.[15]

Sob tal prisma, é evidente que a democracia


participativa, no âmbito jurídico verdadeiramente resta prejudicada, urgindo, assim, a
necessidade de instrução e divulgação da informação jurídica, na busca do resgate
da própria efetividade do Poder Judiciário e do processo enquanto instituto, tarefa,
em muito dificultada, se os poucos que se utilizarem do sistema nele não
acreditarem porque demoraram a obter resposta às suas pretensões, o que parece
óbvio.

A efetividade, portanto, como se pode observar, é


fenômeno poliédrico, envolvendo inúmeras vertentes do aspecto instrumental do
processo, e não só a questão da morosidade, como se poderia querer crer num
momento inicial. Sobre tais ponderações, novamente, de se pedir vênia para
destacar a opinião de João Batista Lopes, para quem:

Por sua vez, Barbosa Moreira resume, em cinco pontos, a problemática


essencial da efetividade: “... O processo deve dispor de instrumentos de
tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras
disposições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, que
resultam de expressa previsão normativa, que se possam inferir no
sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao
menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos
(e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou
reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável
o círculo de eventuais sujeitos; c) impende assegurar condições propícias
à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o
convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade;
d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo
há que ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica
utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa
atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e
energias. Como se vê, o termo efetividade tem maior elastério do que
geralmente se supõe.[16]

No mesmo sentido, segundo a concepção de


Kazuo Watanabe "uma das vertentes mais significativas das preocupações dos
processualistas contemporâneos é a da efetividade do processo como instrumento
da tutela de direitos".[17] E o processo, como conjunto de atos concatenados e
convergentes para a consecução dos escopos da jurisdição estatal, certamente,
correlaciona-se com um fator cronológico, considerando que cada ato do
procedimento tem um prazo que deve ser realizado no momento adequado.[18]

Como se sabe, para o desenvolvimento do


processo é necessário que se percorra um determinado procedimento, que possui
duração própria e que se desenvolve por múltiplas fases. Destarte, a atividade
jurisdicional, para que se preservem, entre outros, os ideais de segurança jurídica e
justiça das decisões, não pode findar-se imediatamente.

É, pois, necessário que se percorra um rigoroso


caminho, no qual ocorra a prática de todos os atos peculiares, bem como se
preservem todas as garantias processuais destinadas às partes. Em verdade não se
pode conceber o postulado do devido processo legal separadamente dos demais
princípios básicos do processo civil, tais como o corolário da ampla defesa ou do
duplo grau de jurisdição. Logo, as garantias da ampla instrução probatória ou da
recorribilidade das decisões não podem ser obstadas pelo ideal de celeridade do
processo.[19]

Aliás, segurança e rapidez, considerando-se a


complexidade do processo, são postulados antagônicos se não vislumbrados com
observância de limites de razoabilidade e proporcionalidade (fatores a serem
sopesados na análise do novo instituto referente ao tempo razoável de duração de
um processo, quando em comentário a respeito de seu alcance dentro da nova
sistemática estabelecida pelo advento da Emenda Constitucional nº 45/04).

Sob tal prisma, o que deve nortear o pensamento


do processualista contemporâneo é a busca pela harmonização entre a segurança
jurídica (resguardando-se as garantias processuais e justiça das decisões) e a
celeridade do processo, no sentido de proteger o jurisdicionado dos institutos
processuais obsoletos e das dilações temporais indevidas.

O Supremo Tribunal Federal, inclusive, em mais de


uma oportunidade, vem reconhecendo, até mesmo, a existência de uma garantia
constitucional implícita, que seria o princípio da segurança jurídica (há mesmo quem
aponte a necessidade de que os Tribunais validem a justified trust que se confia ao
Poder Judiciário), por trás da preservação da coisa julgada. A respeito, as
considerações tecidas pelo Ministro Celso de Mello, em julgamento realizado pelo
Pretório Excelso em 26.03.2.010:

“Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da


confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito,
mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico,
projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público, em
ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre
comportamentos de qualquer dos poderes ou órgãos do Estado (os
Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo,
situações administrativas já consolidadas no passado” ... Aponta-se ainda
a “Proteção da Confiança”, segundo a qual “a fluência de longo período de
tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do
administrado (cidadão) e, também, por incutir, nele, a confiança da plena
regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a
aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias – a
ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até
então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o
Poder Público, de outro”.
De tal modo, o que se deve ter em vista é o
equilíbrio do binômio segurança-celeridade, garantindo-se um tempo razoável para a
tramitação do processo, concomitantemente à prestação de uma tutela jurisdicional
justa, na qual a decisão final não se procrastine além do necessário.

Como já salientado anteriormente, o ideal da


tempestividade está inserido num contexto mais amplo, que é o da efetividade do
processo. Assim, para que a tutela jurisdicional seja eficiente e útil aos
jurisdicionados, a celeridade de sua prestação é fator imprescindível.

Ou seja, parte-se da constatação segundo a qual


não basta que os atos de impulso oficial direcionem adequadamente (e de forma
indefinida) um processo como fim em si mesmo, posto que isso poderia implicar
numa forma jurisdicional de se negar a jurisdição (deve-se combater o assim
denominado despacho protocolar ou burocrático que, muitas vezes, nada resolve em
relação a quaisquer questões processuais).

Ao contrário, a partir do advento da Emenda


Constitucional nº 45/04, que instituiu a chamada “Reforma do Poder Judiciário”,
passou-se a admitir o status constitucional de princípios que já existiam na legislação
ordinária, realçando a importância de se buscar conferir a almejada efetividade aos
atos processuais, sempre sob prisma do que se tem convencionado chamar acesso
a uma ordem jurídica justa.

Melhor dizendo, insta ponderar no sentido de que


tal Emenda passou a prever a necessidade de um tempo razoável de duração de um
processo, como se observa pela atual redação da norma prevista no artigo 5º,
inciso LXXVIII, da Constituição Federal, o que vem sendo, de um modo mais ou
menos uniforme, chamado pela doutrina como princípio da tempestividade da
jurisdição, o qual, em última análise, pareceria uma certa constitucionalização de
princípios processuais já estabelecidos na legislação ordinária (como, verbi gratia, as
normas contidas nos artigos 139 do Código de Processo Civil e 2º da Lei nº 9.099/95
– ambas trazendo como princípios processuais, deveres de rápida solução de um
litígio, celeridade e economia processuais, dentre outros que visam atingir tais
escopos, tal como se dá com a simplicidade de formas, etc.).

