Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/319254290
CITATION READS
1 1,229
1 author:
Pedro Silva
University of Auckland
14 PUBLICATIONS 4 CITATIONS
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
All content following this page was uploaded by Pedro Silva on 23 August 2017.
O conceito de crise: Perspectiva
política e económica
Pedro Silva
Auckland University of Technology
Introdução
O debate e delimitação de um conceito é uma das principais funções de
um trabalho académico. Em edições anteriores (vide Silva, 2012), foi debatido o
conceito genérico de crise. Nesse sentido foi introduzido uma conceptualização
que pretendia enquadrar o conceito de uma forma genérica. No entanto, a
actualidade da sociedade em que vivemos traz‐nos constantemente o conceito de
‘crise’, usando‐o em vários contextos, seja numa vertente política, económica e
mesmo social. Em particular, no período conturbado que Portugal vive desde à
uns anos a esta parte, a proliferação deste conceito – tanto dentro e fora dos
círculos académicos – evidencia a necessidade de o compreender e debater.
Nesse sentido, o que pretendemos verificar neste capítulo é a adequação do
conceito apresentado anteriormente por Silva (2012) ás vertentes políticas
económicas e sociais. Para tal, iremos inicialmente revisitar o conceito de crise,
introduzindo como complemento a teoria dos sistemas, focando a nossa atenção
nos sistemas abertos. Seguidamente focaremos a nossa atenção no conceito de
crise política, comparando‐o com a arquitectura previamente apresentada.
Seguremos este modelo para analisar os conceitos de crise económica e
financeira. Por fim, iremos tentar apresentar algumas conclusões.
Revisitando o conceito de crise
O termo crise tem sido usado com alguma regularidade pela humanidade.
Na sua origem, deriva do grego “krísis” (Lopes, 2006), o qual derivava de um
conceito adoptado pela medicina. Nesta vertente, entendia‐se que nos
encontrávamos perante o conceito de ‘crise’ quando o paciente se encontrava
numa fase de evolução da doença onde o mesmo poderia evoluir para a
recuperação ou para a morte. Tradicionalmente a doença no ser humano ocorre
por exposição a algo que é estranho ao corpo, i.e., um vírus, bactéria, ou então
algum acidente com consequências físicas para o indivíduo. Neste vertente,
‘crise’ representava o ponto onde o organismo, afectado por uma influência
externa, ultrapassava a sua capacidade de resposta autónoma, encontrando‐se
por isso no ponto onde poderia evoluir para a recuperação total ou para a morte.
Nesta perspectiva é interessante verificar que a vontade do paciente, i.e., o seu
desejo intrínseco de recuperar é, por si só, indiferente. O desejo de recuperação
do paciente apenas poderá ter impacto na sua recuperação caso este procure
ajuda externa, i.e., procure um médico. Assim, este ponto‐de‐não‐retorno priva o
paciente da sua autonomia a capacidade de decisão. É fácil perceber que uma
pessoa debilitada fisicamente, e até próxima da morte, se encontra á mercê de
uma entidade externa que dela cuide. Este conceito médico de ‘crise’ foi
adaptado na filosofia e teorias evolucionistas no final do Século XIX, sendo Marx
o primeiro a definir o conceito sistémico de crise.
2
seu exterior. Assim, entendemos como ‘sistemas fechados’ os sistemas que se
encontram isolados, ou seja, que não têm nenhuma relação com o mundo
exterior. No entanto, outros sistemas mantém – com maior ou menor
regularidade – relações com outras partes de outros sistemas. Estas trocas com o
mundo exterior podem ser constituídas por vários e diversos elementos, como
energia, informação, etc.. Estes sistemas são apelidados de ‘sistemas abertos’.
Assim, verificamos que normalmente os sistemas fechados tendem a ter uma
muito menor complexidade, ao passo que os sistemas abertos tendem a ser
sistemas complexos. De facto, quanto maior for a abertura do sistema, em regra,
maior tende a ser a sua complexidade. Concorrentemente, todos os sistemas
tendem para o equilíbrio. Isto significa que normalmente um sistema fechado
tende para a entropia, ao passo que os sistemas abertos , porque mantém
reacções com o exterior, tendem a atrasar o processo de entropia (Bertalanffy,
1951).
3
possibilidade de deixar de existir. Neste contexto, é também importante clarificar
o conceito de ‘morte’ num sistema social. Neste sentido, ‘morte’ de uma
sociedade não prende significar a aniquilação de todos os seres humanos que
pertencem a esse sistema (se bem que em raras excepções tal aconteceu). Neste
contexto, ‘morte’ significa o ponto onde os valores e conceitos de uma
determinada sociedade evoluíram de tal como que deixa de haver semelhanças
significativas com o sistema anterior.
