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RESUMO
O trabalho a ser desenvolvido tem como proposta inicial analisar de que maneira a
cidade de Brasília aparece em poemas e raps produzidos por mulheres nas cidades
localizadas em torno do Plano Piloto. Partindo do pressuposto de que poesia e música
são produtoras de sentidos, de práticas e não reflexo das impressões de seus
compositores sobre a realidade circundante, a ideia é investigar narrativas sobre a
presença e a circulação das mulheres na cidade de Brasília. Um dos objetivos é dialogar
com olhares e falas sobre a cidade localizados fora do Plano Piloto no intuito de captar
outras perspectivas sobre a vivência nas antigamente conhecidas “cidades satélites” a
partir do ponto de vista das mulheres.
Dialogando com raps de Vera Veronika e do grupo Atitude Feminina é possível
perceber que existem representações plurais sobre a cidade de Brasília, muitas delas
contrastantes com a imagem canônica sobre a cidade modernista, ora símbolo do
planejamento e da organização, terra de oportunidades, ora desprovida de vida e calor
humanos. A experiência das cantoras nas cidades que contornam Brasília aponta para a
existência de uma cidade revelada em seu cotidiano, cujo lugar de satélite se mostra
equivocado, pois a experiência traduzida em poesia desvela uma cidade pulsante, com
organização própria e, em alguns sentidos, autônoma.
Palavras-chave: Brasília; cidades-satélite; história; representação; música; rap;
mulheres.
INTRODUÇÃO
Brasília tem dentre suas principais marcas um planejamento urbano diferenciado
e uma arquitetura modernista que recebeu desde sua construção atenção privilegiada.
Muito se fala sobre a Brasília, cidade ícone do modernismo na arquitetura e urbanismo,
sendo grande parte dos estudos e análises voltados, sobretudo, para o Plano Piloto.
Contudo, Brasília não resume-se ao Plano Piloto. A preocupação com o planejamento
urbano e a alocação dos trabalhadores que atuaram em sua construção remonta as
décadas de 1940/1960 momento que marca o início da preocupação com a ocupação do
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Ada Dias Pinto Vitenti – Doutoranda no PPGHIS/UnB
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entorno de Brasília (Derntl, 2019), podemos dizer então que a possibilidade da criação
de cidades-satélite, ainda que não tenham recebido este nome desde o início, esteve no
horizonte de urbanistas e planejadores da cidade desde antes da sua construção efetiva.
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Embora não faça aqui uma análise específica de gênero, a escolha é colocar em
foco o ponto de vista das mulheres, pois percebo a necessidade de dialogar com olhares
e falas sobre a cidade localizados fora do centro da capital do país no intuito de captar
outras perspectivas sobre a vivência nas antigamente conhecidas “cidades satélites” a
partir da experiência das mulheres que habitam esses espaços, pois essas falas podem
trazer novas nuances à investigação proposta, afinal corpos femininos e masculinos
possuem representações diferentes e consequentemente experimentam e retratam os
espaços de forma diferenciada.
Dialogando com raps de Vera Veronika e do grupo Atitude Feminina é possível
perceber que existem representações plurais sobre a cidade de Brasília, muitas delas
contrastantes com a imagem canônica sobre a cidade modernista, ora símbolo do
planejamento e da organização, terra de oportunidades, ora desprovida de vida e calor
humanos. A experiência das cantoras nas cidades que contornam Brasília aponta para a
existência de uma cidade revelada em seu cotidiano, cujo lugar de satélite se mostra
equivocado, pois a experiência traduzida em poesia desvela uma cidade pulsante, com
organização própria e, em alguns sentidos, autônoma.
APORTES TEÓRICOS/METODOLÓGICOS
A arte é entendida como fonte quando levamos em consideração que a mesma
carrega uma forma (dentre outras várias possíveis) de apreensão da realidade a qual se
refere. Como coloca Sandra Pesavento,
“Imagens pictóricas, discursos poéticos e lendas são
representações do mundo que se oferecem ao historiador como
portas de entrada ao mundo das sensibilidades da época que as
engendrou. Se a definição aristotélica as coloca do lado das
coisas não verdadeiras, por contraste à história, narrativa do
acontecido, tais representações, contudo, não deixam jamais de
ter o real como referente. Seja como confirmação, negação,
ultrapassagem, transformação, inscrição de um sonho, fixação
de normas e códigos, registro de medos e pesadelos,
exteriorização de expectativas, a arte é um registro sensível no
tempo, que diz como os homens representavam a si próprios e
ao mundo.” (Pesavento, 2002)
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Brasília hoje conta com nomes de mulheres impostantes no RAP, como Vera
Verônika, Atitude Feminina, a dupla BellaDona, coletivo Batalha das Gurias, MC
Marciana MC Lis, MCs Kayne Araújo e Morena Araújo, Layla Moreno. Dentre as
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várias opções, optei por fazer um recorte mais preciso e analisar fragmentos discursivos
de raps de Vera Verônika e do grupo Atitude Feminina.