Assim, parece não haver qualquer dúvida razoável


a respeito da intenção do legislador pátrio (a mens legis, ou, como queiram, a mens
legislationes, a que alude a norma contida no artigo 5º da Lei de Introdução às
Normas de Direito Brasileiro) ao estabelecer a norma constitucional em comento,
podendo-se, no entanto, a partir disso, extrair-se algumas conclusões, mais
pragmáticas.

Acresça-se a tudo isso, ainda a evidenciar a


atualidade da discussão que existe projeto de lei, em trâmite pelo Congresso
Nacional, visando a promulgação de um novo Código de Processo Civil, no qual a
questão em comento também restará revisitada, não se podendo esquecer de que o
projeto se revela bastante preocupado com a questão da constitucionalização do que
até então seria conhecido como relação jurídica processual (não se desconhecendo
os estudos e propostas de Élio Fazzalari com a proposta de um verdadeiro módulo
processual voltado ao cumprimento do contraditório), tal como se pode observar
pelos doze primeiros artigos do referido projeto.

Aliás, não poderia deixar de ser notado que a


tendência legislativa seja de uma desburocratização necessária visando alcançar
escopos de tempestividade, nos termos do artigo 4º do Projeto (o conhecido tempo
razoável do processo, previsto pelo advento da Emenda Constitucional nº  45/04 que
conferiu redação ao artigo 5º, LXXVIII da Constituição e já aludido no artigo 8º do
Pacto de San José da Costa Rica), e, por conseqüência, de efetividade da prestação
jurisdicional.

E se já havia previsão no artigo 8º do Pacto de


San José, pelo óbvio, tal matéria já gozava de status  de norma constitucional por
força do advento da norma contida no artigo 5º, parágrafo 2º do próprio texto
constitucional (isso porque o Pacto se tornou norma interna antes do advento da EC
nº 45/04 que passou a exigir que direitos adquiridos por tratados a partir daí somente
serão considerados normas constitucionais se confirmados por 3/5 do Congresso
Nacional).
Na verdade parece que o legislador está mais
preocupado em coibir a perda indevida de tempo processual do que em fixar um
número cabalístico de dias em que um processo poderia vir a acabar no juízo cível, o
que, como sabido, acabaria por implicar em gerar um número mais simbólico do que
efetivo, ante a vastidão de fatores envolvidos (cartas precatórias, rogatórias, citações
por hora certa, edital, etc.), ainda mais porque todo o exercício do contraditório e da
ampla defesa devem ser igualmente observados, como também o próprio advento do
devido processo legal (artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal).[20]

Ou seja, nessas condições prazos e atos


previamente estabelecidos devem ser observados como regra, mas, doravante,
sempre sob o crivo de uma análise substancial, com grande relevância da
instrumentalidade das formas, somente se reconhecendo nulidades ou perda de atos
quando fundadas e sólidas razões demonstrarem efetivos prejuízos que puderem ser
sentidos no âmbito do módulo processual aduzido linhas acima (a orientação trazida
pelo artigo 278 do Código de Processo Civil deve ser estimulada no que concerne ao
alcance das questões de fundo em matérias de nulidades processuais, sob tal
perspectiva – se não houver vulneração de garantia substancial do processo que
ocasione prejuízo efetivo, atos processuais devem ser preservados em nome da
tempestividade).

Tudo isso sem prejuízo do próprio princípio do


acesso ao Poder Judiciário, previsto pela norma contida no artigo 5º,
inciso XXXV da Constituição Federal que garante a todos o acesso ao Poder
Judiciário, em casos de lesão ou ameaça de lesão a direito.

Em situações como essa, o que se tem é que o


conflito (entre o estrito devido processo legal e a tempestividade) somente será
resolvido pela aplicação do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, eis que
necessário será o sacrifício de um dos dois princípios pela aplicação da lógica do
razoável (enquanto logus del razonable ou solução que não ofenda o senso comum
da visão externa e interna ao ordenamento jurídico), enquanto critério de
consecução da justiça.[21]

Ademais como parece despontar com singular


obviedade franciscana, se uma lei vier a aumentar ou dificultar o trâmite processual,
tornando-o mais longo, sem um fator adequado a justificar tal medida (por exemplo,
criando-se uma antinomia[22]), a inovação legislativa será reputada como
inconstitucional, justamente por colidir com tal orientação programática.

Do mesmo modo se houver perda injustificável de


prazos, ou demora indevida na realização do impulso oficial ou do sentenciamento
de processos (e observe-se a inserção do adjetivo “injustificável”), poder-se-á
invocar o referido princípio constitucional da tempestividade para embasar, por
exemplo, a impetração de um mandado de segurança contra tais espécies de atos
coatores[23], sem prejuízo, inclusive, das providências inerentes ao cumprimento
das obrigações de fazer, inclusive, as medidas atípicas do artigo 139, inciso IV
do Código de Processo Civil que tem suscitado tanta polêmica (até mesmo com
imposição de astreintes  em face do Poder Público – o que depois deverá ser
resolvido em sede de execução por regras próprias do artigo 100 e seus
consectários da Constituição Federal, se for o caso, ou autorização para sequestro
de verbas em cofres públicos para a ponderação da saúde, apreensão de CNH e
cancelamento de cartões de crédito).

Não se possa esquecer de que, em ultima ratio,  o


fundamento político de existência do Poder Judiciário seja a própria imparcialidade
na solução de conflitos sendo a tempestividade dessa solução um dos critérios que
permitem aferir a própria imparcialidade do julgador, de modo que demoras
injustificáveis podem levar a perquirições nesse sentido (assim, o retardamento,
insista-se, “injustificável”, sendo esta falta de justificativa devidamente comprovada,
poderá implicar até mesmo em situação apta ao comprometimento da imparcialidade
com todas as suas conseqüências, devendo os julgadores, doravante, ter redobrada
atenção para a situação em comento).