4
nosso estudo bastante mais desafiante. Assim, e com o intuito de nos mantermos
fiéis à intensão inicial, iremos verificar o conceito de ‘crise’ sobre a perspectiva
política, económica e social, com o intuito de verificar a possível existência de
pontos de contacto.
Crise na perspectiva política
No processo de observar a crise no contexto político, torna‐se necessário
antes de mais definir o que entendemos por ‘política’. Sendo a definição do
conceito de ‘política’ merecedor de um inteiro capítulo, ou melhor de vários
volumes, para a análise do conceito de crise tomaremos este conceito de uma
forma lata, referindo apenas a relação com a organização, direcção e
administração de uma sociedade, a qual se encontra organizada num Estado.
Deste modo, podemos facilmente verificar que o sistema político é em sui
próprio um sistema aberto, o qual mantém interacções permanentes com o
resto da sociedade. De facto, podemos dizer que os sistemas políticos ocidentais
contemporâneos se caracterizam por uma grade abertura, onde se verificam
variadas interacções. Nesta vertente, Duignan (2012) explora os conceitos de
governance numa perspectiva local, regional, nacional e até supranacional,
oferecendo‐nos uma estrutura de análise de vários tipos e funções dos sistemas
políticos, bem como uma evolução destes mesmos sistemas. Assim, e uma vez
caracterizado um determinado sistema político, passa a ser possível observar a
sua evolução, identificando o ponto a partir do qual este passa a ser diferente, i.e.,
‘morre’ e um ‘novo’ sistema o substitui.
5
sendo introduzida uma ‘nova’ entidade que passa a fazer parte do sistema
político. Neste caso concreto, a obra de Nello (2012) torna‐se bastante
esclarecedora, ao descrever a actual arquitectura de poder na União Europeia. Da
facto, e quando comparado com o sistema político criado no período pós‐
revolucionário, verificamos a existência de um ‘novo’ sistema. No entanto, é
interessante verificar que a palavra ‘crise’ praticamente não foi usada para
descrever este novo equilíbrio. No entanto, este conceito foi sim bastante usado a
quando da assinatura do acordo entre Portugal e a Comissão Europeia, o Fundo
Monetário Internacional, e o Banco Central Europeu, no que ficou conhecido
como o ‘resgate da troika’. Neste caso, torna.se interessante perguntar se nos
encontramos perante um ponto‐de‐não‐retorno, i.e. uma crise. Apesar de este
acordo ter restringido bastante as liberdades de um sistema político, a
consequência não foi a criação de um novo sistema per si, mas antes a
operacionalização de uma alteração de um sistema político o qual já tinha sido
alterado pela adesão de Portugal à União Europeia, o qual criou condições para
este tipo de acordo.
6
Tendo discutido o conceito de crise na macro perspectiva política, é
interessante verificar que encontramos paralelismos no conceito de crise, agora
aplicado a instituições políticas. Monteiro (2003) dedica um subcapítulo à crise
das instituições. Neste contexto, o autor defende que a sociedade é dinâmica,
sendo possível verificar através da história processos – mais ou menos lentos –
de alteração da estortura social. Quando estas alterações ocorrem, existem
alturas em que as instituições políticas deixam de conseguir dar resposta às
alterações, verificando‐se assim um desfasamento entre a sociedade e as
instituições. É neste contexto que, conclui o autor, nos encontramos perante uma
crise das instituições (Monteiro, 2003). Esta ‘crise’ leva geralmente a uma
adaptação das instituições, ou seja, a uma transformação. Esta perspectiva
defendida por Monteiro é bastante interessante, quando colocada perante a
actualidade nacional. Assim, é importante perceber que a ‘crise’ a que se referem
vários autores não se encontra no sistema político. A crise actual existe nas
instituições, as quais provavelmente ainda não se adaptaram à alteração
sistémica introduzida anteriormente.
Crise na perspectiva Económica e Financeira
Muito se tem escrito sobre a actual crise económica, e em particular na
sua vertente financeira. Entre outros, Acharya, Philippon, Richardson, e Roubini
(2009) oferecem uma perspectiva dos acontecimentos da recente crise financeira
mundial. No entanto, e antes de abordar o tema mais detalhadamente, há que
distinguir entre crise económica e crise financeira, sendo que a segunda é um
componente da primeira. De facto, quando falamos em economia falamos na
ciência da tomada de decisão sobre a alocação de recursos limitados (Stewart,
2012). Em particular, os fluxos financeiros são apenas uma parte do sistema
económico sendo este mais abrangente. Assim, ao abordarmos o conceito de
crise económica, iremos abordar as duas perspectivas, começando da mais
restrita para a mais abrangente.
