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CAPITULO X.
denunciados por suas mulheres (De bellis civilib. IV, 23.) Duvido que
no curso de nossa revolução se encontrem similhantes abominações.
( 1 ) No tempo de Tiberio, um defensor das mulheres era
obrigado a confessar que haviam poucos casamentos sem mancha: vxs
praesenti custodiá man illoesa conjugia ). Tacito Annal., III, n. 34 ).
( 2 ) Plinio couta ter visto Lollia despender em um jantar cerca
de quarenta milhões de sestercios de perolas (lib. IX, n. 58 ). Mas
o que é ist em comparação dos excessos referidos por Tacito ? des-
ses espectaculos de gladiadores, em que vinham combater muitas mu-
lheres illustres ? feminarum illustrium senatorumque plures per are-
nam faedati sunt. ( Annal. lib. XV, n. 32 ): dessas festas infames, em
que illustres matronas imitavam a devassidão das prostitutas nos lupa-
naria feitos para este fim ? crepidinibus stagni lupanaria adstabant,
illustribus feminis completa. ( Annal XV, 37): dessas demasias de im-
moralidade, de que o historiador só faz menção uma vez para não repe-
lil-as ? ne soepiús, diz elle, eadem prodigentia narranda, sint. ( Annal.
XV, 37 ): dessas mulheres que se entregavam aos escravos com tama-
nho furor, que foi necessario que, no tempo de Claudio, se propozessem
no senado castigos contra ellas? ( Annal. XII, 53): dessas devassidões
que se ostentavam com tanto escandalo, que fôram precisas leis para
punil-as ? Senatús deoretis libido feminarum coercita. ( Annal. II, 85):
repressão sempre vã ! esforços sempre impotentes!
(3) Caio I, 148, 149.
(4) Idem, 149.
(Si) Tito-Livio, XXXIX, n. 49. Um Senatus-Consullo do anno de
566 investiu deste previlegio a Fescenia Hispala, que havia revelado o
segredo da conjuração das Bacchanaes.
( 6 ) E' o nome que tinha (Caio I, 154).
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lhe;—era a mulher que tinha auctoridade sobre elle: não era
elle que era o tutor;—era ella que possuía a tutela. Ci-cero
nos fez conhecer este imperio de seducção, esta astucia
feminina para escapar ao freio das leis (1). es tutores
tornaram-se pois quasi inuteis (2): a sua condescendencia
que deveria fazel-os supprimir, pelo contrario os salvou. As
mulheres, que os subjugavam, se accom-modaram com elles;
e todos os seus artificias, se dirigiram contra os tutores
legítimos, cuja intervenção, era mais sevéra e mais efficaz
(3), porque, como agnatos, tinham in-teresse na conservação
dos bens da família (4 ). As mulheres chegaram a illudil-os
em parte por meio de um pretexto legal, isto é, de vendas
fictícias, que as livravam da tutela legitima, e as punham sôb
a nominal de um tutor fiduciario (5).
No tempo de Augusto as coisas se aggravaram: o que se
conservava de real na instituição sofreu um grande re-véz.
pelas leis Papia Poppêa, que prodigalisaram as dispensas da
tutela ás mulheres livres que fossem mães de tres filhos, e ás
libertas que o fossem de quatro (6). Em fim, algumas
exempções especiaes e de pura graça foram concedidas a bel-
prazer dos imperadores ás mulheres que não preenchiam as
condições da lei (7).
Dentro em pouco a tutela das mulheres, abalada por
estas excepções, falsificada tambem, como se ha visto, pelo
systema das opções, pelo dos tutores fiduciarios, e pelas
dações arbitrarias de tutores testamentarios, soffreu, no
reinado de Claudio, um attaque mais grave do que todos os
outros. Uma lei dispensou as mulheres ingénuas da tutela dos
agnatos, deixando só subsistir a dos patronos sobre as suas
libertas (8): era isto cortar toda a parte politica
Além disto, no tempo de Ulpiano era ainda regra ficar o marido so-
brevivente com o dote, salvo nestes dois casos: 1.° quando o pae da de-
funeta fôra o que constituira o dote; havia então um retorno legai em pro-
veito seu; 2.°» quando um retorno convencional houvesse sido estipulado
polo constituinte, qualquer que fôsse. (Ulp. VI, Fragm. 4, e 5 ).