Perdeu-se muito disso, no entanto, com a


alteração do artigo 12 CPC antes mesmo que ele entrasse em plena vigência, eis
que se estabelecia uma ordem cronológica obrigatória de prolação de decisões, a
ser observada pelo julgador e pela própria serventia judicial, facilitando a conferência
dessas situações, com atualizações de listas periódicas, com acesso público de tais
informações, prevenindo-se desvios. Mas com a alteração do CPC dois meses antes
que entrasse em vigência tal ordem passou a ser observada preferencialmente (ou
seja, matou-se a utilidade do comando judicial permitindo-se situações de sua
superação).

De igual modo, e para mim essa a situação de


maior importância em torno do tempo razoável, em havendo dois entendimentos
possíveis a respeito de uma mesma dúvida sobre algum institutos, e houver um
entendimento mais célere e outro mais moroso (isso sem contraponto com outra
garantia processual constitucional que o justifique), este último estará em flagrante
situação de inconstitucionalidade, se empregado, sob a ótica deste tempo razoável.

E a interpretação acerca do instituto deve ser


teleológica, ou seja, visar a finalidade de se obter a rápida solução do litígio, em
cumprimento a esse tempo razoável de duração de um processo.

Observe-se, como exemplo disso, a situação da


polêmica exceção de pré-executividade, que pode ser útil para evitar a perda inútil
de trabalho jurisdicional, eis que poderá ser apresentada em qualquer tempo,
demonstrando-se situações de efetiva inviabilidade de seguimento de processo de
execução extrajudicial (a partir de provas documentais, eis que, em sede de
execução, como vaticina Kazuo Watanabe, a cognição sempre será rarefeita), o que
pode ocorrer até mesmo antes do momento processual destinado aos embargos à
execução. E se atos processuais serão poupados, pelo óbvio que a tempestividade
da jurisdição estará sendo observada.

No entanto, para que não se desvirtue a natureza


do instituto e sua harmonia em relação ao princípio da tempestividade não se poderá
deixar de entendê-lo como instrumento apto a gerar preclusões consumativas,
impedindo a utilização de outras defesas congêneres (pela lógica, se a parte o opõe
por intermédio de advogado deve entender as conseqüências de seus atos), sob
pena de inconstitucionalidade. Nesse sentido, ademais, parece estar sendo a
orientação dos Tribunais pátrios, como se poderia observar através do seguinte
Julgado que se pede vênia para apresentar:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.


PRESCRIÇÃO. MATÉRIA LEVANTADA E DECIDIDA EM EXCEÇÃO DE
PRÉ-EXECUTIVIDADE, QUE NÃO SOFRE RECURSO. VEDAÇÃO DE
REANÁLISE EM EMBARGOS DO DEVEDOR. PRECLUSÃO. 1.
Alegação de prescrição, já apreciada em exceção de pré-executividade,
da qual não se interpõe recurso, não pode mais ser analisada em
embargos do devedor por se constituir matéria superada e solidificada na
relação processual, já que deflagrada sua análise na execução por
iniciativa do próprio executado. Inteligência e aplicação do
art. 473 do CPC, tendo em vista que, apesar de execução fiscal e
embargos do devedor se constituírem processos distintos, tratam da
mesma relação processual, ou seja, da mesma demanda e da mesma
pretensão resistida. 2. No caso dos autos, nem calha a tardia
argumentação, vinda com as contra-razões de apelação, de que teria
ocorrido prescrição intercorrente, porquanto a r. Decisão prolatada na
exceção de pré-executividade declarou usufruir a Embargada de prazo
prescricional vintenário, nos termos do art. 177, primeira parte, do antigo
Código Civil, de forma que haveria a ação de ficar paralisada pelo menos
por igual período, o que não ocorreu. 3. Apelação a qual se dá
provimento. (Apelação Cível nº 1242412/SP (2004.61.82.013905-7), 3ª
Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Cláudio Santos. J. 27.03.2008,
unânime, DJU 16.04.2008).

Reconhecendo-se a incidência do principio da


eventualidade na questão:

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - IMPOSSIBILIDADE -


PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE - PRECLUSÃO CONSUMATIVA -
SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. 1 - Não obstante inexista
previsão legal para a exceção de pré-executividade, seu processamento
deve seguir os parâmetros processuais já dispostos. 2 - A exceção de
pré-executividade, como defesa do réu, no caso devedor que é, deve
obedecer ao princípio da eventualidade. 3 - Deduzindo todas as matérias
a ele favoráveis, ainda que incompatíveis entre si, sob pena de preclusão
consumativa. 4 - A discussão acerca da matéria aventada poderá ser
discutida, mas em sede de embargos à execução. 5 - Agravo de
instrumento não provido. (Agravo de Instrumento nº 263165/SP
(2006.03.00.020333-6), 3ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Nery Júnior.
J. 12.09.2007, unânime, DJU 23.01.2008).

Mas, fundamentalmente, o que parece estar a


ocorrer é uma busca pela ruptura com dogmas formais do processo em geral, como
modo de galgar modos mais céleres e práticos de se conseguir a tutela invocada, o
que leva a releitura de postulados teóricos até então cristalizados, como forma de se
atingir uma interpretação mais consentânea com essas aspirações de efetividade. E
inúmeros precedentes jurisdicionais no país já tem se pautado pela incidência da
tempestividade como fator de interpretação das normas jurídicas. Assim, verbi
gratia,  tem se manifestado o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca da
questão, por um processo menos formalista e mais efetivo:

RECURSO - Apelação - Cadastro que indica o nome e número de


registro de advogada que não representa e jamais representou qualquer
das partes - Absoluta irregularidade de todas as intimações pertinentes
ao recurso especialmente a da data do julgamento e do resultado da
apelação - Cerceamento de defesa caracterizado - Nulidade do
processamento do recurso - Possibilidade de novo julgamento ante a
aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas, economia
processual e tempo razoável de duração do processo - Decisão
proclamada nula e nova decisão proferida - Recursos não providos
(Apelação Cível n. 7.050.175-4 - Guaratinquetá - 24ª Câmara de Direito
Privado - Relator: Paulo Pastore Filho - 12.06.08 - V. U. - Voto n.2257).

