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O conceito de crise: Perspectiva política e económica

Chapter · January 2014

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Pedro Silva
University of Auckland
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Silva, P (2014). O conceito de crise: Perspectiva política e económica, In A. S. Lara
Crise, Estado e Segurança (59‐68). Lisboa, Portugal: Edições MGI

O conceito de crise: Perspectiva 
política e económica 
Pedro Silva
Auckland University of Technology

Introdução 

O debate e delimitação de um conceito é uma das principais funções de
um trabalho académico. Em edições anteriores (vide Silva, 2012), foi debatido o
conceito genérico de crise. Nesse sentido foi introduzido uma conceptualização
que pretendia enquadrar o conceito de uma forma genérica. No entanto, a
actualidade da sociedade em que vivemos traz‐nos constantemente o conceito de
‘crise’, usando‐o em vários contextos, seja numa vertente política, económica e
mesmo social. Em particular, no período conturbado que Portugal vive desde à
uns anos a esta parte, a proliferação deste conceito – tanto dentro e fora dos
círculos académicos – evidencia a necessidade de o compreender e debater.
Nesse sentido, o que pretendemos verificar neste capítulo é a adequação do
conceito apresentado anteriormente por Silva (2012) ás vertentes políticas
económicas e sociais. Para tal, iremos inicialmente revisitar o conceito de crise,
introduzindo como complemento a teoria dos sistemas, focando a nossa atenção
nos sistemas abertos. Seguidamente focaremos a nossa atenção no conceito de
crise política, comparando‐o com a arquitectura previamente apresentada.
Seguremos este modelo para analisar os conceitos de crise económica e
financeira. Por fim, iremos tentar apresentar algumas conclusões.

Revisitando o conceito de crise 

O termo crise tem sido usado com alguma regularidade pela humanidade.
Na sua origem, deriva do grego “krísis” (Lopes, 2006), o qual derivava de um
conceito adoptado pela medicina. Nesta vertente, entendia‐se que nos
encontrávamos perante o conceito de ‘crise’ quando o paciente se encontrava
numa fase de evolução da doença onde o mesmo poderia evoluir para a
recuperação ou para a morte. Tradicionalmente a doença no ser humano ocorre
por exposição a algo que é estranho ao corpo, i.e., um vírus, bactéria, ou então
algum acidente com consequências físicas para o indivíduo. Neste vertente,
‘crise’ representava o ponto onde o organismo, afectado por uma influência
externa, ultrapassava a sua capacidade de resposta autónoma, encontrando‐se
por isso no ponto onde poderia evoluir para a recuperação total ou para a morte.
Nesta perspectiva é interessante verificar que a vontade do paciente, i.e., o seu
desejo intrínseco de recuperar é, por si só, indiferente. O desejo de recuperação
do paciente apenas poderá ter impacto na sua recuperação caso este procure
ajuda externa, i.e., procure um médico. Assim, este ponto‐de‐não‐retorno priva o
paciente da sua autonomia a capacidade de decisão. É fácil perceber que uma
pessoa debilitada fisicamente, e até próxima da morte, se encontra á mercê de
uma entidade externa que dela cuide. Este conceito médico de ‘crise’ foi
adaptado na filosofia e teorias evolucionistas no final do Século XIX, sendo Marx
o primeiro a definir o conceito sistémico de crise.

Marx traz este conceito para o domínio dos sistemas, encontrando e


descrevendo um paralelismo entre o sistema humano e o sistema social. Este
paralelismo permite‐nos introduzir o conceito de teoria dos sistemas, o qual é
essencial para uma melhor compreensão do conceito de crise. Assim, a teoria
geral dos sistemas oferece‐nos as bases conceptuais para melhor compreender o
conceito de crise. Nesse sentido, entendemos como um sistema uma combinação
de partes que, tendo cada uma funções diferentes, contribuem de forma
integrada para um funcionamento global (Bertalanffy, 1951). Esta definição
ampla pode ser aplicada desde à mais ínfima célula até às imensas galáxias, uma
vez que apenas reconhece um somatório de partes – em principio diferentes –
contribuindo de forma integrada para um produto comum. Deste modo, a teoria
geral dos sistemas oferece‐nos a capacidade de análise de cada um dos
componentes de um determinado sistema, ajudando‐nos assim a perceber o
funcionamento do sistema como um todo. Ainda no enquadramento desta teoria,
Bertalanffy (1951) oferece‐nos ainda uma categorização de dois tipos de
sistemas, baseando essa diferenciação nas relações que cada sistema tem com o