7
actividade económica, com um impacto especialmente negativo para as classes
mais desfavorecidas. Ainda no âmbito das crises financeiras, podemos distinguir
três diferentes tipos de crises, monetárias, bancárias e da dívida. As crises
monetárias ocorrem quando uma acção especulativa leva a uma forte
desvalorização da moeda. Estas podem ser crises lentas ou crises novas. As crises
bancárias ocorrem quando ocorre uma falência de um ou mais elementos dos
sistema, i.e., bancos, o que provoca uma queda de confiança do público nestas
instituições. Por fim, podemos estar perante uma crise da dívida, a qual ocorre
quando os emprestadores desconfiam que os pagadores vão cumprir com as
suas obrigações (Medeiros, 2003). Tendo em perspectiva a actual crise nacional, e
apesar de encontrarmos na macroestrutura ao nível da União Europeia, vestígios
de uma crise monetária lenta, bem como a existência de focos de crises
bancárias, o que verificamos como o grande foco da actual crise financeira é uma
crise da dívida. Par ao estudo desta crise da dívida, das perspectivas devem ser
tomadas, a nacional e a europeia.
8
Este argumento não pretende ignorar o facto de que Portugal sofreu uma
redução da actividade económica, a qual teve – e continua a ter – impactos em
toda a sociedade, e em particular, nas áreas mais carenciadas. No entanto, a nível
nacional, esta é uma crise económica, a qual aparece como consequência da crise
financeira. Com a limitação do acesso a capital externo, bem como a alteração
política anteriormente debatida, o que ocorre é uma alteração na distribuição da
riqueza. Esta alteração constitui‐se como uma alteração bastante profunda, uma
vez que altera vários sistemas económicos existentes. Neste sentido, estamos
verdadeiramente perante um ponto‐de‐não‐retorno, onde a actual sociedade não
voltará ao sistema pré‐crise. A consubstanciar este facto estão as recentes
declarações de Fevereiro de 2014, onde o governo afirma que os cortes salariais
na função pública passam de provisórios a definitivos. A acrescentar a esta
alteração sistémica de redistribuição da riqueza, outras se juntam como as
alterações ao sistema de impostos, bem como aos sistemas de monitorização da
despesa implementados, entre outros. Uma vez mais, não pretendemos avaliar
neste capítulo a eficácia destas alterações, mas apenas observa‐las, verificado
assim a aplicação do conceito de crise.
Conclusão
Neste artigo pretendemos verificar a aplicabilidade do conceito de crise
às vertentes política, económica e financeira. Assim, começamos por abordar o
conceito de crise, fundindo este conceito na teoria geral dos sistemas. Assim,
concluímos que nos sistemas abertos, crise ocorre quando nos encontramos num
ponto‐de‐não‐retorno de um sistema, o qual pode evoluir para a manutenção do
staus quo, ou para a alteração do sistema, i.e., para a sua ‘morte’. Posteriormente,
tentamos verificar a aplicabilidade deste conceito à actual crise nacional.
9
quais necessitam de se adaptar à alteração inserida no sistema. Assim, ao
falarmos de crise política em Portugal, estaremos verdadeiramente a referir‐nos
à crise de instituições políticas, uma vez que não nos parece estar em causa o
actual sistema político, democrático e constitucional.
10
Bibliografia
Acharya, V., Philippon, T., Richardson, M., & Roubini, N. (2009). The financial
crisis of 2007‐2009: Causes and remedies. Financial Markets, Institutions &
Instruments , 18 (2), 89‐137.
Duignan, B. (2012). Political systems, structures, and functions. New York, N.Y.,
U.S.A.: Britannica Educational Pub.
Elster, J., & Goldhammer, A. (2011). Tocqueville : The Ancien Régime and the
French Revolution. New York, N.Y., U.S.A.: Cambridge University Press.
Nello, S. (2012). The European Union : economics, policies and history. London,
U.K.: McGraw‐Hill Higher Education.
Silva, P. (2012). A Crise. In A. S. Lara, Caos Urbano (pp. 25‐38). Lisboa, Portugal:
Practor.
Sobre o autor:
11