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HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA

FUNDAMENTOS DA IMAGEM PARTE I


Conteudista
Prof. Me. Cesar Luis Mulati
UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA DESCOBERTA DA FOTOGRAFIA

NO SEC. XIX

Quando Vasari, em seu livro “As Vidas”, numa primeira tentativa de se


contar a história da arte através da vida dos artistas, propõe a façanha de
‘unificação das artes’ dizendo que o desenho é o pai de todas elas, a
pintura a mãe, a escultura e a arquitetura as filhas (CARAMELLA, 1998, p.
33), não contava que um dia pudesse surgir uma nova forma de produção
artística que tivesse seu foco orientado por uma máquina e não pela
habilidade manual. Processo esse que muito antes de ser conhecido e
utilizado em sua totalidade, tem a sua autenticidade questionada
enquanto arte, assim como coloca Walter Benjamim (1985, p. 176):
Muito se escreveu, no passado, de modo tão sutil
como estéril, sobre a questão de saber se a fotografia
era ou não uma arte, sem que se colocasse sequer a
questão prévia de saber se a invenção da fotografia
não havia alterado a própria natureza da arte.

Dentre muitos questionamentos a cerca da descoberta da fotografia,


levantados principalmente por pessoas que não admitiam o surgimento de uma
mídia, que pudesse fazer frente à pintura, já que a consideravam um ato divino,
inspiração e criação direta de Deus, um partia de um dos grandes
representantes dessa opinião, a Igreja Alemã, e podia ser lido num artigo
publicado no jornal chauvinista Leipziger Anzeiger: “Querer fixar efêmeras
imagens de espelho não é somente uma impossibilidade, como a ciência alemã
o provou irrefutavelmente, mas um projeto sacrílego. O homem foi feito à
semelhança de Deus, e a imagem de Deus não pode ser fixada por nenhum
mecanismo humano. No máximo o próprio artista divino, movido por uma
inspiração celeste, poderia atrever-se a reproduzir esses traços ao mesmo
tempo divinos e humanos, num momento de suprema solenidade, obedecendo
às diretrizes superiores do seu gênio, e sem qualquer artifício mecânico”.

Como arte ou não, a fotografia nasceu forte e saudável no seio da


Revolução Industrial, assumindo imediatamente o seu caráter de
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reprodutibilidade e gerando um produto vendável que tem no processo
capitalista o meio ideal para se desenvolver. Momento em que a produção de
imagem se vê obrigada a pautar-se por novos requisitos como: exatidão,
rapidez de execução, baixo custo e a própria reprodutibilidade. Considerando
que nessa época, boa parte da população era analfabeta, a importância da
informação visual é inquestionável, o que, aliada ao processo de produção
industrial, confere a fotografia um rápido desenvolvimento, elevando em pouco
tempo a imagem impressa ao grau de maioridade.

Paralelamente a ‘magia’ finalmente conquistada pelo homem, a fim de


imprimir a imagem real, no século XIII, com a Xilogravura e depois, na Idade do
Metal, século XV, com a água-forte e por último na Idade da Pedra, século XIX,
com a Litogravura, a fotografia organiza seus primeiros passos em algumas
categorias que vão envolver uma sociedade ávida por imagens e que encontra
nesse processo o meio para participar imediatamente da história, seja como
produtor dessas imagens, seja como objeto delas.

O retrato, durante os primeiros momentos da descoberta da fixação da


imagem real por Daguerre, o que corresponde aos seus primeiros dez anos, foi
a forma mais popular de fotografia, desejado avidamente por pessoas que
queriam ter sua imagem real registrada, experimentando pela primeira vez uma
“representação fiel”, deixando de lado a idealização e subjetividade,
características do desenho e da pintura, ou seja, a intervenção da mão
humana, uma vez que a responsável pela imagem fotográfica era a relação
homem-máquina e não, como se pensava no inicio, o dom divino do homem.
Desejo esse satisfeito pelo “Daguerreótipo”, a primeira técnica fotográfica que
permite a gravação fiel da imagem do retratado em uma superfície de prata
polida, revelando detalhes sutis que a pintura à mão, até então, se furtava, e
criando um paradoxo, pois apesar de detalhada a imagem era enganosa,
levando o observador a olhar a foto em seu estojo entreaberto, individualmente
e a luz de um lampião, como se estivesse próximo a desvendar um mistério.

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LOUIS JACQUES MANDÉDAGUERRE: Natureza morta no estúdio do
artista, 1837. Reprodução do livro Fotografia: Manual Completo de Arte e
Técnica. São Paulo: Abril Cultural, 1978, pág.13.