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seu exterior. Assim, entendemos como ‘sistemas fechados’ os sistemas que se
encontram isolados, ou seja, que não têm nenhuma relação com o mundo
exterior. No entanto, outros sistemas mantém – com maior ou menor
regularidade – relações com outras partes de outros sistemas. Estas trocas com o
mundo exterior podem ser constituídas por vários e diversos elementos, como
energia, informação, etc.. Estes sistemas são apelidados de ‘sistemas abertos’.
Assim, verificamos que normalmente os sistemas fechados tendem a ter uma
muito menor complexidade, ao passo que os sistemas abertos tendem a ser
sistemas complexos. De facto, quanto maior for a abertura do sistema, em regra,
maior tende a ser a sua complexidade. Concorrentemente, todos os sistemas
tendem para o equilíbrio. Isto significa que normalmente um sistema fechado
tende para a entropia, ao passo que os sistemas abertos , porque mantém
reacções com o exterior, tendem a atrasar o processo de entropia (Bertalanffy,
1951).

Do que foi exposto, combinando a teoria geral dos sistemas com o


conceito de crise inicialmente explorado, extrapolar uma arquitectura que nos
permite continuar a nossa pesquisa. Da teoria geral dos sistemas percebemos a
existência de sistemas abertos e fechados. Sendo que os sistemas possuem
naturalmente uma fronteira que delimita o que se encontra dentro e fora do
sistema, os sistemas abertos mantêm interacções com o exterior. Podemos
também verificar que a sociedade em geral é em si própria um sistema, o qual
mantém relações com o exterior, e em si próprio é composto por vários sistemas.
No que se refere às interacções, verificamos ainda que estas tomam diversas
formas, sendo possível verificar a existência de trocas de recursos, informação,
energia, etc., as quais mantém o sistema longe da entropia. Assim, e ao
aplicarmos o conceito inicial de crise a esta abordagem, verificamos que nos
encontramos perante o conceito de crise quando o sistema se degrada a um
ponto onde a própria existência do sistema se coloca em causa. Por outras
palavras, quando o sistema se encontra perante um ponto‐de‐não‐retorno.
Nestas alturas o sistema apresenta fragilidade e vulnerabilidade, sendo
normalmente indiferente a vontade do próprio sistema. Deste modo, observamos
a falta de independência do sistema, quando este se encontra perante a

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possibilidade de deixar de existir. Neste contexto, é também importante clarificar
o conceito de ‘morte’ num sistema social. Neste sentido, ‘morte’ de uma
sociedade não prende significar a aniquilação de todos os seres humanos que
pertencem a esse sistema (se bem que em raras excepções tal aconteceu). Neste
contexto, ‘morte’ significa o ponto onde os valores e conceitos de uma
determinada sociedade evoluíram de tal como que deixa de haver semelhanças
significativas com o sistema anterior.

Num processo social, esta transformação é mais visível num período


revolucionário. Para tal, tomemos como exemplo a Revolução Francesa. A
sociedade do Ancien Regime possuía uma estrutura, bem como um conjunto de
valores e de crenças os quais caracterizavam aquela sociedade. Com a Revolução
Francesa, observamos a um redesenhar de uma nova sociedade, com uma nova
estrutura, valores e crenças. Esta mudança não foi imediata, mas antes um
processo lento e moroso onde nem sempre o desfecho foi previsto pelos
revolucionários. De facto, Elster e Goldhammer (2011) apresentam uma excelente
perspectiva sobre os acontecimentos da Revolução Francesa. Neste contexto,
conseguimos perceber que o sistema chegou a um ponto‐de‐não‐retorno, onde
poderia evoluir para a ‘cura’. i.e., a manutenção do status quo, ou para a sua
‘morte’. Assim, a ‘morte’ do sistema observou‐se pela alteração – e criação – de
um ‘novo’ sistema, e não necessariamente pela ‘morte’ física de toda a sociedade,
embora seja verdade tenhamos assistido a ‘mortes’ físicas de algum membros da
sociedade. No entanto, estas ‘mortes’ físicas são irrelevantes para o estudo da
‘morte’ do sistema. Esta reflexão e paralelismo com a Revolução Francesa são
extremamente benéficas para a compreensão do modelo, permitindo um claro
exemplo de uma ‘morte’ de um sistema, uma vez que é possível observar a sua
transformação num relativamente curto espaço de tempo. No entanto, a
sociedade em geral encontra‐se sempre em permanente evolução. Neste sentido,
Kidd (1895) oferece‐nos uma perspectiva sobre evolução das sociedades. No
entanto, e para o estudo actual, torna‐se necessário reflectir sobre o significado
de ‘morte’, i.e., o ponto a partir do qual uma sociedade é classificada como ‘nova’,
e com isso reconhecendo a ‘morte’ do sistema anterior. Esta é uma questão que
infelizmente não encontra consenso na comunidade científica, o que torne o

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nosso estudo bastante mais desafiante. Assim, e com o intuito de nos mantermos
fiéis à intensão inicial, iremos verificar o conceito de ‘crise’ sobre a perspectiva
política, económica e social, com o intuito de verificar a possível existência de
pontos de contacto.