Vera Verônika nasceu em Brasília, mas foi morar em Valparaíso, cidade do
entorno do DF, no bairro São Fernando, conhecido como Posto 7 ainda criança. Pode
ser considerada a primeira mulher a entrar na cena do rap da capital do país. Além da
sua música, pois através do RAP ela narra suas vivências, seu cotidiano especialmente
as concernentes à condição de mulher negra, moradora de periferia e as implicações
dessas realidades, sua atuação como pedagoga e ativista social é muito importante. Em
suas palavras, "A gente que trabalha com o rap, canta o que vive, as questões sociais
que passamos. O rap é abordar os problemas que existem, para que tenha uma
transformação rítmica e social das pessoas"3.
Um dos muitos pontos em comum na produção do RAP em Brasília, sejam eles
compostos por homens ou mulheres, é a polarização centro-periferia, no caso Plano
Piloto e Entorno. Essa dualidade é narrada de forma recorrente nas canções de Vera
Verônika e Atitude Feminina. Percebo que seus relatos tratam do cotidiano nas cidades-
satélites, por elas também chamadas de periferia. Como na canção “Nossa Quebrada” de
Vera Veronika.
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revolução/Através das palavras, enquanto jovem era disso que eu precisava/ Valparaíso
a cidade/São Bernardo o bairro/Posto sete o codinome marcado” falam de como o RAP
é um meio privilegiado para cantar suas experiências, além de evidenciar na canção seu
lugar de pertencimento, sua territorialidade, afirmando a cidade de Valparaíso como
parte integrante do Distrito Federal. Segundo Paviani, “Em Luziânia, a explosão dos
loteamentos deu origem a novos municípios – Cidade Ocidental, Novo Gama e
Valparaízo, cujos vínculos com Brasília os fazem participar, funcionalmente, da Área
Metropolitana de Brasília (AMB).” (PAVIANI, 2009:81)
Em outro trecho da mesma canção Vera Verônika diz “Piratas do Entorno para
dizer como é/Nossa quebrada hospitaleira de Marias e Josés/De um povo que luta
sempre e não desiste nunca/Maioria do nordeste fugindo da vida dura”. Aqui o eu-lírico
aciona a ideia de pirataria, ou seja, de quem vive no Entorno ocupa um espaço outsider,
não por escolha própria, mas pela própria história da cidade e sua organização, que
realocou os trabalhadores que participaram da construção da capital e seus descendentes
fora do centro, do Plano Piloto. Como bem coloca a historiadora Viviane Ceballos,
O grupo de RAP e Hip Hop Atitude Feminina foi formado pelas amigas Jane,
Hellen, Giza Black e Aninha na cidade de São Sebastião, no Distrito Federal em 2000.
Devido ao pouco espaço que historicamente as mulheres tiveram, e ainda têm, na cena
do RAP e Hip Hop no Brasil, o Atitude Feminina possui dentre suas principais
características letras que narram o pouco envolvimento feminino no hip-hop nacional, a
violência doméstica e a discriminação com as mulheres.4
O grupo de RAP formado por Jane Veneno, Hellen, Giza Black e Aninha, em
sua maioria, mulheres negras da cidade de São Sebastião, foi formado em
2000 e lançou seu primeiro álbum em 2006 com o nome Rosas. Atitude
Feminina87 indica não somente o nome do grupo, mas também as conquistas
do movimento de mulheres no Brasil no ano de 2006. (OLIVEIRA, 2017:
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Embora uma das bandeiras mais importantes levantadas pelo Atitude Feminina
seja a da violência doméstica, o tema aqui analisado é de que maneiras o grupo canta
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https://www.letradamusica.net/atitude-feminina/biografia-artista.html
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armadas e o esporte favorito da “mulecada” é pular os muros do Lago Sul, bairro nobre
localizado no Plano Piloto. Essa aventura de adentrar espaços proibidos do centro ressoa
a ideia de pirataria já cantada por Vera Verônika.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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