Esse é o mais antigo daguerreótipo que se tem conhecimento, e foi feito


no próprio estúdio de Daguerre onde ele montou algumas figuras de gesso, um
quadro emoldurado, uma garrafa de vinho e dobras de tecido. O resultado é um
estudo com sombras, texturas e detalhes.
Outro paradoxo é a imagem única que o Daguerreótipo gerava,
conferindo à fotografia no momento do seu surgimento um status de obra
única, o “ünicum”, pelo qual a pintura se enaltecia como arte. Uma
característica da qual em pouco tempo esse novo modo de representação se
desvincularia, afirmando-se definitivamente como uma técnica que tem na
reprodutibilidade a sua essência fundamental.

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Um estranho fascínio por essa “imortalização única” da imagem própria
promove uma busca exagerada por ateliês fotográficos recém inaugurados, a
maioria por pintores importantes que aderiram à nova técnica como meio de
comunicação, reiterando a discussão que preconizava o extermínio da pintura
em detrimento da fotografia. Uma previsão que não se confirma com a
intensidade ou profundidade como era colocada, mas que teve no retrato
pintado à mão, o retrato a óleo, uma vítima fatal, sendo praticamente relegado
a segundo plano.

FOTÓGRAFO DESCONHECIDO: Retrato de família, 1850. Reprodução


do livro Fotografia: Manual Completo de Arte e Técnica. São Paulo: Abril
Cultural, 1978, pág.15

Formam esse grupo de fotógrafos artistas nomes importantes como


NADAR, CARJAT, LE GRAY, HILL, ADAMSON E JULIA MARGARETH
CAMERON, que na América e na Europa dirigem suas lentes para as
personalidades mais conhecidas da época, buscando um tipo de retrato que
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possa representar com mais profundidade o interior, a sensibilidade, a essência
das pessoas, “manipulando” o momento fotográfico em busca da construção de
uma representação mais próxima à pintura, como consegue magistralmente a
fotógrafa inglesa Julia Cameron com seus retratos vitorianos que são um
tributo ao romantismo vigente, ou o fotógrafo NADAR que, fotografando as
principais personalidades da época, imprime em suas fotografias um tom de
realismo e detalhismo que caracterizaram sua obra.

JULIA MARGARET CAMERON: Dias de Verão, 1865. Reprodução do


livro Fotografia: Manual Completo de Arte e Técnica. São Paulo: Abril Cultural,
1978, pág.37

Neste grupo vitoriano, fotografado por Julia Margaret Cameron, a luz cai
nas faces angelicais e deixa as roupas na penumbra. Nenhum modelo olha
diretamente para a câmera e seus modos tranquilos sugerem um lânguido dia
no campo. Mrs. Cameron tornou-se uma retratista por excelência e foi uma das
primeiras a descobrir que a proximidade e os efeitos de iluminação podiam
enfatizar a natureza humana.

Paralelo, portanto, a esse tipo de trabalho de excelente nível e preço


alto, por isso voltado muito mais para as classes abastadas que podiam pagar

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por Daguerreótipos que chegavam a custar 25 francos ouro na época, um outro
grupo de fotógrafos propõe fazer uma fotografia mais barata, um retrato menos
elaborado e mais objetivo, com um cunho unicamente comercial. Esse
processo é desencadeado por um fotógrafo de nome Disdéri, que descobre no
cartão de visita uma forma de popularizar o retrato, até então elitizado pelo seu
alto custo. Disdéri, pouco preocupado com a estética apurada dos fotógrafos
artistas, promove uma vulgarização dos “ícones” fotográficos, usando todos os
artifícios que lhe são possíveis para adular o cliente, como o retoque de suas
fotografias e a construção de cenários artificiais para as fotos que
representavam o status desejado pelo retratado. Guardada, porém, as devidas
proporções do que isso poderia representar para a fidelidade da representação
da “imagem” do retratado, esse tipo de fotografia, juntamente com os retratos
“artísticos”, propiciaram a divulgação e a aceitação da fotografia enquanto a
“matriz das modernas técnicas de representação do real” (ACHUTTI, 1997, p.
23).

Retomando, porém, a questão levantada há pouco sobre a condição


ainda de obra única do Daguerreótipo, que não permitia a reprodução,
contrariando a condição primordial de reprodutibilidade que conferiu a
fotografia o seu caráter particular, situa-se aí a causa do pouco tempo de vida
dessa técnica, a daguerreotipia, e ainda o motivo que levou vários
pesquisadores paralelamente ao desenvolvimento da daguerreotipia,
pesquisarem nesses primeiros momentos, técnicas que permitam o avanço da
fotografia, por exemplo, como faz o inglês Henry Fox Talbot que descobre e
dissemina o sistema negativo/positivo por volta de 1840, o qual denominou de
Calotipia. Por conta da pouca definição das cópias originadas por negativos a
base de papel, o Calótipo não concorre com o Daguerreótipo, que ainda
propiciava uma imagem mais detalhada. Mas, a preocupação crescente com a
possibilidade de reproduzir imagens que satisfizessem o gosto consumista da
sociedade burguesa da época, fomenta ainda mais as pesquisas no sentido de
se chegar a uma cópia mais elaborada, o que começa a se tornar viável com o
processo divulgado por Frederich Scott Archer, em 1851, e que se trata de uma
chapa de vidro emulsionada com sais de prata, que por ser mais translúcida
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que o papel, gera um negativo menos denso, permitindo uma cópia mais nítida
ou detalhada da imagem. Esse processo, chamado de Colódio Úmido, provoca
uma certa expansão na fotografia, pela possibilidade de se obter varias cópias
da mesma imagem e pelo seu custo menos elevado que o Daguerreótipo.
Apesar desse processo apresentar um inconveniente que é a fragilidade das
placas de vidro, pesadas e nada versáteis, principalmente porque precisavam
ser emulsionadas, expostas e reveladas num curto espaço de tempo, antes
que a emulsão secasse totalmente, muitas cenas da primeira fase da fotografia
foram registradas por esse processo. Cenas que não se limitavam só a
retratos e que, por um processo ou outro, se expandiam por outros caminhos,
outras preocupações, outras funções, como o campo da Arte, que foi
amplamente invadido pela nova técnica.