Crise na perspectiva política 
No processo de observar a crise no contexto político, torna‐se necessário
antes de mais definir o que entendemos por ‘política’. Sendo a definição do
conceito de ‘política’ merecedor de um inteiro capítulo, ou melhor de vários
volumes, para a análise do conceito de crise tomaremos este conceito de uma
forma lata, referindo apenas a relação com a organização, direcção e
administração de uma sociedade, a qual se encontra organizada num Estado.
Deste modo, podemos facilmente verificar que o sistema político é em sui
próprio um sistema aberto, o qual mantém interacções permanentes com o
resto da sociedade. De facto, podemos dizer que os sistemas políticos ocidentais
contemporâneos se caracterizam por uma grade abertura, onde se verificam
variadas interacções. Nesta vertente, Duignan (2012) explora os conceitos de
governance numa perspectiva local, regional, nacional e até supranacional,
oferecendo‐nos uma estrutura de análise de vários tipos e funções dos sistemas
políticos, bem como uma evolução destes mesmos sistemas. Assim, e uma vez
caracterizado um determinado sistema político, passa a ser possível observar a
sua evolução, identificando o ponto a partir do qual este passa a ser diferente, i.e.,
‘morre’ e um ‘novo’ sistema o substitui.

Sendo bastante interessante esta observação numa perspectiva global,


para o livro actual torna‐se relevante a análise do sistema político português.
Assim, observando a macroestrutura do sistema, Portugal pode ser considerado
um estado independente, como um sistema político democrático e
constitucional, o qual se enquadra num regime semipresidencialista. Neste
sistema, são os cidadãos que, ao exercer o seu direito de voto, determinam – em
teoria – a direcção política que o país tende a tomar. Com a adesão de Portugal à
Comunidade Económica Europeia – actual União Europeia – e a transferência de
poderes para Bruxelas, verificamos imediatamente uma alteração no sistema,

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sendo introduzida uma ‘nova’ entidade que passa a fazer parte do sistema
político. Neste caso concreto, a obra de Nello (2012) torna‐se bastante
esclarecedora, ao descrever a actual arquitectura de poder na União Europeia. Da
facto, e quando comparado com o sistema político criado no período pós‐
revolucionário, verificamos a existência de um ‘novo’ sistema. No entanto, é
interessante verificar que a palavra ‘crise’ praticamente não foi usada para
descrever este novo equilíbrio. No entanto, este conceito foi sim bastante usado a
quando da assinatura do acordo entre Portugal e a Comissão Europeia, o Fundo
Monetário Internacional, e o Banco Central Europeu, no que ficou conhecido
como o ‘resgate da troika’. Neste caso, torna.se interessante perguntar se nos
encontramos perante um ponto‐de‐não‐retorno, i.e. uma crise. Apesar de este
acordo ter restringido bastante as liberdades de um sistema político, a
consequência não foi a criação de um novo sistema per si, mas antes a
operacionalização de uma alteração de um sistema político o qual já tinha sido
alterado pela adesão de Portugal à União Europeia, o qual criou condições para
este tipo de acordo.

É evidente que na história de Portugal contemporâneo, esta não é a


primeira vez que o Fundo Monetário Internacional se ‘desloca’ a Portugal. De
facto 1977 e 1983 ficaram também para a história como anos em que esta
instituição dedicou alguma atenção ao nosso país. No entanto, a observação das
alterações sistémicas decorrentes dessas intervenções foram substancialmente
diferentes. Uma outra questão prende‐se com o facto de terem havido vestígios
de ‘crise’ a quando da actual intervenção da troika. Em bom rigor, existiu na
sociedade portuguesa uma discussão sobre o facto da possibilidade de Portugal
abandonar a União Europeia e regressar ao anterior sistema político pré‐
Europeu. Aqui sim, verificamos um dos elementos da crise, ou seja, a
possibilidade de alteração do sistema. De facto, esta alteração do sistema nada
mais seria que o regresso ao anterior sistema. No entanto – e admitindo ser
possível questionar esta percepção – a possibilidade de saída da União Europeia
não se constituiu como uma verdadeira possibilidade, mas antes uma retórica
política utilizada por alguns partidos.