Com igual teor e do mesmo Areópago, de se


destacar, de modo não menos importante:

AUDIÊNCIA - Conciliação - Julgamento da lide no estado do processo -


Audiência de tentativa de conciliação não designada - Ausência de
obrigatoriedade da tal, se a lide é decidida antecipadamente - Intuito de
celeridade da prestação jurisdicional que se supre por ato do juiz -
Nulidade do processo - Inexistência - Apelação desprovida (Apelação
Cível n. 743.720-00/3 - Santos - 25ª Câmara de Direito Privado - Relator:
Sebastião Flávio - 21.11.05 - V. U. - Voto n.9.593).

E a guisa de mera exemplificação, não menos


sintomático o seguinte precedente:

PROVA – Cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado da lide –


Inocorrência – Execução instruída com cópia do procedimento
administrativo – Constatação, por meio de mera leitura das peças, da
inteireza da razão da exeqüente ao pleitear o credito a que faz jus diante
da infração ambiental perpetrada pela infratora – Procrastinar a outorga
da prestação jurisdicional para outro momento seria sacrificar o princípio
da celeridade e da economia processual – Reconhecimento – Recurso
improvido. (Apelação Cível n. 561.316-5/2 – Tatuí – Câmara Especial do
Meio Ambiente – Relator: Renato Nalini – 29.8.2006 – V. U. – Voto n.
12.051).

O propósito sincretista do processo (enquanto


exercício linear numa mesma atividade processual de mais de uma forma de tutela)
tem despontado de forma manifesta pelo poder legiferante, como se observa, por
exemplo, pela ponderação de que as próprias tutelas de urgência e evidência serão
todas componentes de um único processo que comportará atividade executiva nos
próprios autos a partir do cumprimento de sentença enquanto fase posterior do
processo de conhecimento (isso contribui, inclusive, para que se alcance a própria
harmonia da jurisdição evitando-se a coexistência de decisões judiciais contraditórias
– os próprios dispositivos dos artigos 55 a 57 e seus consectários do  Código de
Processo Civil recomendam a reunião de feitos, mesmo sem qualquer conexão entre
as demandas em situações deste jaez – isso para evitar o risco de coexistência de
decisões judiciais contraditórias).
Tudo isso evita o desgaste da imagem do Poder
Judiciário perante a sociedade em que se insere – a questão apontada acima, de um
justified trust, eis que nada parece desgastar mais a imagem da Justiça do que a
situação de dois cunhados em situações idênticas que entram com demanda
análoga, um deles com procedência e outro com julgamento de improcedência. Há
que manter a coerência e a higidez do sistema – a junção daquilo que pode gerar
divergências e a unificação de procedimentos de execução parece ser mesmo o
caminho que melhor atende à tempestividade e à efetividade da jurisdição.
Nesse mesmo sentido, a demonstrar que o
entendimento não restaria isolado, de se destacar o quanto destacado por Araken de
Assis, no que se refere à importância e problemas da execução perante as reformas
legislativas, no sentido de que:

À jurisdição como relevante serviço público prestado pelo Estado se


reconhecem ordinariamente três funções. A tutela jurídica do Estado visa,
sobretudo, a efetiva realização de direitos consagrados no
ordenamento jurídico. Para tal arte, cumpre reconhecer o direito e
proclamá-lo, porém, tal objetivo talvez demore, motivo porque mudanças
na situação de fato impõem tanto a asseguração temporária deste direito,
quanto sua provisória satisfação[26].

E não se perca de vistas que a noção em questão


(qual seja, a racionalização do tempo no processo) não chega a ser uma novidade
total, posto que, como desponta com clareza solar do advento da norma contida no
artigo 139, inciso I do Código de Processo Civil, todo Magistrado cível, por exemplo,
já estava adstrito ao dever de velar pela rápida solução do litígio (dogma normativo
lastreador, por exemplo, dos princípios da celeridade e economia processuais), não
parecendo, ademais, em afinamento com tal perspectiva, que o constituinte apenas
tenha pretendido repetir o que já estava definido como um dever legal.

Assim, a ideia de constitucionalizar-se uma


tempestividade de jurisdição parece visar justamente uma mudança paradigmática
na forma de pensar o processo civil como um todo, deixando-se de analisá-lo como
um objeto científico, nas demandas judiciais, para, revendo conceitos já previstos,
por essa nova perspectiva, se possa alcançar as supramencionadas aspirações de
efetividade do processo enquanto instrumento do direito de ação (nos anseios e
auspícios de se alcançar o vem sendo entendido como acesso a uma ordem jurídica
justa). Sobre a preocupação com a questão da efetividade do processo de se
apontar o quanto ponderado por João Batista Lopes a respeito do tema:

A preocupação com a efetividade do processo é a tônica na doutrina


contemporânea, mas o tema não constitui novidade absoluta, como se
demonstra com a célere frase de Chiovenda: “il processo deve dare per
quanto è possibile praticamente a chi há un diritto tutto quello e próprio
quello ch`egli diritto conseguire. O conceito de efetividade é, porém,
volátil ou indeterminado. Etimologicamente, efetividade deita raízes no
Latim (ex  mais facere: efficere), que significa fazer inteiramente, produzir,
executar, cumprir[28].

Assim, o Poder Judiciário enquanto guardião


constitucional da ordem jurídica e da pacificação dos conflitos de interesse, deverá
se aproveitar dessa constitucionalização e iniciar um processo de afirmação de
legitimidade junto à opinião pública, o que estará intimamente ligado à sua eficiência
na missão primordial de dizer o direito (o juris dicere) e impor decisões (adotando-se
a concepção da jurisdição enquanto poder), malgrado, sob um prisma de
fundamentação política da existência de um Poder Judiciário, se possa, também
aduzir, que sua função estaria relacionada à pacificação imparcial de conflitos (como
é sabido, eis que mencionado com certa freqüência pela doutrina processualista [29],
e mesmo constitucionalista[30], a jurisdição é fenômeno poliédrico que pode ser
analisado sob o prisma do poder, da sua função e da sua atividade) e à garantia das
liberdades públicas (função geralmente destinada aos órgãos de cúpula ou Cortes
Constitucionais), conferindo eficácia às garantias constitucionais, base do Estado
Democrático de Direito, que, como sabido, pressupõe magistrados independentes.