NADAR: Sarah Bernhardt, 1859. Reprodução do livro Fotografia: Manual


Completo de Arte e Técnica. São Paulo: Abril Cultural, 1978, pág.17

Exemplo de uma imagem obtida a partir da chapa úmida de colódio,


técnica que vai promover uma certa expansão na fotografia.

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FOTÓGRAFO DESCONHECIDO: Retrato de uma senhora francesa,
1840. Reprodução do livro Fotografia: Manual Completo de Arte e Técnica. São
Paulo: Abril Cultural, 1978, pág.16

Nessa primeira fase, muitos fotógrafos utilizam processos fotográficos


para registrarem com fidelidade, imagens que depois são pintadas em quadros
á óleo. Eram os chamados fotógrafos pictorialistas, que copiavam em seus
quadros a imagem registrada pelo processo fotográfico, muitas vezes
infinitamente mais interessante do que a pintura que delas derivava, como é o
caso do renomado pintor David Octavius Hill, que em 1843 fotografou 470
clérigos escoceses para serem pintados em um gigantesco quadro em
comemoração a Igreja Livre da Escócia e que ao terminar a pintura em 1866,
entrou para a História como um dos primeiros artistas a converter boas
fotografias em má pintura (SZARKOWSHI, 1999, p. 16).

Para que se visualize de maneira mais didática esse campo da fotografia


pictórica que fomenta tantas discussões no começo de sua história, compomos
esse período em três correntes principais, sendo a primeira representada por
Oscar Rejlander, um fotógrafo e pintor sueco que na década de 50, utilizando-
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se da técnica da fotomontagem, cria um dos mais ambiciosos exemplos de
pseudopintura que a câmara jamais produziu, conhecido como “as duas formas
de viver a vida”, obra que na ocasião de sua apresentação ao público é
refutada por esse mas que acaba sendo curiosamente adquirida pela rainha
Vitória com a qual presenteia o príncipe Alberto, em 1857; a segunda por
Henry P. Robinson, que também utilizando a técnica da fotomontagem busca
uma fotografia de cunho mais realista e menos alegórica, estabelecendo os
princípios de composição e uso da luz em conformidade com a pintura do
século XIV; e por último, a terceira corrente que influenciada pela pintura
impressionista, desenvolve uma fotografia de foco suave e temática afetada,
alcançando inúmeros seguidores no final do século XIX (COSTA, 1991, p. 262-
263). Essas três correntes, portanto, por se referenciarem basicamente nos
elementos da pintura, constituíram o que se chamou de pictorialismo, e que se
não respondeu à célebre questão de ser a fotografia arte ou não, legitimou o
trabalho de um grande número de fotógrafos dentro dessa categoria de
produção fotográfica.

O.G.REJLANDER: Duas formas de vida, 1857. Reprodução do livro Fotografia:


Manual Completo de Arte e Técnica. São Paulo: Abril Cultural, 1978, pág.23

Em 1857, Oscar G. Rejlander, um fotógrafo e pintor sueco, expôs um


dos mais ambiciosos exemplos de pseudopintura que a câmara jamais
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produziu. Arrumando e fotografando isoladamente uma sucessão de
modelos, Rejlander reuniu nada menos do que trinta negativos num complicado
recorte.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAMS, Ansel. A Câmera. São Paulo: Senac, 2002

ADAMS, Ansel. A Copia. São Paulo: Senac, 2000

ADAMS, Ansel. O Negativo. São Paulo: Senac, 2002

BENJAMIM, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”.IN:

Obras Escolhidas I - Mágia e Técnica. SP, Brasiliense, 1985.

CARAMELLA, Elaine. Historia da Arte – Fundamentos Semióticos. Bauru, Sp:

Edusc, 1998.

FABRIS, Annateresa. FOTOGRAFIA -Usos e Funções no seculo XIX. Edusp,

1991.

HEDGECOE, John. Guia Completo de Fotografia. Martins Fontes, 224p.

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