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Tendo discutido o conceito de crise na macro perspectiva política, é
interessante verificar que encontramos paralelismos no conceito de crise, agora
aplicado a instituições políticas. Monteiro (2003) dedica um subcapítulo à crise
das instituições. Neste contexto, o autor defende que a sociedade é dinâmica,
sendo possível verificar através da história processos – mais ou menos lentos –
de alteração da estortura social. Quando estas alterações ocorrem, existem
alturas em que as instituições políticas deixam de conseguir dar resposta às
alterações, verificando‐se assim um desfasamento entre a sociedade e as
instituições. É neste contexto que, conclui o autor, nos encontramos perante uma
crise das instituições (Monteiro, 2003). Esta ‘crise’ leva geralmente a uma
adaptação das instituições, ou seja, a uma transformação. Esta perspectiva
defendida por Monteiro é bastante interessante, quando colocada perante a
actualidade nacional. Assim, é importante perceber que a ‘crise’ a que se referem
vários autores não se encontra no sistema político. A crise actual existe nas
instituições, as quais provavelmente ainda não se adaptaram à alteração
sistémica introduzida anteriormente.

Crise na perspectiva Económica e Financeira 
Muito se tem escrito sobre a actual crise económica, e em particular na
sua vertente financeira. Entre outros, Acharya, Philippon, Richardson, e Roubini
(2009) oferecem uma perspectiva dos acontecimentos da recente crise financeira
mundial. No entanto, e antes de abordar o tema mais detalhadamente, há que
distinguir entre crise económica e crise financeira, sendo que a segunda é um
componente da primeira. De facto, quando falamos em economia falamos na
ciência da tomada de decisão sobre a alocação de recursos limitados (Stewart,
2012). Em particular, os fluxos financeiros são apenas uma parte do sistema
económico sendo este mais abrangente. Assim, ao abordarmos o conceito de
crise económica, iremos abordar as duas perspectivas, começando da mais
restrita para a mais abrangente.

Relativamente ao conceito de crise financeira, Medeiros (2003) dedica um


capítulo às crises financeiras e ao seu inerente risco sistémico. Segundo o autor,
uma crise financeira tem sempre como consequências uma redução da

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actividade económica, com um impacto especialmente negativo para as classes
mais desfavorecidas. Ainda no âmbito das crises financeiras, podemos distinguir
três diferentes tipos de crises, monetárias, bancárias e da dívida. As crises
monetárias ocorrem quando uma acção especulativa leva a uma forte
desvalorização da moeda. Estas podem ser crises lentas ou crises novas. As crises
bancárias ocorrem quando ocorre uma falência de um ou mais elementos dos
sistema, i.e., bancos, o que provoca uma queda de confiança do público nestas
instituições. Por fim, podemos estar perante uma crise da dívida, a qual ocorre
quando os emprestadores desconfiam que os pagadores vão cumprir com as
suas obrigações (Medeiros, 2003). Tendo em perspectiva a actual crise nacional, e
apesar de encontrarmos na macroestrutura ao nível da União Europeia, vestígios
de uma crise monetária lenta, bem como a existência de focos de crises
bancárias, o que verificamos como o grande foco da actual crise financeira é uma
crise da dívida. Par ao estudo desta crise da dívida, das perspectivas devem ser
tomadas, a nacional e a europeia.

Na perspectiva nacional, começamos por nos voltar a focar no conceito de


crise até agora seguido, como um ponto‐de‐não‐retorno o qual poderá dar ou
não a uma alteração do sistema. Assim, e na perspectiva nacional, reconhecemos
uma série de alterações introduzidas ao nível político‐económico, ou seja, no que
concerne aos mecanismos de redistribuição da riqueza produzida pelo Estado.
Na realidade, é esta alteração que leva ao impacto económico que a actual crise
tem, e o qual iremos abordar mais adiante. No que concerne aos mecanismos
nacionais de endividamento, a realidade é que – aparte de umas pequenas
alterações – o sistema se encontra praticamente igual. No entanto, ao nível
europeu, verifica‐se um conjunto de alterações sistémicas. Nesse sentido, a União
Europeia criou um conjunto de regulamentos, mecanismos e fundos, com os
quais pretendeu responder à actual situação. Não nos cabe neste capítulo ajuizar
da eficácia destas alterações (essa avaliação seria merecedora, no mínimo, de um
capítulo autónomo), mas antes de observar a sua existência. Assim, verificamos
que a ‘crise da dívida’ vivida por alguns países da zona Euro, levou a uma
alteração do sistema financeiro ao nível europeu, ou seja a ‘crise’ ocorreu ao
nível da União.