Tal papel, ademais, é ressaltado pelo Ministro


Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal que, mais uma vez, com
proficiência, preleciona:

Não se consegue conceituar um verdadeiro Estado democrático de direito


sem a existência de um Poder Judiciário autônomo e independente para
que exerça sua função de guardião das leis, pois, como afirmou
Zaffaroni, “a chave do poder do judiciário se acha no conceito de
independência”... Bandrés afirma que a independência judicial constitui
um direito fundamental dos cidadãos, inclusive o direito à tutela judicial e
o direito ao processo e julgamento por um Tribunal independente e
parcial. Assim, é preciso um órgão independente e imparcial para velar
pela observância da constituição e garantidor da ordem na estrutura
governamental, mantendo nos seus papéis tanto o Poder Federal como
as autoridades dos Estados Federados, além de consagrar a regra de
que a constituição limita os poderes dos órgãos da soberania.[31]
Ainda sobre a questão da morosidade, de se
destacar que tal questão não é nova, mas está intimamente ligada a duas outras
questões fundamentais, quais sejam: a) uma de ordem administrativa, relacionada
com problemas estruturais administrativos (número insuficiente de juízes, falta de
funcionários, de equipamentos, de investimentos em tecnologia de ponta, sobretudo
na área da informática, dentre outros fatores desta mesma ordem) e b) dificuldades
técnico-processuais, geradas por uma legislação muitas vezes arcaica e com falhas,
inapta à solução dos problemas atuais (muitas vezes são verificados prazos muito
extensos, que não mais se justificariam no mundo contemporâneo, número muito
grande de recursos, muitos dos quais desnecessários).

Precisar com exatidão os fatores que acarretam a


morosidade processual é tarefa impossível devido à complexidade dos obstáculos à
celeridade da prestação jurisdicional. Não obstante isso, José Rogério Cruz e Tucci,
ao tratar do conjunto de fatores que circundam a intempestividade da tutela
jurisdicional, preconiza a subdivisão daqueles em três espécies, quais sejam, fatores
institucionais, fatores de ordem técnica e subjetiva, e, por último, fatores derivados
de insuficiência material.[32]

Pelo óbvio que a inserção da questão da


tempestividade no ordenamento jurídico (seja no Pacto de San José, seja no
artigo 5º, LXXVIII CF e agora seja no artigo 4º do Projeto CPC) não permite a rápida
solução de fatores de ordem administrativa, mas permite que se ataque o problema
das estruturas jurídicas, buscando-se construções jurídicas que afastem
mecanismos práticos perniciosos e morosos, mormente práticas recursais.

Como visto sequer haveria necessidade de se


aguardar a promulgação de lege ferenda, eis que a interpretação constitucional já
bastaria para os mesmos objetivos práticos buscados pelo artigo 4º CPC, o que,
ademais, já poderia ser embasado em escopos de economia e celeridade
processuais então existentes no próprio CPC Buzaid (artigo 125).

A sociedade busca avidamente a plena efetividade


dos direitos materiais consagrados no ordenamento jurídico, cabendo a magistrados
de todo o país, com criatividade e coragem, a plena implementação dessa garantia
constitucional para a consecução deste desiderato. Por outro lado, longe de ser uma
garantia vazia, o princípio do tempo razoável de duração do processo tem grande
incidência prática. Observe-se que o mesmo tem sido utilizado, por exemplo, como
parâmetro no processo penal para efeito de concessão de habeas corpus. Nesse
sentido:

STJ - HABEAS CORPUS HC 354897 PB 2016/0110969-4 (STJ) Data de


publicação: 30/05/2017 Ementa: PRINCÍPIO
DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Não foram enfrentadas pela Corte estadual a
aplicação do art. 387 , § 2º , do Código de Processo Penal , tampouco a
exatidão do regime de cumprimento de pena fixado, motivo por que este
Superior Tribunal fica impedido de analisá-las, sob pena de indevida
supressão de instância. Precedentes. 2. Os prazos processuais não são
peremptórios, bem como o constrangimento ilegal por excesso de prazo
não resulta de um critério aritmético. Há de ser realizada pelo julgador uma
aferição do caso concreto, de acordo com as suas peculiaridades, em
atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. Não é
passível de dúvida que já houve condenação. Entretanto, não menos
acertado é a circunstância de que o cárcere decorrente de sentença
condenatória recorrível é espécie do gênero "cautelar". Tratando-se, pois,
de prisão provisória; dela se exige dure um prazo razoável, sob pena de
malferimento aos princípios constitucionais da proporcionalidade e
da razoável duração do processo ( Constituição da República, art. 5º ,
LXXVIII ). 4. Caso em que a sentença condenatória foi proferida em julho
de 2013, e a apelação defensiva foi juntada aos autos em abril de 2014,
encontrando-se pendente de apreciação até o momento. Deparando-se
com o feito paralisado por mais de 4 anos em razão de desídia estatal,
sem que haja previsão para o julgamento do recurso, estamos diante de
coação ilegal. 5. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão,
concedida, a fim de permitir que o paciente permaneça em liberdade até o
julgamento do recurso de apelação, sem prejuízo de que lhe sejam
impostas pelo Juízo local outras medidas cautelares dentre as constantes
do art. 319 do Código de Processo Penal , caso demonstrada a sua
necessidade.

No âmbito do direito privado, em posicionamentos


muito recentes, tem-se reconhecido o dever do Estado de fixar indenizações quando
o Estado descumprir seu dever de proferir decisões dentro de um tempo razoável.
Observe-se:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1383776 AM 2013/0140568-8


(STJ)Data de publicação: 17/09/2018 Ementa: A responsabilidade do
Estado pela lesão à razoável duração do processo não é matéria
unicamente constitucional, decorrendo, no caso concreto, não apenas dos
arts. 5º , LXXVIII , e 37 , § 6º , da Constituição Federal , mas também do
art. 186 do Código Civil , bem como dos arts. 125, II, 133, II e parágrafo
único, 189, II, 262 do Código de Processo Civil de 1973 (vigente e
aplicável à época dos fatos), dos arts. 35, II e III, 49, II, e parágrafo único,
da Lei Orgânica da Magistratura Nacional , e, por fim, dos arts. 1º e 13 da
Lei n. 5.478/1965. 5. Não é mais aceitável hodiernamente pela
comunidade internacional, portanto, que se negue ao jurisdicionado a
tramitação do processo em tempo razoável, e também se omita o Poder
Judiciário em conceder indenizações pela lesão a esse direito previsto na
Constituição e nas leis brasileiras. As seguidas condenações do Brasil
perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos por esse motivo
impõem que se tome uma atitude também no âmbito interno, daí a
importância de este Superior Tribunal de Justiça posicionar-se sobre o
tema. 6. Recurso especial ao qual se dá provimento para restabelecer a
sentença.