(1 ) Valerio Maximo refere a severidade de Egnacio Metello, que
mandou matar sua mulher pôr ter bebido vinho ( VI, c. 3, n. 9.) O
marido, dizia Gatão, é o juiz de sua mulher: tem sobre ella um imperio
absoluto. ( Aulo-Gellio X, 23.) Junge Plinio, XIV, 43—44; Tacito, An-
nal., XIII, 32. Montesquieu, Esprit des lois, 40, 7, c. 10. Niebuhr, t. I,
p. 324, n. 635. Pothier, Pand., t, I, p. 23, n. 24.
Vê-se, no proprio Tacito, um marido perseguido por não ter usado
de seu poder legal contra sua mulher, que se matriculára no registro
das prostitutas Quod ultimem legis omisisset (Armai., 85).
Tito-Livio XXXIX, 18, conta um lacto curioso, mas que só deixa
vestíiio na execução das sentenças pronunciadas por juizes publicos
contra as mulheres. Vide Dion. de Halyc, XI, 4. (2) Mariti
judicio permissa.
(3 ) Annal., XIII, 32.
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tianismo Tertulliano (1) não falia em outras vinganças: eram
insufficientes em um tempo em que o divorcio parecia não ser
mais que um accidentc ordinario no casamento. E demais, o
poder marital, isto é, essa acquisição a titulo universal pelo
marido, da esposa e de todos os seus bens, estava longe de ser
geral. A confarreação, de que elle era consequencia (2), tinha
quasi cabido em desuso, participava, da sorte do velho culto
pagão, a que se ligava (3). A coempção, outra fonte do poder
marital, sem duvida era mais frequente : Caio noi-a menciona
como estando em plêno rigor em seu tempo (4). Mas pelo
menos haviam tantos casamentos sem a coempção e que dei-
xavam a mulher fóra do poder, como casamentos acompanhados
desta fórma civil. As mulheres se inclinavam ás uniões despidas
das solemnidades da coempção, por diversas razões: umas para
conservarem a propriedade de seus bens, e terem assim a
faculdade de se divorciar (5); outras por espirito de religião,
afim de estarem em menor dependencia de seus maridos pagãos;
porque os casamentos mistos se multiplicavam, e começavam a
attra-hir a attenção dos padres da Egreja (6). Por outro lado, á
proporção que o numero dos christãos se tornava mais
consideravel, os casamentos se celebravam mais frequentemente
com as cerimonias do novo culto ( 7); e desde o momento em que
a religião os firmava com o seu sello, crer-se-hia duvidar da
plenitude de seu poder, se lhes ac-crescentassem as fórmulas da
coempção, fortemente suspeitas de paganismo. Dahi resultou
perder-se o poder marital, com as fórmas civis de que elle
provinha. As mulheres casadas chegaram a um gráu de liberdade
desconhecido na maior parte dos systemas de legislação ;
podéram
CAPITULO XI.
( 1 ) Paulo, Sent., IV, t. VIII, § 22. Just., Inst., III, tit. II de le-
git. agnat. succes., § 3 ; L. 58, C. Just. de legit haered. Sobre a lei
Voconia, veja-se a Memoria de Giraud. (Mém. de l'Institut., Acad.,
das se. morales et poliliq., Savans étrangers, t.I, p. 559 ) Esta lei era
extranha á successão legitima ; só dizia respeito á capacidade das mu-
lheres para herdarem em testamento. Sustentada por Catão, tinha o sel-
lo de seu charater inflexivel.
(2) Caio, III, Com., 17.
( 3) Escrevia no reinado de Marco Aurelio.
(4) Strictum fuerit., III, 18. Hae juris INIQUITATES, Id., 25.
(5) Caio, III, 18 e seg.