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Este argumento não pretende ignorar o facto de que Portugal sofreu uma
redução da actividade económica, a qual teve – e continua a ter – impactos em
toda a sociedade, e em particular, nas áreas mais carenciadas. No entanto, a nível
nacional, esta é uma crise económica, a qual aparece como consequência da crise
financeira. Com a limitação do acesso a capital externo, bem como a alteração
política anteriormente debatida, o que ocorre é uma alteração na distribuição da
riqueza. Esta alteração constitui‐se como uma alteração bastante profunda, uma
vez que altera vários sistemas económicos existentes. Neste sentido, estamos
verdadeiramente perante um ponto‐de‐não‐retorno, onde a actual sociedade não
voltará ao sistema pré‐crise. A consubstanciar este facto estão as recentes
declarações de Fevereiro de 2014, onde o governo afirma que os cortes salariais
na função pública passam de provisórios a definitivos. A acrescentar a esta
alteração sistémica de redistribuição da riqueza, outras se juntam como as
alterações ao sistema de impostos, bem como aos sistemas de monitorização da
despesa implementados, entre outros. Uma vez mais, não pretendemos avaliar
neste capítulo a eficácia destas alterações, mas apenas observa‐las, verificado
assim a aplicação do conceito de crise.

Conclusão 
Neste artigo pretendemos verificar a aplicabilidade do conceito de crise
às vertentes política, económica e financeira. Assim, começamos por abordar o
conceito de crise, fundindo este conceito na teoria geral dos sistemas. Assim,
concluímos que nos sistemas abertos, crise ocorre quando nos encontramos num
ponto‐de‐não‐retorno de um sistema, o qual pode evoluir para a manutenção do
staus quo, ou para a alteração do sistema, i.e., para a sua ‘morte’. Posteriormente,
tentamos verificar a aplicabilidade deste conceito à actual crise nacional.

Na perspectiva política verificamos que a verdadeira alteração do sistema


ocorreu com a adesão de Portugal à União Europeia, e com a aceitação de um
conjunto de mecanismos que alteraram o sistema de decisão político. Com esta
observação não pretendemos colocar em causa ou tampouco efectuar um juízo
de valor sobre a decisão relativa a adesão, mas apenas verificar a existência de
uma alteração. Na realidade, o que verificamos foi uma crise de instituições, as

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quais necessitam de se adaptar à alteração inserida no sistema. Assim, ao
falarmos de crise política em Portugal, estaremos verdadeiramente a referir‐nos
à crise de instituições políticas, uma vez que não nos parece estar em causa o
actual sistema político, democrático e constitucional.

Na vertente económica distinguimos a crise económica da crise


financeira. Em particular, verificamos que a actual crise financeira pode ser
classificada como uma crise da dívida. No entanto, ao nível da alteração
sistémica, esta torna‐se mais evidente ao nível europeu que ao nacional, pelo que
argumentámos que a crise da dívida teve impactos ao nível do sistema europeu,
ao passo que ao nível nacional poucas foram as alterações ao sistema. No
entanto, esta crise financeira obrigou o poder político a alterar o sistema de
redistribuição da riqueza, pelo que observámos alterações ao nível económico.
Assim, concluímos que o conceito crise financeira, porque alterou os sistemas, é
mais adequado ao nível europeu, e crise económica se adequa mais à realidade
nacional.

Em jeito de conclusão, a presente reflexão pretendeu contribuir para a


clarificação terminológica do conceito de crise, e verificar a adequabilidade do
conceito apresentado por Silva (2012) às vertentes políticas e financeiras. Assim,
verificamos que o conceito se mantém actual, e o mesmo pode ser transposto
para observar outros fenómenos sociais, contribuindo assim para uma melhor
definição conceptual.

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Bibliografia 

Acharya, V., Philippon, T., Richardson, M., & Roubini, N. (2009). The financial
crisis of 2007‐2009: Causes and remedies. Financial Markets, Institutions &
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Bertalanffy, L. V. (1951). Problems of general system theory. Human Biology , 23


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Duignan, B. (2012). Political systems, structures, and functions. New York, N.Y.,
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Elster, J., & Goldhammer, A. (2011). Tocqueville : The Ancien Régime and the
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Medeiros, E. R. (2003). Ecnomia Internacional. Lisboa, Portugal: ISCSP.

Monteiro, J. (2003). Poder e Obediência. Lisboa, Portugal: ISCSP.

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Stewart, J. (2012). Economic concepts and applications: The contemporary New


Zealand environment. Auckland, New Zealand: Pearson.

Sobre o autor:

Doutor pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP);


Investigador do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP);
Senior Learning Advisor na Auckland University of Technology (AUT), New
Zealand.

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