E em doutrina são encontradas referências a inúmeras condenações do


Brasil, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos quando o tempo razoável
de duração de um processo se acha descumprido. Nesse sentido, Marco Félix Jobim
aponta caso oriundo do TJCE e submetido à Corte Interamericana em que houve
condenação em cento e trinta e cinco mil dólares às vítimas pela demora injustificada
do processo, nos termos que abaixo se segue:

Na hipótese, a Corte Interamericana considerou o atraso por mais de seis


anos do processo penal e do processo civil de reparação de dano moral,
ambos em curso no Judiciário do Estado do Ceará, sem que até a data da
sentença da Corte tivesse havido conclusão no juízo de primeiro grau com
sentença prolatada, tudo em decorrência de demoras injustificáveis por
culpa do aparelho judiciário. Além de ter recebido outras sanções
imateriais, o Estado brasileiro foi condenado a indenizar os pais e irmãos
da vítima em mais de cento e trinta e cinco mil dólares americanos, a
serem entregues diretamente aos beneficiários. (JOBIM, 2011, p. 92).

Não menos importante, em julgamento muito


recente, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu
sentença que condenou o Estado do Amazonas a pagar indenização por danos morais
no valor de 30 salários mínimos pela demora injustificada na prestação jurisdicional
em ação de execução de alimentos.

No recurso especial – provido de forma unânime


pelo colegiado –, a mãe das duas menores destinatárias dos alimentos alegou que a
demora da Justiça em determinar a citação do devedor fez com que suas filhas
ficassem sem receber a pensão por cerca de dois anos e meio. Isso em 2018 no
julgamento do REsp 1383776.

Não há mais razão, portanto, para que se peça


para as partes iniciarem vários processos autônomos de cumprimento de sentença
em situação de alimentos, quando tudo pode se resolver de modo mais prático e
simples em uma única demanda, ainda que parte do pedido siga por um rito e parte
siga por outro. Sempre que houver dois caminhos, a opção pelo mais moroso será
inconstitucional, e se o Estado for condenado a pagar indenização por conta de
tertúlias e filigranas, não há que se esquecer de seu direito de acionar
regressivamente o servidor que tenha dado causa ao fato (artigo 37, par. 6º CF).

A ideia central da inserção do princípio ao texto


constitucional parece se apegar à advertência lançada desde há muito, na obra de
Piero Calamandrei, a qual, pela conveniência, peço vênia para destacar, eis que se
revela muito atual:

“Acontece frequentemente com o bibliófilo, que se diverte folheando


religiosamente as páginas amareladas de algum precioso incunábulo,
encontrar entre uma página e outra, grudados e quase absorvidos pelo
papel, os restos agora transparentes de uma mariposa incauta, que há
alguns séculos, buscando o sol, pousou viva naquele livro aberto, e
quando o leitor subitamente o fechou ali ficou esmagada e ressecada
para sempre. Essa imagem me vem à mente quando folheio as peças de
algum velho processo, civil ou penal, que dura dezenas de anos. Os
juízes que mantém com indiferença aqueles autos à espera em sua mesa
parecem não se lembrar de que entre aquelas páginas se encontram,
esmagados e ressecados, os restos de tantos pobres insetinhos
humanos, que ficaram presos no pesado livro da Justiça”.[33]

Não se poderia deixar apontar, nesse estudo sobre


os 30 anos da Constituição Federal, certas considerações sobre o modo de se
estabelecer um garantismo a partir da eticidade da postura estatal que deve
corresponder à confiança justificada – a chamada questão da Justified Trust apontada
acima, pela qual, ao Estado, por exemplo, não será dado praticar atos com abuso de
direito (há vedação para que o Estado viole o princípio ne venire contra factum
proprium – não se pode admitir, por exemplo que um Promotor de Justiça peça a
absolvição de um réu, para recorrer da sentença que o absolve).

Assim, o Estado deve atuar de forma ética dentro


do processo, como também todas os sujeitos processuais, questão umbilicalmente
ligada a ideia de vedação de produção de provas ilícitas (nos termos do artigo 5º da
Constituição Federal, inciso LVI, que tornava inaceitável, em sua acepção original, que
em um processo, se verificasse a obtenção de provas por meio formas que não são
legais).

No entanto, como se vem apontando desde o início


do presente artigo, vive-se em tempos de ponderação entre princípios, de modo que,
nessa linha de raciocínio, se houver justo motivo, se aceitará a prova ilícita para
alguma finalidades, por exemplo, a absolvição do acusado no Juízo penal, e, mesmo,
no âmbito do processo civil, se admitiu prova ilícita (interceptação telefônica que
somente seria possível em processo de aferição de organização criminosa, nos termos
do lei) para localizar paradeiro de criança mantida longe da mãe pelo pai e fazer
cumprir o mandado de busca e apreensão (processo julgado pelo STJ que consta de
suas notícias, mas cujo número não se divulgou por ser segredo de Justiça).

Não se esqueça que, como decorrência do próprio


princípio do contraditório efetivo que pressupõe um direito de ser ouvido (right to be
heard) correlato ao direito de manifestação sobre os atos e fatos do processo (right to
speech), o que faz supor que nada garantirá que a parte tenha sido efetivamente
ouvida (ou seja, não ficou a falar para ninguém, embora lhe tenha sido permitido
escrever cem laudas), que não através da garantia de motivação em torno do que
tenha sido dito.

Isso porque, a norma contida no artigo 93, inciso IX


CF garante que todas as decisões (ao menos aqueles que envolvam resolução de
questões ou controvérsias, o que não se dá, por exemplo, no caso do provimento
conhecido por despacho de mero expediente, em princípio irrecorrível) sejam
efetivamente motivadas (o inciso X estende esse dever de motivação a todos os atos
do Tribunal, inclusive os administrativos) sendo certo que se garante a própria
publicidade dos atos e julgamentos do Poder Judiciário como regra (não absoluta eis
que fatores como preservação de intimidade e dignidade familiar, por vezes
comportam ponderação com o direito de informação que as pessoas possam vir a ter).