( 6 ) Caio cita estas causas no n. 20.
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herança, os outros gráus da agitação não têem direito á
successão.
As mulheres agnatas que não forem irmãs, não têem
direito algum.
Emfim, os cognatos, parentes pelo lado femiuino (1),
soffrem a mesma exclusão; de sorte que a mãe, que não tiver
sido collocada na classe de filha e de irmã pelo maniu (2), não
succede a seu filho óu a sua filha, assim como seu filho e sua
filha tambem lhe não succedém.
Poder-se-há vêr nada de mais contrario á equidade ?
iniquitates !
Assim falia Caio, e ao mesmo tempo nos apresenta o seu
programma de reforma. Os elogios que prodigalisa ao pretor por
havel-a realisado contrastam com as suas censuras, e mostram
que seus votos estam satisfeitos. Darei aqui a paraphrase de
seu texto (3 ).
Em primeiro logar o edicto pretoriano chama á suc
cessão, pelo meio indirecto da poste dos bens, todos os fi
lhos, sem distincçSo de emancipados e não emancipados.
A emancipação já não dissolve o laço civil de parentesco
entre o pae e o filho(4): nSo diminueo numero dos her
deiros seus.
Uma terceira classe de successiveis é formada pelas
innovações do pretor. A gentilidade perdêra-se nas revoluções
que aflectaram as instituições publicas(5) : porem em logar
desta creação arbitraria do direito civil, superada pelo tempo e
força das coisas (6), os pretores estabelecem uma classe de
successiveis que extrahem a sua vocação do parentesco natural,
do unico laço de sangue. De que se compõe clla ?
1.° Dos agnatos emancipados; porque se perderam o
parentesco civil, conservaram o natural, que deve ser to-
( 1 ) L. 5, C. de legit. hoered. ( 2 )
Novel. 118. Ânno de 540.
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da barbarie, á resurreição do principio aristocratico durante a
edade média, e aos ardentíssimos interesses do feudalismo. O
codigo civil francez apoderou-se della, e nella encontrou a sua
mais bella pagina. É o programma das opiniões mais liberaes e
mais sabiamente progressivas.
Mas como em um século em que tantas coisas declinavam,
se elevou Justiniano a sinmilhante altura ? Não me parece
difficil resolver esta. questão.
No século. VI, todas as molas da antiga civilisação estavam
definitivamente gastas ou quebradas] os estudos gregos, que
haviam polido Roma e formado os seus grandes genios, estavam
extinctos pela suppressão da famosa es-chola de Athênas (1),
patria litteraria de Cicero e Horacio. O polytheismo exhalava o
ultimo suspiro com a morte voluntaria de seu ultimo
representante, o patrício Pho-cio (2). Na ordem politica, a
aristocracia romana havia descido todos os degráus, e a sua
imagem por toda a parte obliterada havia cedido o logar á
egualdade de. obediencia sôb o despotismo de um só. Ella
que havia imposto o seu espirito exclusivo e tenaz ás
instituições religiosas, politicas, civis e domesticas, sem querer
exceptuar coisa alguma, achava-se expellida de todos os pontos.
No meio desta dissolução, um só elemento se conservava
em pé :—era o christianismo. Os seus progressos e os seus
grandes homens de sobejo dizem qual foi a sua energia.
Que, é feito das sciencias em Alexandria, em Berytes ? São
apenas as servas da theologia!!! Qual é d'então em diante o
character das leis ? Lêde os primeiros, títulos do Codigo de
Justiniano: de summâ Trinitate, de Epis-copis et Clericis !!
Qual é a occupação favorita do principe ?—Discutir as materias
ecclesiasticas, e applicar a ellas o seu espirito activo e subtil
(3). É pois do christianismo que parte o movimento, quer na
ordem moral quer na ordem politica.
Ora, se é verdade que uma épocha recebe do elemento que-
a domina o principio de suas modificações, não procuremos
fóra do christianismo a causa principal das
IMPRESSOEMPERNAMBUCO,TYPOGRAPHIADEMEIRAHENRIQUES,1852.
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