Tudo isso sem prejuízo de julgamentos sigilosos


por contrato (no caso das arbitragens com cláusulas de confidencialidade), fora dos
casos expressamente previstos em lei (matéria perigosa em tempos que sociedades
de economia mista e empresas públicas podem se socorrer da solução arbitral – e se
há sigilo, a divulgação de dados do processo pode, até mesmo, implicar em
consequências criminais).
Vale no entanto, o quanto apontado por Michelle
Taruffo grande processualista italiano da atualidade (extremamente envolvido no
processo de sistematização de regras processuais uniformes – as transnational
principles rules) que aponta com grande maestria no sentido de que, nas democracias
participativas (e nosso Estado Democrático e de Direito aspira a tanto) a questão da
motivação não se resume mais a um aspecto endoprocessual (dento do processo) em
que bastava que o Magistrado convencesse as partes de que julgou corretamente.
Vive-se numa sociedade envolvida em grande
fiscalização e juízo crítico, de modo que as decisões judiciais devem também se
preocupar em motivar visando atingir escopos ou finalidades exoprocessuais (fora dos
autos) a sociedade deve ser igualmente convencida da correção da motivação
empregada.
Infelizmente, a despeito do artigo 489 e seus
consectários CPC ter apontado muito bem como deveriam ser os parâmetros ou linhas
mestras da motivação de uma decisão judicial, a jurisprudência um tanto defensiva
(per saltum) dos Tribunais (o que tanto se buscou combater no CPC atual) vem
predominando e entendendo que não se deve exigir uma motivação linha a linha dos
argumentos das partes.
Isso tem propiciado um sem número de
reclamações, algumas das quais muito fundadas, eis que não se tem observado um
mínimo em julgamentos no que tange ao afastamento de argumentos relevantes que
seriam aptos a levar a julgamentos em sentido diverso do apontado por dado Julgador.
E isso tem sido feito, menos por preguiça ou sentimentos menos nobres, e mais por
conta de deficiências materiais do sistema (não se esqueça de que, de acordo com
dados do CNJ no ano de 2017 observou-se a distribuição de um novo processo a cada
cinco segundos no país).

No entanto, por mais nobres que sejam as


intenções tem-se observado as mazelas de julgamentos precipitados que, havendo
falta de pessoal suficiente, ou não, são atos prestados pelo Estado sem observância
ao dever de eficiência – isso é dado muito sintomático, eis que a violação de tal
princípio igualmente pode acarretar a fixação de indenização em favor da parte
prejudicada (a falha estatal se contenta com simples comprovação de um nexo de
causalidade já que a responsabilidade civil será objetiva), e, mais grave, o Magistrado
que não respeita princípio próprio da Administração Pública (repita-se, a eficiência é
um deles) se sujeitará à perda do cargo e às graves penas do ato de improbidade.

Por fim, mais não menos importante, ainda dentro


dessa breve preleção sobre os princípios processuais em tempos de comemoração
dos 30 anos de vigência do nosso texto constitucional, não se poderia deixar de
consignar que se deva resguardar o acesso à Justiça daqueles que dela
necessitarem (e conclamo todos à leitura do magistral livro Acesso à Justiça de
Mauro Capelleti e Bryant Garth que suscita inúmeras considerações em torno desse
tema).

Vale observar que a norma constitucional (a


própria Constituição veda processos de marginalização e exclusão sociais) não se
vale da pobreza como situação divisora da concessão do benefício da gratuidade. Ao
contrário, não se garante tal direito aos pobres, mas sim, a quem dela necessitar
(seja pelo que se chama sistema judicare – nomeação de um advogado conveniado,
seja pelo sistema Law & Economic Opportunity Office – do sistema da Common Law
– em ideia aproximada do que se busca hoje com a Defensoria Pública).
Ou seja, o sistema constitucional seria relativo,
tornando obsoletos, de plano, os ditames da vetusta Lei nº 1.060/50 praticamente
toda revogada (salvaram-se poucos artigos) pelo atual CPC. O sistema atual garante
até mesmo, de modo expresso, que pessoas jurídicas, inclusive estrangeiras,
obtenham o benefício em testilha, em ideia mais em sintonia com os escopos
previstos pelo Constituinte.

Hoje o sistema processual permite, como se


observa, por exemplo, pelo disposto no artigo 99 e seus consectários CPC que
ocorra o diferimento (moratória) no pagamento de custas (fenômeno tributário
enquanto taxa da acionamento do Poder Judiciário) e despesas (preço público
enquanto conceito de direito financeiro) para o final do processo, permitindo, até
mesmo o parcelamento destes valores (alguns, como Cássio Scarpinella Bueno
apontam, não sem razão, um certo vício de origem em tais normas, eis que, de fato,
no âmbito da Justiça Federal, uma lei federal possa dispor sobre a questão de
valores devidos naquela seara, mas isso não se projeta no âmbito das Justiças
Estaduais – ou seja, por exemplo, o CPC não pode dispor, por vício de origem, a
respeito de valores devidos ao TJSP).

Vale lembrar que a concessão do benefício implica


em sua interpretação restrita e não extensiva, ou seja, abrange custas, despesas,
emolumentos (enquanto valores devidos no âmbito das serventias extrajudiciais) e
despesas com advogados, inclusive honorários sucumbenciais, desde que não se
perca a condição de beneficiário nos cinco anos posteriores ao trânsito em julgado,
mas, como dito isso não estende a outros tipos de valores que podem ser entendidos
como devidos no bojo de um processo, como se dá com as multas impostas por atos
de deslealdade processual (litigância da má-fé, atos atentatórios à dignidade da
Justiça e os atos atentatórios à dignidade da jurisdição, os contempt of Court que
podem ser impostos em favor da parte lesada ou reverterem para o Fundo de
Modernização do Poder Judiciário, nos termos do artigo 97 CPC para a prática dos
atos dolosos do improbus litigator).

Por fim, não menos importante, nessa discussão


seria apontar no sentido de que, de acordo com dados do CNJ, no mesmo ano de
2017, o país suportou um prejuízo estimado de dezesseis bilhões de reais com o
abuso no direito de demandar sob o pálio da gratuidade, o que revela que tais
questões devem também ser analisados sob a perspectiva de ponderação com
outros valores.

Ou seja, não se perca de vistas que em jogo, num


juízo a priori, tem-se valores devidos ao Erário que estão sendo sonegados quando
ocorrem tais abusos – o que faz com que o Julgador tenha que ter redobrada cautela
ao deferir o mesmo ou ao julgar um pedido de impugnação, isso porque, em se
tratando de valores devidos ao Erário, sobre eles se aplicam os prelados próprios da
Lei de Responsabilidade Fiscal, o que pode trazer consequências gravíssimas
quando são concedidos sem cautelas mínimas.

Essas as considerações básicas em torno do tema


processo e Constituição, restrito neste breve artigo, à questão das principais
discussões sobre princípios estruturantes do processo na Carta Magna, muito mais
poderia ser dito, por exemplo, se o exame se aprofundar sobre instrumentos de
proteção de direitos fundamentais (habeas copus, mandado de segurança, injunção
etc) ou sobre os meios processuais de controle de constitucionalidade, ou, ainda,
sobre a organização e funcionamento dos Tribunais e funções essenciais à Justiça
(modernamente chamadas de Ministérios Advocatícios por autores como Celso
Bastos e Yves Gandra da Silva Martins), o que, no entanto, tornaria hercúlea a
tarefa, tanto para quem escreve, como para quem a lê.

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NOTAS

[1] TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos
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[2] LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das
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[3]FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas,
1.988.
[4] ROBERTS, J. M. O livro de Ouro da História do Mundo. Rio de Janeiro: Ediouro,
2.001, p. 100.
[5] GIlLISEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Calouste Gubenkian,
1.987, p.67.
[6] FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Op. Cit.
[7] MONTESQUIEU. As causas da grandeza dos romanos e de sua decadência. São
Paulo: Ed. Saraiva. 1996.
[8] MESQUITA, José Ignácio Botelho de. A crise do Judiciário e o processo. Revista
da Escola Paulista da Magistratura. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, nº 1, Volume 2: 85-92, 2001.
[9] GOMES, Orlando. Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil, Publicações
da Universidade da Bahia: 1.958, p. 7-15.
[10] MORAES, Antônio Ermírio. A globalização e a Justiça. Www. Antonioermirio.
Com. Br/artigos/ justiça / 99fol336. Htm. Acesso em: 17/05/2.003.
[11] PEDROSO, Osmar. Participação no XVI Congresso de
Gramado. www.trt10.gov.br/escolajudicial/ biej4 99htm. Acesso em: 17/05/2.003.
[12] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 6 ed., São
Paulo: Malheiros. 2000, p.24.
[13] DINAMARCO, Cândido Rangel. op. Cit., p.25.
[14] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4. Ed., São Paulo:
Malheiros Editores, 2000, p. 28.
[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4. Ed., São Paulo:
Malheiros Editores, 2000,  p. 66.
[16] LOPES, João Batista. Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, Brasil, 2.003, p. 33.
[17] WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2 ed., Campinas:
Bookseller, 2000. P.19.
[18] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4. Ed., São Paulo:
Malheiros Editores, 2000,  p.251.
[19] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na  Constituição Federal. 2
ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.,  p.27.
[20] Com bastante propriedade Alessandra Spalding, coautora de obra a respeito da.
Reforma do Poder Judiciário, somando todos os prazos processuais aplicáveis às
partes, ao Juiz e aos serventuários da Justiça, chegou a um número de 131 dias
como número ideal de dias em que um feito deva ser extinto no procedimento
comum ordinário..
[21] LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1.989, p. 39.
[22] N. A.: Pelo óbvio que o princípio do tempo razoável não é absoluto e, em
havendo sua colidência, daí falar-se em mecanismos de antinomia, com outros
princípios constitucionais assegurados no ordenamento jurídico pátrio, poderá
ocorrer ampliações constitucionais de prazos processuais, pela aplicação, nesses
casos, dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
[23] N. A.: Como sabido, os atos decisórios, ou, tecnicamente, os provimentos, são
desafiados pelos recursos, mas, em casos como este, em que o fundamento do
descumprimento da Constituição não se funda em um provimento, pelo princípio da
taxatividade recursal, não seria viável a interposição de recurso, advindo daí, a
potencialidade de utilização de mandado de segurança, como via de busca da
efetividade de tal princípio constitucional.
[24] Tal situação, além de colaborar para impedir o uso desnecessário da máquina
judiciária estatal (reduz-se, praticamente pela metade o volume de serviços, eis que
ocorrerá uma única autuação, uma única conclusão, uma única citação e assim por
diante), em respeito, portanto, à própria racionalização do uso do serviço público de
forma moral e legítima (invoca-se o disposto na norma contida no artigo 37,  caput,
da Constituição Federal), colabora, por exemplo, para a consecução de outros
cânones de natureza constitucional, como, por exemplo, por via transversa, com
alguns impactos ambientais, eis que reduz o número de folhas de papel e outros
recursos não renováveis, como tinta e energia elétrica, diga-se en passant, etc...
[25] N. A.: Pelo óbvio que ainda remanescerão algumas situações em que será
viável o manejo de uma ação cautelar autônoma, eis que necessária, como se dá em
relação às situações das chamadas ações cautelares satisfativas, ou, por exemplo,
quando houver incompatibilidade de ritos a inviabilizar a cumulação.
[26] ASSIS, Araken. Cumprimento de sentença,  Rio de Janeiro: Forense, Brasil,
2.006, p. 14.
[28]SILVA, Júlio César Ballerini. APUD LOPES, João Batista.Direito à Saúde, Leme:
Habermann, Brasil, 2.009, p. 372/373.
[29] CINTRA, Antonio Carlos, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada
Pelegrini. Teoria Geral do Processo. 16 ed., São Paulo: Malheiros. 1999. P. 32.
[30] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, Brasil, 2000, p.
430-431.
[31] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas S/A, Brasil, 2000,
p. 431.
[32] TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998,  p. 99.
[33] CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado, São Paulo:
Martins Fontes, Brasil, 1.988 p. 270/271.

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